Por Ricardo Mezavila

Apesar da vitória do Democrata Joe Biden, o presidente Donald Trump de 2020 venceu o candidato Donald Trump de 2016. Em números absolutos, Trump conseguiu mais votos agora do que na eleição que o levou à Casa Branca, mas que foram insuficientes para alcançar os votos anti-Trump dados a Biden.

Com a quantidade de votos recebidos, Donald Trump passa a ser o segundo maior captador de votos dos EUA, tendo aumentado este contingente entre os afro-americanos e latinos, colocando o Partido Republicano dentro do bolso para 2024.

Isso sinaliza que, apesar de os Democratas retornarem ao poder, a extrema-direita não está enfraquecida. Grupos extremistas ativos podem criar uma onda para demonstrar que o trumpismo está vivo fora do Partido Republicano, incorporado e insuflado nas linhas que Trump escreveu nos últimos quatro anos.

O trumpismo se tornou um fenômeno comportamental de autoafirmação entre supremacistas, que saíram recentemente do armário e querem espaço. Não aceitarão o expurgo com a derrota de Trump. Pelo contrário, avançarão com reflexo em países de viés autoritário como o Brasil.

O Deep State norte-americano estará ainda mais organizado e independente depois do mandato de Trump que, apesar de meio estabanado, criou uma ligação identitária mais sólida, uma aproximação entre aqueles que se avizinhavam, mas não pareavam.

Em relação ao Brasil, a vitória de Biden não mudará a relação comercial com os Estado Unidos. Sobre a Amazônia, questão politizada por Bolsonaro, que desdenhou do Fundo criado para captar doações para investimentos em projetos sustentáveis, a cobrança por políticas ambientais será mais enérgica e sujeita a sanções.

Na política interna brasileira, de imediato a derrota de Trump impacta negativamente a imagem de Bolsonaro, que chegou a dizer que “a esperança é a última que morre”, assim que Joe Biden mostrou reação em Estados como a Geórgia e Pensilvânia.

Em um segundo momento, a tendência é que, assim como nos EUA, os apoiadores e seguidores do bolsonarismo reajam e intensifiquem ainda mais o apoio a Bolsonaro para a reeleição.

O fato é que, assim como Trump, o presidente brasileiro também foi muito mal em questões chaves como meio-ambiente, economia e, principalmente, o fiasco no combate à pandemia.

Em 2022 o cenário será interessante, com o antipetismo e o provável antibolsonarismo que surgirá depois de quatro anos de desgoverno. A probabilidade é que o eleitor independente, aquele que não vota ideologicamente, fique à mercê de um outsider, que no contexto pode ser da centro-direita, ou direita, o velho disfarçado de novo.

Ricardo Mezavila é pós-graduado em ciência política, com atuação nos movimentos sociais no Rio de Janeiro.

11 COMENTÁRIOS

  1. Tanto a extrema-direita segue fortalecida que a análise de esquerda continua a usar “conceitos” vindos da extrema-direita, como “Deep State” – o qual foi importado pela extrema-direita euro-americana da extrema-direita turca e hoje circula impunemente entre analistas de esquerda de vários matizes como se fosse uma coisa dada e bem clara.

  2. A democracia das palavras e dos conceitos também é uma conquista. O termo Deep State escrito no texto está em itálico, não há necessidade de maiores explicações.

  3. oras, o Deep State não é praticamente sinônimo de Estado corporativo? Exatamente aquela parte do Estado que na maiorio das democracias não se modifica com o processo eleitoral? Não estamos falando dos funcionários de carreiras e das ligações entre administração e empresas? De todas formas, se agradece referências sobre a extrema-direita turca e o conceito de Deep State!

  4. A colocação está correta, pois diz “O Deep State norte-americano estará ainda mais organizado e independente depois do mandato de Trump…” O Estado Profundo, literalmente, não se modifica, mas percebe-se ainda mais sólido, por conta da maior participação da sociedade, que legitimou com veemencia a importância do establshiment oculto.

  5. Tendo a concordar com o L. Os três comentaristas que se seguiram só tentaram justificar a opção curiosa pela palavra de ordem trumpista. Daqui a pouco vão falar que é uma democracia falar em “protocolos dos sábios de Sião”, “nova ordem mundial”, iluminatis, “ditadura mundial” e, quiçá, marxismo cultural.

  6. Apesar de não acrescentar nada, é interessante acompanhar as críticas da patrulha pseuda sem nenhuma relevância científica, só vício de linguagem mesmo, adquirido na ‘deep web’. Tá valendo!!!!!

  7. Caramba, repetir palavra de ordem é vício de linguagem agora…
    Interessante,
    Ao usar deep state, em inglês, deste modo, se está repetindo a palavra de ordem dos trumpistas e, como diria Engels:
    “Na minha perspectiva, o programa tem de ser tão curto e tão preciso quanto possível. Mesmo que também alguma vez sobrevenha uma palavra estrangeira ou uma proposição não apreensível à primeira vista em todo o seu alcance, isso nao importa”. https s://www.marxists.org/portugues/marx/1891/06/29.htm
    Os camaradas do artigo conseguem, com isto, dialogar com os corações e mentes dos trumpistas brasileiros, parabéns. Bem legal.
    Gostaria de saber se os camaradas patriots do artigo vão começar a reivindicar o Q anon tambem, boa sorte aí? É só um “q”, não tem como ninguém ficar bolado com um q.
    Mas eu sou só um m.

  8. Após ler os ultrapertinentes comentários anteriores, Cordame de Notre Cunda -pansexual e taodadaísta de plantão- desbussolou-se: “Afinal, um copo d’água e um boquete não se nega a ninguém”.

  9. O problema do tal “Deep State” como “conceito analítico” é justamente a sua imprecisão. Vejam que aqui mesmo o Lucas e o Milton não conseguem delimitar o que exatamente se quer dizer com ele, e se nos atentarmos bem, tampouco análises acuradas do “conceito” permitem vislumbrar o que ele quer dizer.

    Lucas, o problema do termo é justamente que ele é de definição imprecisa, e daí que seja tão atraente a retórica de fascistas como Bannon, Erdogan e Dugin. Ele indica uma certa rede de organizações que constituiriam a defesa do “sistema” (não se sabe qual sistema, claro). Em certos contexto o termo é usado não como você indica, mas englobando também grupos religiosos (como judeus e maçons), de mídia, criminosos e sindicatos.

    O autor pode é claro usar como quiser as palavras, mas é sempre bom definir, para evitar confusões e simpatias. Não me estranharia nada achar o trecho que debatemos em textos de grupos duginistas que se pretendem anti-imperialistas e “críticos a Trump”, por exemplo – e eles existem. Com tantas ferramentas de análise do Estado dentro da tradição marxista (para ficar em um exemplo), não vejo porque recorrer a esse fogo fátuo..

    Quanto às origens do termo na extrema-direita turca, o termo em turco é “derin devlet” e é usado há um bom tempo para se referir a um grupo que mantém a segurança do “Estado” instaurado a partir do fim do Império Otomano. Alguns ministros se referiram a grupos de operação “stay-behind”, como os ramos da Operação Gladio na Turquia, mas não era nada muito consolidado no debate turco. Quem vai se apropriar sobretudo do termo é a extrema-direita fundamentalista turca, da qual o Erdogan é representante – o que interessava ao fundamentalismo na medida em que o aparato de Estado turco era, ainda, herdeiro do kemalismo e, portanto, secularista. Em 2007, Erdogan dizia abertamente que o “estado profundo” não só existia, mas que devia ser aniquilado. Obviamente, Erdogan não teve nem tem pudor nenhum de buscar a aliança dos Lobos Cinzas, os “Grey Wolves”, que são justamente um dos braços das antigas operações terroristas de “stay behind” anti-comunistas da Guerra Fria…

    A forma com que a extrema-direita euro-americana se apropria do “conceito” não se restringe ao fenômeno trumpista, porém. Basta ver, por exemplo, esse texto: https://www.algora.com/Algora_blog/2020/03/09/the-donmeh-the-middle-easts-most-whispered-secret-part-ii. Neles, o “Estado profundo” turco incorpora os explicitamente os Donmeh, um grupo judeu turco que teve participação razoável na instauração da república turca kemalista, o qual seria o grupo dirigente dessa rede não só na Turquia mas em todo o Oriente Médio. Daí o autor do texto tenta deduzir uma análise plena da política e história do Oriente Médio a partir da atuação “Estado Profundo” judaico. Não preciso dizer aonde leva facilmente esse tipo de raciocínio, ou preciso? Outro exemplo: https://counter-currents.com/2014/08/schmitt-soberania-e-o-estado-profundo/. Nesse, publicado num site supremacista branco, o autor tenta debater quem seriam os agentes reais do “Estado Profundo” nos EUA – para eles, os judeus são covardes demais para comporem tal “Estado”.

    Ressalto: os dois textos aqui apontados são de antes de 2016, e apontam que a circulação do “Estado Profundo” não é algo exclusivo do trumpismo, embora tenha uma origem e utilidade gigante para a extrema-direita…

  10. O texto diz: “O Deep State norte-americano…..” O senhor L de SP demonstrou conhecimento sobre o conceito de Deep State, embora não se saiba ao certo o que isto significa e quem está por trás. O autor referiu-se ao Deep State ‘americano do norte’ e, como o texto faz referência a Trump e à extrema direita, entendo que o sistema profundo, pelo menos esse, seja composto por extremistas supremacistas e não judeus turcos. Resumindo, a crítica parece ter sido o uso do termo sem conhecimento de fato. Parabéns, L de SP pelo esclarecimento, se um dia eu vier a escrever aqui, gostaria de uma análise sua.

  11. Sérgio, o problema do termo é esse mesmo. Será que o autor se restringia apenas a agências de inteligência? Será que incluía grupos criminosos? Será que ele englobava parte das burocracias partidárias? E cada um destes tipos de organizações têm uma dinâmica própria, juntar tudo não é problemático para uma análise qualitativa? Enfim

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here