Por Dois camaradas

III – PARCERIA

1 – Rompimentos, reaproximações

Após a aproximação com o empresário/político e a articulação por fora das instâncias coletivas do grupo (ficamos depois sabendo que foi criado um outro grupo de whatsapp apenas com esse candidato e alguns da Equipe que não viam problema nessa aproximação, mas não houve nenhum debate coletivo nem explicação sobre isso), há um racha no grupo no qual os militantes todos abandonam em conjunto com trabalhadores críticos à linha oportunista que se instaurou.

Vão se aproximando as eleições e a parceria casual com o empresário/político na mobilização vai se consolidando e se tornando uma fonte de renda para alguns membros do grupo. Em troca do apoio público do movimento essa figura oferece dinheiro para os membros e apoio jurídico para a formação de uma associação. Os conflitos vão escalando e as acusações de favorecimento para os mais bem posicionados na hierarquia da Equipe implodem a situação. Novos rachas acontecem com acusações de desvio de dinheiro, golpes e falta de transparência na gestão da grana que o candidato vinha injetando no grupo. A revolta é contra o método execrável da compra de influência ou contra a repartição desfavorável do dinheiro?

Se a alguns meses atrás avaliávamos que em geral a Equipe via com maus olhos a “politicagem”, agora é possível verificar a fragilidade dessa posição. Talvez ela exista de forma genérica como um espectro de descrença com o jogo político que ronda a sociedade em geral, mas na condição de sujeitos ativos o grupo optou o velho caminho das oportunidades, condizente com o fisiologismo clássico da política institucional.

Como imaginávamos, o candidato não foi eleito. Com isso, as promessas de auxilio na formação de uma Associação e de parcerias de outro tipo desapareceram e não se ouviu mais falar. Talvez o encontremos daqui a 2 anos em uma nova rodada de promessas.

As eleições passaram, o ano virou, passaram-se alguns meses e um movimento de recomposição da Equipe é feito. O chefe do grupo busca um a um os membros que racharam com o coletivo, conseguindo unificar boa parte daqueles que haviam rompido. Com exceção dos militantes (apesar da persistência do chefe), a maior parte dos trabalhadores que haviam rachado anteriormente voltam para a Equipe, inclusive aqueles com posição mais combativa e críticos à linha da politicagem e que haviam sido os primeiros a sair.

Nesse mesmo momento, os grupos da categoria voltam a encher de mensagens críticas com relação ao aplicativo, surgidas com a atualização da mesma funcionalidade que foi a disparadora do processo de luta radical que levou à formação da Comissão, e em seguida da própria Equipe. A Equipe então começa a se rearticular, divulgando uma paralisação de 3 dias, que no final se reduziu a uma paralisação de 4 horas, mesmo com um bom número de trabalhadores mobilizados. Na chamada da ação a Equipe superestimou o movimento para, no dia da ação, o subestimar completamente. O movimento tinha condições de sustentar a luta, mas parece que o grupo não tinha confiança. Como a luta não se expressou para além da Equipe, a luta foi bem fraca.

Após essa tentativa frustrada de paralisação, a Equipe reaparece nas redes sociais com quase todos os seus membros reunidos num vídeo que faz propaganda da conquista de uma demanda importante da categoria, um espaço de apoio (um espaço de descanso com espaço para lanchar, tomar uma água, etc) para o trabalho. Os elementos presentes nesse material são chave para entender a atual recomposição: a conquista é apresentada como fruto da parceria entre a empresa e a Equipe. Não sabemos como se deu a articulação sobre essa demanda, exceto que ela se apresentou como uma conquista via negociação da Equipe, não da categoria como um todo que há anos apresentava essa demanda. A Equipe passa a se apresentar, então, como um prestador de serviços, um intermediador entre as demandas da categoria e a empresa.

Ao que parece a empresa está decidida a ceder alguns pontos para aproximar a Equipe pretendendo com isso controlá-la e, assim, neutralizar possíveis mobilizações. Parece também que o grupo está aceitando isso em troca de uma posição de destaque e representação mais legitimadas pela conquista concreta criando uma noção de que esse canal direto é o responsável pelas conquistas, o que provoca certa dependência da categoria para com o grupo.

A última informação que tivemos a respeito do grupo falava que a empresa os havia procurado para articulação de uma manifestação, na tentativa de cobrar posição dos clientes com o objetivo de diminuir os conflitos que sempre ocorrem. Segundo um camarada, a empresa iria bancar a infraestrutura da manifestação, restando a Equipe a agitação dos outros trabalhadores. Esse camarada também apontou o interesse da empresa no grupo, seja utilizando como escudo frente aos trabalhadores da plataforma, seja como garotos propaganda de uma suposta transparência e abertura de comunicação entre a empresa e as demandas da categoria.

2 – Reestruturação da Equipe

A busca pelo entendimento da recuperação capitalista em torno das nossas lutas vem sempre acompanhada da busca por culpados. Com esse processo não foi diferente. A questão é que, enquanto culpávamos o chefe de ter golpeado as nossas perspectivas coletivas que uma vez foram o motor pra articulação e animação do grupo, ou nós mesmos – que havíamos rachado – por não termos conseguido impulsionar uma dinâmica coletiva que inibisse a perspectiva centralizadora que se desenvolveu, os camaradas que trabalhavam na categoria e que racharam com a gente criticando a postura da liderança, logo depois, voltaram para o grupo e hoje estão vestindo a camisa. Se referem ao líder cada vez mais como o “chefe”, enquanto novos membros vão se formando. Também os que haviam rompido em meio às maracutaias e acusações de politicagem agora estão de volta e em harmonia com os rumos do grupo. Em meio ao período eleitoral, a aproximação com um candidato serviu como elemento desagregador, levando o grupo a se dissolver. Mas agora, passadas as eleições, o grupo parece ter se reestruturado em torno da parceria empresarial, que parece ter servido como elemento agregador. É em torno da comunicação direta com a empresa e do “mostrar serviço” para a categoria que a Equipe se recupera. Os problemas do passado foram todos apagados e, bom, agora parece que os militantes é que na verdade eram o problema. Mas essa recuperação não acontece sem contradições.

Com a Equipe prestes a completar dois anos, é natural que não se apresente mais como novidade, como era antes. O grupo tem a característica de se impor nos processos, o que parece estar causando conflitos com outros trabalhadores que tomam iniciativa por conta própria, ou em conjunto com seus outros grupos. No final a Equipe atropela a organização prévia e leva os créditos pelas ações.

Esse problema já ocorreu pelo menos duas vezes: um grupo de trabalhadores se uniu e começou a articular uma manifestação. Logo em seguida a Equipe puxou uma ação no mesmo dia e tentou tomar a frente do processo, dando depois entrevistas e contando vantagem de como se organizaram para fazer a luta, etc, etc, ignorando completamente a construção anterior. Nas palavras de um rapaz que tentou puxar uma dessas manifestações e se viu atropelado: “O negócio é que os cara fala que é frente já na cidade, aí chega a gente que é novo, os caras ficam indignado né? Ninguém deu um dedo a ajudar no começo, só apareceram depois que eu criei o grupo pra correr atrás das coisas”. Um outro trabalhador, envolvido em várias manifestações desde antes da formação da Equipe, também desabafou: “Na entrevista que deram só falam da equipe deles. Então quer dizer que só tem a equipe deles na cidade? As lutas foram só eles? Não, nada disso. Se nós não se unir, não tem ninguém. Muita gente ficou grilada aí, me mandaram mensagem falando ‘então a gente não é ninguém? Só conta pra eles quando apoia?’”.

A ação da Equipe buscar holofotes e se colocar como representante oficial do movimento já começa a gerar ruídos com outras equipes e trabalhadores independentes que se veem apagados dos processos de luta pela forma como este grupo está se apresentando em entrevistas, vídeos e materiais de divulgação. Apesar do papel de legitimação conferido pela empresa aos “líderes” (afinal foi a empresa que em última instância teve papel de definir a liderança), os trabalhadores da mesma categoria que não trabalham predominantemente na mesma empresa dos participantes do grupo não parecem reconhecer essa legitimidade, uma vez que o grupo mostrou não ter interesse em comprar brigas de outras empresas – por mais que hajam trabalhadores dessas outras empresas na Equipe. Esses trabalhadores se sentem abandonados, e parecem se revoltar cada vez mais contra o coletivo, que se apresenta como “representante da categoria” mas que na prática se coloca cada vez mais como “representante de uma das empresas”.

Na mesma medida que parece crescer na categoria uma desconfiança em relação ao grupo, a Equipe vem tentando ampliar seu alcance midiático, costurando outras parcerias, tanto em relação à própria empresa quanto a grupos políticos divergentes – seja com sindicalistas de esquerda, seja com influencers bolsonaristas. A conquista das “melhorias” parece ter se colocado acima de tudo, e parece não haver nada que impeça o grupo de aproveitar todas as oportunidades, independente das contradições e das posições e ações mais execráveis como fica indicado com o esquema de massificação de ato de políticos em troca de dinheiro, além de outras ações que podem facilmente se configurar como compra de votos.

Para superar o impasse que a Equipe se tornou para a organização independente e combativa da categoria, ao que nos parece, a única saída é reforçar as iniciativas e o caráter coletivo das diversos equipes, construindo uma estrutura que possibilite decisões coletivas para a construção das lutas. Se logo no momento seguinte à saída dos militantes da Equipe, houve a percepção de que a consolidação desse grupo inibia o ressurgimento daquela “Comissão de equipes”, as recentes contradições e conflitos no interior do movimento amplo da categoria parecem sugerir que outros focos de mobilização e novos trabalhadores engajados podem surgir e somar para a possibilidade de uma retomada dessa forma, que pode aglutinar várias equipes.

O pêndulo do grupo parece travado na posição conciliatória, que aparece em todos os momentos, inclusive nas mobilizações, que agora assumem mais a cara de propagandas do coletivo do que de fato de combate contra a empresa.

A ver para onde caminhará a jornada desse grupo e qual o futuro dessa parceria, ou que possibilidades de manter a parceria a empresa tem, já que ela conta com um modelo de negócios enxuto e que tem como princípio a desresponsabilização da empresa para com o trabalho. O fato é que a política institucional quando compareceu no grupo em contexto de eleições serviu como elemento desagregador. Enquanto isso, a parceria empresarial tem servido como elemento agregador. Até quando essa atuação como burocracia gestora pode se manter também?

A publicação deste artigo foi dividida em 3 partes, com publicação semanal:
Parte 1
Parte 2
Parte 3

As fotos são de autoria de André Vargas.

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