Por Passa Palavra
Cresceu nas últimas semanas a discussão acerca da redução de jornadas de trabalho no Brasil e em específico do fim da jornada 6×1 (seis dias de trabalho para um dia de folga). Para quem já acompanhava as publicações de alguns setores de trabalhadores nas redes sociais a discussão não chega a ser uma novidade; a presença de publicações sobre o assunto, com grande repercussão – especialmente no TikTok – remonta há mais de um ano. Entretanto, é inegável que a discussão ganhou escala e tem pautado tanto redes sociais quanto o noticiário jornalístico, seja da grande mídia, seja de publicações independentes. Tal ampliação está associada à proposta de Emenda Constitucional, da deputada Erika Hilton, que começou a ganhar tração esta semana.
A campanha pelo fim da escala 6×1 tem como elemento disparador o movimento Vida Além do Trabalho. Este nome, em si, merece atenção. Primeiro, por mobilizar uma demanda concreta de milhões de pessoas, que têm sua vida controlada pelas atividades produtivas de tal modo que se veem impedidas de fazer outras coisas pelas quais têm interesse, seja estudar, sair com amigos, descansar, passar mais tempo com a família, ou qualquer outra atividade não diretamente associada à exploração. Segundo, por mobilizar, o que é raro nas proposições esquerdistas atuais, uma esperança de futuro, algo que aponte para uma forma melhor de viver, mas que ao mesmo tempo não seja apenas uma política entregue pelo Estado. De alguma forma, este chamado remete ao bordão que agitou o país, há uma década atrás, de “uma vida sem catracas”.
É curioso observar que parte da reação do establishment em relação à demanda de redução do trabalho muito se assemelha às reações iniciais em relação às reivindicações de redução de tarifas, ou de tarifa zero. Se apela para uma suposta razão econômica, que impediria qualquer concessão, pois ameaçaria os empregos devido à baixa produtividade do trabalhador brasileiro. Para além deste tipo de argumento ignorar o que existe de evidência internacional sobre a redução de jornada de trabalho, ainda ignora que é justamente das respostas às mobilizações dos trabalhadores que são criados mecanismos de mais-valia relativa. Ademais de isso, não cabe aos trabalhadores quando se mobilizam criar soluções capitalistas. A luta a ser construída é justamente por uma vida além do trabalho.
Para além dos diretamente afetados, a campanha ganhou apoio público de muitos trabalhadores mais qualificados, associados ao que pode se considerar um campo progressista; em um momento de disputas por algoritmos e de opinião pública inflamada, este tipo de apoio parece ser fundamental. Também é notável que, mesmo com atraso, alguns importantes sindicatos, como o de metroviários e o de bancários, fizeram uma série de publicações em favor da redução da jornada. Ao mesmo tempo, é central não ser apenas algo compartilhado nas redes sociais para alívio de culpa, mas que se construa elos concretos entre diferentes frações da classe.
No entanto, a maior potencialidade dessa pauta reside justamente na adesão maciça dos trabalhadores que vivem na pele a escala. Basta ver as publicações nas redes sociais de memes diversos, depoimentos de rotinas de trabalho e reclamações variadas. Para surpresa de alguns, uma demanda estritamente proletária conseguiu mobilizar trabalhadores independentemente de suas crenças religiosas, cor da pele ou orientação sexual. A organização inicial abarcava pessoas auto identificadas como de esquerda, com ampla adesão da comunidade LGBT, que trabalhavam nos setor de comércio, em especial farmácias e mercados. Com a campanha se tornando pública foram várias as figuras públicas da extrema-direita – a de maior destaque foi Nicolas Ferreira – que se posicionaram contra a pauta. Não esperavam, no entanto, que sua massa de seguidores, composta por trabalhadores – que também são evangélicos – se posicionasse de forma virulenta nos comentários contra o trabalho 6×1, alegando que ele impossibilitava estudar, descansar e principalmente ficar com a família. Ao que tudo indica, é possível recuperar alguma transversalidade entre trabalhadores a partir de demandas concretas e ousadas.
Há que observar alguns desafios que ainda se apresentam para a continuidade da luta. Primeiramente, em relação à reação dos diferentes aparatos governamentais, ao que tudo indica não há uma posição unificada, com Geraldo Alckmin declarando que é uma tendência global, Luiz Marinho declarando que esse tipo de negociação caberia aos sindicatos e Fernando Haddad dizendo que não estava acompanhando o assunto. Esta hesitação governativa fez diferentes dos microinfluenciadores petistas se colocarem frontalmente contra as mobilizações, dizendo que elas só serviriam para desestabilizar o governo Lula. Cabe perguntar se vale gastar algum esforço debatendo, ou mesmo denunciando, esse tipo de posição, ou se os esforços militantes seriam melhor direcionados para outras frentes. O maior desafio que se apresenta é como expandir a organização para além das redes sociais. Se, em um primeiro momento, elas foram fundamentais para colocar em contato uma ampla gama de trabalhadores que em geral se encontram fragmentados em mercados, ou farmácias de redes, elas têm limitações claras, seja pela sua estrutura hierárquica que facilita a concentração em figuras centralizadas, seja pela dificuldade de sair delas para realizar ações em locais de trabalho que construam laços concretos entre os trabalhadores e trabalhadoras. Tanto que os atos anteriores organizados pelo movimento Vida Além do Trabalho conseguiram mobilizar poucas pessoas e mais se assemelharam a panfletagens, os atos marcados para o dia 15/11 parecem ter outro caráter. Neste sentido, como podem os militantes atuar para que a mobilização não fique restrita a demandas legislativas, longe do cotidiano dos trabalhadores?
As obras que ilustram o artigo são de Carlito Carvalhosa (1961-2021).
Fiz uma conta de padeiro. Vamos ver se ela faz algum sentido…
A PEC de marketing político de tema trabalhista proposta por um setor hiper identitário do PSOL, por uma parlamentar que nunca se travestiu de trabalhador, trata do fim da jornada de trabalho 6×1 ao alterar o art. 7 da CF. Na aparência a proposta é boa. Limitar a jornada de trabalho a 4 dias por semana e propagandear que os demais 3 dias seriam destinados ao descanso do trabalhador. Mas na realidade subjacente é preciso notar que a PEC não trata nem em sua justificativa do descanso semanal remunerado (que hoje é de 24h corridas, preferencial aos domingos) e do cálculo do salário mínimo (no decreto que o regulamenta, além do valor mensal, fica estabelecido o valor diário e o valor por hora e disso é possível deduzir a proporção que deve ser paga conforme a jornada de trabalho). Ainda quanto ao decreto do salário mínimo, o cálculo foi feito considerando a jornada de trabalho atual, de 6×1 (sendo que o 1 corresponde aos domingos de descanso remunerado) e caso a PEC vingue o valor certamente será recalculado para menos.
De qualquer forma, mesmo na hipótese remota dessa PEC vingar (repito: me parece remota! e por isso não passa de marketing do PSOL voltado para a própria base após os indicativos que todos nós vimos na última corrida eleitoral de sua desagregação), vai ajudar em nada e talvez até piore a situação.
Antes de ir para os cálculos de padaria que fiz e gostaria aqui de submetê-los ao exame dos camaradas, lembro ainda que segundo o Dieese o salário mínimo necessário (calculado segundo o custo mensal de alimentação) está na faixa de R$6.700,00. A diferença entre o salário mínimo necessário, que ninguém comenta, e o salário mínimo determinado pelo governo (que é de R$ 1.412,00) é de aproximadamente R$ 5.200,00. Comer custa caro.
Fico vendo pessoas debaterem a redução da escala de trabalho (de forma inconsequente, pq se fosse com responsabilidade estariam trazendo para o debate também a questão do descanso remunerado e do cálculo do salário mínimo) e só que percebo é uma empolgação infantil. Não vejo, por exemplo, ninguém falando em grau de exploração do trabalho. Se não se fala em ampliação do descanso remunerado e em aumento de ganho salarial, não se fala em redução do grau de exploração do trabalho. Com isso quero dizer que o debate que está sendo feito passa muito longe de um debate marxista.
Agora apresento minhas continhas:
A proposta estabelece que a jornada de trabalho não pode ser superior a 8h diárias e a 36h semanais. Ainda diz que a jornada de trabalho deverá ser de 4 dias por semana:
4 dias x 8 horas = 32h
É preciso notar que para completar 36h semanas faltam ainda 4h. Mas o trabalhador só pode trabalhar 4 dias por semana. Então essas 4h seriam diluídas nos 4 dias da semana. Dessa forma, a jornada diária seria de 8horas mais 1 hora-extra, ou seja, 9 horas por dia.
Vamos agora para uma outra parte do cálculo: conforme já foi mencionado, o decreto do salário mínimo em vigor determina um valor mensal (30 dias) de R$1.412,00 considerando a atual jornada de trabalho de 6×1. Este mesmo decreto estabelece o valor mínimo diário e o valor mínimo por hora: R$47,07 por dia e R$6,42 por hora. Isso significa que se o trabalhador trabalha 8h por dia, por dia ele irá receber R$47,07.
Mas ele irá trabalhar 9horas por dia (8hh + 1hora-extra).
A hora-extra é a soma do valor mínimo da hora e metade desse valor. Ou seja:
6,42 + 3,21 = R$9,63/hora-extra.
Então por 9horas diárias de trabalho a remuneração será:
47,07 + 9,63 = R$56,70/dia
Como o trabalhador só poderá dedicar por 4 dias semanais de trabalho através da CLT (e no restante do tempo, como veremos, será induzido a mergulhar do precariado informal) devemos multiplicar esse valor por 4:
56,7 x 4 = R$226,80
É preciso notar que neste valor de R$226,80 ainda não estamos considerando o descanso semanal remunerado, que equivale a um dia de trabalho, ou seja, R$ 47,07. Então a soma da remuneração semanal do trabalhador em escala 4×3 será a seguinte:
226,80 + 47,07 = R$273,87/semana.
Agora vamos comparar:
– Hoje a escala é de 6×1. Como domingo equivale a descanso remunerado, faremos a seguinte conta:
7 x 47,07 = R$329,49/semana.
Temos então que na escala 6×1 o trabalhador é remunerado por 7 dias (6 de trabalho e 1 de descanso) e deverá receber R$329,49 por semana.
– A proposta do PSOL deseja alterar a escala para 4×3. Mas como o valor mínimo do dia de trabalho e o descanso semanal remunerado de apenas 1 dia não são objetos da proposta, devemos considerar que a escala proposta é de uma diária de 9horas por 4 dias por semana, com 1 dia de descanso remunerado e 2 dias de descanso não remunerado (será que o trabalhador poderá se dar ao luxo de descansar?).
Neste caso, conforme vimos pela escala 4×3 o trabalhador deverá receber R$273,87 por semana.
Se fizermos esses valores vezes 4 (4 semanas, que dará 28 dias, ou seja, é um cálculo aproximado do quanto seria a remuneração mensal), a diferença de valores será a seguinte:
– escala 6×1 = 329,49 x 4 = R$ 1.317,96/mês (aprox.)
– escala 4×3 = 273,87 x 4 = R$ 1.095,48/mês (aprox.)
É, portanto, uma diferença aproximada de R$222,48 entre o ganho atual da escala 6×1 e o ganho futuro da escala 4×3.
Está diferente o trabalhador estará livre para cobrir se inscrevendo na plataforma do ifood. Ou talvez através dos antigos e sempre necessários ofícios de servente de pedreiro e empregada doméstica (atual diarista).
Enfim, o nome dessa PEC deveria ser Engodo, ou Cilada, ou corte de gastos (e não é sobre isso que o governo anda falando ultimamente?).
Repito o que já indiquei no começo deste comentário: duvido que a diminuição da jornada de trabalho irá resultar em diminuição do grau de exploração de trabalho (isto é, duvido que o trabalhador passará a entregar menos trabalho para o patrão, ou seja, que ele será menos explorado semanalmente) e a mera verificação da diminuição da remuneração mensal a partir dos valores mínimos diários determinados pelo governo é indicativo de que o grau de exploração irá crescer e não diminuir.