Joshua Hanks, 2018.
Joshua Hanks, 2018.

Por Arthur Moura

Leia aqui a terceira parte do artigo.

Já podemos ter com clareza a leitura de que o desafio colocado ao cinema independente, de esquerda, combativo é maior do que se imaginava na década de 60, já que o apoio que parecia determinante é sazonal e não raro se voltará contra as expressões artísticas de esquerda fragilizando ainda mais tais expressões. A alternativa que resta é a auto-organização dos produtores. A produção cinematográfica brasileira está mergulhada na contradição social histórica e atual do país. O que se percebe é que desde o acirramento das tensões sociais principalmente no pós-crise de 2008, as produções têm retratado diversos episódios e momentos como forma de iluminar o presente ou simplesmente mistificá-lo. O cinema torna-se arma de guerra imprescindível nas disputas. Não há como fugir dessa realidade. Os diferentes campos políticos constroem cada qual sua leitura da realidade buscando a partir de suas produções defender um determinado projeto e influenciar os rumos da sociedade. A difícil tarefa da produção para a maioria dos produtores tem se tornado ainda mais penosa, visto a escassez de financiamentos e formas de distribuição. Enquanto produtores independentes desaparecem ou são facilmente cooptados, empresas de comunicação emergem notabilizando-se de forma artificial e instantânea. Os reacionários usam o cinema como forma de propagar o revisionismo histórico construindo e imaculando figuras grotescas como Olavo de Carvalho e Jair Bolsonaro. Este cinema é baseado em mentiras e deturpações com forte apelo a valores neofascistas notadamente intolerantes com o diferente e com tudo que consideram esquerda. É um cinema destituído de alteridade, pobre no que diz respeito à linguagem e argumentos, cheio de ódio e rancor, financiado pelo empresariado, mas cada vez mais apoiado por seguidores na internet que fazem iniciativas como o Brasil Paralelo crescer fabricando diretores igualmente rasos como Josias Teófilo. O Brasil Paralelo é fruto de grande investimento entre setores empresariais da necessidade de criação de uma comunicação de direita no país atuante na internet. Ele cresceu exponencialmente desde sua inauguração. Seu canal no youtube foi criado em 24 de julho de 2016 e já está com mais de um milhão de inscritos, o que tem enorme importância. Essa empresa ganhou relevância na disputa de hegemonia na internet funcionando como uma espécie de metralhadora giratória acompanhando com eficiência os fatos produzindo sua visão sobre os principais acontecimentos processados na máquina comunicacional reacionária que investe pesado no revisionismo de toda história do Brasil como forma de legitimar, tornar aceitável a exploração através da democracia burguesa como forma última de sociabilidade humana regida pelo velho poder de sempre desde as revoluções burguesas e todo massacre empreendido em nome do mercado e das liberdades democráticas. Sua função tem sido sobretudo incutir a mentalidade do livre mercado com domínio de uma estrutura de poder onde quem decide é por fim a força do capital. Sabemos que a luta de classes é travada em diversos campos como a cultura, arte, ciência, comunicação, educação, etc. O Brasil Paralelo como típica comunicação direitista trata este assunto com profunda hipocrisia. Na verdade essa empresa trata os seus espectadores como se fossem incapazes de compreender a realidade, construindo verdadeiros espantalhos mistificando algo razoavelmente simples de se compreender: a contradição entre capital e trabalho ou da exploração do homem pelo homem.

Ironicamente o Brasil Paralelo produz uma mentalidade ainda mais nociva e subserviente que a mídia corrompida que atacam como forma de descredibilizar numa relação espetaculosa setores adversários da mídia burguesa que não estão completamente alinhados com suas políticas. Essa acusação ininterrupta principalmente contra a Rede Globo os coloca na pretensa posição de comando da interpretação dos fatos. Os rostos que ali aparecem representando a empresa nada mais são que testas de ferro que ocultam os donos do capital que investem pesado sustentando a ofensiva comunicacional reacionária o que de fato coloca a comunicação de esquerda em séria desvantagem (nem por isso impossível de superar tal condição). O Brasil Paralelo investe na construção da ideia de que ser de esquerda é estar tomado pelo mal, estando contaminado devendo este mal ser emergencialmente expurgado. Não há ninguém tomado por doença do esquerdismo ou direitismo. Escolhas políticas não são doenças. São justamente escolhas que pessoas fazem de acordo com aquilo que defendem para si a partir de uma determinada orientação estando nós de acordo ou não. Dentro disso existe a possibilidade de disputa de consciência que tem por função desestabilizar ou emancipar os sujeitos a partir do convencimento ou abandono de determinadas crenças de uma consciência anteriormente construída. Ninguém está tomado por uma espécie de bruxaria por ser comunista, muito menos artistas, políticos e intelectuais que sabem muito bem o que estão fazendo. Ser de direita ou esquerda quer dizer defender determinado projeto de sociedade. É claro que nem todos ainda têm essa consciência política construída, mas todos de alguma forma reforçam ou negam isso em suas relações cotidianas. A direita lida com essa contradição de uma forma dissimulada como se houvesse apenas um lado criado a partir de uma perspectiva moralista. Somos bons, eles são maus, por isso perversos e não-humanos, estão tomados pelo esquerdismo e devemos mostrar a verdade que na prática não se diferencia de um modelo opressivo altamente hierarquizado comandado pelos de sempre, a burguesia e suas classes auxiliares como os militares. Nesse jogo maniqueísta a direita constrói sua auto-imagem como sendo oprimida pela hegemonia esquerdista. Mas agora o cenário mudou e, segundo eles, não deve mais ser um problema se colocar publicamente como um ultradireitista com claros contornos fascista que bebe de um nacionalismo tosco. O governo neofascista de Bolsonaro ainda que dissimule um desdém também está atento para a importância dessa ferramenta. Que papel tem o cinema de esquerda neste contexto?

Thomas William, 2017.
Thomas William, 2017.

Josias Teófilo afirma que todo o cinema nacional simplesmente não presta. “É como se a gente recebesse tudo de segunda mão. Parece que não tem nada de originário, de fundamental sendo feito. Não existe um filme que você diga: este filme precisa ser visto.” A estratégia da desqualificação sem ressaltar qualquer relevância nas demais obras produzidas é a mesma adotada por políticos, intelectuais e empresários ultra-reacionários quando se pretende combater seus adversários isentando-os de elaborar argumentos consistentes contra o que discordam. É uma espécie de argumento de autoridade frágil, sempre sarcástico, abaixo da crítica; único artifício que encontram para sua auto-afirmação. Segundo Josias, isso tudo acontece “porque as pessoas têm uma tendência muito ideológica no cinema nacional”, o que lhe parece um absurdo sendo isso um grave poluente ainda que suas produções estejam mergulhadas em valores e forte ideologia conservadora que socialmente tem clara intenção em defender os interesses da classe dominante. O problema na verdade não é a ideologia, mas qual leitura de mundo se produz e se defende. E completa Josias em entrevista ao Brasil Paralelo (sucursal do MBL):

“E como essa tendência ideológica se reflete na realização dos filmes? É no esquematismo, por assim dizer. Vamos dar um exemplo, o filme Aquarius. O filme tem esse problema de tratar sob o ponto de vista… aquele maniqueísmo socialista. Por um lado tá o empresário, por outro tá ali a pessoa boazinha, independente, na visão deles. E o recorte sempre de luta de classes. As pessoas estão fazendo um esquema baseado numa teoria. Qual é essa teoria? Principalmente a teoria marxista. Ou seja, de luta de classes. Existem classes que são essencialmente más e classes que são essencialmente boas. Os empresários são as pessoas más que estão ali para atrapalhar e explorar o trabalhador, as pessoas puras de coração. Isso é muito curioso.”

Na verdade o marxismo nunca afirmou que há classes boas ou más. Vejamos o debate proposto por Wagner Rossi em seu livro Capitalismo e Educação:

A organização econômica da sociedade privilegia determinadas classes, as quais pela detenção da propriedade do capital e/ou da terra, monopolizam os instrumentos de produção e sujeitam as demais à sua dominação e exploração. Essa dominação é exercida a partir e para garantir a exploração econômica do dominado, e tem-se apresentado historicamente de modos diferentes, todos eles procurando, ao mesmo tempo, os melhores resultados possíveis para o explorador e a continuidade, expansão e reprodução das condições da exploração. Nos tempos históricos, mais afastados, a dominação era exercida, de modo mais aberto, pela predominância física ou militar do dominante sobre o dominado que, vencido em combate, era reduzido à coisa de propriedade do vencedor, através da escravidão. Com a gradativa evolução das relações sociais, as maiorias exploradas em lentas e árduas conquistas vão conseguindo mudar a fisionomia da dominação, enquanto os dominadores se apegam a seus privilégios que defendem, tentando perpetuá-los. A dominação persiste todavia, embora tenha de ser adaptada a novas circunstâncias, cada vez menos explícitas e mais sofisticadas. Os próprios dominadores mudam, sem que os dominados deixem de sê-lo. A exploração econômica, embora represente o suporte e a razão de ser de todo o processo de hegemonia – dominação, recebe permanente reforço jurídico-político e ideológico. O Estado moderno, enquanto aparato jurídico-repressivo e enquanto aparato ideológico, torna-se o instrumento precípuo da manutenção das relações sociais de produção, isto é, da “ordem econômica constituída.” O Estado não paira sobre as classes, harmonizando-lhes as relações, mas, ao contrário, é instrumento da classe dominante no exercício de sua hegemonia ideológica e de sua dominação política. A dominação se exerce através de mecanismos aparentemente mais democráticos e certamente mais eficientes. Um processo de rebeldia e de afronta à dominação pressupõe necessariamente a consciência da própria condição de dominado. A partir daí serão necessárias condições especiais, concretas, que viabilizem a rebelião. Os dominadores, com acesso ao exercício do poder político, usaram-no no sentido de assegurar a permanente reprodução das condições de sua dominação. A lei garante a sucessão à propriedade, coíbe as tentativas de organização dos dominados, preserva a “liberdade” de iniciativa econômica. O princípio da igualdade perante a lei dá legitimidade formal à exploração capitalista, “esterelizando” o indivíduo das “impurezas” de sua classe social. Para a lei não há classes. Não importa que fora dos códigos o capital monopolista estabeleça crescente desigualdade econômica e estenda sua exploração voraz contra os trabalhadores. Os aparelhos repressivos garantirão contra eventuais transgressores das leis. (…) Mas é necessário impedir até mesmo a consciência, no explorado, de sua própria exploração. A hegemonia da classe dominante estende-se aos meios de comunicação de massa, às igrejas e até a sociedade familiar – que veiculam a ideologia da classe dominante, inculcando nos dominados a aceitação de sua situação enquanto reforçam nos dominadores a certeza de seu predestinamento à direção das “massas”, do seu papel de “condotieri”. Os mecanismos sociais de repressão-inculcação são assim complementares e objetivam garantir a permanência das condições necessárias à continuidade e expansão das relações sociais de exploração. No mundo contemporâneo a inculcação ideológica tem ganho predominância sobre a pura repressão. Regra geral, os empresários têm clara preferência pelos regimes políticos conservadores mais autoritários que, com mão-de-ferro, sufoquem as reivindicações populares, proíbam o funcionamento dos sindicatos, tornem ilegais os partidos reformistas e revolucionários e lhes ofereça o “povo” de mãos atadas para a exploração de seus trabalho, que será de molde a de tudo despojá-lo, em benefício do lucro das empresas (dos capitalistas).

No momento, em função das dificuldades de se manterem os antigos padrões de dominação coercitiva, os meios ideológicos têm grande importância no processo de manutenção da exploração. A adesão dos dominados aos valores da dominação que facilita e reforça a própria dominação, requer apresentação de aparente “abertura” dos canais de acesso às classes dominantes. É preciso, pelo menos, que alguns dominados se transformem em dominadores para provar tal “abertura” e mais que isso para mostrar aos dominados que “eles podem subir”, “mudar”. A ideologia do capitalismo liberal se baseia, para dar sua distorcida visão da sociedade, exatamente na noção de “valor individual”, como instrumento de progresso pessoal. Valor que não é só inato, mas, ao contrário, pode ser “adquirido”. Inato ou adquirido, o “mérito” individual é, afinal, elevado à pedra de toque da ideologia legitimadora da dominação capitalista, já que a posição de cada um, na estrutura da sociedade “livre”, seria resultado de seu próprio mérito.

A dominação é estrutural, portanto econômica, política, cultural e social. Vejamos o que diz o próprio Manifesto Comunista de Marx e Engels:

“Desde as épocas mais remotas da história, encontramos em praticamente toda parte, uma complexa divisão da sociedade em classes diferentes, uma gradação múltipla das condições sociais. Na Roma Antiga, temos os patrícios, os guerreiros, os plebeus, os escravos; na Idade Média, os senhores, os vassalos, os mestres, os companheiros, os aprendizes, os servos; e, em quase todas as classes, outras camadas subordinadas. A sociedade moderna burguesa, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Apenas estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das velhas. No entanto, a nossa época, a época da burguesia, possui uma característica: simplificou os antagonismos de classes. A sociedade global divide-se cada vez mais em dois campos hostis, em duas grandes classes que se defrontam: a burguesia e o proletariado.”

Essa leitura tosca que Josias Teófilo porcamente faz da teoria marxista e das contradições sociais é equivocada por afirmar o marxismo ou mesmo a luta de classes como um maniqueísmo retórico ou esquematismo o que demonstra não só desconhecimento, mas péssima intenção e desonestidade intelectual. Segundo a leitura conservadora é a “ideologia de esquerda” que divide a sociedade entre brancos e negros, pobres e ricos, homens e mulheres, capitalistas e proletários o que acaba por gerar confrontos que seriam benéficos em última instância a setores de esquerda que pretendem destruir o país e instaurar o temido comunismo na sociedade. Essa sim é uma leitura esquemática e pobre, pois é o próprio capitalismo que a partir das relações de poder que estabelece organiza a sociedade entre os que servem e os que são servidos, entre patrões e empregados, ou seja, entre explorados e exploradores gerando todo um conjunto de opressões de todas as ordens. O cinema conservador, portanto, é aquele que mente sobre a realidade e os processos sociais históricos no sentido de inculcar a ideologia burguesa nas mentes em disputa. A contradição está colocada dessa forma.

O indivíduo egoísta vê os demais como concorrentes. Por isso, os ganhos (que existem graças à exploração sistemática de segmentos subalternizados) concentram-se nas mãos de uma pequena parcela da sociedade. E nessa concorrência, quase sempre desleal, constrói-se a ideia da meritocracia, que é o termômetro entre o sucesso e o fracasso. Quando a arte e a produção de uma forma geral adere a esse modus operandi, tem-se então a cooptação e neutralização das expressões artístiscas. Esse individualismo mórbido reforça ainda mais uma visão aristocrática de mundo, onde são vencedores apenas aqueles que merecem, naturalizando a desigualdade tornando-a necessária. É, portanto, através do privilégio dos eleitos, que tem o mesmo caráter da revelação religiosa, que se diz quem pode e quem não pode fazer arte. Essa visão ultraconservadora é irracional e explica o mundo e as relações sociais através de mitos que estão num tempo supra-histórico, transcendente. Sobre isso, André Guimarães diz o seguinte:

“Na visão de mundo tradicional a que corresponde o “supra mundo” da região do ser, o tempo empírico seria ordenado de cima e de forma hierárquica. Assim a visão da “imóvel profundidade” na “corrente do devir” corresponde a uma temporalidade qualitativa, dividida em ritmos. Deste modo, a história já não é mais linear e a irreversibilidade do tempo é substituída pelo mito dos ciclos que ao se repetir, “sucedem-se” como “uma série de eternidades.”

E continua:

“A história concreta com sua heterogeneidade e contradições é substituída pelo que acontece em um outro mundo, metafísico de caráter estático. (…) Nessa dimensão da história atuariam forças inteligentes que seriam os verdadeiros agentes da história. Essas forças seriam as forças do cosmos, da forma, ordem, lei, hierarquia espiritual, tradição – as forças da região superior, do supra mundo do ser – e as forças do caos que desintegram, subvertem, degradam e promovem a predominância do inferior sobre o superior, da matéria sobre o espírito, de quantidade sobre a qualidade – as forças da região do inferior, do mundo do devir.”

Há sem dúvida um avanço de forças fascistas em boa parte dos países em todo mundo. O filme mais recente que assisti sobre este tema foi The Antifascists de Patrick Oberg. Mas há outros como Fascism inc ou clássicos como O Ovo da Serpente de Berman. A representação institucional de forças fascistas como o Aurora Dourada na Grécia já goza de certa estabilidade. Não seria diferente no Brasil, onde o PSL, mas diversas outras forças como o MBL apropriaram-se de toda retórica revisionista fascista para implementar seu projeto de austeridade e combate aos trabalhadores. O show de absurdos que assistimos diariamente na internet, jornais e TV sequer choca mais, mesmo diante de tanta crueldade e brutalidade. A intenção do grotesco show de horrores hodierno é normalizar a barbárie, qualificando-a como projeto de sociedade, ainda que sob alto custo de vidas humanas. É claro que a baixa formação escolar da esmagadora maioria das pessoas é forte aliado desse novo estado de coisas, mas todo o conjunto de desinformação que vemos não é fruto de pessoas mal informadas ou com baixa escolaridade. As aberrações diárias são produzidas por quadros que sabem exatamente o que estão fazendo. Sabem e compreendem perfeitamente bem o jogo que estão jogando ou poderíamos dizer o contrário de figuras como Paulo Guedes, Witzel, Joice Hasselman, grandes empresários como o “velho da Havan” [Luciano Hang] e o principal ícone deste desastre Jair Bolsonaro? Optar pela barbárie, pela truculência, pela punição e tortura não é burrice. É uma escolha que se faz. Isso não quer dizer obviamente que se deva respeitar este tipo de escolha. É claro que Bolsonaro é uma figura abjeta e que sequer deveria existir ou muito menos ocupar cargos importantes. Mas imaginemos sinceramente quantas centenas de Bolsonaros ocupam historicamente cargos da mais alta relevância no interior do Estado burguês. Quantos coronéis, empresários ou membros do Estado maior, da inteligência estatal, governadores, juízes e deputados pensam tal como Bolsonaro. Bolsonaro não é nenhuma exceção. Ele é a regra do jogo sujo do poder. Ora, Bolsonaro se criou primeiramente dentro do exército para depois se aprimorar no parlamento burguês. Ele é cria da democracia burguesa que alimenta essas figuras no seu interior. Isso nos leva a pensar um assunto das mais alta importância: os Estados modernos não podem eliminar as formas autoritárias de poder (dentre eles o fascismo e o neofascismo), porque dependem dessas forças para manter a sua própria integridade. O fascismo e o nazismo não deixaram de existir com o fim da II Guerra Mundial. Essas forças nefastas do capitalismo foram apenas controladas, sem que se comprometesse a sua gênese. Os Estados, no entanto, nunca deixaram de ter práticas análogas ao fascismo. Não é de se estranhar, portanto, a naturalidade como falam os membros do governo, os policiais, membros do judiciário, o grande empresariado, enfim, a classe dominante e suas classes auxiliares. Não é de se espantar que a polícia mate diariamente e absolutamente nada aconteça contra a integridade da corporação. Não é de se espantar o racismo virulento que sai da boca de Bolsonaro. Não é de se espantar o amplo apoio de parte significativa da população que aprova este projeto horrendo. Está tudo dentro da normalidade de uma típica sociedade capitalista em decadência. O que se deve estranhar é a resignação daqueles que se dizem contrários a este estado de coisas. Em pouco tempo é possível que existam de fato poucas saídas. Os trabalhadores serão obrigados a enfrentar o desafio do autoritarismo com inteligência e violência sumária contra fascistas, militares assassinos, políticos, empresários, enfim, setores que financiam e agem em conformidade com a barbárie. Há também outra opção que é a resignação. Neste caso, trabalhadores apenas aguardarão qualquer sentença contra sua integridade que não será menos violenta. É preciso que surjam desde já organizações entre os trabalhadores que dê conta desse desafio.

Principalmente obras cinematográficas estão intimamente ligadas a algum corpo teórico, que obviamente não segue necessariamente as diretrizes do marxismo. Um filme, por exemplo, pode reproduzir valores conservadores ou emancipadores do ponto de vista social e humano e todos possuem algum tipo de valor histórico seja para negar ou superar determinadas práticas. Destituir um filme de valor simplesmente por evidenciar ou denunciar os antagonismos sociais responde a um determinado conjunto de interesses que visa explicar e compreender as contradições sem tocar na gênese dos processos históricos ou contando tais processos omitindo uma série de elementos sem os quais se produz uma leitura equivocada da história geralmente servindo para justificar a dominação de uma classe sobre outra. A divisão social existente geradora de contradições notórias é resultado da organização social moderna estabelecida entre detentores dos meios de produção e aqueles que dispõem somente da força de trabalho como forma de manter-se ou sobreviver no capitalismo. Não foi nenhum teórico esquerdista mal intencionado que inventou isso. Foi o próprio capitalismo que organizou (e organiza) a sociedade em segmentos sociais antagônicos. O cinema conservador, portanto, teria o papel de regenerar a sociedade unificando-a forçosamente mesmo diante de contradições históricas que divide as populações em diferentes estratificações e classes, funções e papéis sociais. Mas Josias, assim como Bolsonaro, Olavo de Carvalho e demais asseclas, não produz uma leitura equivocada e sim uma defesa incansável e intransigente de setores historicamente dominantes como o grande empresariado, patrões e forças armadas, já que muitas instituições também estariam degeneradas visto a intrusão da esquerda que corroeu suas bases. O problema não seria a miséria ou a brutal repressão policial e assassinatos de militantes ou os largos lucros empresarias, mas o mal esquerdista: o comunismo, ainda que essa força não exista como campo social organizado capaz de promover qualquer ameaça ao status quo. O cinema conservador combate seu inimigo histórico: os trabalhadores.

O MBL, por sua vez, tem o papel central de desestabilizar os movimentos sociais abrindo campo para a criminalização barrando suas pautas na medida em que não deixa outra alternativa a não ser bruscos cortes e perda de direitos historicamente conquistados com luta ao passo que não só mantém, mas aumenta escandalosos privilégios. Essa defesa é feita por quadros como Arthur do Val, Renan Santos, Fernando Holliday e Kim Kataguiri. Na UFF, por exemplo, Gabriel Monteiro, que é policial militar e membro do MBL, usa idênticos artifícios da matriz “Mamãefalei”, (Arthur do Val) que consiste basicamente em fazer pegadinhas ou até mesmo expor fragilidades dos entrevistados que por sua vez são expostos ao ridículo nas redes sociais reforçando todo um conjunto de ódio contra os estudantes quase sempre de esquerda. É claro que expor o outro ao ridículo não é um artifício utilizado somente por setores da direita. Nossos inimigos muitas vezes precisam ser expostos ao ridículo, pois isso ajuda a desqualificá-lo e fragilizá-lo, mas sempre na defesa incondicional da emancipação humana ou seja na eliminação das relações de dominação de uns sobre outros não tendo esse artifício como mecanismo central. Muitas vezes o ridículo é exposto pelos próprios em seus atos ímprobos como é o caso de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho e seus asseclas como os ministros do governo que orgulham-se de propagar a ignorância que por sua vez tem importante função nas relações de dominação. A enorme falta de base teórica e histórica e até mesmo de experiência política desses sujeitos faz com que estes privilegiem a chacota ao debate e ao esclarecimento de determinados assuntos inviabilizando completamente qualquer troca. O debate com este setor é, portanto, impossível. As abordagens são sempre irônicas e provocativas, aparentemente amigável e despretensiosa para gerar uma primeira aproximação, mas que tão logo pelo seu caráter abusivo provoca reação exaltada de quem é abordado o que passa a deslocar a atenção a contatos improdutivos, pois o MBL de uma forma geral são absolutamente contrários a qualquer ideia de revolução social ou mesmo de mudanças a nível progressista. Essa aparente disposição em “dialogar” com a esquerda funciona como simples discurso formal quando o que se quer produzir é a intolerância completa contra as ideias de esquerda na construção de um revisionismo tosco; percebemos na prática que esse suposto diálogo forjado por integrantes do MBL é sempre na tentativa de desqualificar forçosamente o outro em montagens e abordagens viciadas colocando no lugar o mais vil projeto de sociedade mercantil nada radicalmente diferente do que aí está. Isso nada mais é que um artifício muito utilizado por provocadores que desejam o confronto, mas que não conseguem outro recurso a não ser a provocação para gerar a criminalização dos movimentos sociais. A vitimização, muito denunciado pelo MBL como tática da esquerda de se eximir de responsabilidade ou de anular reivindicações, é nada mais que o recurso mais utilizado por eles mesmos que, incapazes de assumir seu papel na luta de classes, são obrigados a fingir inocência quando na verdade são os que mais agem no sentido de legitimar a truculência policial contra os movimentos ao passo que quando é a direita a se manifestar é notória a realização que sentem ao posar com os agentes da repressão.

Noom Peerapong, 2015.
Noom Peerapong, 2015.

O MBL faz, portanto, o trabalho de base da direita no sentido de jogar os movimentos sociais contra os próprios trabalhadores e setores da população interessados em construir uma sociedade minimamente equilibrada. Toda essa situação vem gerando o total rechaço de membros do MBL em manifestações como a greve da educação e outras manifestações e movimentos sociais, o que aconteceu de forma análoga com repórteres de emissoras de TV nas Jornadas de Junho de 2013, o que do ponto de vista da luta de classes é o que se espera, pois é preciso nesse momento de conscientizar a população sobre o papel de movimentos como o MBL e o projeto de sociedade que defendem ao passo que se afirma a luta e organização dos trabalhadores. A grande manifestação do dia 15 de maio de 2019 na busca pela construção da greve geral da educação não poderia deixar de atrair os rapazes destemidos do MBL. Antes de tudo é preciso colocar sem medo de equívoco que o MBL não chega a ser o grande problema ou a grande contradição dos nossos tempos. Esse é um movimento artificial criado e financiado por empresários preocupados com o avanço das mobilizações sociais, o que, dependendo das proporções, pode agravar o cenário político colocando setores hegemônicos com força política e econômica em risco. Os militantes do MBL são no máximo “testas-de-ferro”; em outras palavras, são aqueles que botam a cara gerando enorme propaganda em prol das desgastadas políticas neoliberais que precisa de sangue e cara nova. Não à toa são todos jovens e expressam uma certa diversidade étnica e cultural, o que por exemplo cria espaço de fala para figuras grotescas como Fernando Holliday desqualificar e gerar aparente dissensão no movimento negro. Isso tudo para esboroar o entendimento que Fernando Holliday é contra a luta dos negros, assim como sua cultura e formas de sociabilidade. Possuem certa retórica, mas nada muito sofisticado. Diante de um debate histórico comprometido com os processos e lutas sociais seu discurso se desfaz com um simples sopro. Mas ao mesmo tempo este discurso possui força social porque se alimenta de desilusões e dissabores acumulados funcionando como oportunismo evidente capturando essas insatisfações transformando-as em resignação permanente ao invés de estimular as lutas contra o status quo. Na verdade identificam o status quo como força hegemônica de esquerda, o que faz sua luta parecer real. Gerar situações de confronto legitima o que eles chamam de “intolerância da esquerda”. Isso abre margem para a construção da ideia de que ao mesmo tempo em que a esquerda dispõe em seu léxico a liberdade e a democracia, quando do surgimento do contraditório sua incapacidade em debater é limitada, mais que isso, é violenta. Para demonstrar isso com ar de isenção recortam uma manifestação violenta entre militantes do contexto geral anulando os porquês de tal manifestação violenta ocorrer e da necessidade que ela ocorra. Evidentemente que o que deve ser intolerável são os valores e projeto político defendidas pelo atual governo e neste caso a intolerância contra este estado de coisas é absolutamente legítima e necessária. As manifestações violentas contra o MBL vêm ocorrendo em primeiro lugar por um desgaste gerado pela repetição das falcatruas e abusos de seus militantes o que coloca a necessidade de preservar os movimentos de intervenção de provocadores que estão ali em última instância para deslegitimar a luta empreendida por trabalhadores de diversos setores entre eles os educadores.

A próxima parte será publicada na semana seguinte.

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