Por Amanda Moreira da Silva

Neste carnaval vimos muita gente de esquerda frequentando espaços proibidos com orgulho, como se estivessem enfrentando o sistema e o “carnaval privado”.

Com muito malabarismo político, contorcionismo teórico, militância cirandeira e purpurina lacradora, algumas correntes políticas resolveram fazer do “carnaval clandestino” uma “ação política”.

Mas há nisso uma confusão que, em grande parte, se dá pela perda de todo e qualquer senso de coletividade.

Genuinamente, o sentimento que move um militante de esquerda é a capacidade de sacrificar os impulsos pessoais pela transformação da sociedade, mas estamos vendo que isso vem se perdendo cada vez mais.

Cair na clandestinidade é sair da cena legal, mas isso não é mesma coisa que se embrenhar em locais proibidos por um mero impulso pequeno burguês irresponsável.

Isso leva, inclusive, à banalização do termo “clandestino”, que tem um significado histórico associado à luta política.

Numa situação real de clandestinidade política a orientação é que não se deixe ser capturado para não colocar em risco outras pessoas e a própria organização política da qual faz parte. O militante clandestino o tempo todo tem que estar vigilante, porque qualquer ato irresponsável pode levar um companheiro a cair.

Mas agora o “orgulho clandestino” é o prazer individual. A lógica é “que se dane o mundo, não vão ameaçar o meu carnaval”.

Cabe dizer, também, que o clandestino festivo tem uma enorme capacidade organizativa. Ele é capaz de mover muita gente para ir num bloco proibido na Lapa, criar grupos no WhatsApp para divulgar eventos e postar dezenas de stories, só não é capaz de angariar uma dezena de votos numa eleição ou organizar duas pessoas para irem a uma manifestação.

Enfim. É o que temos pra hoje.

Infelizmente 2022 foi mais um ano sem carnaval oficial em fevereiro para a tristeza de todos. Mais uma terrível marca que a nossa história carregará dos tempos que Jair Bolsonaro governou o Brasil.

São os desafios e fardos do nosso tempo histórico que, infelizmente, temos que carregar, com dignidade e força.

A exigência dos socialistas neste carnaval poderia ter sido justamente que não tivesse as festas privadas, demonstrando as contradições que escancaram as diferenças numa sociedade de classes. Mas, infelizmente, parte da esquerda se furtou a fazer esse debate. E para se contrapor a um elitismo, que de fato existe e deve ser combativo, acabaram reproduzindo as mesmas atitudes dos negacionistas.

Nesta quarta-feira, ficam as cinzas de uma militância.

A clandestinidade política foi a alternativa que muitos militantes de esquerda encontraram para continuar no seu país de origem, combater ditaduras e lutar em defesa dos explorados e oprimidos. Já o clandestino carnavalesco se apoia no argumento de “defender a alegria povo” para forçar uma aproximação com a classe trabalhadora, achando que frequentar um espaço aglomerado, durante a maior crise sanitária (ainda não superada) da nossa história é uma forma de protesto.

Os militantes políticos clandestinos usam o disfarce como forma de mudar a aparência, utilizam um pseudônimo e escondem sua imagem conhecida para não ser capturado. Já os negacionistas carnavalescos não estão preocupados em ser reconhecidos, eles só querem mesmo é usar uma fantasia e estar num bloquinho de nicho hipster, achando que assim estão enfrentando o sistema e defendendo a festa popular.

A clandestinidade política foi a única possibilidade de defesa e de sobrevivência do militante localizado pela repressão. Já o clandestino-festivo não se importa de colocar a própria vida e de diversas pessoas em risco por um desejo de diversão.

Os militantes clandestinos políticos precisam levar uma vida às escondidas por meses, anos, isolados dos afetos e grandes prazeres da vida, aguentando todo tipo de humilhação e até tortura para proteger seus companheiros. Já os clandestinos festivos não se importam muito com as consequências de suas atitudes e consideram que ficar dois anos sem carnaval é a maior privação de suas vidas.

1 COMENTÁRIO

  1. “A boa notícia é que atingimos 73% da meta. A ruim é que parou nesse percentual há três dias. Ajuda aí pra gente bater essa meta. “🖤

    Do Editor lá no twitter

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