Caros leitores, o Passa Palavra vem denunciando há algum tempo a consolidação do punitivismo na esquerda, em especial na extrema esquerda. Na verdade, a prática do punitivismo nestes meios tem se colocado à direita do punitivismo de Estado, na medida em que é negado aos acusados o direito de defesa. Tendo isto em vista, o Passa Palavra abre um espaço para dar voz também aos acusados. Notamos que nossa posição não é a de tomar partido por um dos lados do conflito, e sim nos posicionar contra aos linchamentos morais.

A denúncia publicada pelo Coletivo Maria Bonita pode ser conferida aqui.

RESPOSTAS ÀS DENÚNCIAS VEICULADAS PELO COLETIVO MARIA BONITA/RJ

Após as irresponsáveis e caluniosas acusações feitas por um coletivo feminista do Rio de Janeiro, cidade que morei nos últimos dois anos, venho a público esclarecer aos amigos, companheiros de luta e todos que me deram o benefício da dúvida e respeitaram o direito a voz e defesa alguns fatos desse lamentável episódio.

Infelizmente minha ex-companheira, por razões guardadas em seu íntimo, e também pela dificuldade da ruptura de um relacionamento intenso, resolveu compartilhar uma vingança pessoal através da facilidade das redes sociais e de extensa denúncia caluniosa.

Creio que os coletivos que somente a escutam e compartilham e repercutem essa visão distorcida e caluniosa de nosso relacionamento não têm a dimensão da irresponsabilidade que é enxovalhar um companheiro das lutas políticas. Creio também que as pessoas que compartilham tais calunias nas redes sociais também não tem o perfeito entendimento do ilícito penal que tal atitude encerra.

Não aceito e recuso o rótulo de “anarcomacho”. Comungo e sou solidário com a luta das mulheres. Porém, mesmo na eventualidade de que em meu relacionamento não tenha vivido num mar de rosas, as redes sociais não são o local para ele ser discutido.

Não reconheço as graves acusações que me são imputadas, algumas irresponsavelmente criminosas e, embora não esteja disposto a continuar a repercutir o meu relacionamento nas redes sociais, também não aceito o papel de vítima social e de pessoa incapaz que minha ex-companheira tenta difundir em detrimento de minha honra.

De minha parte encerro essa discussão por esses canais de redes sociais e advirto às pessoas que trabalham contra minha honra pessoal e insistem em repercutir acusações caluniosas, que me imputam crimes que não cometi, que se abstenham de compartilhar tais matérias posto que, se necessário, recorrerei ao Judiciário para não deixar minha imagem ser destruída.

Aproveito para reafirmar que em nenhum momento deixo de perceber as implicações politicas do que faço em minha vida pessoal e que, tampouco me escondi [em Belo Horizonte ou qualquer lugar]. Eu mudei para Belo Horizonte para me juntar à minha família, que para cá mudou. Situação normal e corriqueira na vida das pessoas.

Dessa forma como última fala e ainda agradecendo a quem não me criminalizou, como tanto a esquerda e o campo libertário gosta de acusar seus oponentes de fazê-lo, e não me julgou de forma sumária, me permitindo exercer meu direito a resposta, gostaria de colocar um questionamento: como podemos professar e construir lutas por um mundo cunhado em solidariedade e igualdade, em valores não estatais nem capitalistas, se condenamos e executamos a honra de uma pessoa sem sequer ouvir sua defesa atuando de forma mais primitiva do que o próprio Estado?

Vinicius Mojica

55 COMENTÁRIOS

  1. “Creio também que as pessoas que compartilham tais calunias nas redes sociais também não tem o perfeito entendimento do ilícito penal que tal atitude encerra.”

    É a companheira e a “extrema” esquerda que estão sendo punitivistas?

    ILICITO PENAL

    Isso sim é ser punitivista. Isso sim é utilizar as estratégias punitivistas do Estado.

    Na própria opinião do PP está referendado o punitivismo, Ddreito de defesa é uma prática do judiciário burguês e que a gente, que está ali lutando contra as violações, vemos a que serve cotidianamente. Pelo visto vamos continuar nessa caminhada de um veículo que se considera parceiro das lutas da esquerda só dar visibilidade e expressar apoio a agressores. O melhor é esse argumentozinho de que quem instrumentaliza politicamente essa discussão somos nós, quando fica claro que vocês são muitos bons nisso viu.

  2. Monique,

    Tal como o direito de defesa, Reforma agrária é invenção burguesa, você é contra?
    Direito à cidade, idem, você é contra?
    Demarcação de terra indígena, só é possível nos marcos do direito burguês, você é contra?
    Aliás, Direito humanos, à diferença, outras noções burguesas, você é contra?
    Direito à comunicação, você é contra?

  3. O comentário de Monique expressa bem a falta (proposital) de lógica na argumentação das feministas excludentes, Além disso essa ilogicidade desse feminismo vem acompanhada de um ahistoricismo conveniente. O direito de defesa, “prática do judiciário burguês”, como diz Monique, é uma conquista histórica dos trabalhadores. Se dependesse das classes dominantes a acusação contra os trabalhadores seria sempre decidida sem que estes pudessem se defender de nenhuma forma. O fato de que o judiciário é com frequência injusto e nem um pouco neutro é usado acriticamente por essa esquerda como “prova” de que o punitivismo sem direito a defesa que ela defende é “melhor” que o do judiciário burguês. Aí temos os vários exemplos de gente que foi escrachada e vítima de trashing sem ter feito nenhum crime, apenas por motivos políticos ou rancor dos acusantes ou qualquer outro motivo depois assumido. Negar o direito de defesa é autoritarismo de tipo fascista, e é isso que essa esquerda (que o comentário de Monique representa) defende. O acusado não aparece como acusado, e sim como “agressor”, tão somente porque foi acusado. O benefício da dúvida, e a necessidade de que a acusadora comprove a denúncia, são descartados; o silogismo é perverso: se o machismo costuma fazer vítimas todo dia, quase sempre mulheres, então toda e qualquer denúncia de machismo feita por uma mulher é “verdade”, é “uma oprimida que não se calou diante da opressão”, não precisando, por isso, comprovar nada. Lembra as acusações de bruxaria, da Idade média. E o Passa Palavra, ao publicar uma defesa do acusado, é automaticamente acusado e julgado como apoiador de agressores. Seria de rir a falta de lógica, mas como o argumento vem de dentro da esquerda e tem interesse políticos muito claros, a coisa é trágica, e esse tipo de fascismo presente no comentário de Monique (sem que ela saiba?) e que tenta corroer a esquerda por dentro tem que ser combatido, tanto quanto o machismo. O próprio fato desse comentário ter (como condição de sobrevivência) que ser assinado com pseudônimo já mostra o quanto esse feminismo anda junto do pior tipo de punitivismo possível, aquele que não aceita divergência de opinião e em que o acusado não pode sequer se defender, e é sumariamente executado pelos acusadores. Trágico o contexto em que o direito burguês é menos bárbaro que a alternativa proposta por gente que se considera de esquerda e que quer pensar alternativas ao punitivismo sendo mais punitivista ainda, e tudo maquiado de boas intenções, como todo fascismo.

  4. Taiguara,

    Óbvio que não disse que era contra a principio. Deixei bem claro que os usos que se fazem do instrumento de “direito a defesa” no atual sistema judiciário é o que expressa de maneira bastante evidente os furos dessa argumentação de quer colocar as organizações que utilizam a publicização dos casos de agressão como autodefesa como punitivistas, sendo na opinião de vcs dentro ou muito pior do que a prática do estado.
    Vocês não propõe nada novo. Vocês propõe um tribunal em que partes desiguais tenham “direitos” iguais.
    Eu estou em um coletivo que deu “direito de defesa” a um agressor. O que só gerou mais agressões as mulheres que compõe o espaço.
    Em todo o caso, o que quis mostrar foi o quanto o recurso retórico de vcs só busca tentar validar a posição de vcs por tocar nos pontos sensíveis da esquerda autonomia, punitivismo, horizontalidade… não vejo nenhuma disposição ao dialogo em nenhuma das publicações sobre feminismo de vcs. Nenhuma. Em especial nos casos de agressão. Vocês simplesmente atacam com esse discurso que as feministas são muito piores que o Estado. Talvez fosse importante vcs dizerem que querem é se isolar esse campo político, levando o máximo de gente da militância com vcs, e não fazer um debate um debate aberto sobre isso, porque, sem dúvida, vocês já tomaram a decisão de vcs – sem nem mesmo apresentar qualquer proposta concreta de como a esquerda poderia lidar com o seu machismo sem ser punitivista mas sem continuar o processo de agressão as pessoas já agredidas (porque, convenhamos, propor imitar o estado, levar para a esfere judicial ou criminal, como a pessoa que está aqui “se defendendo” propôs, não é lá uma proposta muito transformadora não é?)

  5. Trágico mesmo eh assistir a minimização de uma denuncia grave de machismo e ainda a invocação da necessidade de provas e outros artefatos jurídicos e judiciários burgueses. O mocinho ainda fala que vai recorrer a justiça pra restaurar a honra.

    Bem anarquista, bem libertário.

    Quero soh ver ateh quando o PP (passa pano) vai continuar na cruzada de minimização de denuncias de agressão machista escondidos pelo argumento do punitivismo. Alias, pra intelligentsia politica que se supõe serem, ta faltando conhecimento dos tribunais populares, instrumento popular que cortou cabeças contrarias aos interesses revolucionários em Franca e China. Também ta faltando problematizar a práxis, sair do mundo encantado da academia machista.

    Deixa eu contar uma novidade, passapalavristas: existem anarco e esquerdo machos e aos montes dentro e fora das organizações e coletivos (alias, o PP prova isso cotidianamente pra quem milita com alguns de vcs). Existem, dentre estes, tantos que nao soh se recusam a observar o comportamento machista quanto se orgulham ou minimizam a relacao do politico com o pessoal. A denuncia da companheira da conta de que o sujeito teria dito que “jah que ia ser escrachado, que valesse a pena” ou coisa do tipo. Sobre esses, soh pode haver rancor, e tenho plena consciência de que um verdadeira revolução libertaria não vai rolar com conciliação com todos os vermes que tão por ai.

  6. Aliás, o uso do termo “punitivismo” aqui também é bastante instrumental, principalmente para um coletivo que segue dando visibilidade para o uso do termo “preso político”.
    A desproporcionalidade no “direito de defesa” tá bem expresso aqui: a agredida teve pouco apoio, tendo que usar uma plataforma de baixa divulgação, a “defesa” do agressor é publicada em uma site com alto acesso pelo meio autonomo.

    Cristina, bão há paralelo possível: as mulheres adotam a publicização da denuncia de agressão (inclusive depois de esgotar outros meios, como nesse caso) justamente por não acreditam no estado como interlocutor das suas demandas, porque nãoo querer tratar o caso na esfera criminal.

  7. Erram os coletivos que que se pautam pela lógica do escracho, assim como erram os coletivos que se pautam pela lógica da execração pública desses coletivos que se perdem no punitivismo, punindo-os também.
    Triste os tempos onde, com tantos ataques à classe trabalhadora, a esquerda, extremada ou não, de um lado ou de outro, se pauta, no fim, pela lógica do factóide e da polêmica a todo custo.
    Algumas cartas de acusados são publicadas, mas de alguns, pois de outros, tratados também pela lógica punitivista, mesmo que não necessariamente pelo escracho, certamente nunca o serão.
    Roda a roda e não saímos do lugar. Infelizmente.

  8. Há uma confusão, que inclusive apareceu nalguns desses comentários, entre um tipo específico de feminismo, que o Passa Palavra qualificou como “feminismo excludente” e o “feminismo”. Geralmente as adeptas dessa vertente de feminismo arrogam para si que o feminismo delas é o “feminismo”, o que já é por si mesmo muito problemático, e fica ainda pior quando dizem que quem critica esse feminismo excludente é então contra “o feminismo” e, por suposto, “a favor do machismo”. É de uma lógica bipolar muito pobre. Fora isso, há nesse debate e sempre que esse debate ocorre, uma outra confusão, relativa à diferença entre fazer a crítica aos métodos postos em prática por esse feminismo excludente e isso ser “apoiar o machismo”. A decorrência é esse tipo de acusação leviana de que o Passa Palavra passa pano. E de que os textos que saem aqui não buscam um diálogo, isso só se diz quem não leu ou quem está fechado no feminismo excludente, considerando-se muito radical e muito bem informado, e que considera “diálogo” o aceitar as imposições protofascistas dessa vertente do feminismo. Basta ver o ultimo texto que saiu aqui sobre o tema: “Machismo e Esquerda: a exclusão como método”. A questão é em certo sentido simples: assumir que a alternativa proposta pelo feminismo excludente, a do escracho, do “empoderamento”, da “revolução enquanto cortar picas” etc., falhou, é uma proposta que caiu na extrema direita. E a partir desse reconhecimento seguir buscando alternativas ao punitivismo estatal para enfrentar esses problemas do machismo e do machismo dentro da esquerda, e buscando coletivamente as formas de enfrentar caso a caso. O Passa Palavra ou qualquer pessoa ou coletivo não tem obrigação de apresentar a solução mágica pra problemas abrangentes desse tipo, os do machismo e do machismo na esquerda. Aliás, só de fazer a crítica ao feminismo excludente, que prejudica a luta contra o machismo ao colocá-la em termos biologizantes, esse site já está de parabéns. E quem está contra essas críticas e contra esse post devia refletir que dar direito a voz para os acusados não é tomar partido a favor do machismo ou algo assim, mas tão somente reconhecer um direito básico, conquistado pelos trabalhadores (como disse algum dos comentadores acima) e permitir que essa defesa tenha algum espaço. A acusação teve outros espaços, a ponto do acusado já ter sofrido e estar sofrendo todas as penas, posto que culpabilizado a priori. Enfim, sigamos buscando alternativas pros métodos burgueses de punição e de enfrentamento ao machismo, mas o primeiro passo que temos que fazer é reconhecer que essa proposta pelo feminismo excludente deu errado, e muito.

  9. Acompanho o site, e algumas coisas ditas aqui nos comentários me pareceram um disparate:
    1) o PP não só vem promovendo o debate público sobre as alternativas da esquerda para lidar com o machismo de forma a não reforçar o punitivismo faz já algum tempo, o fato é que o último texto destes foi justamente no sentido de apontar caminhos não-estatais para a construção dessa alternativa. Nos comentários lá como aqui, alguns leitorxs escolhem simplesmente ignorar isso e martelar na ideia de que o site não pensa alternativas.
    2) Execração pública de coletivos?! Por dar espaço a uma versão que está sendo colocada em dúvida? (e já julgada por parte da acusação, que também se encarga da execução). Quem é que tá dando voltas aqui?
    3) Por fim, a menção ao fuzilamento e à guilhotina como instrumentos políticos me revira o estômago. Parece que além dos anarcomachos também temos o fenômeno das staloanarcas.

  10. Não se trata de uma questão jurídica, obviamente, mas é bom corrigir, já que PP, autor do texto e alguns comentaristas escorregaram nela: direito de defesa, em suas origens remotas, é conquista da nobreza (inglesa); na sua forma mais acabada, é conquista liberal, burguesa. E reforma agrária é uma pauta de teor político (luta das expropriadas da terra pela reconquista delas ou de parte delas) a que se atribui forma jurídica exatamente para enquadrá-la; direito à cidade, idem – bem assim com tudo o que é reivindicação popular…
    Isso não precisaria ser mencionado, mas, no limite: um posicionamento socialista e libertário deveria, sim, ser a favor de cidade para todas, fim da propriedade, comunicação acessível e construída por todas; e, exatamente nessa medida, deveria ser contra a que a forma jurídica enquadre verticalmente essas pautas populares e limite debates dentro da classe (a não ser que se queira contribuir para a reprodução das ilusões iluministas). Direito se reivindica, no máximo, frente a opressores e nos termos conscientes de uma relação de forças que imponha o uso tático de tal linguagem dominadora.
    É bastante estranho esse apelo a uma ‘liberdade’ que se sabe bastante formal e sem materialidade prática; e é lamentável comparar uma denúncia pública feita autonomamente (por contestável que seja aos olhos dos editores) com práticas punitivistas do Estado para, como se fosse impossível conter o impulso arrogante, colocá-la à direita dessas…
    A inversão aí é grotesca e, ainda que (talvez sintomaticamente) faça questão de negar, o portal, que tantos bons debates traz, assume claramente lado.
    Para não bloquear o debate (já bastante truncado do jeito que foi posto), fica uma fundamentação que deveria ser igualmente óbvia: o Estado, formalmente garantidor de direitos, é, na prática – e também em sua forma – patriarcal e serve, entre outras funções perversas, à naturalização sistemática da violação de quem compõe as classes exploradas e/ou oprimidas – inclusas, por óbvio, mulheres.
    Com mais ênfase: é grosseiro comparar a secular marcha de massacres mediada pelo(s) Estado(s) com uma denúncia pública veiculada por grupos feministas. E é inominável situar essa à direita daquela.
    Nada é impassível de crítica; o punitivismo é, sem dúvidas, prática a ser criticada e é um desafio e tanto pensar em formas de autogestão de conflitos que enfrente opressões/violências sem reproduzir punições.
    Mas é preciso não confundir crítica com posicionamento ao lado de (potencial ou real) opressor e igualmente cuidar para que as formas de veicular críticas dialoguem com as questões concretas colocadas, de maneira a não se converter exatamente em reforço de opressões.
    Cuidado e sensibilidade fariam um bem danado para essas abordagens…crítica sem esses dois singelos elementos corre risco de cair em diletantismo histérico e regressivo.
    Nesse sentido, a intervenção do Passa Palavra foi – com o cuidado de não carregar nos adjetivos – bastante desastrosa ao pretenso fim de criticar o meio legitimamente utilizado para denunciar uma agressão machista.
    Que haja espaço aí para alguma autocrítica e para retratação, já que a merda tá feita…

  11. O comentário de Muriel é um pouco confuso e mistura algumas coisas. Primeiro identifica conquistas liberais burguesas com algo que seja do interesse exclusivo dos liberais burgueses, quando se sabe que as tais conquistas eram muitas vezes concessões arrancadas pela classe trabalhadora, no caso o “terceiro estado” ou coisa que o valha, dependendo a época e país. Depois ele identifica a busca popular pela legitimação jurídica de uma demanda com enquadramento da demanda, o que não deixa de ser verdade, mas enquanto o sistema está de pé e a luta é reformista não há outro caminho se não usar os meios legais de legitimação de uma conquista contra a própria classe que usa esses meios para inviabilizar a conquista; Depois Murial brada os norteamentos libertários da luta contra e por fora dos dispositivos burgueses, saltando inesperadamente para a conclusão de que então a luta deveria se dar contra a que “a forma jurídica enquadre verticalmente essas pautas populares e limite debates dentro da classe”, confundindo, a seguir, toda e qualquer conquista dentro da ordem com “ilusões iluministas”. No quadro de Muriel tudo é preto no branco, não há história e não há contradições e conflitos: se um dispositivo foi inventado por uma classe, dela ele será para todo o sempre. É então que Muriel acha “bastante estranho” o apelo “a uma ‘liberdade’ que se sabe bastante formal e sem materialidade prática” e considera “lamentável comparar uma denúncia pública feita autonomamente […] com práticas punitivistas do Estado para, como se fosse impossível conter o impulso arrogante, colocá-la à direita dessas.” Muriel acusa o site de ser contra a denúncia pública de uma agressão machista, justamente o site que está trazendo a público a defesa do acusado, e inclusive disponibilizando o link da Carta denúncia. Ora Muriel, só a acusação deveria ser pública? E fornecer um espaço de defesa é tomado como “assumir lado”. Se pensarmos que a esquerda está tão tomada pelo demente multiculturalismo, até que dá pra dizer que o site “tomou lado”, mas não tomou lado contra a acusante, insinuar isso é pura má-fe. Depois Muriel vem novamente com a aula de ciência política:

    o Estado, formalmente garantidor de direitos, é, na prática – e também em sua forma – patriarcal e serve, entre outras funções perversas, à naturalização sistemática da violação de quem compõe as classes exploradas e/ou oprimidas – inclusas, por óbvio, mulheres.

    E se o Estado é isso então ele é isso, então ele tem essa genética e então a esquerda não tem que se meter nessa instituição da outra classe. Mais uma vez o preto no branco de Muriel. E seguem as deduções: é “grosseiro comparar a secular marcha de massacres mediada pelo(s) Estado(s) com uma denúncia pública veiculada por grupos feministas. E é inominável situar essa à direita daquela.” Ora, não vi onde foi que o PP ou qualquer comentador tenha acusado a “denúncia pública” de ser algo pior e à direita do Estado e seus massacres. O que se criticou não foi a denúncia ou o meio da denúncia e sim o julgamento sem direito a defesa e a aplicação imediata da pena ao acusado de ser agressor. Um caso nem de longe isolado, e sim recorrente.
    Depois Muriel dá alguns tirinhos em seus próprios pés, para nosso desfrute: “é um desafio e tanto pensar em formas de autogestão de conflitos que enfrente opressões/violências sem reproduzir punições”. “Mas é preciso não confundir crítica com posicionamento ao lado de (potencial ou real) opressor”. E ainda vem falar de diletantismo, na mesma frase que pediu cuidado e sensibilidade nas críticas, insinuando que o PP postar a Carta foi algo insensível e descuidado.
    Então, depois da distorção, a cereja do bolo: a “intervenção do Passa Palavras” foi “bastante desastrosa ao pretenso fim de criticar o meio legitimamente utilizado para denunciar uma agressão machista”. Sendo que o site não fez critica nenhuma, e quando essa crítica apareceu, nos comentários, ela não foi destinada ao meio da denúncia e sim à forma como todo o caso foi tratado: a denúncia como uma verdade por si mesma (onde a identidade da denunciante fica preservada, e a reputação do crucificado acusado, digo, “agressor”, é destruída antes mesmo de se saber se ele é culpado ou não).
    Quem tem que fazer autocrítica e se retratar são os militantes de esquerda que saem tagarelando bolsonariamente pedidos odiosos de “punição ao agressor” sem nem mesmo conhecer a história e sem nem desconfiar se houve mesmo a agressão. O raciocínio é tico e teco: se há agressão machista a cada não sei quantos segundos, então a acusação só pode ser verdadeira, a acusante uma “herói”, e o acusado um monstro machista esquerdomacho uzomi. O pior é que mesmo que tenha havido a agressão, e não duvido que tenha havido, a disponibilização do espaço para a publicação da Carta não perde nem um pouco sua legitimidade, e quem bradou pela punição não ganha nem um pouco de razão com a comprovação, pois quem bradou bradou sem saber se houve mesmo a agressão ou não, na confusa ânsia de “fazer algo” – típica da esquerda burguesa universitária. O advogar do direito de defesa, que Muriel diz que é “formal e sem materialidade prática” tem sua materialidade justamente nessa Carta, e o PassaPalavras se diferencia dessa esquerda que tem um pé no fascismo ao divulgá-la, sendo a moça vítima das agressões que diz ou não, pois assim o site põe o dedo na ferida dessa forma alternativa ao punitivismo estatal que como disse um comentarista antes, falhou, deu errado, consegue ser pior do que a merda burguesa. De fato “a merda tá feita” e tá sendo repetida várias vezes, não nas publicações desse site, mas em cada caso de escracho injusto e em cada caso de silenciamento de voz de quem pensa diferente, tudo autojustificado a partir da balela multiculturalista do “lugar da fala”, da cor da pele, do formato do órgão sexual e do CEP de quebrada. E assim, enquanto certa esquerda cai nessas imbecilidades, na euforia juvenil de “lutar contra as opressões”, saem intactos justamente o racismo o machismo e a exploração.

  12. Creio que aqueles que se pretendem ser revolucionários devem procurar se organizar nessa sociedade de forma a construir a sociedade futura. Por isso faz-se necessário criticar as práticas conservadoras que surgem nos meios de esquerda, quais são os caminhos que o incentivo ao discurso de ódio, a condenação irrefletida apontam para a superação dos problemas enfrentados por nós? Não se trata de minimizar as milhões de pessoas atacadas todos os anos pelo punitivismo estatal, mas de pensar que as práticas defendidas em certos meios, como a castração de estupradores, reproduzem o que os setores mais conservadores da sociedade defendem. A falta de análise crítica e combate rigoroso das interligações entre a extrema-esquerda e a extrema-direita foi catastrófico para as esquerdas de um século atrás.

  13. Olá pessoal,
    eu sou um mero professor universitário que quase tive a minha vida destruída por um grupo de feministas excludentes que passou a me perseguir simplesmente porque discordei – via facebook, por incrível que pareça – de algumas premissas universalistas e essencialistas sobre sexualidade e normatividade. Um grupo que age da mesma forma que o Datena, perseguindo pessoas sem apurar profundamente os fatos. Tive um orientando que entrou na justiça por passar pelo mesmo tipo de situação, chegando ao ponto de ser chamado de estuprador. No entanto, no caso que estou citando a questão não foi o machismo, mas a ameaça que nós, os supostos “anarcomachos” apresentamos a certo movimento que se diz libertário. Não se tratou de debates sobre a condição de machista ou não, se tratou de um debate político em que a estratégia de deslegitimação dos nossos argumentos passou pela atribuição da condição de machista e sua consequente perseguição. Esse grupo de feministas radicais que se afirmam como libertárixs, chegou ao ponto de ligar para a ouvidoria da universidade que leciono exigindo a minha demissão e de outro professor anarquista. Pela primeira vez na minha vida, constatei um olhar burguês tosco, vingativo, vaidoso e punitivista. O mais curioso é que a minha perseguição foi capitaneada por um homem anarquista que está em todos os debates sobre feminismo, mas como é companheiro de uma das “lideranças”, ele vaidosamente teve legitimidade para atacar aqueles que ameaçam a sua condição. Portanto, não se tratou de um debate sobre machismo, mas um debate sobre quem mais legitimidade no movimento. O que mostra o quão as vaidades e a busca por visibilidade e reconhecimento no movimento passam por discursos de afirmações identitárias que ao invés de acolher os sujeitos que passaram por algum tipo de violência, fomenta o tratamento de violência com mais violência. A minha leitura libertária perpassa uma leitura abolicionista penal e não uma leitura punitivista que reitera toda a violência que nos habituamos a enxergar cotidianamente. Eu saúdo o PP por me acolher em um momento tão aterrorizador, pois a minha vida depende do meu trabalho e, por mais incrível que pareça, esse grupo que se diz anarquista ficou do lado do patrão e não do lado do trabalhador, por simples vaidade. Os movimentos sociais que se dizem de esquerda ou libertários não podem mais reproduzir os discursos punitivistas e datenisticas de direita baseados na denúncia e no escracho, porque no meu entendimento essas condutas, quando não passam por uma avaliação prévia do fato, acabam falando mais de quem está escrachando do que de quem está sendo escrachando. Tudo isso que passei está sendo debatido por uma amiga que faz doutorado em antropologia na França e que ficou chocada com tudo o que passei. Inclusive, em breve será publicado naquele país um dossiê de uma revista científica tratando disso que está ocorrendo na esquerda e nos movimentos libertários brasileiros: um punitivismo que revela certa sociabilidade violenta presente em movimentos que afirmam suas identidades negando aquelas que supostamente as ameaçam, Novamente, quero agradecer ao PP pelos textos e debates trazidos, pois foi o único coletivo que me confortou em um momento tão tenso em que quase tive a minha vida destruída pela vaidade presente nos discursos identitários excludentes presentes em certos movimentos que se afirmam como libertários, mas que agem da maneira mais personalista, universalista, essencialista e, se pensarmos no prefácio que Foucault escreveu para o livro “O anti-Édipo”de Deleuze e Guattari, fascista também!!! Amor e anarquia!!

  14. Interessante que o Passa Palavra – se é que Pri fala por ele – se arrogue o papel de quem “garanta” o “direito de defesa” (como se Vinicius estive impotente, sem outro meio de publicar resposta a não ser pelo “garantidor” PP). Um terceiro que, do alto, chega e se coloca como promotor da equidade no caso. Familiar, não? Talvez diga muito sobre os rumos do Passa Palavra ou de “Pri”…
    “Pri”, você distorce muitas coisas aí: crítica à forma jurídica não significa defesa da superação abstrata da forma jurídica (e isso está escrito); afastar as ilusões jurídicas dos debates dentro do campo socialista não denota “confundir conquistas” com tais ilusões (e isso está demarcado).
    Especialmente, o Passa Palavra e alguns comentaristas foram expressos na grosseria desrespeitosa: “a prática do punitivismo nestes meios tem se colocado à direita do punitivismo de Estado” (PP); “Trágico o contexto em que o direito burguês é menos bárbaro que a alternativa proposta por gente que se considera de esquerda” (antifa). Ambas as falas não são formulações abstratas, mas sim dirigidas concreta e especificamente à denúncia veiculada pelo Coletivo Maria Bonita (sem auxílio desse Passa Palavra, portanto) e em que consta expressamente que alternativas à denúncia pública foram várias vezes tentadas – o que foi oportunisticamente omitido. Como bem apontou Monique, a denúncia, a que se julga inconsequentemente “à direita do punitivismo de Estado”, e ao contrário da AMEAÇA-“ADVERTÊNCIA” de Vinicius (“advirto às pessoas que trabalham contra minha honra pessoal e insistem em repercutir acusações caluniosas, que me imputam crimes que não cometi, que se abstenham de compartilhar tais matérias posto que, se necessário, recorrerei ao Judiciário para não deixar minha imagem ser destruída”), ABDICA da Justiça burguesa, que prevê penas duras a agressores de mulheres (ainda que, na lógica da Justiça burguesa, agressores pobres e pretos sejam mais apenáveis do que agressores burgueses e brancos). É um truísmo: após o esgotamento de outros meios, publicaram uma denúncia no lugar de implicar o jovem nas teias perversas da burocracia penal. À direita do Estado?? Como ousam sugerir tamanha cretinice?
    A problematização da questão jurídica foi colocada para limpar o terreno, para tentar trazer a questão ao campo político. Mas é evidente que a tergiversação dá mais “desfrute” que a autocrítica, não é mesmo?
    Passa Palavra, ao que tudo indica, não foi instado a mediar o conflito. Recebeu a cartinha de Vincícius e não se limitou a publicar uma carta intimidatória: se posicionou e tal posicionamento somado à publicação de uma carta ameaçadora – nem seria necessário esforço para evidenciar – não é neutro: coloca-se, conscientemente ou não, ao lado do acusado de agressão machista.
    Sem se importar com a forma com que coloca suas ponderações, Passa Palavra vai ladeira abaixo…criticam a forma, mas pouco se importam com ela na formulação de suas críticas. Colocam as práticas dos grupos feministas de publicizar denúncia contra agressão machista à direita do punitivismo estatal e sequer aventam a possibilidade de ao menos se retratarem dessa excrescência.
    Em algum texto recente desse mesmo portal, se elogia o “debate construtivo, com argumentos e sem amuos”…pena que não se esforcem muito para isso quando se trata de lutas e resistências com as quais demonstram não querer trocar muitas palavras.

  15. A gente ta a direita do punitivismo do estado? E voces nao tao tomando partido em um dos lados do conflito? que coisa patética. entao da vontade de deixar voces pra serem julgados pela justiça burguesa, e exercerem seu tao valoroso direito de defesa que a gente ja deixa voces exercerem a militancia inteira, em um tribunal, pra voces verem como o sistema criminal é muito melhor do que as feministas. Mas claro, voces seriam absolvidos pela seletividade penal, né?
    Na imparcialidade de voces, dao espaço pro homem, e só pro homem, falar quantas vezes quiser, e falar que “em briga de marido e mulher ninguem mete a colher”, e que vai recorrer ao direito penal, e a gente que é punitivista. Entendi.
    A maria lucia karam, feminista abolicionista que é, ia ter ansia de vomito vendo o texto dela sendo citado junto a uma nota destas, e tão fora de contexto. Ela se refere a uma prática da esquerda absolutamente diferente, que tem ilusões no punitivismo do estado, no SISTEMA PENAL, pra fortalecer suas lutas. Que ignora a que serve o sistema penal. A esquerda punitiva, que a karam muito bem critica, é algo radicalmente diferente da esquerda lidar com as agressões que ocorrem em seus meios, e tentar criar seus proprios meios para isso, inclusive para nao recorrer ao sistema penal. Esquerda punitiva é essa nota. Ilícitos penais? Honra? Calunia? Vai recorrer ao judiciário pra silenciar mais a mulher? Esquerda punitiva é o que o passapalavra fortalece nessa cruzada de silenciar as mulheres e dar ainda mais voz pra esse tipo de posicionamento. E se voces acham que afastar um cara de um espaço, depois de ter agredido reiteradamente uma mulher, para que ao menos a mulher consiga militar, é pior do que o sistema penal, aí é muito desconhecimento do que é esse sistema mesmo. As vezes me parece que o passapalavra queria mesmo é que o feminismo seguisse os passos dessa “esquerda”, que oculta casos de estupro pra não ferir a honra dos seus militantes. Ou preferiam que a gente fizesse boletins de ocorrência e tivesse processos criminais de todas as barbaridades que temos que lidar cotidianamente na nossa militância? Inclusive essa carta do coletivo maria bonita é um boletim de ocorrência pronto e acabado de uma lesão corporal de natureza grave, já que vocês adoram usar o juridiquês. Por que será que o coletivo optou por não recorrer a polícia e usar o devido processo legal burgues que voces imparcialmente reivindicam?
    Do alto do papel de comentarista das lutas políticas que o passapalavra exerce, instrumentalizar o abolicionismo pra bater no feminismo tem parecido uma boa opção. Lidar cotidianamente com as contradições do machismo na nosssa militância não parece ser uma opção. Como se já nao bastasse enfrentar o machismo cotidiano de voces, as mulheres ainda tem que lidar politicamente com isso, e criar formas que satisfaçam os comentaristas de plantão. De preferencia em espaços suficientemente confortaveis para os homens, e desconfortaveis para as mulheres, para aqueles poderem continuar exercendo o direito de defesa a vontade.
    Curioso, eu to militando no movimento autonomo há um tempo, já participei do processo de lidar com varias agressoes machistas, e nao consigo pensar um só caso que a pessoa que cometeu a agressão não foi ouvida pelo movimento. Casos em que as mulheres foram silenciadas, sairam do movimento por não conseguirem conviver com quem cometeu a agressão, que os homens falaram mais alto para se defender, esses eu lembro aos montes.
    Eu que sempre fui contra escracho, com esse tipo de postura do passapalavra, começo a achar que escracho é pouco. Linchamento moral é o que as mulheres sofrem diariamente com a vida sendo um eterno direito de defesa pra homens como vocês.

  16. Desde a publicação de “Um manifesto contra o trashing” (aqui: http://passapalavra.info/2015/02/102443), o Passa Palavra tem deixado clara a sua posição de apoio a qualquer luta contra esse tipo de prática. Na ocasião, o Passa Palavra afirmou que “com este manifesto pretendemos deixar claro que estamos e sempre estaremos na linha de frente do combate a práticas fascistas que visam e muitas vezes logram penetrar o campo da esquerda anticapitalista, corroendo-a por dentro. Não titubearemos em combater, com a dureza necessária, a prática desumana e bárbara do assassinato de reputação perpetrada por pessoas que, contrárias ao diálogo honesto e incapazes de impor suas ideias, apelam para práticas rastejantes que a esquerda não deve e não pode mais tolerar”.

    Muriel e Nina estão dizendo que o Passa Palavra se posicionou diante do caso, colocando-se ao lado do acusado de agressão, mas está bastante óbvio que o Passa Palavra não tomou qualquer partido neste caso em particular: o site se posicionou contra a prática do trashing e do escracho em geral, o que são coisas muito diferentes. Publicar a carta do rapaz é dar abertura para que as pessoas possam se defender de acusações e julgamentos sumários. Não significa inocentar o acusado e se solidarizar com práticas violentas e machistas; significa garantir o seu direito de defesa. É a negação dessa abertura e desse direito que coloca certa “esquerda” à direita do Estado.

    Além do mais, segundo Nina, o Passa Palavra é que é punitivista. No entanto, todos os termos citados por Nina para caracterizar o Passa Palavra como punitivista (“ilícito penal”, “honra”, “calúnia”…) estão contidos na carta do rapaz; não são da autoria do Passa Palavra. E Nina se queixa do silenciamento, mas para ela o único silenciamento que importa é o de quem denuncia, pouco importando o silenciamento de quem é denunciado. Aliás, se a denúncia já foi feito noutro espaço, como é que o Passa Palavra está a silenciar alguma coisa? Queria saber se o acusado teria espaço para se defender no mesmo espaço em que foi feita a denúncia; se não, quem está silenciando quem? Nina também diz que o Passa Palavra reivindica imparcialmente o recurso à polícia e o uso devido do processo legal burguês, mas o Passa Palavra não escreveu nada disso; mais uma falsidade.

  17. Só pra entender: as pessoas aqui, que criticam o Passa Palavra, são contra o direito de defesa? Não sei se está confuso pra mim ou sou eu que não quero acreditar que pessoas que militam lado a lado comigo estão defendendo isso!

    Estão defendendo que o acusado deve ser sumariamente punido, é isso? Elas, essas pessoas, são contra o direito defesa por meios “burgueses”, ou seja, de apelar para as instituições do Estado, como também são contra que se dê voz ao acusado nos meios militantes? Mais do que isso: já sentenciaram a pena do rapaz antes mesmo de ouvirem o que o próprio coletivo que acompanhou de perto (será?) tem a dizer? Claro, a pressão sobre o coletivo do Rio já começou a acontecer, desde antes, e não duvido que tenha aumentado de ontem pra hoje.

    Assim, de agora para frente basta escrever uma carta, e que seja uma acusação de alguém que faça parte do grupo de identidade historicamente oprimido e, pimba!, já está tudo resolvido, já está tudo decretado? Quer dizer que se eu fizer uma carta acusando-as de brancas racistas, afirmando que me sinto inseguro na presença de vocês, então vocês devem ser banidas sem sequer ter voz?

    A última já perdeu a vergonha e defende agora os escrachos. Uma anterior defendeu a guilhotina e o fuzilamento. E, diante de tudo isso, expor o rosto de uma pessoa em um blog acusando-o de machista é coisa leve mesmo! Eu queria ver se o suposto agressor fosse um negro se teriam coragem de fazer isso. Não teria, porque sabem a carga simbólica que esse ato carregaria (um rosto negro em um carta sendo acusado de bandido!) e, do outro lado, um movimento identitário muito mais poderoso passaria por cima de vocês em 30 segundos. O alvo são sempre esses meninos “flácidos” (como disse o PP no texto inaugural deste debate), frágeis, que não fazem parte de nenhum grupo. Quero ver os pais e irmãos de vocês nesses cartazes!

    Não é se de estranhar que, na carta anterior de um caso também envolvendo o MPL, sobre trashing em um coletivo de Salvador, ninguém tenha se horrorizado, nem prestado solidariedade. No máximo 3 ou 4 comentários sobre o uso inedequado do conceito de “minoria ativa”. E assim caminha o MPL: anarcofascismo ou anarcostalinismo?

    Que horror!

  18. Na era das redes sociais é de fato mais fácil a simples reprodução das coisas e o simples questionamento dessa reprodução provoca o ódio.
    Essa cultura do ódio é algo comum em nossa sociedade, cabe pensar a quem ela serve.

  19. Desde há muito tempo que me afastei dos debates no Passa Palavra. Se agora abro uma excepção é porque as intervenções feministas neste debate me deixam indignado acima do ponto de ebulição.
    As minhas opiniões acerca do feminismo actualmente em voga foram expressas num artigo publicado em 2006 e noutro artigo publicado mais recentemente aqui no Passa Palavra e escrito juntamente com uma velha camarada .
    O feminismo excludente hoje em voga procede a uma dupla operação: 1) atribui uma cultura a uma biologia; 2) a partir de uma cultura deduz uma biologia.
    Quanto à primeira operação, todos os homens, pelo facto de o serem, passam a encontrar-se sob suspeita de machismo. Ao facto biológico de ter pénis é atribuído o facto cultural de ser machista.
    Quanto à segunda operação, todas as mulheres que forem críticas do feminismo excludente são consideradas como espiritualmente masculinas, capturadas pelos machos.
    É assim que o Passa Palavra é considerado por esse tipo de feministas como um espaço masculino, e por isso machista, quando eu sei — e muitas das feministas excludentes sabem tão bem como eu — que há mulheres no Passa Palavra. Trata-se de um verdadeiro círculo vicioso. Os homens que essas feministas decidem atacar são automaticamente taxados de machistas, pelo mero facto de elas os atacarem. E as mulheres que criticam esse tipo de práticas das feministas ou são simplesmente desconsideradas, como se não existissem, ou são taxadas de submissas aos homens.
    Este círculo vicioso que deduz uma cultura a partir de uma biologia e uma biologia a partir de uma cultura chama-se racismo. O feminismo excludente é um novo tipo de racismo, tão abjecto como os restantes.

  20. I have a dream

    Eu tenho um sonho “onde meninos negros e meninas negras não poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos”, porque isto é patriarcal e machista…

    Eu tenho um sonho onde não há a luta de classes (porque a luta de classes é patriarcal e machista), mas de cor, de gênero, de religião. Porque o que liberta é a cor, é o gênero é a religião…

    Eu tenho um sonho onde a mulher terá patroa, e o homem terá patrão. Onde o patrão de um negro será um negro. Onde o patrão de um judeu, será um judeu. Onde um patrão de um libertário será um libertário. Onde o patrão de um comunista, será um comunista, porque, do contrário, é patriarcal e machista.

    Eu tenho um sonho onde a mulher e o homem, o branco e o negro, o religioso e o ateu, possam ter a internet, possam ter o notebook, o tablet ou o smartphone para fazer revoluções. Que as revoluções sejam de cor, de gênero, de religião, porque revolução de classe é patriarcal e machista…

  21. A esquerda autônoma e/ou libertária um dia já foi um campo que tinha como base de crítica às organizações stalinistas/leninistas a defesa da existência de debate interno, confronto de posições, a não aceitação do pensamento único etc. Hoje, companheiros e companheiras veem-se na necessidade de ou se calarem ou usarem de pseudônimos para defender um princípio elementar, que nem de longe se limita a ser uma questão jurídica, como bem disse Muriel, mas uma mera convenção de civilidade: ouvir a outra parte, por mais contestável que seja, apurar os fatos, antes de desencadear uma série de ataques cujos prejuízos podem ser irreparáveis (como o são também quaisquer agressões psicológicas e físicas de um relacionamento, sem dúvida).

    Embora já tenha havido retificações de algumas falas precipitadas aqui, refletido melhor sobre o assunto, pergunto: vocês (nós), pessoas que fazemos parte desse campo (cada vez mais gelatinoso) chamado autônomo/libertário, somos contra que a uma pessoa, sob qualquer tipo de acusação, seja dada a mínima oportunidade de contar a sua versão? Somos contra que as diferentes versões sejam confrontadas, que os fatos sejam verificados e cada qual faça seu juízo?

    [E aqui, Muriel, você demonstra ter conhecimento o suficiente para diferenciar certas coisas. O problema não está na denúncia, mas na sentença, informal porém efetiva, à qual se adere irrefletida e massivamente pelas redes sociais e outros meios (com bem mais alcance que o Passa Palavra), muitas vezes sem querer sequer ouvir o outro lado.

    Essa parte da esquerda hoje sabe mesmo o que faz quando aplaude a invocação de quilhotinas e pelotões só porque são revolucionários?

    Se a estes simples questões as respostas forem afirmativas, significa que não temos mais campo autônomo, campo libertário, campo de bosta nenhuma, que não há mais nada a preservar. Tem é barbárie, isso sim. E eu começo a pensar em pedir baixa na minha carteirinha do clube.

  22. Já fui contemplado por diversos comentários.

    Em outro lugar da internet vi um comentário que fala do Passa Palavra o mesmo que a classe média conservadora fala do pessoal dos “Direitos Humanos”: defende bandido e não se preocupa com a vítima.

    Só cego não vê que esse identitarismo de ‘esquerda’, na sua versão mais eloquente que é a de um certo tipo de feminismo, é bolsonarista e sherazadista até a medula.

    Taiguara, o caso Charlie Hebdo, como comentei neste site, foi a gota d’água para mim. Ali já ficou mais que explícito que se tratam de fascistas, e que já sabem que são fascistas.

  23. “Ao longo da história deste país as mulheres negras manifestam uma consciência coletiva de sua opressão sexual. Igualmente, tem compreendido que não poderiam resistir de modo eficaz aos abusos sexuais que sofriam se não atacassem, simultaneamente, à falsa acusação de estupro como pretexto para o linchamento.”

    Angela Davis – Mulheres, raça e classe.

  24. Por que será que os debates travados contra o feminismo excludente são exatamente aqueles no qual os comentadores usam de pseudônimos?

    É fácil imaginar o motivo que leva aqueles que denunciam este tipo de feminismo — defendendo a tese que ele deve ser separado das outras formas de feminismo por ser mais próximo das práticas defendidas pela direita — usar de pseudônimos. O machismo é o crime mais hediondo que se pode cometer nos meios de esquerda e, a sua pena, é o banimento, o assassinato de reputação. Sequer há o direito de defesa como está comprovado aqui. Sob a acusação de machista, você se torna um politicamente inútil e, sendo difícil sair desta cilada, quem tem coragem de comprar a briga publicamente?

    Mas a questão não é só essa. O que leva aos comentadores em defesa deste tipo de feminismo, como Muriel, a também usar de pseudônimos? Será porque não quer ver sua reputação de abolicionista manchada? Será por que tem clareza da contradição em que se enfia, a qual defende, e que por isso não se permite expor publicamente? Abolicionista só quando é conveniente?

  25. O comentário de João Bernardo me fez lembrar um texto de Nancy Fraser em que ela critica a noção de identidade, que fundamenta a política multiculturalista. Fui reler o trecho e notei que a noção não só vem sendo usada pela esquerda como ainda foi “piorada”. Vejam:

    O modelo da identidade é profundamente problemático. Entendendo o não reconhecimento como um dano à identidade, ele enfatiza a estrutura psíquica em detrimento das instituições sociais e da interação social. Assim, ele arrisca substituir a mudança social por formas intrusas de engenharia da consciência. O modelo agrava esses riscos, ao posicionar a identidade de grupo como o objeto do reconhecimento. Enfatizando a elaboração e a manifestação de uma identidade coletiva autêntica, auto-afirmativa e autopoiética, ele submete os membros individuais a uma pressão moral a fim de se conformarem à cultura do grupo. Muitas vezes, o resultado é a imposição de uma identidade de grupo singular e drasticamente simplificada que nega a complexidade das vidas dos indivíduos, a multiplicidade de suas identificações e as interseções de suas várias filiações. Além disso, o modelo reifica a cultura. Ignorando as interações transculturais, ele trata as culturas como profundamente definidas, separadas e não interativas, como se fosse óbvio onde uma termina e a outra começa. Como resultado, ele tende a promover o separatismo e a enclausurar os grupos ao invés de fomentar interações entre eles. Ademais, ao negar a heterogeneidade interna, o modelo de identidade obscurece as disputas, dentro dos grupos sociais, por autoridade para representá-los, assim como por poder. Consequentemente, isso encobre o poder das facções dominantes e reforça a dominação interna. Então, em geral, o modelo da identidade aproxima-se muito facilmente de formas repressivas de comunitarismo. N. FRASER

    Infelizmente o que hoje vemos nesses debates e dentro dos movimentos de esquerda é não só o uso da noção de identidade como ainda o rebaixamento dessa noção a um nível ainda mais problemático, atrelado à biologia, e por isso ainda mais próximo de ser e de se aceitar enquanto um racismo, enquanto um fascismo. Não por acaso a linguagem das feministas excludentes é tão violenta e não por acaso seus argumentoas são quase sempre feitos em tom de deboche e sarcasmo. Esse novo fascismo, que talvez não seja tão novo assim, adentrou a esquerda, usa politicamente as opressões históricas, e por isso não é identificado enquanto tal. Se fosse uma prática de outro campo político, qualquer das medidas desse feminismo e desse anti-racismo excludentes seria imediatamente identificada como fascismo, e seus militantes como fascistas, não fosse o fato de que se apoiam e se legitimam nas opressões que toda a esquerda quer combater. Temos portanto o fascismo infiltrado no seio da esquerda, ancorado nas “pautas específicas” que a esquerda bolchevique e stalinista deixou de lado. E assim o fascismo vive, no lugar mais perigoso possível, o nosso lado.

  26. Pior, se não fossem todos os argumentos políticos para condenar isso, a coisa do linchamento se desmorona ainda no ponto onde arrota mais forte: no da suposta eficiência da ação.

    Me digam, se você tiver sua cara exposta em todos os lugares, sua reputação destruída por todos os espaços, sua vida tornada um inferno, você iria mesmo buscar reparar o eventual erro que cometeu? Me parece que a própria punição de queimar o filme do sujeito desobriga qualquer reparação. Afinal, ele já foi punido.
    O escracho então além de odioso, é burro mesmo.

  27. As combatentes do YPJ (Yekîneyên Parastina Jinê) ou Unidades de Proteção das Mulheres, no Curdistão, tem métodos totalmente contrários de combater o machismo aos métodos irracionais usados no autonomismo e na “extrema esquerda” do Brasil. Certamente elas estão conseguindo resultados concretos para a igualdade de gênero, exemplo disso é a equivalência no campo de batalha aos seus companheiros do sexo masculino.

  28. Bora falar de punitivisno na esquerda, então?

    Vamos começar falando de TODAS as MULHERES violentadas, silenciadas e oprimidas pelos seus companheiros que, por medo de se exporem publicamente e serem tachadas de loucas, incapazes vitimistas, como o colega Vinicius tá tentando fazer aqui, se calam. Vamos falar de todas as mulheres obrigadas a silenciosamente conviver com seus agressores nos espaços da esquerda. Vamos falar de todas que têm a coragem de denunciar e são duplamente punidas pela própria esquerda que as julgam e as questionam como toda a sociedade conservadora de direita sempre o fez. Disso ninguém quer falar né?

    Sinto muitíssimo, Passa Palavra, mas esse papo de “nossa posição não é a de tomar partido por um dos lados do conflito, e sim nos posicionar contra aos linchamentos morais”, de comparar TÁTICAS FEMINISTAS DE ATUAÇÃO com A OPRESSÃO DO ESTADO é no mínimo desonesto pra não falar outra coisa.

    Não existe neutralidade diante da opressão. Ou você está do lado da vítima ou do lado do agressor.

    Vamos abrir espaço pro Estado se defender tbm???

    Todo mundo na esquerda sabe muito bem se posicionar ao lado dos oprimidos. A não ser que os oprimidos sejam as mulheres e os agresssores sejam homens com os quais a gente se identifica, né?

    COMO É LEGAL APOIAR A LUTA DAS MULHERES, NÉ? DESDE QUE ELAS NÃO OUSEM DENUNCIAR NOSSOS PRÓPRIOS ATOS, PQ AÍ JÁ É DEMAIS.

    Infelizmente, a máxima continua sempre valendo: NADA MAIS PARECIDO COM UM MACHISTA DE DIREITA DO QUE UM MACHISTA DE ESQUERDA.

    Vergonha do posicionamento do grupo.

  29. Ouvir a outra parte é invenção da burguesia? Desculpe, mas não é nem invenção da burguesia, nem do tal proletariado salvador.

    Nas Eumênides de Ésquilo, encontramos o seguinte diálogo:

    “Corifeu
    Irás saber de tudo resumidamente,
    filha de Zeus: somos as tristes descendentes
    da negra Noite; nas profundezas da terra,
    onde moramos, chamam-nos de Maldições.

    Atena
    Agora sei quem sois e o nome que vos dão.

    Corifeu
    Logo conhecerás nossas prerrogativas.

    Atena
    Se me falardes claramente, saberei.

    Corifeu
    Fomos buscar em sua casa um assassino,

    Atena
    E para onde o leva essa perseguição?

    Corifeu
    Para um lugar onde ninguém se sente alegre.

    Atena
    E o maldizeis com gritos quando ele vos foge?

    Corifeu
    É, sim, pois ele ousou matar a própria mãe.

    Atena
    Alguém o constrangeu a cometer o crime,
    ou ele tinha medo de alguma vingança?

    Corifeu
    Mas, pode a compulsão levar ao matricídio?

    Atena
    Estão aqui neste momento duas partes
    e ouvi apenas a metade dessa história.

    Corifeu
    Mas, ele não jurou, nem quis que nós jurássemos…

    Atena
    Quereis parecer justas, mas não estais sendo.

    Corifeu
    Que pretendes dizer? Explica-te melhor,
    pois bem se vê que não és pobre em sapiência.

    Atena
    Digo que os juramentos não têm o poder
    de transformar uma injustiça em ato justo.

    Corifeu
    Então, depois de ouvi-lo julga retamente.

    Atena
    Pretendeis confiar-me a decisão da causa?

    Corifeu
    E por que não? Assim seremos reverentes
    a quem é digna de nossa veneração.

    Atena (dirigindo-se a Orestes.)
    Agora é tua vez; responde-me, estrangeiro.
    Primeiro fala-me da terra onde nasceste,
    de tua raça e também de teus infortúnios,
    antes de dar respostas às acusações.
    Se tens de fato confiança na justiça,
    tu, que procuras proteção junto ao meu templo
    e envolves minha santa imagem com teus braços,
    como se fosses piedoso suplicante
    igual ao celebrado Ixíon, esclarece-me
    sobre os reais motivos da perseguição.”

    Atena, a deusa da sabedoria, recusa-se a julgar sem ouvir as duas partes.

    Na bíblia tem isso aqui:

    “O que responde antes de ouvir comete estultícia que é para vergonha sua. O que começa o pleito parece justo, até que vem o outro e o examina. (Provérbios 18:13 e 18:17)”

    “Uma só testemunha não se levantará contra alguém por qualquer iniqüidade ou por qualquer pecado, seja qual for que cometer; pelo depoimento de duas ou três testemunhas, se estabelecerá o fato. Então aqueles dois homens, que tiverem a demanda, se apresentarão perante o Senhor, diante dos sacerdotes e dos juízes que houver naqueles dias. (Deuteronômio 19:15 e 19:17)”

    Interpretando o velho testamento, Maimonides dizia em seus “613 Mandamentos”:

    “177 – TRATAR AS PARTES COM IGUALDADE PERANTE A LEI
    Por este preceito os juízes são ordenados a tratar com igualdade todas as partes, e a permitir que cada um diga o que tem a dizer, quer ele fale longa ou brevemente.”

    No velho testamento é assim. No novo testamento vale a mesma coisa:

    “Acaso a nossa lei julga um homem, sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?” (João 7:51)

    Tem uma pá de outros versículos parecidos.

    No islamismo se respeita também o que a outra parte tem a dizer. Na Sunna Abu Dawud, livro 25 (O ofício do juiz), hadiz 12, tem isso aqui:

    “Como julgar
    Narrado por Ali ibn AbuTalib:
    O Mensageiro de Alá (ﷺ) enviou-me ao Iemen como juiz, e perguntei: Mensageiro de Alá, envias-me quando sou jovem e não tenho conhecimento dos deveres de um juiz? Ele respondeu: alá guiará teu coração e manterá tua língua sincera. Quando dois litigantes sentarem-se defronte a ti, não decida enquanto não ouvires o que o outro tem a dizer, tal como ouvistes o que o primeiro disse; pois é melhor teres uma ideia clara acerca da melhor decisão. Ele disse: fui juiz por muito tempo; ou ele disse (o narrador está em dúvida): não tive dúvidas posteriormente acerca de decisões.”

    Também no candomblé se orienta a ouvir as duas partes para ser justo. Numa das lendas mais conhecidas do candomblé de rito iorubá em torno da criação do mundo, entidades malévolas semearam a discórdia entre Obatalá e Oduduwa, seu irmão mais novo. Obatalá foi ordenado por Olorum (o senhor dos céus) a descer do Orum (o céu) e criar a terra. Obatalá estava a caminho quando viu algumas divindades festejando, e entrou na festa; embriagou-se de vinho de palmeira e adormeceu. Oduduwa, vendo tudo e sabendo das ordens de Olorum, pegou os apetrechos de Obatalá, desceu do Orum e criou a terra. Obatalá, ao acordar da embriaguez, desceu também e, quando viu a terra criada por Oduduwa, acusou-o de haver roubado o saco da criação; já Oduduwa dizia que a terra era dele, porque foi ele quem a criou. Obatalá dizia ser o irmão mais velho, e que por isso tinha mais direito à terra que Oduduwa. Criou-se uma rivalidade entre as divindades, até que Olorum, quando soube da quizila, chamou Obatalá e Oduduwa de volta ao Orum para que cada qual contasse sua versão do acontecido e terminassem com aquela disputa. Depois de ouvir as duas partes, Olorum conferiu a Oduduwa, criador da terra, o direito de possuí-la e de reinar sobre ela; e ele se tornou o primeiro rei de Ifé. A Obatalá deu o titulo especial de orixalá, o grande orixá, e o poder de moldar os corpos humanos; e ele se tornou o criador da humanidade. Ou seja, a própria criação do mundo envolveu um ato de justiça onde todas as partes envolvidas foram ouvidas.

    Ouvir a outra parte é tão comum que não tem uma só cultura que não aceite. O próprio movimento feminista denunciou que só a versão do homem era ouvida em casos de violência, lutou pela criação de delegacias da mulher especializadas em tratar destes casos de um jeito diferente, criou uma lei onde estabelece meios para proteger as mulheres vítimas de violência… Qual o problema, então, de o cara dar a versão dele?

  30. … só não consigo entender porque é preciso evitar que o “outro lado” do caso seja ouvido.

    o Coletivo Maria Bonita expôs um lado.

    o Passa Palavra expôs o outro.

    o debate deve se restringir entre as duas perspectivas – e apenas isso! – e não embarcar para uma louca guerra civil, onde “esquerdomachos” e “feminazis” disputam o troféu Paranóia Delirante 2015.

  31. MMs parece não ter lido o debate (ou será que vamos ficar num círculo vicioso?). MMs diz que não existe neutralidade, que ou se está do lado da vítima ou do lado do agressor, mas se esquece que aqui não há ainda agressor e vítima, mas apenas acusado e acusante. Não precisamos abrir espaço pro Estado se defender, ele já tem esse espaço se por acaso denunciamos alguma agressão que algum policial fizer. Mas só porque policiais agridem isso significa que toda acusação contra um policial seja verdadeira? Com a mesma lógica do feminismo excludente se poderia dizer que todo negro tem que saber sambar, que todo alemão é nazista e que todo brasileiro joga futebol. A biologização da cultura e a naturalização das opressões é tão gritante que parece piada esses comentários tais como o de MMs e dos demais que defendem o feminismo excludente. São absurdos seguidos de absurdos, por exemplo: “todo homem é estuprador”, “negro que dorme com branca é traidor da causa, é negropeu”. Mas a intenção política desse pessoal é evidente, sua falta de lógica leva a que uma mulher negra e se possível lésbica e moradora de periferia seja considerada “em si” mesma “revolucionária”, a pessoa mais “empoderada” da luta, pois ela sim “pode” acusar (ou como essa esquerda prefere: condenar, “denunciar”) qualquer homem de machismo, qualquer branco de racismo e qualquer hetero de homofobia. Mas esse fascismo é esperto, e abre exceção de cunho cultural e ideológico pro caso de uma mulher que porventura seja contra essa linha política. Aí sim aparece a ideologia e demais fatores para além da biologia: a mulher “traiu a causa” etc e não merece estar no coletivo. A perseguição às feministas que discordam das feministas excludentes vem acontecendo, embora quase não fiquemos sabendo.

    Enfim, esse feminismo aí confunde propositalmente luta contra o machismo com criminalização do homem, luta contra a lógica patriarcal e seu vínculo com o capital, com luta contra “a pica”. E ademais, defende abertamente a guilhotina e a execução sumária de todo “denunciado”. Esse feminismo é fascista, e se esse tipo de fascismo continuar a se extender dentro da esquerda veremos coletivos de luta contra o racismo criminalizando sumariamente “o branco”, coletivos contra a glbtfobia criminalizando “o hetero” e coletivos mais ortodoxos criminalizando “o burguês”. Assim, a desagregação das lutas fica inevitável, e a tendência grupuscular vence e, portanto, todas as opressões e a exploração ficarão aí, intactas.

  32. Não custa lembrar que esta leitura essencialista da violência nas relações conjugais e afetivas, possível neste registro apenas entre casais heterossexuais e iniciada pelo homem, oculta, entre outras questões, a violência entre casais de lésbicas. Tema que vem sendo bastante estudado recentemente:

    ‘Entre duas mulheres isso não acontece’ – Um estudo exploratório sobre violência conjugal lésbica
    http://rccs.revues.org/4988

    “Carolina, 21 anos, lésbica vítima de violência doméstica”
    http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1149265

    A violência doméstica nas relações lésbicas: realidades e mitos
    http://www.pucsp.br/revistaaurora/ed7_v_janeiro_2010/artigos/download/ed7/5_artigo.pdf

    Lei Maria da Penha também para as lésbicas
    http://blogueirasfeministas.com/2012/08/lei-maria-da-penha-tambem-para-as-lesbicas/

    Outras facetas do mesmo tema:

    Violência entre casais homossexuais é maior do que nos heterossexuais
    http://www.publico.pt/sociedade/noticia/violencia-entre-casais-homossexuais-e-maior-do-que-nos-heterossexuais-1391381

    Violência doméstica entre casais homossexuais: o segundo armário?
    http://www.adriananunan.com/pdf/adriananunancom_violencia_domestica.pdf

    Violência doméstica pode ser mais frequente entre casais do mesmo sexo
    http://doutorjairo.blogosfera.uol.com.br/2014/09/19/violencia-domestica-pode-ser-mais-frequente-entre-casais-do-mesmo-sexo/

  33. Houve um tempo em que o movimento libertário era “progressista”. Me custa acreditar que estamos discutindo se o acusado (já que nada ainda foi provado) deve ser sumariamente punido ou se deve ter o direito de se defender. Essa era uma das práticas que distinguia os libertários dos “autoritários”. Estar no campo libertário pressupõe uma prática libertária, e de nada adiantam os textos, as manifestações e as palavras de ordem se não temos uma prática condizente. O direito burguês diz que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário, mas ao invertermos esse pressuposto (toda pessoa é culpada até que se prove ser inocente) damos um enorme passo para trás.

  34. Os comentários estão muito mais ricos que a própria postagem.

    Estou de acordo com a postura do Passa Palavra em dar espaço ao debate e ao direito a resposta, mas com ressalvas de que há que se pensar numa melhor forma de fazê-lo.

    Alguns problemas ainda sem solução:
    1. O site, por ser muito acessado, acaba por maior visibilidade a versão do acusado.
    2. As cartas de defesa podem ter conteúdo problemático, e não é legitimo que sejam alteradas para postagem.

  35. 1) Alguém disse que o Passa Palavra é mais visível que o lugar onde a carta-denúncia original foi publicada anteriormente. Enquanto lá a carta-denúncia tem 13 likes e 8 reblogs, não consigo ver lugar nenhum no Passa Palavra onde tenha estatísticas, curtidas e compartilhamentos desta carta-resposta. Tem como medir as duas coisas?

    2) Dá para botar no mesmo pé uma carta-denúncia bem incisiva, com foto do suposto agressor, com uma carta-resposta onde ele fica na defensiva o tempo todo?

    3) Tem aqui quem aponte os problemas da justiça, que a justiça burguesa persegue mulheres, negros e tal, concordo, mas e o “tribunal da opinião pública”, quem controla? É para ele que a carta-denúncia foi direcionada, é a “opinião pública” quem vai “julgar” o cara depois de ler a carta-denúncia, é a “opinião pública” quem vai “julgar” a defesa que o Passa Palavra publicou. Mas quem controla a opinião pública? Se der merda, como é que se reverte o “julgamento” da “opinião pública” depois que a merda tá feita?

  36. Encontrei na internet, especificamente do Facebook, o seguinte post:

    Pro Passa Pano e cia:
    Playboy bom é chinês, australiano,
    Fala feio e mora longe não me chama de mana
    “- E ae brother, hey, uhuuul, ” pau no seu cu treis veis
    Respeito, sou sofredora odeio todos vocês

    Esse post foi “curtido, surpreendentemente, por mais de 10 pessoas. Ao perguntarem à autora do post o que se tratava, esta respondeu:

    – Um bosta agrediu uma menina. Outros bostas nao soh deram espaço pra esse cara falar o que queria como agora ficam relativizando as agressões que a mana sofreu. – tudo boy branco vl madalena e perdizes.

    Pensei em responder à moça, mas como notei que há um comentarista com o mesmo nome que o dela, imagino que ela esteja acompanhando o post aqui, e preferi, por razões óbvias, evitar o provável ataque que seria direcionado a mim, ao responder ao post. O que eu ia enviar é isso:

    Esse comentário teu é machista, ou os mano não pode curtir pau no cu trinta vez? E o Passa Palavra pelo que vi no post e no debate não abriu espaço pro acusado falar o que queria e sim para manifestar uma Carta de Defesa, que aliás nem diz muita coisa, apenas o básico, direitos que até o direito burguês lhe concede, que justo a extrema esquerda não vem concedendo aos acusados e acusadas. Nem de longe o site relativizou as agressões que supostamente ocorreram, e nem os comentários fizeram isso, já que o debate se limitou bizarramente a ter que defender o óbvio direito de defesa. A questão é que nós da extrema esquerda não podemos mais tolerar o fascismo que tá entrando nos nossos coletivos, tanto da parte de machistas e pessoas autoritárias quanto da parte de quem pretende enfrentar esse machismo mas acaba propondo formas bizarras, como por exemplo o escracho. E esse fascismo interno tem que ser enfrentado independentemente de vir através de ideias e práticas de gente que mora na periferia ou que é “playboy”, de minas ou de manos, de negras ou de brancas ou indigenas ou heteros ou gays ou lesbicas o de onde vir. Se o local de moradia fosse garantia de esquerda a perifa negra não era tão de direita, em muitas quebradas. Fascistas de esquerda ou de direita, não passarão! Por isso é ótima a iniciativa do site de problematizar em outros textos, inclusive textos de minas e minas negras (já que isso importa, ao invés da qualidade das ideias e das práticas propostas) as formas como tamo enfrentando o machismo dentro e fora da esquerda, e como o feminismo “excludente” tá enfrentando as divergências políticas inclusive entre feministas. Nada disso é passar pano. Aliás, é emblemático que muitas dessas feministas excludentes não façam trabalho de base. Como poderiam? Iriam querer escrachar todos os homens branco da perifa. Não por acaso a maioria dessas feministas é pura burocracia dos movimentos, a maioria universitárias que só tem radicalidade falando, e nos últimos tempos, falando asneiras. Essas feministas excludentes só ganharam voz por causa de junho, quando o MPL, onde a maioria delas estava, ganhou expressividade política e aí arrastou junto a pauta do feminismo, sempre tensionando pra esse lado excludente, infelizmente. Se houvesses mais tendências ligadas a trabalho de base no MPL, ao invés dessa burocracia, talvez o MPL teria sido capaz de canalizar as lutas contra, por exemplo, a lei das terceirizações. Mas isso é pura especulação e não compensa pensar muito nesse sentido. Enquanto a esquerda brasileira tá nessa, aqui em Buenos Aires teve uma manifestação gigantesca essa semana. Aqui setores burgueses levam multidões às ruas contra o feminicídio, unificando trotskismo e neoliberais numa mesma marcha. O cenário do feminismo aqui é bem diferente, as radicais não tem espaço para impor práticas, então o bixo pega nos encontros nacionais de mulheres, não só entre as feministas à esquerda, mas contra as organizações católicas! Aqui está havendo, também, um ataque ao métodos até então legais de aborto. Mas tudo isso passa longe desse feminismo “radical” que só sabe culpar “o pênis” e puxa as lutas pra pautas de extrema direita.

  37. Amiguinhe usuarix de fcbk

    1 – Pra quem tem moral pra falar que sou universitaria burocratica que não faço trabalho de base, ce ta mal de Racionais na vida;

    2 – O Passa pano publica o que ele quiser, mas eh curioso nao ter publicado a denuncia e agora publicar a defesa. Ademais, da um lig na tag “sexualidade” (oi?) e vê a qntd de criticas ao feminismo e taticas feministas. Opa, mas eh praticamente tudo!

    3 – Essa discussao ta longe de se ater a um direito de defesa, por gentileza, sejamos menos hipocritas.

    4 – O MPL tem, ou deveria ter, reuniõs periodicas pra discutir seus problemas de tatica e estrategia. Quer discutir elas? Cola na reunião. Não é do movimento? Passe a ser. Quem sabe assim vc deixa de soltar especulações pobres?

    5 – Eu postei na minha pagina do fcbk, abero pra “amigos”. Então a gente sabe quem somos os dois e se eu quisesse discutir Racionais aqui eu postava aqui. Todo mundo que quiser sabe quem eu sou, porque vc não deixa de ser babaca e mostra a cara tb. Ta com medo de apanhar na rua? Cresce.

  38. Acho que as pessoas identificadas com o PP deveriam perder o medo dessa pecha mesquinha de passa pano. Acho que o PP não só deveria adotá-la como expandi-la, pois no mundo pretendido homens passam pano, lavam roupa, cozinham, lavam louça, passeiam com o cachorro, trocam as fraldas dos filhos e são sensíveis o suficiente para ouvirem os problemas de mães, amigas e companheiras buscando solucioná-los em conjunto. Assim como pretendemos que as mulheres, ao invés de se segregarem no clube de donzelas do séc. XXI, saibam falar de temas universais como política, economia, sociologia, além de tomar umas cachaças e falar umas obscenidades e palavrões por pura diversão.

    No mais, me dá uma preguiça profunda quando vejo que o interlocutor tem o único objetivo de repetir ad nauseam uma coisa até que ela se torne verdade. Então sobre o que Carou diz, é só ler os comentários anteriores que as coisas já estão bem respondidas.

  39. Já que intervim neste debate uma vez e que desde então os seus termos só pioraram, acrescento o seguinte:
    1) Repito que as posições defendidas actualmente pelas feministas excludentes são um racismo. Elas consideram que todos os homens são potencialmente agressores e que, por isso, qualquer acusação feita por uma mulher contra um homem é válida e não há razão para ouvir ambas as partes e apreciar objectivamente os factos. Em caso de disputa, a razão caberia a priori às feministas excludentes. Este enaltecimento de uma condição biológica é um racismo.
    2) Enquanto racistas, as feministas excludentes não têm lugar na esquerda. Um dos mais graves erros da esquerda nos últimos anos foi o de ter aberto espaço às feministas excludentes. A partir desse espaço elas estão a destruir por dentro o que resta de movimentos sociais alternativos e de grupos anticapitalistas. As feministas excludentes cumprem hoje o papel que os fascistas cumpriram noutra época.
    3) É indispensável que a esquerda redefina as suas fronteiras e coloque as feministas excludentes fora do campo da esquerda, por constituírem uma modalidade de racismo e uma forma de fascismo.
    4) Tal como todos os fascistas, as feministas excludentes actuam na forma de milícias. Não só o escracho é uma actuação de milícias mas as feministas excludentes usam as redes sociais como campo para uma actividade de milícias de novo tipo, pelo massacre colectivo da imagem.
    5) Individualmente consideradas, a esmagadora maioria das feministas excludentes é cobarde, como era cobarde a esmagadora maioria dos fascistas. A coragem vem-lhes só de estarem juntas na forma de milícias. É uma pseudocoragem de grupos, mas não das pessoas componentes desses grupos.
    6) Mas essa pseudocoragem vem ainda de outra coisa, da cobardia demonstrada pela grande parte das pessoas, tanto homens como mulheres, que tem receado enfrentar as feministas excludentes. Tem receado enfrentar porque as feministas excludentes se reivindicam de ser de esquerda, e os opositores e as opositoras de esquerda têm medo de estar a atacar a própria esquerda. Mas esse medo é desprovido de razão de ser. As feministas excludentes não são de esquerda, são uma modalidade nova de fascismo.
    7) É fundamental que as feministas excludentes sejam atacadas em todos os lugares onde se mostrem activas, e sejam atacadas de imediato, por todos os meios ao nosso dispor. E é fundamental que sejam atacadas abertamente, sem uso de pseudónimos, no próprio nome de todos os que, homens e mulheres, discordamos delas.

  40. Ao contrário de acusações de alguns comentários postados nessa página, que supõem ser o Passa Palavra um coletivo apenas composto por homens machistas, ignorando as mulheres que constroem cotidianamente essa iniciativa: digo que sou mulher e participo desse coletivo desde sua fundação. Falo aqui em meu próprio nome.
    Diferentemente dessas suposições machistas que invisibilizam as mulheres desse coletivo, acrescento que a memória seletiva de alguns não permite ver que o Passa Palavra é um espaço que, obviamente, também se coloca contra o machismo, homofobia etc., pois a sociedade que queremos tem de ser livre de qualquer tipo de opressão. Para refrescar a memória, segue alguns textos escritos pelo coletivo com abordagens sobre o machismo que compõem nossa visão em relação ao tema: [Sobre as mulheres na revolução egípcia: http://passapalavra.tv/?p=43564 ]; [Sobre luta contra o machismo nas escolas: http://passapalavra.info/2012/12/69044 ]; [Sobre as lutas feministas contra o capitalismo: http://passapalavra.info/2010/12/32504 ]; [Sobre o rapto de mulheres: http://passapalavra.info/2010/03/20858 ]; [Sobre a inserção das mulheres nos movimentos sociais: http://passapalavra.info/2010/03/20858 ]; [Sobre o direito das mulheres ao próprio corpo: http://passapalavra.info/2009/11/14389 ]; [Sobre a luta feminista no zapatismo: http://passapalavra.info/2013/08/82928 ]; [Sobre feminismo e emancipação no movimento estudantil dos anos 60: http://passapalavra.info/2013/05/76982 ]; [Sobre a prisão de uma mulher durante as manifestações de junho: http://passapalavra.info/2013/06/79431%5D; [Sobre revista vexatória e prisão feminina: http://passapalavra.info/2014/01/90868%5D. Além dessas, existem outras abordagens difusas, de colaboradores externos etc., que acabam demostrando a maneira como abordamos a questão. Ocorre que, por ser ignorada ou diferente de outros discursos de como deve ser a luta feminista, somos perseguidos por isso.

    Assim como nos preocupamos em discutir, a partir de nossas experiências concretas (apesar de muitas vezes sermos acusados de comentaristas das lutas), as contradições e desafios das lutas sociais na perspectiva de construção de uma sociedade anticapitalista, como fizemos quando falamos na burocratização que tomava conta dos movimentos sociais, no novo empresariamento cultural; entre muitas outras coberturas de lutas, também nos preocupamos em discutir formas de feminismo que têm se utilizado de punitivismo, silenciamento e banimento de companheiros e companheiras dentro dos movimentos de esquerda.
    Pois, um feminismo que pega pra si a representatividade e a verdade da luta feminista julgando toda e qualquer posição contrária às suas leis, oprime todas as mulheres que não se sentem representadas por essas práticas e discursos, silencia companheiros por instaurar um clima de medo constante fazendo com que qualquer pessoa que queira divergir desses comportamentos seja obrigada a usar pseudônimo, ou a se retirar de espaços ou a se calar eternamente; porque as denúncias e acusações de situações muitas vezes reais são raptadas e anunciadas como sentenças por coletivos que se colocam como porta-vozes de todas as mulheres, transformando a dor alheia em ainda mais sofrimento, com o banimento e morte social de acusados que nem ao menos lhe são dado a possibilidade de serem ouvidos, por mais culpados que sejam.
    E estamos falando de meios militantes, de companheiros de luta que, pelo menos em teoria, se unem para lutar por conquistas políticas coletivas e amplas. Como podemos nos tratar assim dentro da própria esquerda, fazendo muitas vezes com que ambos lados tenham como única saída a justiça burguesa?
    Mas pensar junto sobre isso, construir junto alternativas e formas de se lidar com comportamentos históricos que atravessam a maioria das pessoas em alguma medida, produzindo relações doentes, mesmo em meio militantes, porque ninguém é isento de contradições, parece não interessar uma parcela iluminada do feminismo vigilante dos comportamentos de plantão. E isso não é “passar pano” pra agressor, mas é não “passar pano” para sementes de fascismo.
    O que mais me indigna nisso tudo é como as construções políticas e coletivas mais amplas podem ser trocadas, jogadas no lixo, pelo simples fato de termos aberto um espaço para que esse cara acusado pudesse se expressar, mesmo que numa defesa tosca, mas um espaço para que se tenha outra versão, muito menor que o alcance das redes sociais, inclusive; mas por isso, somos acusados de tudo quando é absurdo, por isso as mulheres do Passa Palavra não existem ou são machistas, por isso, o Passa Palavra não é um espaço seguro ou confiável, por isso o Passa Palavra é digno de receber um escracho, dentro de uma parcela da esquerda da qual faz parte e ajuda, na prática a construir. Que militância é essa que está tentando banir socialmente companheiros de luta por conta de uma publicação que resolveu ouvir uma outra versão dos fatos?
    Transformar a luta das mulheres nesse tipo de ação não me representa e não representa muitas mulheres; ao contrário, oprime. Tenho orgulho de participar de um coletivo, que tenta ao máximo ser coerente nas posições que toma e em que todos os companheiros estão um ao lado do outro para enfrentar qualquer tipo de desqualificação e linchamento desse tipo. [ http://passapalavra.info/2015/02/102443 ]
    O mais sombrio não é a postura daquelas e daqueles que disseminam a irracionalidade sabendo muito bem o que fazem, mas daqueles que zelam pela racionalidade e sensatez na militância e acabam se omitindo ou concordando com isso ou por suposta conveniência tática ou por que deixaram-se levar pelo medo.
    Que ninguém mais se cale diante desse tipo de discurso e comportamento de uma pequena parcela opressora.

  41. Em setembro de 2013, o Passa Palavra divulgou um texto de minha autoria (http://passapalavra.info/2013/09/84768) que problematizava alguns aspectos de uma carta publicada pelo MPL-SP. Na ocasião, algumas mulheres ligadas ao MPL-SP, ao discordarem do texto, não deixaram de fazê-lo a partir da acusação de que no Passa Palavra só teria homens. Ainda nos comentários, teve quem insinuasse que eu não existia, que Simone (porque sem o nome completo, sem o sobrenome) seria um pseudônimo utilizado pelos homens do Passa Palavra.

    Infelizmente a suposição de que eu não existia não ficou somente nos comentários, foi tão divulgado na boca miúda, que pessoas simpatizantes do MPL-SP, depois de algum tempo, ao me conhecerem nos becos e vielas do ativismo, me pediram desculpas por terem acreditado na versão de que eu não existia e que seria “uma criação dos machos do Passa Palavra”. Numa atividade de luta na favela, trombei um cara, tb ligado ao MPL-SP, que não me conhecia pessoalmente e duvidava da minha existência. Para ele, eu estendi a mão e lhe mostrei que tinha melanina e boceta suficientes para não ser silenciada no meu discurso e nem duvidar da minha capacidade de pensar e expor o que pensava. Mas não era isso realmente o que importava. O que algumas mulheres do MPL-SP queriam na verdade era, sob o pretexto de duvidar da minha existência, me calar só porque fui capaz de discordar de sua posição. E atuaram firmes e concretamente neste propósito.

    Durante o ciclo de lutas pelo transporte em janeiro de 2015, ajudei a construir um grupo de luta pelo transporte na Zona Oeste. Fizemos várias ações na Raposo Tavares e, a partir de ações práticas, surgiu a possibilidade de o grupo de trabalho da ZO vir a ser uma comissão do MPL/SP. A entrada dessa comissão no MPL-SP encontrou obstáculos tanto nos espaços formais, quanto – principalmente – nos informais, não faltaram pessoas que alegavam que não tinham “confiança política” nas pessoas da comissão, em especial por conta da carta escrita por uma tal de Simone. Chegaram a afirmar que minha participação seria o mesmo que ter uma militante do PSTU na reunião. Quem eram as pessoas que disseram não ter confiança política e por quê?

    Felizmente o bloco das excludentes não é monolítico e pude ter conhecimento dessas coisas.

    Na ocasião da publicação da carta eu disse que a luta engendrada em 2013 não era do MPL! Quem colocou as pessoas nas ruas em 2013 e 2015 não foi só MPL.

    Junho de 2013 e Janeiro de 2015 não existiriam sem o apoio dos sindicatos para as reuniões, sem o apoio dos intelectuais que contribuíram nos estudos e seminários e nas aulas públicas, sem as comissões das regiões, sem os coletivos parceiros, sem os advogados populares etc. Se é assim, por que então que o MPL não aceita que existam críticas às suas posições e projetos?

    Até onde eu sabia, as organizações que não aceitavam críticas e oponentes eram as stalinistas. Mas tudo muda.

    Por que eu me refiro ao MPL-SP?! Porque as comentadoras acima Carou, Nina e Monique, são de lá, do MPL-SP. Na verdade, estou impressionada com a intransigência de suas ideias, e, desde 2013, ao publicarem aquela carta, continuam afinadas com o tipo de feminismo excludente e não hesitam em se declarar no campo deste feminismo, comportamentalista e avesso à reflexão.

    Sinceramente, acho que o Passa Palavra deve denunciar, assim como denunciou a burocratização dos movimentos sociais, qualquer Movimento Social que forneça e potencializa as condições do tipo de feminismo excludente, punitivista, policialesco dos comportamentos e banidor dos seus críticos.

    De agora em diante, para mim, qualquer movimento que ficar refém de mulheres e homens que se articulam para promover práticas fascistas não deve ser construído com o apoio de nenhum coletivo de esquerda e aliados. Um movimento social favorável a este tipo deve, sim, ser denunciado como um inimigo da classe trabalhadora.

  42. A mulher na sua luta pela emancipação, na luta pela igualdade, na luta pela sua afirmação jamais poderá usar os métodos e as técnicas mais vis e sujos, característicos das milícias fascistas. As perseguições, o linchamento, a calúnia são as práticas desses grupos. Escondem a sua fraqueza de argumentos e a sua incapacidade de práticas igualitárias, através da violência, do insulto, e do linchamento.
    O que é mais preocupante, mesmo aterrador, é que esses grupos feministas actuam no seio de movimentos sociais, enfraquecendo-os, quando não destruindo-os.
    Igualmente preocupante, e para mim incompreensível, é que não haja um movimento capaz de contrariar, confrontar estas práticas e que se veja tanta fraqueza, se não mesmo medo.
    O que podia ser uma força, conquistada ao longo de tantos anos de lutas, a de as mulheres hoje estarem representadas nos locais de actuação comum ou nos movimentos sociais, de se poderem fazer ouvir e de imporem na prática a sua igualdade e os seus direitos, transformou-se na cópia do pior espírito machista. Na prática e na linguagem! Será uma grande vitória o feminismo ter adoptado o comportamento machista?

  43. Compas Dany e Simone, concordo inteiramente com vocês, sinto-me muito confortada e contemplada por seu posicionamento. Acho também que a advertência de João Bernardo é fundamental, me parece que não há retorno, é preciso combater o mal que se apresenta.
    É imprescindível ressaltar, no entanto, que o feminismo excludente é apenas uma pequena parcela do feminismo. Quanto à maioria dele, é preciso não superestimar nossas diferenças em relação à forma de oposição ao machismo, que estão apoiadas igualmente em valores emancipadores. Pode-se discordar do modo como o Passa Palavra se posicionou, mas ainda assim esse eventual equívoco não seria digno de simpatia e tolerância como tentativa de oposição ao retrocesso representado por todos os princípios que sustentam o escracho? Em que lado desta polêmica encontra o legítimo feminismo o seu ponto de afinidade? Certamente ele não reside em rótulos, “feminista”, em contraposição a “não feminista”, mas não pode deixar de recusar a violência e a injustiça que são as causas mesmas do machismo. Falar em nome das mulheres não é necessariamente defendê-las, invocar o feminismo não é necessariamente ser feminista, como já foi dito aqui, pode ser ideologia, machismo, ainda que involuntariamente. É preciso deixar claro nesta polêmica que ambas as partes falam em nome do feminismo e que, portanto, não se trata de decidir entre quem defende e quem ataca o feminismo e, sim, onde está verdadeiramente o interesse feminista. Lutar contra uma forma falaciosa de feminismo é lutar contra o machismo. Lutar contra o machismo é um compromisso de todo o companheiro e companheira sérios, não há a menor dúvida disso. Aqui é preciso contextualizar o debate no interior de um movimento político, de onde ele surgiu, para reinserir o nosso poder de discernimento na realidade material à qual ele pertence. Tendo isso em mente, podemos dizer: todos aqueles que estão apoiados em princípios efetivamente libertários concordam na importância do combate ao machismo, agora, se discordarmos quanto à forma de travá-lo, por que isso haveria de ser fundamental? Na militância não só se tem nas relações diretas muitos outros mecanismos para comprovar o compromisso político de companheiros e companheiras, no diálogo direto, na realização de tarefas, na divisão dos espaços, como também o caráter essencial da atuação prática, na realidade das periferias, na superação dos riscos e das dificuldades, segundo as exigências de organização do movimento, se encarregará de fazer avançar esta reflexão, descartando as racionalizações e produzindo os acordos decisivos a partir dos quais superar divergências específicas e prosseguir na luta. Como a polêmica em torno do feminismo se tornou muito acirrada e angustiante é fundamental que recuperemos o distanciamento crítico para não perder de vista o seu verdadeiro foco nem superestimá-la de maneira que venha a produzir mais opacidade numa conjuntura que por si só já é excessivamente intrincada e opressiva.

  44. esse último coment foi xeque mate, esse feminismo intransigente é microscópio, não representa quase nada, só tem incidência na internet e em alguns grupelhos de amigos, amigas ,namoradas, namorados e ativistas, muitas vezes excessivamente confundidos e misturados no dia a dia. perguntem a qualquer ser humano na rua, homem, mulher, l, g, b ou t, se eles sabem o que é escracho, feminismo radical, etc. isso só existe na internet, e nas nossas time lines. o machismo sim, todo mundo ta ligado, e vejo inúmeras iniciativas sérias e de sucesso que o combatem desde baixo. nunca vi nada disso partir desse setor sangue nos óio e dedo na cara, mas aí pode ser ignorância, adoraria conhecer. pra ver e saber, que criticar é pecado capital, incrível que em 2015 ainda exista esse PAVOR da discordância e da troca de ideias.

    sobre direito de resposta, é o estado que sequestra a voz da vítima e do acusado, o crime passa ser visto como agressão a sociedade. pra superar isso é preciso superar essa lógica de que há algo ou alguém que pode falar pelos outros. sugiro leitura do texto sobre justiça popular do foucault no livro microfísica do poder, em que ele discute sobre justiça popular com um maoísta, que lembra mto algum desses comentários.

  45. As feministas excludentes não me representam! Radfems: Nunca vi voces ajudarem mulheres que são agredidas por maridos na quebrada. Parem de encher o saco da esquerda, e vão de uma vez por todas para a Assembléia de Deus, que é o lugar de vocês, onde poderão organizar sua Liga Anti-Sexo à vontade, fazer movimento contra pornografia e prostituição e etc. E parem de parasitar o movimento social.

  46. Na minha opinião, todo esse debate foge do essencial: que tipo de organização estamos construindo?
    Ao contrário do que tem dito o Passa Palavra, o grande “câncer” que aflige a extrema esquerda não é o feminismo excludente (o próprio termo é equivocado), mas antes o fato de que atualmente na extrema esquerda predominam os pequenos clubes e seitas, que substituíram as grandes organizações de massa de outrora. Advirto que aqui o termo seita é utilizado para caracterizar unicamente a estrutura interna da organização, e não seu relacionamento com outras organizações. Assim, o feminismo excludente é apenas um sintoma dessa mudança no plano organizativo.
    Ora, assim como as seitas blanquistas e bakuninistas do século XIX chegavam até ao absurdo de impor o ateísmo como regra para todos os simpatizantes, as seitas atuais da extrema esquerda também possuem seu código de conduta, e o feminismo excludente é uma dessas exigências. Tanto é assim, que não precisa ser um agressor para sofrer retaliações – basta discordar desse princípio. E não há nada de contraditório nisso. O princípio é perfeitamente aplicável às seitas, visto que o objetivo supremo de todas elas é reunir apenas “os melhores, os mais convictos”. A expulsão enquanto método também surge aqui como consequência lógica. Por isso não faz sentido falar de “instrumentalização” do feminismo para determinado projeto político. Não se trata de instrumentalização, trata-se de levar às últimas consequências o projeto político das seitas. Feminismo excludente e organização de seitas são um todo perfeitamente harmônico.
    Agora vejamos a crítica do Passa Palavra. Também ela está imbuída do espírito da seita quando tenta provar a todo custo que o feminismo excludente é fascista, o que leva o João Bernardo a afirmar categoricamente que essas feministas devem ser “expulsas da esquerda”. Ou seja, tenta-se apelar para o mesmo recurso que as feministas: identificar qual princípio da seita foi transgredido; e a punição também é a mesma: a expulsão. Aqui também se permanece no mesmo horizonte organizativo, o debate é apenas – qual seita é melhor? que princípio é mais útil à seita?
    O debate que pretendo fazer aqui é outro, a saber, o tipo de organização que construímos.
    Se combato o feminismo excludente é unicamente porque ele é um princípio constitutivo das seitas, ao passo que o que exige o movimento popular é justamente sua massificação. Por isso, pra mim pouco importa se esse feminismo é fascista ou não. Vamos supor que as feministas consigam provar por a+b que não são fascistas – o que isso muda no fato de que esse feminismo está em flagrante contradição com uma organização de massas? Nada. E é justamente por isso que minha crítica se dirige também ao Passa Palavra. Ao se colocar no mesmo terreno que o inimigo pretende combater, o site acabou por enfraquecer aqueles que dentro dos movimentos travavam o combate contra o espírito de seita que reina na esquerda. Prestou um desserviço ao feminismo e à própria luta de classes.
    O sectarismo, os pequenos clubes de afinidades, eis o verdadeiro câncer da esquerda.

    “O desenvolvimento do sistema de seitas socialista e o desenvolvimento do movimento operário real estão sempre na relação inversa. Enquanto as seitas se justificarem (historicamente), a classe operária está ainda imatura para um movimento histórico autônomo. Logo que ela atingir essa maturidade, todas as seitas serão essencialmente reacionárias.” Carta de K. Marx a F. Bolte, 23 de Novembro de 1871.

    Adendo: Se se quiser mais uma evidência de que a questão é organizativa, é só constatar que os escrachos e expulsões dizem respeito majoritariamente às organizações de esquerda. Não se tem a pretensão de combater o machismo com essas práticas, mas somente “purificar” as organizações.

  47. Caro Nome (ou pseudônimo),

    Você fala que, para si, “pouco importa se esse feminismo é fascista ou não” e logo depois afirma que o que importa é que “esse feminismo está em flagrante contradição com uma organização de massas”. Ocorre que não há contradição entre fascismo e organização de massas. É só olhar o que foi o corporativismo nos regimes fascistas ou qualquer vídeo das marchas fascistas que existem no Youtube. O problema de opor seita à organização de massas é que essa oposição pouco esclarece as coisas, antes coloca-as todas num balaio só.

    E organizações diametralmente opostas. Opostas pela prática. Isso me parece a questão fundamental.

    Em 2009 houve um artigo publicado aqui a respeito do linchamento moral daquela aluna da Uniban. Aqui o texto: http://passapalavra.info/2009/11/14389 . Perseguiram-na aos gritos de “Puta! Puta!” e o Passa Palavra escreveu à época:

    “A fúria que levara outrora a queimar as bruxas, que levara a exterminar judeus durante a segunda guerra mundial, que levara até há poucas décadas atrás a linchar negros no sul dos Estados Unidos é a mesma que levou agora aquela multidão de jovens a pretender a aniquilação moral de uma colega.”

    Além de denunciar aquela histeria machista, o referido artigo se encerra com a seguinte frase: “São reações destas que o fascismo mobilizou e mobilizará de novo se não soubermos liquidá-las logo que ousam surgir.”

    Pois bem, quase 6 anos depois e o Passa Palavra ousa publicar a resposta do sujeito que tem sua foto estampada num site que o acusa de “Agressor machista!”. Antes o linchamento moral machista, agora o linchamento moral feminista. Aliás, não me surpreenderia de forma alguma se o sujeito fosse também perseguido por uma turba com outros gritos.

    Quase seis anos se passaram e não apenas não soubemos liquidar essas práticas abjetas, como passamos a relativizá-las e a aceitá-las dentro dos coletivos que militamos.

    E se não demarcarmos claramente as práticas, varrendo-as da esquerda (como essas praticadas pelas feministas excludentes) logo estaremos organizando movimentos de massas para escrachar quem quer que seja.

  48. Me contempla o comentário do Nome (ou pseudônimo). O espírito de seita também assombra o Passa Palvra, que com a publicação do artigo não contribuiu em nada para a superação do punitivismo dentro das organizações autônomas. Dentro dessas organizações hoje, não existe nenhum tipo de prática que dispute a consciência dos indivíduos em relação às práticas punitivistas, biologicistas e multiculturalistas que se fazem presentes. A tática da publicação foi puramente idealista, e se transforma agora num verdadeiro recuo dentro dessas ditas organizações.
    Não se trata de relativizar o dito “feminismo excludente”, se trata de entender que apenas é possível superá-lo com diálogo e ações práticas alternativas ao que se tem hoje. Foi através do dialogo e algum tempo passado que presenciei companheiras e companheiros de luta superando essas concepções de mundo. De nenhuma maneira será uma tarefa fácil, dará enxaquecas sim, mas quem não é capaz de aceitar essa missão que tome uma aspirina e se contente em ser apenas um comentador das lutas.

  49. Goku inverteu a questão: quem não quer diálogo são as feministas excludentes, e o que Goku presenciou, a superação das concepções de mundo pela via dos diálogo entre companheiras E companheiros, é justamente o que elas negam, inviabilizam, e trabalham contra, ao operar a clivagem de gênero a partir de um parâmetro biológico. Além disso, quem não queria dar direito de defesa ao acusado eram e são elas, então mais uma vez são elas que recusam diálogo e se julgam acima do debate. E se a publicação se tornou um recuo ou se favoreceu as separações e a lógica de seitas, a culpa não é do Passa Palavra e sim de quem quer ser seita, ou seja, essa linha política do feminismo excludente. E essa linha que inviabiliza o diálogo e inviabiliza a construção coletiva de alternativas, deve ser combatida enquanto o câncer que é.

  50. O problema é que para as feministas excludentes e para os feministas excludentes há uma prática institucionalizada chamada machismo que molda as atitudes de todos os homens a toda hora, e todo caso de agressão serve para confirmar a existência dessa prática institucionalizada, e confirmá-la moldando as atitudes de todos os homens a toda hora. Recorre-se arbitrariamente a um esquema que explica qualquer agressão pelo machismo. Um homem agrediu uma mulher: machismo.

    Mas, embora seja necessário admitir a existência do machismo (e combatê-lo), não é uma prática institucionalizada chamada machismo que gera todas as agressões deste mundo. É preciso analisar as relações concretas (muitas vezes mutuamente violentas e essencialmente doentias) estabelecidas entre as pessoas. Caso contrário chega-se à conclusão – fácil e conveniente, pelo menos para algumas pessoas – de que a agressão x aconteceu porque o homem x “é machista”.

    A própria noção de “homem machista” ou “pessoa machista” deve ser encarada com reservas e cuidado, já que um indivíduo não se define por um tipo de prática apenas, e sim por vários fragmentos de práticas por vezes antagônicas. Um indivíduo se define na prática por um percurso por diversas práticas por vezes antagônicas. O indivíduo não é uni-centrado, é pluri-centrado.

    Sendo assim, havendo agressões numa relação entre dois indivíduos, não basta evocar a cultura machista para explicá-la, sendo preciso analisar a convergência ou não da cultura machista com o caráter da relação concreta entre ambos. O que a nota do coletivo – ou da “coletiva” – Maria Bonita faz é reduzir a existência prática do acusado, apresentando-a como uma existência definida unicamente pelo machismo e anulando qualquer outro traço de trajetória prática.

    Para definir categoricamente um indivíduo como machista é necessário analisar a convergência entre práticas neste indivíduo, enfatizando quais delas são predominantes, e perceber como ele unifica tudo num discurso que visa à coerência, tentando justificar-se a si mesmo.

    O mesmo princípio deve ser aplicado na análise do feminismo excludente. Não é possível definir as feministas ou os feministas excludentes como moldadas ou moldados a toda hora por práticas institucionalizadas de extrema-direita, o punitivismo e o segregacionismo, pois não é verdade. Elas e eles também agem consoante práticas genuinamente de esquerda, nem que seja apenas ao nível do discurso (reduzir a atuação prática à emissão de discursos é comum entre as esquerdas). E é aí que está o problema, pois é aí que emerge o fascismo, na fronteira e na indefinição entre extrema-direita e extrema-esquerda.

    Portanto, tal como no caso do machismo, é preciso analisar a convergência entre práticas, enfatizando quais delas são predominantes, e perceber como o indivíduo unifica tudo num discurso que visa à coerência, tentando justificar-se a si mesmo, para definir o que ele realmente é.

    Avançando nesse ponto, a esquerda autônoma deixará de destruir-se a si mesma e começará a esboçar procedimentos adequados para lidar com casos de agressão. E as classes capitalistas poderão temê-la novamente.

  51. Muito bons os comentários contra o punitivismo e contra o identitarismo. Com relação ao que fazer concretamente no caso de agressões, compartilho algumas reflexões que acredito que podem ser úteis:

    http://humanaesfera.blogspot.com.br/2015/06/autonomia-conflitos-e-apelo-classe.html

    AUTONOMIA, ESPIRAL DE VIOLÊNCIAS E APELO À FORÇA (I.E, À CLASSE DOMINANTE)

    “Frente a uma violência, é natural, compreensível, humano, que os agredidos ou vítimas reajam com ódio. Emocionados, o agredido e/ou os que se compadecem com a vítima tendem a reagir recorrendo a uma violência igual ou maior (a deles mesmos, a de uma gangue, de um gerente, da polícia, do direito ou mesmo a de um monarca cósmico absoluto imaginário). Isso pode iniciar uma espiral de represálias recíprocas que multiplica a violência e foge ao controle de todos. Até o ponto de ninguém mais se lembrar do motivo inicial, tornado irrelevante pelas sucessivas violências mútuas que se agravam cada vez mais. Tentar reparar um dano com outro dano multiplica os danos e, em última instância, faz de cada um o causador dos danos feitos a si mesmo mediante os outros, numa corrida armamentista que escraviza a todos.

    Há quem argumente que, para interromper esse ciclo, é preciso “compaixão” ou “empatia”: nos compadecer com a dor do agressor porque na verdade ele teria sido antes vítima de outro agressor e assim sucessivamente, ad infinitum. Porém quem diz isso esquece que a empatia é a própria causa da espiral de violência (sob a forma de indignação). O erro do argumento da empatia é que “empatia de amor” e a “empatia de ódio” são igualmente emoções – e emoções são reações espontâneas (se não forem, são falsas emoções), ou seja, não dependem de nenhum argumento.

    Sem dúvida, a paixão é o que nos move e não há como escapar disso. O que fazer então? Uma possível resposta é dada pelos filósofos ultra-iluministas Benedito de Espinoza e Jean Meslier: entre as paixões humanas está a paixão pela liberdade – a razão. A razão é ação, e não reação (todas as demais emoções não passam de reações), porque ela busca modificar as causas, não reagir aos efeitos; busca transformar as condições de existência, e não escolher entre caminhos pré-estabelecidos; busca subverter o status quo, o tabuleiro, não mover mais uma vez as peças de um jogo suicida e escravizador. A questão é: a paixão pela liberdade, pela autonomia, é capaz de superar as outras emoções? E como agir, isto é, como criar um ambiente onde as emoções possam se expressar da maneira mais enriquecedora e feliz possível?

    Seja como for, quando ocorre uma violência, se queremos evitar o surgimento de uma espiral de violências – que só serve para suprimir a autonomia e LEGITIMAR O PODER DA CLASSE DOMINANTE, ou seja, a adesão à falsa garantia dada por ALGUMA VIOLÊNCIA AINDA MAIS AMEAÇADORA, tal como a gangue, o gerente, a polícia, o direito, as forças armadas e o Estado -, só nos resta abandonar toda e qualquer ideia de punição (e recompensa), porque, como vimos, ela não tem o menor fundamento, é pura irracionalidade. *

    É preciso ao menos que saibamos ser concretos:

    – Quem agrediu pode agredir outra vez? Em outros termos: a agressão dele é um hábito? E se é um hábito – um vício -, ele poderia (ter liberdade para) não agredir da próxima vez?

    – Mas se ele teve liberdade para escolher agredir, que razão o motivou a fazer isso? A agressão foi motivada por algo transitório, improvável de se repetir? Ou motivada por algo constante ou repetível? Como atacar esse motivo?

    – Se a agressão dele é um hábito, o que fazer? Isolá-lo, para que não voltemos a sofrer agressões dele? Mas como ajudá-lo a se libertar do hábito de agredir que o escraviza?

    – E o agredido, como tratá-lo?

    Em suma, questões materialistas práticas básicas.

    humanaesfera, junho de 2015

    * Falar em “Livre arbítrio”, “intenção”, “vontade”, “falta de vontade”, não só é perfeitamente inútil e oco mas extremamente nocivo. O apelo à vontade serve apenas para atribuir culpa, causando ainda mais raiva e ressentimento. Quando buscamos parar de fumar, por exemplo, a vontade não é nada “em si”, porque o que determina essa vontade é, não ela mesma, mas as paixões de parar de fumar (que pode ser uma paixão pela autonomia que parar de fumar trará) frente às paixões cada vez mais tristes (servis) de continuar fumando (prováveis doenças, interrupção constante das atividades para suprir o vício, mau cheiro nas interações sociais etc.). Se a vontade é algo, ela não passa do hábito – que é uma paixão “animal”, pavlovianamente adestrada – de se focalizar para alcançar qualquer fim, seja ele qual for. Enquanto os fins sempre são formados pelas livres interações, combinações ou associações das paixões, nunca pela “bestial” vontade “em si”.

    Bibliografia:
    – Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão Social – Simone Weil
    – Ética – Benedito de Espinoza
    – Ateismo e revolta: os manuscritos do padre Jean Meslier – Paulo Jonas de Lima Piva”

    Já quanto à lutas identitárias:
    A AUTONOMIA É FAVORECIDA PELAS LUTAS IDENTITÁRIAS? http://humanaesfera.blogspot.com.br/2014/12/breve-opiniao-sobre-lutas-identitarias.html

  52. Você diz:
    Nossa causa vai mal.
    A escuridão aumenta. As forças diminuem.
    Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
    Estamos em situação pior que no início.

    Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
    Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
    Mas nós cometemos erros, não há como negar.
    Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
    Estão em desordem. O inimigo
    Distorceu muitas de nossas palavras
    Até ficarem irreconhecíveis.

    Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
    Tudo ou alguma coisa?
    Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
    Da corrente viva? Ficaremos para trás
    Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?

    Precisamos ter sorte?

    BB

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here