Por um usuário dos aplicativos

Alertamos os leitores portugueses que breques e o verbo brecar foi a escolha feita pelos entregadores de aplicativo para designar suas paralisações. Essa palavra remete ao ato de acionar o freio da moto, que no Brasil é chamado de breque.

Entregadores de aplicativo do Rio de Janeiro, sobretudo da iFood, tencionam paralisar este domingo. Dessa vez a concentração vai ser na Avenida das Américas, no Hub do Via Parque, e a pauta principal é o fim da política de sub-praças que vem sendo imposta pela iFood aos entregadores no Rio de Janeiro desde 1º de julho.

A sub-praça vem acompanhada de um regime de trabalho

As sub-praças são contornos geográficos delimitados pelos Operadores Logísticos (OL) onde os entregadores que estão sob seu jugo são escalados para trabalhar. Chamam “praças” contornos geográficos mais amplos: alguns bairros, por exemplo, já configuram praças. Esses Operadores Logísticos são coordenados por empresas terceirizadas de serviços vinculadas à iFood.

Plataformas como a iFood prometem “autonomia dos entregadores”, mas quando impõem o regime de sub-praça estabelece-se um regime muito parecido com o de um celetista/contratado, mas com direitos trabalhistas definidos à boca, porque em tese ainda são “trabalhadores de plataforma”. No Rio de Janeiro essa tendência vem sendo imposta pelo enquadramento desses trabalhadores no chamado regime de “Operador Logístico” (OL). Atualmente existem duas modalidades de vínculo com o aplicativo da iFood: Nuvem, que permite maior flexibilidade e é mais próximo da “autonomia” prometida, e o “Operador Logístico”. O que vem acontecendo no Rio de Janeiro ultimamente é uma pressão para que os entregadores entrem no regime de OL.

O principal instrumento de pressão do aplicativo relatado pelos entregadores é um problema antigo, já denunciado no Breque de 2020, que são os bloqueios indevidos: clientes que cancelam pedidos após recebê-los, “bugs” que indicam que o entregador não concluiu a entrega, enfim, revezes do trabalho que caem na conta do trabalhador. Isso sem mencionar os casos de bloqueio por conta da participação do entregador em uma paralisação, breque ou motociata.

Na hora da acareação do pedido, na maioria das vezes os trabalhadores saem como errados, e para piorar o suporte é precário com os entregadores “nuvem”, muitas vezes respondendo por meio de robôs. Semanalmente muitos entregadores se deparam com pelo menos uma situação dessas, e o medo de ficar sem sua fonte de renda está sempre presente.

Há relatos de líderes OL, aproveitando da deterioração das condições de trabalho dos entregadores-nuvem, prometendo desbloquear suas contas em até 48 horas, se estes optarem por aderir ao regime OL. Além disso, aqueles que ainda trabalham como nuvem denunciam que desde a aplicação do regime sub-praça não recebem mais corridas como antes, enquanto a oportunidade de trabalho — e rendimento — dada aos entregadores por OL é desproporcionalmente maior.

Essa aparente “segurança” da OL é refutada por relatos dos mais diversos, dentre eles o de um trabalhador que participou do breque em Madureira, cuja identidade não será revelada:

Soubemos de um amigo que é pai de família, devido há meses de bloqueio em sua conta aderiu ao OL, ele e outros companheiros estão trabalhando, tentam sair [da OL] e não conseguem. No sub-praça, estão se sentindo ameaçados porque pedem para acabar com isso porque custeiam muito combustível, pegam corrida que não paga um real por km para eles, o que respondem a eles é que se saírem para nuvem vão voltar para análise. Queriam poder apoiar o movimento, mas têm medo de represálias.

Além disso, no regime de sub-praça, fica delimitado que você vai ficar encarregado de fazer entregas a partir de uma região. Concluído o pedido, você não pega outro de onde parou, você volta para a sub-praça. Muitos reclamam que essa dinâmica encarece o combustível necessário para efetuar as entregas.

Além dos sub-praças, a iFood vem testando em lugares como Goiânia, Belém e Ribeirão Preto o regime de Agendamento ou de “entrega com hora marcada”. Ele não é diretamente vinculado a um regime de trabalho específico como são as sub-praças com os Operadores Logísticos, mas imita a ideia de cronometrar e segregar os trabalhadores nuvem a partir de seu desempenho avaliado pelo patrão. Diante desse e outros desafios os entregadores têm se mobilizado, como na última mobilização que aconteceu em 4 de julho. Nunca tardaram em se reunir nos bolsões e nunca esperaram por aprovação do sindicato para se mobilizar.

A mobilização que se iniciou no domingo (04/07) abre uma oportunidade de entregadores de diversos aplicativos, de diversas modalidades iniciarem uma ofensiva contra os aplicativos e estimularem entre si vínculos fraternos. Suas bags são diferentes, mas trabalham sob a mesma chuva, o mesmo sol, servem aos mesmos clientes e diariamente sofrem de problemas em comum.

É nessa conjuntura que se faz necessária uma ampla rede de solidariedade. Além de doação de máscaras, quentinhas e estrutura para atos, precisamos maximizar o esforço em noticiar essas lutas.