Por Angry Workers of the World

Internacional / 10 março 2022

Este é um resumo subjetivo das discussões que têm ocorrido entre os Angry Workers sobre a guerra na Ucrânia. As discussões foram bastante emocionais e pessoais em vários pontos. Vou tentar delinear da melhor maneira possível algumas das partes controversas e convidar outros camaradas para comentar.

Antes de olhar para as questões abertas e contenciosas, há pontos em que concordamos. Concordamos que devemos fazer o nosso melhor para apoiar os manifestantes antiguerra e desertores na Rússia, trabalhadores na Rússia que entram em greve contra as consequências econômicas da guerra e refugiados da Ucrânia que querem escapar do conflito. Queremos apoiar todos os trabalhadores que se recusam a lidar com mercadorias sangrentas, como os estivadores do Reino Unido que se recusaram a descarregar petróleo do Estado russo. É por isso que nos inscrevemos no chamado feito pela Transnational Social Strike Platform, enquanto uma plataforma de ação comum mínima, embora um tanto pacifista, e esperamos colaborar de modo prático.

Ao tentar entender os argumentos controversos, talvez seja útil olhar para o que pensávamos ser nossa posição comum quando se trata de guerras capitalistas e como essa pretensa posição comum entrou em conflito com a situação concreta da guerra na Ucrânia. Creio ser justo dizer que geralmente acreditamos que “os trabalhadores não devem lutar na guerra de seus chefes” e que, embora seja uma expressão verbal muito contundente, “nenhuma guerra além da guerra de classe” poderia expressar nossa linha política geral. Ainda carregamos fragmentos do cordão umbilical que nos conecta aos bastidores de Zimmerwald [Conferência Socialista Internacional de 1915] e outros internacionalistas comunistas do passado.

Acho que estávamos na mesma página quando se tratava de entender o quadro mais amplo da guerra na Ucrânia. Temos ciência da expansão da OTAN e das tentativas do Estado americano de criar uma divisão entre a Rússia, a China e a UE. Conhecemos a ambição do Estado russo de se tornar o policial do hemisfério oriental e de exportar o seu tosco regime totalitário. Não temos dúvidas de que todas essas rivalidades, agravadas pela crise global, se desenrolam na Ucrânia.

Mas o que é exatamente uma guerra dos “chefes”? E de que adianta um princípio internacionalista se sua aldeia está sendo bombardeada por um tanque russo? Até que ponto os trabalhadores na Ucrânia têm somente de se defender de uma agressão militar? Abordamos essa questão em três níveis principais.

O primeiro nível aborda a questão no sentido mais imediato: autodefesa direta. Perguntamo-nos se as pessoas têm uma escolha real se pegam em armas ou não, ou se isso não é algo que lhes é imposto pela situação. Poderíamos dizer às pessoas no gueto de Varsóvia, em Srebrenica ou no momento de um ataque do ISIS para não pegar em armas, porque suas armas podem ser fornecidas por nacionalistas ou sua resistência está de acordo com os interesses de uma das grandes potências imperialistas? Acho que não. No entanto, a situação na Ucrânia é (ou era!) uma situação de “lutar ou ser morto” em um sentido muito imediato? Dada a estratégia do Estado russo de retratar a invasão como uma “libertação” acolhida pela maioria dos ucranianos, o Estado ucraniano tem interesse em mostrar que há resistência. Algumas mortes de civis serão úteis para demonstrar isso. As chamas precisam ser alimentadas e são alimentadas facilmente. Existe esse perigo. Há também o perigo de perder a chance de confraternizar com os jovens soldados russos da classe trabalhadora. Gangues nacionalistas ou o exército regular não terão interesse nem em tentar.

O segundo nível aborda a questão da autodefesa em um sentido menos imediato. Não poderíamos ver uma fileira de tanques russos dirigindo-se ao prédio do governo em Kiev como um ataque às futuras liberdades dos trabalhadores? Como pessoas da classe trabalhadora, pode ser melhor viver do lado da UE, com acesso a melhores mercados de trabalho e com mais liberdades pessoais (a menos que você trabalhe em usinas siderúrgicas ou minas que provavelmente seriam fechadas com uma maior liberalização do mercado). Mas esta não é apenas uma pergunta retórica: muitas pessoas da classe trabalhadora que decidiram pegar em armas também não o fizeram porque “só querem defender suas casas”, nem porque possuem um nacionalismo do tipo “pátria e sangue” [blood-and-soil] profundamente enraizado. Elas não são estúpidas. Eles sabem que a vida no lado ocidental da cortina será melhor.

Mesmo do ponto de vista político mais amplo, poderíamos dizer que o melhor resultado possível da guerra, tanto para a classe trabalhadora local quanto internacional, é a derrota do Estado russo enquanto agressor imediato, a queda de Putin. Não digo isso porque particularmente amo a UE, mas devido ao que aconteceu no Cazaquistão recentemente, onde tanques russos foram usados para suprimir uma revolta popular. E, claro, na Síria. Mas a questão é, como o Estado russo pode ser derrotado? Aqui as coisas começam a deslizar ladeira abaixo. Sendo realista, o Estado russo só será derrotado militarmente quando o exército ucraniano receber mais apoio militar da OTAN (o que já está acontecendo) e sob séria ameaça nuclear, o que pode levar a guerra a sair do controle. Isso daria mais poder à classe trabalhadora global? As sanções não terão um impacto suficientemente pesado (ou, se tiverem, piorarão principalmente as condições para os trabalhadores na Rússia) ou, dada a dependência do fornecimento de energia da Rússia, serão implementadas sem entusiasmo pelos estados da UE (por exemplo, com brechas). Nesse sentido, a maioria dos esquerdistas rapidamente pede “zonas de exclusão aérea” [no-fly zones] ou apoio militar real ao exército ucraniano. Isso está de acordo com os interesses, por exemplo, do novo militarismo alemão na forma do governo Social-Democrata — verde — liberal, que acabou de aprovar um programa de rearmamento de 100 bilhões de euros. Para sua informação, é o Partido Verde no governo, como durante a guerra na Iugoslávia. A “alternativa” ao envolvimento direto da OTAN é uma longa guerra “caseira” com milhares de mortes, o que pode resultar em um lento atrito com o esforço de guerra russo. Mas essa “resistência” estará totalmente nas mãos das forças nacionalistas. Eles podem ganhar, em meio a um banho de sangue — e provavelmente concordam com uma Ucrânia dividida. Isso é uma meia derrota para Putin e uma derrota completa para o internacionalismo da classe trabalhadora.

A guerra na Iugoslávia é um bom exemplo para discutir a situação na Ucrânia. Alguns de nossos camaradas estavam intimamente envolvidos na época, tentando organizar uma solidariedade prática da classe trabalhadora. Tivemos uma onda crescente de encorajamento financeiro e político semelhante das tendências nacionalistas na Iugoslávia, em particular através da Alemanha e da Áustria. Essa história de fundo é muitas vezes esquecida e o foco fica na “caixa preta” da guerra, as “rivalidades étnicas”. Isso permitiu que o governo da Alemanha, o ministro das Relações Exteriores do Partido Verde, justificasse a intervenção militar como uma forma de “impedir um novo Auschwitz”. Cobertura de esquerda para uma brutal liberalização de mercado. Os massacres étnicos não foram realmente impedidos, mas alguns dos Estados da ex-Iugoslávia são agora membros da UE, fornecendo força de trabalho barata ou locais para investimentos lucrativos. Do ponto de vista “individual” dos trabalhadores, pelo menos na Croácia ou na Eslovênia, a sua condição pode ser melhor agora do que sob o domínio “iugoslavo”, tanto econômica como politicamente — mas a que custo se olharmos em perspectiva? Milhares de mortos, divisões nacionalistas aprofundadas na classe trabalhadora regional,…?

Há uma certa vertente de “progressismo objetivo” na esquerda que também reverbera dentro dos Angry Workers. “A derrota do Estado russo será objetivamente melhor para a classe trabalhadora em geral. A UE é melhor do que uma ditadura atrasada. Fazer parte de um bloco econômico avançado com uma ampla gama de direitos democráticos beneficia a possibilidade de a classe trabalhadora travar lutas futuras. Na ausência da revolução, os trabalhadores devem se unir ao bloco capitalista que fornece uma base melhor para as lutas futuras.” Dada a falta de um movimento independente da classe trabalhadora, esse tipo de pensamento é atraente. O problema é que, a médio e longo prazo, ele impede a classe trabalhadora de desenvolver a independência necessária. O que mais aconteceu em 1914? O SPD [Sozialdemokratische Partei Deutschlands, Partido Social-Democrata da Alemanha] argumentou que uma guerra contra o regime do Czar promoveria a causa de um movimento moderno da classe trabalhadora e que os créditos de guerra deveriam ser concedidos — de certa forma, isso não foi uma traição, mas apenas um exemplo de como levar essa abordagem política à sua conclusão prática. Isso se repetiu em várias ”libertações“ onde os trabalhadores tiveram de ficar ao lado dos segmentos “progressistas” da burguesia, desde a chamada independência da Índia às lutas anticoloniais nas décadas seguintes. Mais recentemente, encontrei argumentos semelhantes durante a guerra do Golfo travada pelos EUA em 1990/91. Membros “progressistas” da esquerda alemã argumentaram que Saddam era um louco, anti-semita e assassino em massa (o que ele era!) e que os EUA espalham em todo o mundo o capitalismo avançado, único terreno material para se pensar no comunismo. Portanto, o movimento pela paz era pequeno-burguês e deveríamos parar de ocupar nossa escola.

No entanto, a situação na Ucrânia é diferente. É aqui que entra em jogo o terceiro nível do debate. Nos perguntamos se na própria resistência (armada), tanto no nível de autodefesa política imediata quanto de modo mais amplo, há espaço para desenvolver experiências de solidariedade e comunidade antiautoritária. E ouvimos muito sobre o apoio mútuo na vizinhança, sobre atos de solidariedade entre estranhos e a formação de unidades de combate independentes. A questão aqui é se existe uma base material e política para que esses espaços não sejam engolidos pelo nacionalismo ucraniano, pela máfia, pelo homem forte, pelas potências imperialistas. De onde vêm as armas, quem tem a experiência de combate? Nossos camaradas da Polônia relatam que os preços de armas e equipamentos, como capacetes, subiram drasticamente — há pouca possibilidade de um rearmamento independente. As unidades paramilitares fascistas de Azov estão integradas ao exército regular e recebem armas e instruções modernas através de canais ligados à OTAN, financiados pela oligarquia ucraniana. A “comunidade” pode muito bem ser cunhada em um sentido nacional policlassista, com empresas locais fornecendo ajuda. Pessoalmente, acho que não há a possibilidade de que, sem uma unidade e clareza política da classe trabalhadora formada anteriormente, esse espírito “antiautoritário” possa se desenvolver em uma situação em que o equilíbrio de forças esteja totalmente inclinado para as forças estatais e nacionalistas ucranianas. Essa não é a Espanha em 1936. Mas nunca é e não podemos simplesmente nos reclinar em nossa poltrona derrotista. Talvez tenhamos de aceitar que a classe trabalhadora não reconstruirá gradualmente sua força através de disputas industriais, mas também tenha que se recompor nessas situações confusas…?

Foto: Markus Spiske
Foto: Markus Spiske

Qual seria a alternativa? É realista aconselhar os trabalhadores na Ucrânia a apenas deixar o Estado russo impor seu governo fantoche e depois lutar por sua liberdade “nos termos dos trabalhadores”? Você pode simplesmente reagrupar sob condições de um Estado policial imperial? Você perdeu a oportunidade de lutar pelo espaço necessário para respirar? A história tem exemplos para ambos. Houve muitas situações em que militantes trabalhadores acabaram isolados, encarcerados ou exilados porque evitaram o confronto, esperando por um momento mais oportuno. Depois, houve muitos exemplos em que os trabalhadores conseguiram combater os Estados policiais “em seus próprios termos”, como na Coreia do Sul ou no Brasil na década de 1980, sem muito derramamento de sangue e bobagens nacionalistas. Talvez seja por isso que os trabalhadores na Ucrânia terão de passar, eles podem ter de se acalmar e enfrentar a tempestade da guerra e lutar em seus próprios termos contra o Estado russo ocupante, em vez de participar de uma escalada da guerra sob a liderança da burguesa nacional. Mas esta é uma escolha especulativa, dada a ausência de um sujeito coletivo que capaz de fazer a escolha: quem são “os trabalhadores na Ucrânia”? Talvez o fato de mais de 2 milhões de pessoas terem deixado o país faça parte dessa escolha.

Embora inicialmente a pergunta “O que você faria se estivesse na Ucrânia” fosse produtiva, ela também rapidamente se transformou em um beco sem saída despolitizado. O que você pode fazer se não houver movimento da classe trabalhadora no conflito? Foi assim que acabamos apoiando os esforços gerais “pacifistas”, com um estranho complemento da “classe trabalhadora”. Perguntei a mim mesmo o que gostaria de dizer sobre a guerra aos meus colegas no hospital onde trabalho. Tive uma discussão com um colega porteiro (que recebe um salário baixo) da Polônia, que disse: “é bom que o governo alemão agora gaste mais com os militares. Isso é necessário no mundo em que estamos vivendo, veja só a Ucrânia”. O esboço do folheto abaixo é um experimento mental: o que temos a dizer, não uns aos outros ou a outros membros da esquerda, mas aos nossos colegas de trabalho? É certo que pode ser muito ruim de ler, mas também é uma expressão do desamparo objetivo. Como podemos, realmente, praticamente reconstruir o internacionalismo da classe trabalhadora, além de princípios obsoletos? A esquerda desliza rapidamente para os dois campos opostos (pró-Putin/pró-independência), e as pequenas vozes que pedem unidade da classe trabalhadora e a mudança do sistema dificilmente são ouvidas. Quais ações — de autodefesa, apoio, etc. — facilitariam que essa voz fosse ouvida e quais ações a afogariam ou seriam contrárias a ela?

Rascunho de um folheto…

Da crise à guerra — como encontrar uma saída?

Como os trabalhadores em outros lugares, estamos começando a sair da pandemia e agora somos confrontados com o perigo de uma guerra crescente na Ucrânia. Temos nossas próprias batalhas do dia a dia, que nos cansam. Alguns de nós perderam o emprego durante a pandemia, outros estavam sobrecarregados, agora todos enfrentamos o aumento dos custos de vida. Temos cabeça para pensar na guerra?

Querendo ou não, estamos ligados a essa guerra. Como humanos, que veem os outros sofrerem. Como trabalhadores, cujos salários são consumidos por novos aumentos nos preços da energia e dos alimentos como resultado da guerra. Como possíveis vítimas futuras se as coisas piorarem ainda mais. Mas, de certa forma, estamos ainda mais profundamente ligados à situação.

Em uma sociedade onde tudo tem um preço e é vendido no mercado — da força de trabalho à comida e às armas — a guerra pode ser um bom negócio para alguns. A maioria dos países da UE comercializa armas com a Ucrânia e, ao mesmo tempo, gás e petróleo com a Rússia. Os Estados-nação competem nesses mercados e frequentemente essa competição se transforma em guerra.

Vivemos em uma sociedade onde o potencial para uma boa vida se volta contra nós. A nova tecnologia leva a perdas de empregos e mais estresse no trabalho, porque é usada não em nosso interesse, mas para os lucros. Enquanto a pobreza aumenta, bilhões de dólares, euros e rublos são gastos em máquinas de guerra. Como podem os que estão no poder defender esta loucura, que lhes concede privilégios e lucros? Criando inimigos externos. Os trabalhadores na Rússia certamente não estão felizes, nem os trabalhadores na Ucrânia. Mas em vez de se livrar de seus governantes, eles agora estão presos na guerra.

Foi uma revolta internacional dos trabalhadores que pôs fim a Primeira Guerra Mundial. Agora precisamos de uma revolta dos trabalhadores para evitar a Terceira Guerra Mundial. Podemos apoiar nossas corajosas irmãs e irmãos na Rússia que protestam contra a guerra, arriscando serem detidos e presos. Podemos apoiar os milhares de professores na Rússia que se recusaram publicamente a ensinar a versão de Putin da guerra. Podemos apoiar os trabalhadores na Rússia que estão atualmente em greve devido aos salários não pagos, outro resultado da guerra. Podemos apoiar aqueles que se recusam a lutar em qualquer um dos exércitos em guerra e tentam sair do país. Podemos apoiar os trabalhadores na Ucrânia que tentam resistir tanto à ocupação militar como a ser arrastados para uma carnificina nacionalista. Podemos apoiar os vários estivadores que se recusam a carregar e descarregar petróleo da Rússia ou mísseis de cruzeiro exportados para a Arábia Saudita.

Nosso melhor apoio é lutar por uma sociedade melhor aqui, onde estamos. Precisamos de uma sociedade de solidariedade e colaboração, onde somos nós que decidimos como e o que produzimos para uma vida melhor, e não os mercados, os lucros e os senhores da guerra. Fiquem juntos, contra despejos, cortes salariais, deportações e outros ataques contra nós enquanto trabalhadores!

Traduziu este artigo Marco Túlio e as fotografias ilustrativas pertencem a Markus Spiske.

16 COMENTÁRIOS

  1. AUTONOMIA PROLETÁRIA
    O melhor lugar do mundo é aqui, agora: now+here = nowhere. Utopia concreta, ágora aqui, lugar de protagonismo e ação direta -molecular &/ molar- solidária&libertária.
    A greve selvagem na CSN é já um bom começo.

  2. O link que o Ricardo postou é uma coleção de generalidades que podem ser copiadas e coladas para qualquer guerra. Posições de princípio e abstratas. A favor dos conselhos operários em todo o mundo!

    Incrível mesmo é não enxergar posição internacionalista no Angry Workers e no Passa Palavra

  3. Este posicionamento do Critica Desapiedade está em consonância e faz parte deste que publiquei acima. As tendência internacionalista estão se posicionando com estas “generalidades”.

    ***

    Leo, qual é a proposta concreta além do derrotismo revolucionário?

  4. Como é que se pretende concretizar o derrotismo revolucionário? Infiltrando-se nos exércitos russos e ucranianos para promover agitação e assembleias entre os soldados? Isso me soa muito pouco concreto pois é completamente irreal nos termos atuais da guerra.
    Vejo como muito mais concreto, para o caso das populações lusófonas, a realização de debates abertos contra a guerra, especialmente devido à existência de setores na própria esquerda que estão ativamente justificando a guerra e reproduzindo a linha pró-Putin, a discussão específica em sindicatos e organizações de trabalhadores para mobilizar diferentes atividades em solidariedade aos que estão sendo vitimados pela guerra (manifestantes anti-guerra russos, refugiados ucranianos e também a população civil que ficou na Ucrania), desde manifestações públicas de rua até a coleta de fundos para organizações afins que se encontram no território ou nas proximidades do mesmo.
    Agora, posso estar muito errado, e que o tal derrotismo revolucionário se trate de algo muito tangível. Gostaria de entender melhor como é que os grupos que agitam esta fórmula pretendem levar a cabo sua proposta.

  5. O slogan “Nosso melhor apoio é lutar por uma sociedade melhor aqui, onde estamos” é uma piada de mau gosto a menos que a ideia seja: 1) em países como a Polônia, Portugal, e outros da União Europeia onde são recebidos milhares de migrantes em busca de instrução, moradia, trabalho, e o mais importante, uma vida digna, ajudar a prover solidariedade a essas famílias onde houver desamparo dos estados e municípios; 2) fomentar manifestações e greves políticas direcionadas à embaixada russa no país de origem; 3) realizar atividades de sabotagem em empresas que fornecem insumos bélicos para Rússia; 4) traduzir para sua língua de origem relatos, notícias e reflexões sobre a guerra com o intuito de conscientizar os trabalhadores de todo o globo; 5)exigir anistia para todos os presos políticos na Rússia e Bielorússia por protestarem contra a guerra.

    Do contrário, o slogan não tem outra função a não ser a de adotar uma posição abstrata por constrangimento.

  6. Joker, entendi. Prático é fazer só meio internacionalismo. Tipo o internacionalismo do Mamãe Falei.

  7. Ricardo deve estar partindo do pressuposto que não estou defendendo o internacionalismo expansionista de Putin. Claro, nenhuma das ações que eu menciono facilita a “desnazificação” da ucrânia. Eu não acho que devemos nos solidarizar com o interventor chauvinista patriótico russo que impõe armas contra os ucranianos, obrigado. Nem vou fingir que não é o Putin que agride a soberania de outro país levando terror e fome. Ricardo, acho que você não deveria perder tempo e alistar-se logo no Batalhão Esparta para combater o imperialismo da OTAN.

  8. Joker, gostaria propusesse algo além de propor para mim algo coerente com os posicionamentos unilaterais reafirmamos na sua resposta. Espero que pare de levar para o lado pessoal.
    Lucas, você me pergunta como concretizar o derrotismo revolucionário. É óbvio que o derrotismo revolucionário só pode ser concretizado por aqueles que são alistados para guerra, seja com deserções, motins e tomando as armas contra seus comandantes. Tal como foi feito na revolução proletária mundial que sucedeu a primeira grande guerra, aqueles que não estavam nesta situação apenas se posicionaram e fizeram campanhas informativas. Você conhece alguma outra forma de derrotismo revolucionário? Ou prefere acreditar como Angryworks que “no caso da Ucrânia é diferente: e colaborar com o exército ucraniano através de grupos libertários auto-organizados?

  9. Esta conversa das palavras de ordem está toda ao contrário. Imaginem que estão numa praia a ver um surfista. Há quem saiba que o surfista hábil se equilibra na onda. E há os ingénuos que pensam que é o surfista quem puxa a onda.

    Na primeira guerra mundial foram os soldados de um e outro lado quem — e desde os primeiros meses — começou a confraternizar e progressivamente se recusou a combater e se rebelou contra os comandantes. As frentes de combate estáticas, limitadas por trincheiras, propiciaram estas confraternizações e quase que constituíram a sua infra-estrutura material. Em seguida, o movimento insurreccional estendeu-se das trincheiras até às fábricas e aos campos, e os políticos que proclamaram então as palavras de ordem do derrotismo revolucionário não o inventaram, apenas perceberam a força do movimento. A chamada revolução russa foi um episódio dessa vaga revolucionária europeia.

    Precisamente por isso os estados-maiores renunciaram para sempre à guerra estática de trincheiras e desenvolveram uma guerra de movimento. Nessa nova situação, onde ficaram as palavras de ordem do derrotismo revolucionário? Não ficaram em lugar nenhum. Pura e simplesmente não se aplicaram e transformaram-se em algo completamente diferente — nos movimentos de resistência, guerrilhas clandestinas, dentro e fora das cidades, contra as potências fascistas ocupantes. E os dirigentes políticos que não tinham antecipado esses movimentos de resistência adaptaram-se e equilibraram-se na nova realidade, como o surfista na onda.

    E nós agora, perante a invasão russa da Ucrânia? O Passa Palavra publicou vários artigos e até comentários relatando o que a esquerda anti-capitalista ucraniana está a fazer e os debates que nela existem acerca do que deve, ou não, ser feito. É para isso que devemos olhar, e não para palavras de ordem que se limitam a um débil eco de há mais de um século, numa situação material inteiramente distinta. Além disso, fora da Ucrânia, penso que Joker, num comentário de ontem, resumiu bem o que devemos fazer:

    «1) em países como a Polônia, Portugal, e outros da União Europeia onde são recebidos milhares de migrantes em busca de instrução, moradia, trabalho, e o mais importante, uma vida digna, ajudar a prover solidariedade a essas famílias onde houver desamparo dos estados e municípios; 2) fomentar manifestações e greves políticas direcionadas à embaixada russa no país de origem; 3) realizar atividades de sabotagem em empresas que fornecem insumos bélicos para Rússia; 4) traduzir para sua língua de origem relatos, notícias e reflexões sobre a guerra com o intuito de conscientizar os trabalhadores de todo o globo; 5) exigir anistia para todos os presos políticos na Rússia e Bielorússia por protestarem contra a guerra».

    A alternativa é ensinar palavras de ordem a um papagaio e pendurá-lo lá em casa.

  10. Ricardo, você afirma duas coisas inverídicas, a primeira e menos importante, a que eu estaria levando para o lado pessoal. Não teria como fazê-lo pois nem o conheço. Se me expresso dessa forma é porque em respeito a você acho melhor ser sincero e sem rodeios. E você afirma que minhas sugestões têm teor unilateral. Poderia ser verdade se assume-se que existem apenas dois lados nessa história — os ucranianos e os russos. Mas perceba que longe dos limites geográficos do Leste Europeu as palavras de ordem que eu sugeri equivalem ao que podem fazer materialmente anticapitalistas por todo o mundo em solidariedade — não aos Estados-Nação — mas aos russos e ucranianos flagelados por uma guerra que não escolheram. Como João Bernardo colocou muito bem acima, não são poucos os focos de resistência interna, mas eu acrescento que já começam a aparecer relatos do que poderia ser chamado de “derrotismo revolucionário” (https://libcom.org/article/decay-army-within-6th-overview-anti-invasion-sabotage-russia), esse sim que atravessa as palavras de ordem abstratas. Compete agora aos que habitam a quilômetros de distância de Kiev uma postura à altura da situação — não reproduzir propaganda putinista já é um grande começo.

  11. TELEONOMIA SOCIAL-HISTÓRICA
    Derrotismo revolucionário é uma consigna infeliz, porque meramente reativa, posto que vinculada à derrota de um dos lados (qualquer que seja, não importa) na guerra de facções imperialista.
    Enquanto classe autônoma, os proletários não têm que derrotar a ‘sua’ burguesia, mas -efetivamente- abolir o capitalismo e as classes sociais (proletariado incluso) mediante a guerra de classes mundial. Assim, a consigna é ‘protagonismo revolucionário’ e designa a ação direta para a revolução proletária mundial.
    Na utopia concreta, o imprevisível ultrapassa o impossível.

  12. Concordo plenamente, Ulisses, mas faço das palavras dos companheiros de Kharkiv as minhas:

    “Let’s hope that it [solidarity] will flourish again in the pretty collective efforts to rebuild the destroyed neighborhoods, and then in the daily working days. But all this will be later. Before all this, we first need to survive…” (https://libcom.org/article/memoriam-seven-stories-social-activists-died-under-shellings-kharkiv) No mais, concordo que derrotismo revolucionário não é o melhor dos slogans, a menos que se possa fazer algo com ele na prática.

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