Por um cientista

13 de dezembro de 2021

Esta análise da resposta da China à pandemia de COVID-19 foi apresentada como uma contribuição para o inquérito trabalhista global da WSWS sobre a pandemia de COVID-19. O WSWS respeita o pedido para que a identidade do autor não seja divulgada publicamente.

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Um dos fatos mais marcantes sobre a pandemia é que a China, o país onde surgiu pela primeira vez a SARS-CoV-2, teve poucos casos. Desde abril de 2020, os Estados Unidos detectaram quase 50 milhões de casos, mas a China, com quatro vezes a população, detectou pouco mais de 10 mil.

Há dois principais tipos de reação a esse fato no Ocidente. A primeira, cada vez mais rara, é a descrença. Mesmo os principais meios de comunicação ocidentais hostis à China há muito aceitaram que a contagem de casos no país é extremamente baixa. Se a pandemia mostrou algo, é que ignorar o vírus não o faz desaparecer, e qualquer surto negligenciado na China iria rapidamente sair do controle, especialmente em metrópoles lotadas como Xangai e Pequim. Tal surto seria visível para os correspondentes estrangeiros, para não mencionar as centenas de milhares de estrangeiros que vivem na China. Como veremos adiante, as medidas que a China toma para combater os surtos são altamente visíveis e impossíveis de serem mantidas em segredo — na verdade, dependem criticamente da participação generalizada da população.

A segunda reação é pintar a China como um inferno de medidas draconianas, onde os cidadãos vivem sob um estado constante de lockdown e cerco. Essa é a abordagem recentemente adotada pelo jornal New York Times em um artigo intitulado, “Near-Daily Covid Tests, Sleeping in Classrooms: Life in Zero Covid China” [Testes para Covid quase todos os dias, dormindo em salas de aula: a vida na China Covid-Zero]. O artigo foca em uma pequena cidade (segundo os padrões chineses) na fronteira com Mianmar. O quadro pintado é sombrio:

Os moradores de Ruili — uma exuberante cidade subtropical de cerca de 270 mil pessoas antes da pandemia — estão enfrentando a realidade extrema e dura de viver sob uma política de “Covid Zero” quando mesmo um único caso é encontrado.

O artigo conclui com uma declaração arrepiante de um residente de Ruili: ”’as pessoas comuns,’ [Li] suspirou, ‘não têm como viver.’“

No entanto, Ruili é uma cidade com 270 mil habitantes em um país de 1,4 bilhão de pessoas. Ela é verdadeiramente representativa da “vida na China Covid Zero”? A resposta direta é que a cidade é um ponto fora da curva extremo na China: situa-se diretamente na fronteira com uma região de Mianmar controlada por um grupo rebelde armado, sendo conhecida como um centro de contrabando fronteiriço. Os contrabandistas transportam não só mercadorias ilegais para Ruili, mas, às vezes, o vírus também. Então, por que dois repórteres do New York Times (sediados em Hong Kong e Pequim) concentraram o seu artigo nessa cidade distante?

Mapa da China. Ruili é uma pequena cidade na fronteira com o Mianmar, que o New York Times apresenta como representante da vida na “China da Covid Zero”.
Mapa da China. Ruili é uma pequena cidade na fronteira com o Mianmar, que o New York Times apresenta como representante da vida na “China da Covid Zero”.

A resposta é que o New York Times se concentra em Ruili precisamente porque lá não representa a situação na grande maioria da China. A cobertura do Times em grande parte ignora a experiência das pessoas na maior parte da China, incluindo nas grandes cidades, muitas vezes maiores do que Ruili (270 mil pessoas), como Xangai (25 milhões de pessoas), Pequim (22 milhões) e Guangzhou (19 milhões).

Como é, então, a vida na maior parte da “China da Covid Zero”? Que medidas são usadas para manter o número de casos em zero, ou perto de zero, no país?

A China controlou o seu surto inicial no início de 2020 usando lockdowns rigorosos, particularmente no epicentro do surto, em Wuhan. À medida que os casos diminuíam e as cidades chinesas saiam do confinamento, o governo impôs rígidas regras de quarentena para viajantes internacionais chegando no país, de modo a evitar a reintrodução do vírus no seu interior. Um teste PCR negativo recente é necessário antes mesmo do embarque em um voo para a China. Após o desembarque, os passageiros são novamente testados e, em seguida, levados diretamente do aeroporto para um hotel de quarentena, onde permanecem por duas a três semanas sem sair. Eles são testados regularmente, e comida é entregue diretamente no quarto por trabalhadores usando equipamento de proteção completo.

Muitos viajantes têm documentado suas experiências ao passar por este sistema em “vlogs de quarentena”, como os de um YouTuber canadense em uma série de vídeos. O rigoroso sistema de quarentena serve como uma barreira bastante confiável contra o vírus, de modo que a vida no interior das fronteiras do país tem sido relativamente normal desde o final da primeira onda na primavera [março a maio] de 2020. Empresas, como restaurantes, bares e cinemas, foram abertas em toda a China. Isto é talvez ilustrado de modo mais chocante por imagens de boates cheias e grandes festas em piscinas em Wuhan, no final de 2020, ou, mais prosaicamente, em entrevistas com pessoas normais nas ruas de Xangai no outono [setembro a novembro] de 2020. No entanto, a barreira de quarentena não é perfeita, e mais de uma dúzia de pequenos surtos ocorreram em diferentes partes da China ao longo do último ano e meio.

Total de infecções e pessoas em quarentena na China (Fonte de dados: CDC da China)
Total de infecções e pessoas em quarentena na China (Fonte de dados: CDC da China)

A imagem acima mostra, em azul, o número de infecções diárias [1] na China desde o final da primeira onda em abril de 2020 e, em laranja, o número total de pessoas em quarentena. A China assistiu a vários surtos pequenos, que foram tipicamente isolados em uma ou algumas cidades e controlados dentro de algumas semanas. A cidade ou província através da qual cada surto entrou na China é rotulado por setas acima. Para controlar cada surto, contatos próximos de pessoas infectadas são colocados em quarentena, como pode ser visto acima no pico de pessoas em quarentena durante cada surto. Desde abril de 2020, o número máximo de novas infecções detectadas em um único dia ficou um pouco abaixo de 200, e o número máximo de pessoas em quarentena em qualquer momento foi pouco maior do que 50 mil. Para comparação, o número cumulativo de pessoas em quarentena na China durante toda a pandemia é ligeiramente maior do que o número de pessoas que morreram de COVID-19 nos Estados Unidos.

A seguir, um exemplo de como o vírus pode penetrar a barreira de quarentena. Em 10 de julho de 2021, um avião vindo de Moscou com um viajante infectado com a variante Delta aterrissou em Nanjing. Os trabalhadores que limpavam o interior da cabine foram infectados. Esses mesmos trabalhadores também limparam cabines de aviões para voos domésticos e assim espalharam o vírus para as pessoas no terminal doméstico. Como o seu trabalho poderia colocá-los em contato com viajantes internacionais infectados, os trabalhadores da limpeza eram regularmente testados para o vírus, e o surto foi detectado 11 dias depois, em 21 de julho de 2021. No entanto, nessa altura, o vírus já fora transportado para muito além do aeroporto, eventualmente se espalhando para cidades em mais de uma dúzia de províncias, atingindo um máximo de cerca de 100 novas infecções detectadas por dia antes de ser colocado sob controle em meados de agosto. Após este surto, foram introduzidas mudanças no funcionamento dos aeroportos, com o intuito de reduzir o risco de ocorrer uma violação semelhante.

O surto de Nanjing demonstra que as medidas de quarentena nas fronteiras, por si só, não podem impedir completamente a propagação do vírus. O governo chinês refere-se à sua política como uma política de “zero dinâmico”. Isso significa que o vírus, ocasionalmente, vai conseguir se reintroduzir no país e causar pequenos grupos de casos (por exemplo, através do cruzamento ilegal de fronteiras por contrabandistas em Ruili), mas que uma rápida resposta de saúde pública acabará por reduzir o número de casos de novo a zero.

Controlando um surto em 15 dias

Para podermos ver como funcionam as medidas de controle epidêmico da China, analisaremos como um surto recente numa determinada cidade foi tratado.

Com uma população urbana de mais de 20 milhões de pessoas, Chongqing pode ser a maior cidade que a maioria das pessoas fora da China nunca ouviu falar. Situa-se numa área montanhosa do sudoeste da China, na confluência dos rios Yangtzé e Jialing. A história da cidade remonta a mais de 3 mil anos. Durante a invasão japonesa nas décadas de 1930 e 40, Chongqing serviu como a capital da China em tempo de guerra devido a sua posição no interior do país.

O distrito comercial central de Chongqing (Crédito: Wikimedia, CC-BY-SA 3.0.)
O distrito comercial central de Chongqing (Crédito: Wikimedia, CC-BY-SA 3.0.)

Durante o surto inicial de coronavírus em Wuhan, em janeiro de 2020, Chongqing começou a ter casos de COVID-19 e, como a maioria da China, entrou em lockdown. A cidade começou a flexibilizar as restrições em março de 2020, e os restaurantes começaram a reabrir para clientes presencialmente. As escolas retomaram as aulas presenciais em abril e maio. Depois de sair do lockdown, Chongqing não detectou novas infecções locais por mais de um ano. [2]

O primeiro novo surto substancial em Chongqing foi visto quando um homem de 32 anos deu entrada em um hospital com febre na tarde de 1 de novembro de 2021. Um teste PCR confirmou a infecção no dia seguinte, desencadeando uma resposta massiva das agências de saúde da cidade. A descoberta foi imediatamente anunciada pelo governo da cidade. No final do dia, mais cinco pessoas tiveram diagnóstico positivo e 279 pessoas estavam em quarentena, incluindo cinco pessoas adicionais que tiveram resultados positivo nos 10 dias seguintes.

Tornou-se rapidamente claro que o núcleo do surto em Chongqing era um grupo de funcionários de uma empresa de energia local. O rastreamento de contatos revelou que a fonte original do surto em Chongqing era um funcionário da empresa que havia recentemente visitado uma cidade no norte da China que estava passando por um surto. Após sua visita, ele viajou para casa em Sichuan, parando em Chongqing e interagindo com colegas de trabalho na empresa de energia. Mais tarde foi descoberto que ele já estava infectado com o vírus durante sua visita a Chongqing: ele teve um resultado positivo em 2 de novembro, no mesmo dia em que o primeiro caso foi detectado em Chongqing.

Um dia após a primeira detecção, a cidade de Chongqing fechou a sede da empresa de energia e outros edifícios que haviam sido visitados pelas pessoas infectadas. Os distritos da cidade em que os indivíduos infectados viviam anunciaram campanhas de testes em massa e recolheram amostras de 125 mil pessoas em 24 horas.

Os conjuntos de apartamentos dos pacientes foram estritamente fechados, com alimentos e outros suprimentos vitais entregues regularmente pelos profissionais de saúde da cidade (um jovem Youtuber canadense visitou o edifício onde o primeiro paciente morava, mostrando como a vida dos moradores se parecia durante o lockdown). Várias áreas da cidade foram rotuladas como “zonas de alto risco”, com entrada e saída estritamente controlada. Por toda a cidade, salões de mahjong, cinemas, bibliotecas, museus e outros locais públicos onde grande número de pessoas se reúnem foram temporariamente fechados.

Nos dias seguintes, o número de pessoas em quarentena continuou a subir, à medida que os contatos mais próximos dos casos foram identificados. O número total de pessoas em quarentena atingiu um pico próximo de 1.300 pessoas menos de uma semana depois.

Devido à magnitude da resposta, apenas um punhado de pessoas tiveram resultados positivos, todos os quais foram colocados em quarentena no primeiro dia. Em 17 de novembro, não foram detectadas novas infecções fora da quarentena durante mais de duas semanas e a cidade anunciou que o surto fora controlado. Chongqing foi oficialmente declarada uma “zona de baixo risco”. As restrições foram relaxadas, e a vida voltou ao normal.

Foram necessários 15 dias a partir do primeiro caso detectado até o final oficial do surto.

Sequenciamento genético do vírus do primeiro paciente em Chongqing confirmou que esse conjunto de casos era apenas um pequeno ramo de um surto mais amplo da variante Delta que começou em outubro na província da Mongólia Interior, ao norte (o vírus provavelmente entrou na China a partir da Mongólia). O surto foi completamente encerrado na China em meados de novembro. Durante este período, cidades em toda a China tiveram um pequeno número de casos e eliminaram seus surtos locais da mesma forma que Chongqing.

Ao contrário da percepção comum no Ocidente, uma enorme quantidade de informações detalhadas sobre todos os casos é naturalmente publicada na China. As agências de saúde pública publicam um “rastreamento de atividade” detalhado [3] para cada pessoa com um resultado positivo, listando as horas em que visitou diversos locais nos dias anteriores, como eles foram infectados (se for conhecido), e até mesmo os números de matrícula dos táxis em que eles andaram recentemente. Uma linha típica do rastreamento de atividade do primeiro paciente diz o seguinte:

28 de outubro, 9:30: pegou um táxi de casa (matrícula: Chongqing AD14574) para o posto de gasolina de Wulidian no distrito de Jiangbei para inspecionar as estações de carregamento; comeu no restaurante Sister Huang’s Old Hot Pot em Wulidian com o Sr. Ye e o Sr. Cao ao meio-dia. [4]

Um dos propósitos do rastreamento de atividade detalhado é alertar todos aqueles que estiveram nos mesmos locais que as pessoas infectadas. Todos os rastreamentos de atividade dos casos descobertos no dia 2 de novembro em Chongqing, por exemplo, foram publicados no dia seguinte. Nas redes sociais chinesas, os rastreamentos de atividade são amplamente compartilhados e comentados. Talvez impressionado e alarmado pelo número de lugares públicos que o primeiro paciente visitou, um cidadão chinês comentou:, “Da tarde à noite do dia 27, comeu três refeições em três distritos diferentes. Que tipo de pessoa é essa? Impressionante!” [5]

As relações entre o conjunto de casos detectados em Chongqing em novembro de 2021, com base nos relatórios de rastreamento de contatos publicados pela cidade.
As relações entre o conjunto de casos detectados em Chongqing em novembro de 2021, com base nos relatórios de rastreamento de contatos publicados pela cidade.

A imagem acima mostra as relações entre o conjunto de casos detectados em Chongqing em novembro de 2021. Como mencionado acima, o surto provavelmente entrou em Chongqing quando um homem que vive em Sichuan (representado pelo círculo cinza rotulado “S”) visitou Chongqing no final de outubro de 2021, e interagiu com colegas de trabalho em uma empresa de energia local. O homem de Sichuan estivera recentemente em Lanzhou, no norte da China, que estava passando por um surto na época. Ele infectou alguns de seus colegas de trabalho, que posteriormente infectaram uma série de outras pessoas em Chongqing. Eventualmente, um funcionário da companhia de energia, um homem de 32 anos (rotulado “c1”), teve febre, foi para o hospital e seu resultado foi positivo, desencadeando uma resposta massiva de saúde pública. No final do dia, todas as pessoas representadas acima estavam em quarentena. O homem de Sichuan foi investigado mais tarde por ter possivelmente escondido sua recente viagem a Lanzhou.

Uma chave para o sucesso de Chongqing (e outras cidades em toda a China) em acabar com os surtos é a capacidade de identificar rapidamente contatos próximos com pessoas infectadas. Isso é feito usando aplicativos de rastreamento de contatos baseados em smartphones, dados de localização de telefones celulares e entrevistas com os próprios pacientes. Depois que o primeiro paciente apareceu no hospital e teve um resultado positivo, seus contatos próximos foram rapidamente identificados e enviados para quarentena, onde foram regularmente testados e tiveram sua saúde monitorada.

Ao mesmo tempo, os moradores dos bairros onde os primeiros pacientes moravam foram testados em apenas alguns dias, de modo a garantir que o surto não se espalhasse amplamente. Se o surto tivesse se espalhado mais pela população, os testes em massa teriam identificado mais pessoas infectadas, e os rastreadores de contato teriam seguido cada infecção individual, identificando seu círculo de contatos próximos. Através deste processo, cada infecção numa cidade pode ser rapidamente identificada, e a propagação pode ser impedida.

Chongqing teve sorte. Apenas um pequeno grupo de pessoas havia sido infectado quando o primeiro paciente foi identificado. Nem todas as cidades chinesas foram tão afortunadas, e ao longo do último ano alguns surtos locais na China levaram semanas para serem completamente controlados.

Este curto período no início de novembro de 2021 é a única vez desde abril de 2020 que Chongqing implementou restrições significativas. Durante a maior parte dos últimos 20 meses, enquanto praticamente todas as grandes cidades fora da China passaram por múltiplas ondas graves de infecção e morte, a vida em Chongqing — como na maior parte da China — tem sido relativamente normal.

A política de “zero dinâmico”

Como vimos acima, os departamentos locais de saúde pública são fundamentais para a implementação da política de “zero dinâmico” na China. Se um caso aparece em uma cidade, os rastreadores de contato devem ser enviados imediatamente para identificar contatos próximos, e testes em contatos próximos e bairros afetados devem ser realizados o mais rapidamente possível. Para acabar com um surto, os departamentos de saúde pública locais devem compreender rapidamente o âmbito do surto: será um punhado de casos, ou algo mais amplo que se espalhou sem ser detectado? O Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças (CDC da China), uma organização baseada no CDC dos EUA, tem enfatizado repetidamente (ver aqui e aqui) a centralidade do trabalho de saúde pública ao nível comunitário (e a necessidade de reforçá-lo) na estratégia do país contra a COVID.

Isto implicou um investimento significativo nos sistemas de saúde pública local. Por exemplo, a administração central requer que cada cidade consiga testar toda a sua população num curto espaço de tempo. Isso significa dois dias para cidades com população abaixo de 5 milhões, e dentro de três a cinco dias para cidades com população acima de 5 milhões. Essa capacidade de testagem local tem o apoio de laboratórios de teste móveis, que são enviados para regiões com surtos ativos para acelerar a triagem da população.

Essa capacidade de teste tem sido repetidamente utilizada para acabar com surtos locais. Em Guangzhou, uma metrópole no sul da China do tamanho de New York, 18 milhões de residentes foram testados em apenas três dias durante um surto da variante Delta em junho de 2021. O surto foi contido com sucesso através de lockdowns limitados a apenas alguns bairros, ajudado por testes em massa e extenso rastreamento de contato, sendo completamente erradicado em menos de um mês.

Diagrama de toda a cadeia de transmissão do surto da variante do Delta de Guangzhou de maio a junho de 2020, a partir de um artigo na revista médica The Lancet. [6]
Diagrama de toda a cadeia de transmissão do surto da variante do Delta de Guangzhou de maio a junho de 2020, a partir de um artigo na revista médica The Lancet. [6]

Na imagem acima, cada círculo representa uma pessoa infectada durante o surto e as setas mostram quem foi infectado por quem. O primeiro caso detectado, representado acima pelo diamante vermelho, foi infectado em um hospital devido à exposição acidental a um paciente do exterior, representado pelo círculo cinza. A capacidade de rastrear cada infecção e entender cadeias inteiras de transmissão é central para a capacidade da China de controlar surtos.

Embora as agências locais de saúde pública sejam críticas, elas operam no contexto de uma estratégia nacional mais ampla para lidar com a pandemia.

Após o fim do surto inicial na China, no verão [junho a agosto] de 2020, o CDC da China definiu a sua estratégia de longo prazo para lidar com a pandemia em um artigo na revista médica The Lancet. Sua preocupação era que, embora a primeira onda tivesse sido superada, “um forte esforço de supressão deve continuar a impedir o restabelecimento da transmissão comunitária” no interior do país.

O CDC da China estabeleceu duas estratégias alternativas que o país poderia seguir: “de contenção e repressão” (“zero dinâmico” que vimos acima) ou “mitigação”, que aceita algum nível de disseminação do vírus, mas que busca diminuir seu impacto. O CDC da China considerou que “mitigação poderia permitir o desenvolvimento da imunidade de rebanho em um período mais longo, mas a um grande custo em termos de número de casos, morbilidade e mortalidade.” O CDC da China considerou essa política — que tem sido seguida pela maioria dos países ao redor do mundo — como inaceitável, e em vez disso explicou que seu objetivo era proteger a população até que uma vacina pudesse ser desenvolvida e amplamente utilizada:

O objetivo estratégico atual é manter a transmissão interna de SARS-CoV-2 no mínimo ou zero até que a população seja protegida através da imunização com vacinas contra a COVID-19 seguras e eficazes, altura em que o risco de COVID-19 proveniente de qualquer fonte deve ser mínimo. Essa estratégia ganha tempo para o desenvolvimento urgente de vacinas e tratamentos em um ambiente com pouca morbilidade e mortalidade. Uma resposta vacinal é quase certamente uma necessidade global na resposta à pandemia de COVID-19, prevenindo a infecção entre aqueles em risco de exposição ou risco médico e, em última instância, imunizando a população para parar a importação e transmissão do vírus.

A China já vacinou totalmente quase 80% de sua população, atingindo este nível de imunidade populacional sem sofrer com infecções muito disseminadas. No entanto, a propagação contínua do vírus em países que vacinaram partes substanciais das suas populações e a manutenção de elevadas taxas de mortalidade nesses países fizeram com que o CDC da China alertasse contra o abandono da estratégia “Covid Zero”.

O CDC da China recentemente publicou uma avaliação das consequências de abraçar a estratégia de “mitigação” perseguida pela maioria dos países, concluindo que o sistema de saúde da China seria rapidamente esmagado por centenas de milhares de casos diários de COVID-19, e mais de 10 mil casos graves a cada dia. “Abraçar certas estratégias de abertura sem reservas”, advertiu o CDC da China, teria “um impacto devastador no sistema se saúde da China e causaria um grande desastre no interior da nação.”

Dr. Zhong Nanshan, um pneumologista chinês conhecido por falar sobre o surto original de SARS, que desempenha um papel de liderança na resposta à atual pandemia. Crédito: Xinhua/Liu Dawei.
Dr. Zhong Nanshan, um pneumologista chinês conhecido por falar sobre o surto original de SARS, que desempenha um papel de liderança na resposta à atual pandemia. Crédito: Xinhua/Liu Dawei.

O Dr. Zhong Nanshan é um pneumologista que ganhou destaque em 2003 durante o surto original de SARS, falando publicamente sobre a epidemia e desenvolvendo um regime de tratamento para pacientes com SARS. Agora, com 85 anos, ele desempenhou um papel central na formulação e comunicação da resposta da China à COVID-19.

Em janeiro de 2020, o Dr. Zhong viajou para Wuhan com uma equipe médica da Comissão Nacional de Saúde da China para investigar o surto, e foi a primeira pessoa importante a anunciar que o SARS-CoV-2 pode ser transmitido de pessoa para pessoa. Em entrevista recente ele argumentou que, em comparação com permitir que o vírus se espalhe, a política de zero dinâmico é uma “abordagem de custo relativamente baixo” e que o vai-e-vem de suspensão e reimposição de restrições em outros países tem um maior impacto psicológico sobre a população. Dr. Zhong sugeriu que o tempo de duração dos rigorosos controles fronteiriços da China dependerá da forma como os outros países em todo o mundo conseguirem controlar a propagação do vírus e da eficácia das vacinas, novos medicamentos e tratamentos na redução da gravidade da doença.

As perspectivas para a China na pandemia

As declarações do Dr. Zhong estão em forte contraste com os apelos da mídia ocidental para que a China abandone sua política de “Covid Zero” e abrace uma política de “viver com o vírus” ao estilo dos EUA. O Financial Times declara que ”Os países de “Covid Zero” ficaram sem saída“ e que ”O autoisolamento da China é uma preocupação global”. O New York Times publicou artigo após artigo atacando a política de Covid Zero da China, e ainda mais cinicamente, tentou semear medo, incerteza e dúvida sobre as vacinas chinesas. The Guardian afirmou que o povo chinês está ficando cansado da política de “Covid Zero”.

A ideia de que a China, que conseguiu manter a SARS-CoV-2 à distância durante os últimos 20 meses, permitindo simultaneamente que a vida normal continuasse em grande medida, deveria ser aconselhada sobre as medidas de controle epidêmico pelo Financial Times, New York Times ou The Guardian é claramente um absurdo. No entanto, a China enfrenta fortes pressões para abandonar a sua política de controle em outros quadrantes também. Enquanto a política de Covid Zero permite uma vida normal com relativamente poucas restrições dentro do país, o rigoroso regime de quarentena para viajantes que chegam — três semanas — tornou as viagens internacionais difíceis. O New York Times fez questão de destacar a dificuldade que isso representa para os empresários que viajam para o país. A China também enfrenta certamente as mesmas pressões comerciais internas que os países ocidentais, pressionando por uma suspensão das restrições nas fronteiras e outras medidas de controle que poderiam dificultar os negócios.

Com o aparecimento da variante Ômicron, apelos — principalmente de fora da China — para um abandono da política de “zero dinâmico” (cada vez mais altos apenas algumas semanas atrás) foram expostos como imprudentes. Respondendo às primeiras notícias sobre a Ômicron, Dr. Zhong Nanshan enfatizou que a China vai esperar para ver como se comporta a nova variante e se será necessária uma nova vacina contra ela. Devido à sua estratégia de zero dinâmico, a China possui a capacidade de esperar e observar de uma distância segura. Ao contrário, países que estão “vivendo com o vírus” estão voando às cegas e não vão saber quais riscos estão assumindo em relação à saúde de sua população até que a Ômicron já esteja sobre eles.

A experiência da China durante a pandemia demonstra que, com uma resposta vigorosa de saúde pública, as sociedades podem conter a propagação do SARS-CoV-2. Isso pode explicar as repetidas e aparentemente irracionais tentativas de meios de comunicação como o New York Times de atacar a política de Covid Zero na China, bem como o seu fracasso simultâneo em explicar aos seus leitores como ela funciona.

As medidas de controle epidêmico que o povo chinês tem suportado são pequenas em comparação com o preço em vidas e meios de subsistência que os estadunidenses pagaram. Desde o início da pandemia, para cada pessoa temporariamente em quarentena na China (um país com quatro vezes a população dos Estados Unidos), um estadunidense morreu. Ao mesmo tempo, a quantidade de tempo gasto em lockdown na maioria das cidades da China desde abril de 2020 tem sido mínima. Ainda assim o New York Times preferiu fazer com que os seus leitores acreditem que uma cidade remota na fronteira de Mianmar representa a norma na “China da Covid Zero” do que informá-los de que mais de um bilhão de pessoas, em cidades como Pequim, Xangai e Guangzhou, viveu por 20 meses com poucas restrições sobre sua vida diária, e tiveram praticamente zero riscos advindos do vírus.

As medidas de controle de epidemias em Chongqing e noutros locais da China, baseadas em princípios básicos de epidemiologia e tecnologias modernas, como os testes PCR e o rastreio de contatos através de smartphones, revelaram-se eficazes. É imperativo que cientistas, trabalhadores e estudantes pressionem para que políticas semelhantes de salvação de vidas sejam adotadas em todo o mundo.

Notas:

[1] “Infecções diárias” é definido como o número de novas infecções domésticas, seja sintomático ou assintomático. A China tipicamente relata o número diário de infecções assintomáticas, casos sintomáticos e o número de infecções assintomáticas convertendo-se em casos sintomáticos. O número “infecção diária” é a soma de infecções assintomáticas e casos sintomáticos, menos conversões.

[2] Após abril de 2020, Chongqing não detectou novos casos locais até 31 de julho de 2021, quando descobriu dois casos.. Mais tarde detectou outra infecção assintomática após cinco dias, em 5 de agosto, mas nenhum surto mais amplo ocorreu em Chongqing.

[3] Em chinês, “活动轨迹”

[4] Em Chinês, “10月28日9点30分从家中打车(车牌号:渝D14574),到江北区五里店加气站查看充电桩,中午在五里店黄姐老火锅与叶某涛、曹某一起用餐。”

[5] Em Chinês, “27号下午至晚上在三个不同的区吃了三顿,什么人啊,这么牛逼!”

[6] Wang et al., “Transmission, viral kinetics and clinical characteristics of the emergent SARS-CoV-2 Delta VOC in Guangzhou, China.” The Lancet. 2021. DOI: 10.1016/j.eclinm.2021.101129.

A tradução deste artigo deve-se ao Marco Tulio, e a imagem de destaque é de Shengpengpeng Cai.

3 COMENTÁRIOS

  1. Antes de nos espantarmos com os lockdowns causando “mortes e brutalidade” https://www.angryworkers.org/2022/05/03/a-letter-from-china-on-the-lockdown-with-brutality-and-powerlessness-against-covid/ ; https://chuangcn.org/2022/05/news-april-2022/ ; https://chuangcn.org/2022/02/news-january-2022/ não podemos esquecer de alguns números.

    No Brasil mais de 660 mil pessoas morreram de Covid-19. Na China foram pouco mais de 15 mil. Isso com a população chinesa sendo 6x maior que a brasileira, levando em conta as projeções atuais do IBGE e da Countrymeters. A situação nos Estados Unidos dispensa comentários. Ainda que essas estimativas não tivessem precisão absoluta é evidente o contraste que os números nos mostram. Se esse conjunto de informações não entra na análise da extrema-esquerda, sinto muito, estamos num buraco muito grande!

  2. “Quando falamos da estratégia zero covid, não achamos sustentável considerando o comportamento do vírus hoje e o que projetamos para o futuro”, declarou o diretor-geral[da OMS].

    “Discutimos o assunto com especialistas chineses. E indicamos a eles que esse tipo de gestão não será sustentável… Acho que uma mudança seria muito importante”, acrescentou.

    https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61409608

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