Por João Bernardo
6
Chegámos assim ao mundo onde eu vivo hoje.
É certo que a ecologia e os identitarismos vigoram apenas nos países economicamente mais desenvolvidos e cuja forma de governo é a democracia representativa, mas o prestígio de que este conjunto de países goza ou, pelo menos, a cobiça de que é alvo fazem com que as questões suscitadas pelos identitarismos e pela ecologia se repercutam em todo o planeta.
Num sentido convergente, os movimentos ecológicos e identitários são míopes, ou até cegos, quando se trata de países que não beneficiam da democracia representativa e do avanço económico. Senão, o movimento negro não permaneceria silencioso perante as atrocidades que as elites negras africanas cometem contra os trabalhadores negros dos seus próprios países, nem os movimentos feministas evitariam dar prioridade à situação precária das mulheres nos países que os identitários consideram ser vítimas do eurocentrismo branco, nem os movimentos gay manteriam sotto voce a truculência com que a homossexualidade é perseguida nesses países. Entretanto, e padecendo da mesma miopia, os movimentos ecológicos esquecem-se de analisar a situação económica nos países onde a agricultura se mantém em condições arcaicas e onde a generalidade da população não tem acesso às técnicas desenvolvidas sob o capitalismo, porque teriam ali o mais cabal desmentido dos mitos que propagam.
Enquanto escrevia estas linhas recebi um e-mail anunciando o pedido de contribuições para uma conferência marxista internacional que se realizará em Londres em Novembro deste ano com a denominação Sexuality and Political Economy Stream, e a encabeçar a dúzia de temas propostos encontro «Marxist debates in queer and trans studies (global North / global South)» («Debates marxistas nos estudos queer e trans (Norte Global / Sul Global)») e logo em seguida «The political economy of desire, sex, and erotics» («Economia política do desejo, do sexo e do erotismo»), para um pouco adiante deparar com «Indigenous, anti-colonial, and non-Western sexualities» («Sexualidades indígenas, anticoloniais e não-ocidentais»). Mas serão as sexualidades não-ocidentais um modelo de promoção das preferências eróticas queer e trans? Um exemplo, entre tantos outros, do estrabismo identitário. Só é pena que esse simpósio tivesse escolhido Londres como local de reunião em vez de, por exemplo, Kampala ou Teherão, cidades que se podem reivindicar, mais do que a capital britânica, de serem anticoloniais e não-ocidentais. Talvez ali os participantes na conferência beneficiassem de uma interessante experiência não teórica, mas prática. E porquê restringir-me ao Irão e ao Uganda? Também nos parlamentos do Kénia, da Tanzânia e do Sudão do Sul estão a ser apresentadas propostas de lei para punir a homossexualidade com sanções muito severas, incluindo a pena capital. A homossexualidade é uma invenção ocidental, cuja aceitação é imposta ao continente africano, afirma o deputado keniano Mohamed Ali, esse paladino das «sexualidades não-ocidentais».
De um e outro lado, a ecologia e os identitarismos restringem-se às democracias representativas economicamente evoluídas, por isso é aqui que devemos analisar as consequências políticas imediatas do fascismo pós-fascista.
O capitalismo, desde a sua génese, assenta na conjugação entre a forma clássica de poder que classifico como Estado Restrito, composto pelo governo, o parlamento e os tribunais, e o Estado Amplo, composto pelas empresas enquanto órgãos soberanos, já que elas detêm legalmente um vasto âmbito de autoridade sobre a sua mão-de-obra e a exercem até fora do horário de trabalho. Aliás, as maiores empresas têm uma capacidade de influência não só económica, mas ainda cultural sobre a sociedade em geral. Ora, os computadores pessoais e a internet permitem uma articulação íntima entre o Estado Amplo e o Estado Restrito porque, em toda a história da humanidade, são o único utensílio a servir de instrumento de trabalho, de meio de lazer e de instrumento de fiscalização, ou seja, a fundir a soberania das empresas, tanto durante o horário de trabalho como fora dele, e o poder do Estado clássico. Esta capacidade de intromissão multiplicou-se com o uso generalizado dos minicomputadores de bolso chamados telemóveis (celulares). Nos últimos anos, com o desenvolvimento da realidade virtual e agora da inteligência artificial, os computadores enquanto instrumento de fiscalização passaram a ter acesso à área recôndita dos desejos e das aspirações inconscientes. É nesta teia que existe e prospera o fascismo pós-fascista.
Aliás, é curioso notar que as versões étnicas do identitarismo, sempre prestes a criticar o eurocentrismo e a fazer a apologia do Sul Global e da Epistemologia do Sul, aceitam sem reservas os computadores e a internet, apesar de os fundadores da física quântica terem sido todos europeus ou criados na cultura europeia. Do mesmo modo, é interessante verificar que as feministas não rejeitam a física quântica, apesar de toda ela — com uma única excepção — ter sido criada por homens e, pior ainda, homens heterossexuais. Igualmente elucidativo é o facto de os participantes nos movimentos ecológicos, apesar da sua hostilidade não só à tecnologia capitalista, mas às técnicas que a compõem, pouparem os computadores, a internet e os telemóveis, sem os quais eles não conseguiriam viver nem sequer respirar.
Ora, não só é aceite toda a infra-estrutura baseada nos computadores e na internet, mas ela serve de quadro privilegiado para a actuação do fascismo pós-fascista. As milícias assumem agora sobretudo uma existência virtual e a linchagem física é, na maior parte dos casos, substituída pela liquidação moral e profissional, em que o chamado cancelamento funciona como uma certidão de óbito. Ao mesmo tempo, a internet facilita a delimitação dos espaços seguros, uma noção essencial nos identitarismos para manter o controle exercido pelas dirigentes sobre as bases, que ficam assim arrebanhadas e preservadas de qualquer confronto com outras opiniões e práticas.
Nada disto seria possível sem as redes sociais, que formam o suporte de massas para a actuação do fascismo pós-fascista. E é precisamente nas redes sociais que se desenvolve o comportamento mais típico da nossa época, o fim da privacidade e a ostentação da intimidade, conjugando o narcisismo com o exibicionismo e o correspondente voyeurismo. O computador não é só um instrumento de vigilância dos agentes da autoridade, do Estado Restrito ou Amplo, sobre os cidadãos comuns. A espionagem democratizou-se a tal ponto que todos fiscalizam todos, sobretudo porque o exibicionismo os leva a expor-se deliberadamente a essa fiscalização. Deste modo é fácil para um movimento identitário obter provas de comportamentos e opiniões considerados ofensivos e, como as identidades proliferam e se cruzam ou entram em concorrência, as ocasiões de infracção multiplicam-se e os infractores também. Em sentido inverso, tal como as redes sociais servem para divulgar, servem igualmente para isolar e cancelar. O mesmo meio técnico é usado para definir as normas, violá-las e linchar o violador. Nesta teia de culpas e culpabilizações cada um encontra as suas armas e também a corda com que se enforca.
A multiplicidade de usos das redes sociais parece inesgotável, porque a competição de vítimas dispõe ali de um terreno fértil. Todos concorrem em exibir os flagelos da sua intimidade e em espiar a privacidade alheia, e é esta rivalidade que garante o direito a obter um lugar de fala e a ser promovido nos movimentos identitários, primeiro passo na ambição de ascensão social. Este conjunto de circunstâncias e de mecanismos políticos explica a relevância das redes sociais na época actual.
Mas o controle exercido sobre os indivíduos nas democracias economicamente evoluídas não se limita aos computadores e à internet, por mais importantes que sejam. Para além do virtual continua a existir o presencial e, numa sociedade em que declinam as Igrejas organizadas, dois lobbies passaram a ocupar-se do corpo e da alma. O lobby dos nutricionistas ocupa-se do corpo, e comer e beber deixaram de ser um prazer, para quem tenha meios de o pagar, e transformaram-se num ritual político com os ecologistas, num ritual religioso com os vegetarianos e, pior ainda, com os vegans ou, mais prosaicamente, numa espécie de ida à farmácia. Da alma ocupa-se o lobby dos psicólogos, e um dos grandes paradoxos desta época que não poupa neles é que, depois de o identitarismo ter abolido a noção de normalidade, os psicólogos ganham a vida a tratar pessoas que não se sentem normais — o que quer que isto possa significar. Aliás, talvez não seja um paradoxo, mas um ciclo que se alimenta a si mesmo, porque enquanto os identitários ditam às pessoas a forma como devem assumir a identidade que escolheram ou foram levadas a escolher, os psicólogos prometem ajudar as pessoas a superar o estado em que se encontram ou, se não houver outra alternativa, a aceitar-se a elas mesmas. Em suma, uns criam os problemas que os outros pretendem resolver, e inversamente.
Não se apresentam neste panorama saídas que não sejam retrógradas e individuais. Os ecológicos anunciam o regresso imaginário a um paraíso perdido da tecnologia que consiste em reatar o passado mítico. E os identitários ambicionam que o lugar de fala lhes sirva de veículo de ascensão social para comporem e renovarem as elites. Aliás, basta pensar que as noções de lugar de fala e de espaço seguro podem vigorar apenas no meio universitário, o que desde logo as define socialmente. Imaginem a sua aplicação nos locais de trabalho!
É certo que a esquerda do fascismo pós-fascista se resume a departamentos universitários de estudos sociais, que frequentemente se confundem com organizações políticas. A sua área de influência, porém, é muito mais vasta porque, além da actividade nas redes sociais, esses departamentos formam professores e jornalistas, ampliando o impacto de movimentos que, por si só, não atingiriam o grande público. E assim o panorama foi progressivamente ocupado pelos lugares-comuns ecológicos e identitários. A reacção popular é perceptível noutros espaços e noutras profissões, imunes à linchagem virtual e ao cancelamento. O enorme problema é que a antipatia que a população comum sente pelos exageros dos identitários, que converteram a tolerância em novas discriminações, e pelas previsíveis consequências do decrescimento económico e do miserabilismo pregados pelos ecologistas, leva um elevado número de pessoas a votar em partidos populistas, porque a esquerda marxista dissolveu-se ou foi absorvida e a direita conservadora deixou-se assimilar por versões atenuadas do politicamente correcto.
Fica em suspenso uma pergunta que coloquei pela primeira vez a mim mesmo e a outros depois da derrota da revolução portuguesa de 1974-1975 — o que é ser revolucionário numa situação não revolucionária?
O futuro não está dado, ele é incerto, social e materialmente. E se é exacto que o futuro permite a continuidade de algumas tendências que descobrimos no passado, não é menos exacto que ignoramos quais dessas tendências terão êxito e servirão de alicerce aos novos tempos. Nunca conseguimos prever como evoluirão as lutas sociais e, portanto, os elementos constitutivos da tecnologia capitalista também poderão ser reestruturados de várias formas e originar diferentes tecnologias. É o estudo desse mosaico fragmentado, composto por muitas possibilidades anunciadas e poucas realidades efectivadas, que eu denomino Historiografia do Não, tal como expus em dois artigos publicados no Passa Palavra (aqui e aqui). Em cada momento podemos definir exactamente o impossível, o que significa que podemos estabelecer os contornos do possível. Mas dentro destes contornos o número de possibilidades é ilimitado. Por isso Leibniz considerou que toda a possibilidade, enquanto possibilidade, assume um grau de realidade, porque é uma «pretensão à existência». A Historiografia do Não é o estudo da realidade, ou do grau de realidade, dessas pretensões à existência. Mas agora não se trata de História, que é sempre escrita a posteriori, e nós estamos no presente e pretendemos antecipar o futuro. Ora, conhecermos hoje os limites do possível e sermos capazes de excluir o impossível não nos ajuda a prever qual dos possíveis se irá efectivar. Qual das pretensões à existência virá a existir? Podemos saber o que é uma acção inútil, mas sem por isso sabermos qual será a acção útil.
Como se desenham os contornos do possível? A esquerda, assim chamada, devia reflectir sobre o facto de o identitarismo e a ecologia servirem para o lançamento de marcas e a publicidade de produtos, sendo aceites como normas ou, pelo menos, objectivos pelos Estados democráticos e pelo capitalismo desenvolvido. Que o politicamente correcto se tivesse convertido na moral oficial devia fazê-la pensar. Mas em vez de ver nisto uma advertência, julga tratar-se de uma vitória. É uma vitória, com efeito, mas não daquilo que ela aparenta ser. «Détrompez-vous», preveniu Patrice Jean em Le Parti d’Edgar Winger, «aucune prise de position, quelle qu’elle soit, dans une démocratie n’est courageuse» («Percam as ilusões. Numa democracia nenhuma tomada de posição é corajosa, qualquer que ela seja»).
Numa perspectiva anticapitalista, o campo da impossibilidade é coberto pelo fascismo pós-fascista, pelos seus departamentos universitários, pelos seus partidos e movimentos, pelos espaços que ocupam nas redes sociais. Nenhum gérmen de anticapitalismo ali poderá surgir ou ter «pretensão à existência». Se ignoro o que é ser revolucionário numa situação não revolucionária, sei pelo menos o que é não ser revolucionário — é inserir-se na situação não revolucionária. Por isso, viver de costas voltadas para os meios ecológicos e identitários, ou à margem desses meios, sem nunca colaborar com eles, não é apenas uma condição de sanidade intelectual. É ainda uma exigência de acuidade política.
Este ensaio é composto por seis partes. Pode ler aqui a primeira parte, a segunda parte, a terceira parte, a quarta parte e a quinta parte.
As obras que ilustram este texto são da autoria de George Segal (1924-2000).
[Ver a tradução no comentário seguinte.]
A la question “Une question que je me suis d’abord posée à moi-même et à d’autres après la défaite de la révolution portugaise de 1974-1975 reste en suspens – qu’est-ce que cela signifie d’être un révolutionnaire dans une situation non révolutionnaire ?”
La réponse ce que je découvre que vous êtes : un chercheur scientifique
Les 10 questions programmatiques que je vous ai posées évacuent fondamentalement le “comment ça fonctionne ” pour débattre de “que faire” quelles que soient nos convergences divergences en analyse du réel
La méthode utilisée par Lénine et Trotsky
Après une période de recherche analytique dans tous les domaines 1991 2011, depuis 12 ans j’ai priorisé la recherche institutionnelle : comment construire un gouvernement révocable qui vote mondial. Un COMEX formé de 25 #déléguésRévocables choisis chacun par 250M de citoyens
Et donc avoir la réponse à “qu’est ce Salgueiro Maia et ses camarades auraient dû faire pour étendre à l’Europe et au monde leur révolution” s’ils avaient eu 49 ans pour réfléchir ?
*** *** ***
” C’est l’étude de cette mosaïque fragmentée, composée de nombreux possibles annoncés et de peu de réalités réalisées, que j’appelle Historiographie du Non, comme je l’ai expliqué dans deux articles publiés dans Passa Palavra ( ici et ici). A chaque instant nous pouvons définir exactement l’impossible, ce qui veut dire que nous pouvons établir les contours du possible”
On peut certes tenter de deviner ce que seront les bébés monstrueux en gestation dans le capitalisme
Mais on doit surtout prévoir les nôtres et leur assurer une naissance
Examiner les projets de Stolypine est intéressant. Mais comprendre qu’il aurait fallu en 1905 compléter le quota #1pour500 un délégué révocable pour 500 délégateurs (au soviet de Petrograd) par la désignation de 100 fonctionnaires #fonctionnantes + 125 étudiants et donc un quota #1pour625
…cela c’est examiner nos erreurs carences et avancer la date du #12mars1917 et la reconstruction du soviet mais en appliquant les directives de la #CommunedeParis
Une #fonctionPubliqueRévolutionnaire formée de #déléguésRévocables
“”Fica em suspenso uma pergunta que coloquei pela primeira vez a mim mesmo e a outros depois da derrota da revolução portuguesa de 1974-1975 — o que é ser revolucionário numa situação não revolucionária??”
A resposta que eu descobri que você é: um cientista pesquisador
As 10 questões programáticas que lhe fiz evacuam fundamentalmente o “como funciona” para discutir “o que fazer” quaisquer que sejam as nossas convergências divergências na análise da realidade
O método usado por Lenin e Trotsky
Após um período de pesquisa analítica em todas as áreas de 1991 a 2011, por 12 anos priorizei a pesquisa institucional: como construir um governo revogável que vota globalmente. Um COMEX composto por 25 delegados #Revogáveis, cada um escolhido por 250 milhões de cidadãos
E assim ter a resposta para “o que é que este Salgueiro Maia e os seus camaradas teriam feito para estender a sua revolução à Europa e ao mundo” se tivessem tido 49 anos para pensar?
*** *** ***
“É o estudo desse mosaico fragmentado, composto por muitas possibilidades anunciadas e poucas realidades efectivadas, que eu denomino Historiografia do Não, tal como expus em dois artigos publicados no Passa Palavra (aqui e aqui). Em cada momento podemos definir exactamente o impossível, o que significa que podemos estabelecer os contornos do possível.”
Certamente podemos tentar adivinhar quais serão os bebês monstruosos em formação no capitalismo
Mas acima de tudo, devemos prover os nossos e garantir o seu nascimento
Examinar os projetos de Stolypin é interessante. Mas entenda que em 1905 teria sido necessário completar a cota #1para500 um delegado revogável para 500 delegadores (no Soviete de Petrogrado) pela designação de 100 #funcionários trabalhadores + 125 estudantes e portanto uma cota #1para625
…que é examinar nossos erros de deficiências e antecipar a data de #12mars1917 e a reconstrução do soviete, mas aplicando as diretrizes da #CommunedeParis
Um #ServiçoPúblicoRevolucionário formado por #DelegadosRevogáveis
Enquanto isso em Ghana https://mobile.ghanaweb.com/GhanaHomePage/NewsArchive/Dormaa-Central-chiefs-slaughter-sheep-on-feet-of-alleged-gay-to-pacify-gods-1819985
CAMA DE GATO
Jogar não é apostar.
Quem não tenta outra vez não fracassa melhor.
ÚNICO DEVER DO REVOLUCIONÁRIO: TORNAR-SE DESNECESSÁRIO.
A propósito do que eu classifico como Estado Amplo, ou seja, o carácter soberano das empresas, é interessante a leitura de um artigo de Ian Bremmer e Mustafa Suleyman, «The AI Power Paradox», publicado hoje na Foreign Affairs. Escrevem os autores:
«Whether they admit it or not, AI’s creators are themselves geopolitical actors, and their sovereignty over AI further entrenches the emerging “technopolar” order—one in which technology companies wield the kind of power in their domains once reserved for nation-states. For the past decade, big technology firms have effectively become independent, sovereign actors in the digital realms they have created. AI accelerates this trend and extends it far beyond the digital world. The technology’s complexity and the speed of its advancement will make it almost impossible for governments to make relevant rules at a reasonable pace».
Leio numa das newsletters de hoje de The New York Times:
«Uganda arrests man on antigay charge
Ugandan prosecutors have lodged charges of “aggravated homosexuality” against a 20-year-old man — a crime punishable by death — in one of the country’s first applications of a provision included in one of the world’s harshest antigay laws.
Same-sex acts had long been considered illegal under Uganda’s penal code, but a law enacted this year introduced far harsher penalties and vastly extended the range of perceived offenses. The law calls for life in prison for anyone who engaged in gay sex and allows the death penalty under certain circumstances, including for having same-sex relations with disabled people.
Context: Many religious leaders and politicians in Uganda have painted same-sex relations as a Western import. “Africans are being used to accept this nonsense of the Western world, and homosexuality is on the agenda,” James Nsaba Buturo, a former minister of ethics and integrity in the Ugandan government, said in March.»
Mencionei no artigo uma conferência marxista internacional realizada em Londres em Novembro do ano passado sob o tema Sexuality and Political Economy Stream, abordando nomeadamente «Debates marxistas nos estudos queer e trans (Norte Global / Sul Global)», e em que um dos debates versava as «Sexualidades indígenas, anticoloniais e não-ocidentais». Já forneci alguns exemplos dessas sexualidades não-ocidentais, vejamos agora outro caso.
The New York Times do passado dia 31 de Dezembro anunciou que o presidente do Burundi dissera num discurso que os homossexuais deviam ser apedrejados até à morte. Com efeito, o verbo to stone, empregue pelo presidente, não significa só lançar pedras contra alguém, mas matar à pedrada, uma antiquíssima forma de punição. No entanto, sejamos optimistas, porque o jornal explica que essas declarações do presidente não têm efeitos legais e os homossexuais do Burundi podem continuar a beneficiar dos dois anos de prisão a que a lei os condena. Quem quiser ler o artigo, enquanto medita nas vantagens das sexualidades indígenas, anticoloniais e não-ocidentais, pode encontrá-lo aqui.
Curioso que a chamada “cultura indiana” também é frequentemente citada pelos apologetas do pós-colonialismo e do decolonialismo, como exemplo de “culturas outras”, “não-ocidentais”, etc. Inclusive um dos principais nomes dessa corrente vem de lá, Gayatri Spivak. No entanto, é notória a forma como a mulher é tratada na Índia, como nessa notícia absurda, condição geralmente pouco abordada pelos “feminismos decoloniais”…
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv25nzmlzkvo