Por A Voz Rouca
👩🏽🏫 DIÁRIO DA QUARENTENA #17
💻 Educação nos tempos de corona
VIOLÊNCIA ESCOLAR
Confesso que não tinha noção da violência que nós, professores, sofreríamos com essa quarentena.
Sou professora de matemática do ensino fundamental II e, a cada vídeo aula gravada me pergunto: Qual é o sentido de, no meio de uma pandemia e caos mundial, se ensinar polinômios, equações e fatoração? Que significado isso tem na vida dessas crianças se eu nem sei em quais condições elas se encontram?
Pois bem, no meio disso tudo, com vidas e vidas sendo perdidas e o Brasil com mais de 15 mil mortos, eu sou obrigada a seguir um cronograma para que não percamos as datas das provas mensais. Sim, um cronograma que não feito por mim e em uma época em que esperávamos que tudo prosseguisse “normalmente” e, sim, provas mensais.
Antes mesmo disso tudo eu já achava as provas uma babaquice, nesse contexto então…
Qual o significado de uma nota 4 para um aluno que não interage comigo pelos vídeos e que eu estou sem notícias desde meados de março? Qual o significado de um 10? O que são esses números? Que tipo de avaliação é esse em forma de teste em que eu sou obrigada a aplicar para os alunos para mostrar que nós, docentes, estamos trabalhando?
A minha escola é particular, se encontra em uma zona da periferia de São Paulo e, para falar a verdade, ela é violenta na forma de tratar todos que à frequentam.
É violenta porque os docentes nessa pandemia são coagidos se questionam a forma como a escola conduz os processos pedagógicos. Sofremos assédio moral a todo tempo.
É violenta porque não tem nos pago em dia e somos ameaçados caso não entreguemos os nossos vídeos no prazo.
É violenta porque em algumas semanas eu gravei uma média de 60 vídeos ( 60! Pois assim daria conta de terminar o capítulo da apostila) e isso “faz parte do meu trabalho”.
É violenta porque desrespeita os alunos que, nesse processo, foram despejados de suas casas por não conseguirem mais pagar o aluguel. Nós? Continuamos mandando vídeo aulas (Meu Deus!!!).
É violenta porque temos alunos depressivos e sabe quais notícias temos deles? Nenhuma. Mandamos conteúdos e está tudo certo.
É violenta porque somos vigiados. Não podemos enviar nenhuma mensagem aos alunos com o próprio aplicativo da escola, sem pedir permissão da diretora antes.
É violenta porque os docentes estão perdendo a cabeça em troca de se mostrar serviço. Ou melhor, em troca de mensalidades pagas.
É violenta porque não respeita que nós, professorxs, não temos somente esse papel. Estamos sofrendo psicologicamente, nos sentindo pressionados, frustrados, inibidos e de mãos atadas. Sentimos medo de perder o emprego, somos silenciados pois senão nosso salário não vem, quase uma tortura diária.
“Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar”. Esse é o livro que tem aliviado o meu coração e que desperta em mim a coragem da carreira docente. Traz esperança para que, quando tudo isso passar, ainda continuemos nas salas de aula.
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(A Voz Rouca irá publicar na sua página relatos de abusos cometidos pelas escolas contra os trabalhadores durante a crise do Coronavírus. Caso você queira compartilhar alguma história, é só nos procurar ).