Se a aula fosse algo que engrandece não se precisaria lançar mão de subterfúgios punitivos e disciplinadores. Por Recém Doutor
Alguns episódios que vivenciei entre o início do doutoramento e a entrega dessa tese talvez digam muito sobre seu processo de pesquisa e composição do texto que estou entregando à banca. Antes de passar à tese propriamente escolhi dizer algumas palavras sobre o próprio processo de fazer pós-graduação e elaborar uma tese no Brasil de hoje. Conto abaixo esses três episódios para em seguida fazer algumas reflexões sobre esse tema.
O primeiro caso diz respeito à superexploração do trabalho teórico que as Editoras fazem, seja com estudantes ou com profissionais da área. Em setembro de 2013 tive um derrame ocular, por conta do excesso de trabalho na revisão da tradução de um importante livro de temática marxista, o qual, segundo a rica Editora que estava para publicá-lo, seria lançado naquele ano. Fora me passada a urgência do texto final para dali a duas semanas (e passados dois anos o livro ainda não saiu!), e como eu era de certo modo especialista no assunto do livro, chegaram até mim com uma proposta indecente, de trabalho gratuito. Motivado por essa visão romântica que acomete marxistas acadêmicos com peso na consciência por não estarem inseridos nalguma organização, aceitei fazer o trabalho dentro do prazo curtíssimo e gratuitamente, muito embora o combinado fosse uma revisão conceitual, e não a composição de uma quase nova tradução, que se mostrou necessária conforme eu ia revisando o material de baixa qualidade que me passaram. Eu devia ter notado a enrascada em que me metia quando a Editora me enviou apenas a tradução sem o original para cotejamento, e se surpreenderem quando eu disse que precisava do original para fazer a revisão (sic!). Foi no esforço de garantir que um material de qualidade chegaria ao público que ferrei com meus olhos.
O segundo caso diz respeito às condições de trabalho que o pós-graduando muitas vezes se autoimpõe como decorrência dos prazos da pós-graduação e as demais exigências de produtividade. Já era novembro de 2014 quando fui acometido por outra lesão, essa uma LER mais clássica, depois de ficar durante três semanas, uma média de 12 horas por dia no computador, pesquisando e extraindo dados sobre os financiamentos de campanha para PT e PSDB nas Eleições de 2014. Estava tentando mapear as contradições entre frações do capital no Brasil, e numa bela terça, depois de ter ficado 15 horas seguidas elaborando as tabelas e a recolha de dados, amanheci sem sentir 3 dedos da mão, e tal disfunção se manteve por vários meses. Para completar a cena, tive nas semanas seguintes ao dia que a LER apareceu uma forte sinusite que me deixou durante alguns dias parcialmente surdo. Era o tal do “corpo falando”.
O terceiro caso é de âmbito mais psicológico, digamos assim. Naquele mesmo mês houve um dia em que eu estava em São Paulo para acompanhar um Grupo de estudos do Capital com alguns camaradas quando, depois das tarefas cumpridas, recusei um encontro de lazer com cerveja e amigos e preferi, ao invés do barzinho e posterior descanso na casa de um amigo, passar por toda uma série de dificuldades logísticas a fim de – caso tivesse sucesso, o que não era de modo algum certeza – retornar e chegar até minha casa, já depois da meia-noite e sem garantia de que haveria transporte público. O motivo era que meu cachorro estava sozinho há dois dias e eu queria levá-lo para passear. Eu havia nutrido um senso de compromisso com ele. Além disso, eu me sentia doente e queria ficar sozinho.
Os amantes dos animais – e é óbvio que sou um deles – podem até achar normal meu gesto, mas o que estas estórias privadas pretendem mostrar, e é aqui onde eu queria chegar narrando-as, é que acabei sendo totalmente tomado por meu trabalho e senso de responsabilidade, a ponto de “perder a medida” e me autodestruir puritanamente, evitando, e essa foi praticamente a regra nesses últimos anos de mestrado e doutorado, atividades de lazer com os amigos, viagens etc. Qual o sentido de viver assim, e qual o sentido de tanto esforço visando “a revolução” se não consigo ser mais humano sequer no cotidiano com amigos, camaradas, companheiros? A revolução não será um abrir e fechar de portas, uma meia-noite que nos deixará cinderelas subitamente humanizadas, então se o cotidiano de quem luta e critica o sistema é tão doentio e deprimente quanto o de qualquer outro, como forjaremos o novo, o novo da fraternidade nas relações sociais, aqui e agora? Já Lenin havia apontado algo nesse sentido: (ver aqui), e tambem Brecht quando pediu, no poema “Aos que vierem depois de nós”, que as pessoas do futuro comunista se lembrem de nós “com indulgência”.
O pior de toda essa reflexão talvez resida no fato de que não se trata de uma percepção posterior que só agora estou tendo e sim de uma autocrítica que já fiz há muito tempo e, no entanto, sigo sem transformar, mesmo sabendo que o que estou vivenciando é a pura e simples precarização do trabalho e suas consequências nefastas, que todo trabalhador assalariado conhece, e a desumanização daí decorrente, quer eu queira ou não. Ora, o que diabos essa reflexão faz nessa Pré-apresentação da tese? Vejam, há implicações gravíssimas em se elaborar uma pesquisa e um texto sob condições tais de falta de leveza no ato laborativo cotidiano. O texto por isso certamente saiu pesado e sem poesia, para começo de conversa. E se um texto é escrito para ser lido, há de se convir que ninguém quer ler um texto pesado e sem poesia. Há inúmeros artigos que deveriam ser aceitos como teses, e inúmeras teses que não passam de amontoados de papel e tinta.
Se exponho minha privacidade dessa forma para a banca e qualquer desconhecido leitor, o faço unicamente visando iniciar ou encontrar algum diálogo sobre as condições de pesquisa na Universidade Brasileira. Eu tive Bolsa durante toda minha pesquisa. Tive bons orientadores, que jamais me pressionaram para além do que se espera quanto a prazos de entrega dos “resultados”. Eu tinha um objetivo claro ao fazer o doutoramento e via um sentido na pesquisa, do começo ao fim. Entretanto o processo foi tedioso (para dizer o mínimo), e entrego esse texto sem o mínimo prazer ou orgulho. Está mais para um livrar-se de um peso. Se eu pudesse, não o haveria escrito, ou melhor, o teria escrito de outra forma, fora do padrão academicista que é imposto, e que consiste em fazer revisões bibliográficas eternas e, obviamente, eu teria feito tudo em outro ritmo. Fazer o doutorado foi, para mim, o que é para qualquer trabalhador: uma permanente privação de atividades mais prazerosas visando melhor inserção no mercado de trabalho.
Não estou querendo dizer com isso que a graduação e pós-graduação são alheias ao mundo do trabalho, mas alguma diferença, ainda que mínima, teria de haver numa atividade voltada para o engrandecimento teórico, a qualificação profissional. Quem pode se engrandecer e se qualificar substantivamente quando é obrigado a se privar até mesmo de leituras de romances e poesias e mesmo de livros “de teoria” que atraem e que contribuiriam com a formação, mas que precisam ser postos de lado porque há sempre a necessidade de estar a ler outros, predestinados a serem citados na tese? Isso sem falar na imposição da produtividade com a régua de medição do Parthenon da Plataforma Lattes, uma mutação do bom e velho “salário por peça”, o que já mostra por si mesmo que há pouca diferença entre o trabalho de pesquisa e qualquer outro ramo de trabalho, com a diferença de que para o pesquisador não há salário e sim “a expectativa de”, e não há controle de qualidade das peças freneticamente produzidas, lançando para um passado longínquo a sã prática de deixar um trabalho amadurecendo “na gaveta”. Com tanta pressão, não há quem não se desequilibre, e a produção científica de hoje em dia é uma produção de desequilibrados. Estamos totalmente submersos no empresariamento de si mesmos, e não só não questionamos os números, os índices, os quantuns eternos, como queremos ser número, queremos uma boa posição no cadastro, o cadastro da vida usurpada.
Ora, “por quê fez então o doutorado?” seria a pergunta mais lógica. E é aí que chega outro tema, o das condições de trabalho no Brasil de hoje. Fiz o doutoramento, a princípio e olhando para o curto prazo, para viver mais um tempo “de bolsa” e, portanto, para não ter que entrar no mercado de trabalho, e a longo prazo, para melhorar minhas condições de inserção posterior nesse mercado. O tragicômico da pós-graduação e talvez de todo o processo de ensino escolar formal talvez esteja no fato de que as qualificações, e, em especial, esta chamada doutoramento não passa de um pedaço de papel, uma linha a mais no currículo, um upgrade totalmente formal, pois sem ter passado pela provação do doutorado eu seria hoje provavelmente mais qualificado, do ponto de vista substantivo e mesmo do ponto de vista restrito do objeto que estudei, e a prova disso está em que posso dizer sem titubear que os maiores quadros militantes e teóricos que conheci até hoje não estavam nas faculdades, não são doutores e não fazem doutoramento. Sendo sincero, alguns até que estão na “Academia”, mas a maioria não, e certamente, todos estão insatisfeitos.
As qualificações desqualificam, e tão grave quanto perceber isso é constatar que depois, em alguma seleção de emprego, aquela linha do doutorado concluído ou dos 17 artigos de péssima qualidade publicados vão colocar os donos das linhas à frente dos realmente qualificados que por ventura estejam também concorrendo à vaga de emprego. O resultado é um ciclo vicioso, onde desqualificados superprodutivos ocupam os melhores cargos na Universidades e demais locais de ensino, rebaixando a qualidade do ensino e, por isso, formatando mais facilmente os futuros desqualificados superprodutivos.
A maioria das pessoas que conheci que fizeram ou estão fazendo pós-graduação acumula uma eterna sensação de culpa por não conseguir mobilizar suas energias para a realização do trabalho teórico. Isso não aconteceu comigo, ainda assim no final das contas a sensação de frustração e de não identificação com o resultado do trabalho acabou sendo a mesma. Penso que cabe, então, fazer a ressalva de que no meu caso singular de doutoramento até que tive momentos bastante positivos e de verdadeiro avanço teórico, seja ao fazer algumas matérias ou aulas de qualidade, seja nos encontros de orientação, seja nas participações das bancas e claro, na própria pesquisa e escrita da tese, mas tudo isso foi mérito exclusivo do sacrifício dos indivíduos envolvidos nesses casos excepcionais: colegas envolvidos nas pesquisas alheias e empenhados em contribuir com o trabalho do colega, professores que arrumavam tempo e se desdobravam para orientar de fato seus mais de vinte orientandos e ainda ter que dar aulas e pesquisa. Para a esmagadora maioria dos professores que cogitam atuar nalguma organização a militância é no máximo uma saudosa lembrança ou uma miragem. Cada um desses casos que me valeram de algo – ao invés de ser o de praxe: pura perda de tempo – foi fruto desse esforço conjunto em carregar de sentido um processo de formação e ensino que é, desde sua concepção, completamente idiota, e talvez mais ainda para pensadores do campo das ciências humanas e interessados na transformação do mundo. Não se chega a essa situação por acaso. As instituições não brotam do chão com suas regras já estabelecidas. Há interesses muito concretos envolvidos.
A totalidade do processo de formação e qualificação, e mais amplamente, a estrutura do processo de educação dentro do capitalismo, visam justamente podar a criatividade e o pensamento crítico. Professores talentosos se veem obrigados a perder horas de seu trabalho com a burocracia de avaliações e até mesmo de acompanhamento de presença dos alunos em aula. Ora, se a aula fosse algo que engrandece não se precisaria lançar mão de subterfúgios punitivos e disciplinadores, ou se espera que alguém acredite que os alunos “não sabem o que é bom pra eles”?.
Todo o esquema visa apassivar e disciplinar os sujeitos para as lógicas de pontualidade e de apreço ao respeito e manutenção da ordem e das hierarquias. Visa nos levar à desilusão e à inércia política. A lógica hierárquica de todo o processo visa silenciar as críticas, num efeito em cascata que termina no mais alto escalão, e este sim tem motivos para estar interessado em manter a estrutura tal como está. Não obstante, também eles, os de cima, terminam sendo pressionados por forças que não controlam, e todos estão, no fim, infelizes.
Na Universidade só há ânimo, originalidade e espírito rebelde – e cada vez menos – dentre os calouros. Os processos de ensino hegemônicos, e mais ainda aqueles que se convencionou chamar de “pedagogia do aprender a aprender” infantilizam as pessoas, a ponto de termos Universidades brasileiras promovendo encontros com pais de alunos para falar do comportamento dos filhos universitários. A Universidade estraga os alunos, e sua estrutura está tão podre que haveria muito mais ciência sendo produzida se a Universidade se limitasse a ser um espaço público com bibliotecas e salas abertas a quem quisesse dar e tomar lições, ou melhor, a quem quisesse trocar, no sentido mais anticapitalista do termo, ou seja, no sentido da dádiva.
Não por acaso as melhores cabeças são os autodidatas, aqueles que conseguiram escapar do cerco burocrático da educação imposta, a deseducação que forma sujeitos apáticos e portanto deforma, ao formar dentro da lógica invertida do capital. E que não se confunda essa reflexão com a balela da pedagogia das competências e do aprender a aprender, pois essa consegue ser pior que a pedagogia conteudística, e esconde por detrás de sua aparente criticidade um projeto de formação do trabalhador mais adequado aos padrões toyotistas de processo de trabalho que conta com a captura da subjetividade e criatividade do trabalhador para potencializar a exploração de suas forças cognitivas. O resultado é um indivíduo mais infantilizado, do ponto de vista emocional e político, e mais assimilado ou inserido na lógica individualista do empreendedorismo de si mesmo. O potencial de uma educação crítica que auxilie na formação política das pessoas é anulado, e tal como as melhores cabeças são autodidatas, também os melhores militantes precisam ser autodidatas coletivos e “dar seus pulos” para construir por si mesmos o caminho da crítica ao status quo, seja nos seus locais de trabalho, seja no movimento estudantil.
A imposição produtivista que está alijando qualquer experiência formadora no interior das universidades hoje, está certamente centrada na imposição curricular que liga-se a politica de resultados hegemônica abordado pelo recém doutor.
Infelizmente, a experiência da formação regrediu drasticamente. O que não tolero – e o texto não trata disso, mas gostaria de pensar isso junto com o autor – é a defesa nostálgica de uma suposta formação elitista da USP nos anos pré-golpe militar. Quando, segundo alguns epígonos da esquerda acadêmica, havia um projeto de país.
Naturalmente, o golpe viria para acabar com qualquer autonomia política e de reflexão, no entanto, é fácil observar que dentro do processo abortado pela ditadura (processo dirigido por uma classe média esclarecida) o que estava em jogo era um projeto de entrega ao capital internacional (militar, conservador e obscurantista) e um projeto de boa vizinhança com a burguesia local (esclarecido e modernizante). Em linhas gerais um projeto desenvolvimentista que girava na órbita do PCB e dos comunistas de caserna.
A história se repete como farsa e novamente um processo singular se desenvolveu a olhos vistos com projetos formatado a partir de 2002, tais como: REUNI, Prouni, FIES etc…
Entretanto, dada a dinâmica que se fortaleceu a partir da década de 70, quando o neoliberalismo se instaura como saída para as crises do Welfare state. A academia se ergue como dispositivo de instauração do modus operandi do neoliberalismo que baseia num – desculpe o neologismo – “eu-currículo”.
Assim, dissertações e teses irão surgir como mato em terreno baldio, a fim de tornar viáveis investimentos privados na educação pública. Além é claro da conversão do público em privado com a adoção de empresinhas juniors e das fundações no interior da universidade que usa nome, espaço e professores para lucrar indecorosamente no (como ouvi falar certa vez com algum constrangimento) solo sagrado da Universidade de São Paulo.
Mas o que quero dizer com tudo isso? É que tanto as teses nostálgicas – que permita-me a franqueza, me dá náuseas – quanto a tese de se entregar aos critérios do Lattes, exclui a seguinte observação: a “classe trabalhadora” chegou à universidade!
Então, se impõe o seguinte: repensar a estrutura perversa do todo poderoso lattisismo deve ser pré-requisito politico e de luta para todo o Movimento Estudantil.
Os critérios curriculares da maneira produtivista que se impõe como mercadoria devem ser destruídos.
Deve-se pensar também nos significados desses lascados (como eu) que chegaram a universidade. Se, o momento histórico exclui aquela nostalgia bocó, não exclui, contudo, a reflexão de uma formação eficaz e crítica que se ponha para além das relações mercadológicas que enfrentamos no produtivismo que quase leva o autor a cegueira.
A questão é: Nem o movimento estudantil, nem a comunidade (concorrencial) acadêmica querem, a meu ver, pensar sobre isso!
abração
Parabéns pelo texto honesto e lúcido. Infelizmente, a maior parte dos pós-graduandos incorporam os jogos acadêmicos; desse modo, ficam sempre prontos, como sublinha Bourdieu, a colocar “seus próprios jogos e suas próprias disputas fora do jogo”. Mas entendo que o Lattes é apenas um desdobramento, na versão neoliberal, de uma instituição que faz do conhecimento um instrumento de reprodução do sistema social . A cultura acadêmica como um todo é perversa e mistifica o conhecimento, o que se observa, por exemplo, no jogo patológico de vaidades, na postura deslumbrada e/ou intimidada frente a autoridades acadêmicas de prestígio, na cobiça aos grandes nomes, na forma pesada e arrogante de se lidar com o conhecimento, mesmo que este se revele cada vez mais medíocre nessa instituição. O saber na universidade não diz respeito à emancipação, apresenta-se principalmente como adestramento e mistificação, favorecendo formas tão sutis quanto insidiosas de dominação e manipulação do outro. No entanto, parece que se torna mais visível, em espaços críticos, que as universidades modernas assemelham-se, de certa forma, às igrejas da Idade Média.
o texto mostra muito bem algumas das questões que afligem a cabeça de quem estuda sobre a luta de classes, as tensões entre estudar e fazer, entre conhecer e interferir.
Serve de algo estudar e fazer teoria?
No outro canto do ringue, um retorno à questão Boitempo vs Mães de Maio. Afinal, se fosse uma corrente do PT chamando para um evento/palestra, teriam sequer 25% do público? O canto das sereias acadêmicas faz muita gente consumir politização descafeinada, bem ao gosto do petismo haddadista. Gente que morre de vontade de consumir politização sem participar de atividade política nenhuma. Creio que isso faz parte do caldo cultural antipartidário de certos setores autonomistas.
Caro Amigo,
Se você teve bolsa de doutorado por anos trabalhando de casa e fazendo seus horários a questão de ter tido LER ou não saber dosar seus estudos aparentemente é muito mais problema seu, que não soube se organizar e cumprir um cronograma, do que do “sistema”. Pensando apenas do ponto de vista do trabalho envolvido nessa relação chega a ser risível suas lamentações, pensando nas condições de trabalho gerais da classe trabalhadora brasileira, me desculpe.
Sobre a militância também, ou alguém vai negar que as condições materiais de trabalho de um professor ou bolsista estão acima da média dos trabalhadores? No mínimo na média. Se é assim, não há nenhum impedimento pra eles militarem, pelo contrário, há um privilégio, se não exercem também não é culpa do “sistema” e sim de sua preguiça e academicismo.
Sobre o Lattes, de fato o produtivismo é problemático mas os senhores e senhoras não acham que os financiadores das bolsas precisam ter algum critério que garanta que o tema estudado seja difundido? Garantir a publicação de artigos e a participação em eventos não é algo bom nessa linha de raciocínio? Afinal a tese mesmo ninguém vai ler.
Esse ponto me pareceu ausente do texto, que é muito mais um desabafo de um estudante estressado antes da banca do que uma reflexão política profunda. Senti falta da discussão de como esse conhecimento está ou deveria estar sendo compartilhado com a sociedade que o financia – infelizmente o autor está mais preocupado com outras questões, que não digo que não são importantes, mas talvez o sejam só ou muito mais pra ele mesmo.
interessante essa visão de patrão do amigo acima. Afinal, os problemas que temos como indivíduos são sempre a expressão de nossa incompetência em adaptarmos à realidade inquestionável que nos rodeia.
Os senhores financiadores de bolsas, esses respeitáveis senhores misteriosos, precisam ser respeitados, e não só isso, precisam que nós, pesquisadores, proponhamos ideias e conselhos para que eles tomem melhores decisões, um Círculo de Qualidade da academia.
Valeu mesmo pela visão patronal, amigo, continue assim que logo você terá aquela tão sonhada vaga obtida em um concurso público feito entre amigos.
No ponto Carneiro.
Visão Patronal, produtivista e ressentida! Quer colocar as ideias como pagamento da sociedade que a financia, em outras palavras, reduzir o conhecimento a produção mercadológica, como já tem sido feito!
O mais engraçado ainda é o fulano querer falar em nome da classe trabalhadora.
Seu produtivista visto de outra forma, dá um tempo mané!
O anti-intelectualismo, travestido de antiacademicismo marchava muito nas ruas da Itália em 1936… a gente sabe muito bem o nome disso!
O autor do texto que fez doutorado pra receber bolsa e eu sou o que quero reduzir o conhecimento a dinheiro? Se não tivesse bolsa nem ele nem grande parte dos pesquisadores estaria pesquisando, então não vamos fingir que se trata de amor ao conhecimento. É como só querer militar se for “liberado”. Estou questionando – e não falando em nome de ninguém – se há mesmo tanta exploração nesta contratação – trabalhador/estudante e estado/contratante. Aparenta muito mais ser uma forma de contenção e acomodação desse tipo de trabalhador intelectual dentro das malhas do sistema, e o fato do próprio intelectual-autor deste texto dizer que os doutorandos não têm tempo para a militância já indica isso – e o acalma. Por outro lado, a questão da difusão do conhecimento fica ausente, como se alguém desse pelota para algum doutorado das Sociais da USP, não há contrapartida social e isso é inegável e vejo menos preocupação com isso e mais com questões praticamente sindicais, de condições laborais (melhores e mais bolsas, menos ou diferentes obrigações, etc). Dentro deste âmbito, do sindical, o que me parece é que o trabalhador universitário está na elite dos trabalhadores e por isso discutir suas condições sem colocar isso em perspectiva, volto a dizer, é risível, é como a greve anual de professores que ganham acima de dez mil reais e não falam um A sobre os terceirizados. Os senhores fiquem a vontade pra discordar, torço que com melhores argumentos.
Sendo otimista, assumo que você é apenas um ingênuo.
Pois se você é de fato um pesquisador, prefere adotar o discurso dos gestores ao invés do dos teus companheiros: os problemas são sempre de cada indivíduo, os trabalhadores melhores remunerados são uma elite que não pensa nos mais precários.
Se você é realmente um pesquisador, parece que não chegou nunca a desenvolver a solidariedade com teus companheiros, talvez o ambiente de concorrência com eles fez você se identificar mais com teus superiores, que estão muito preocupados em descobrir melhores critérios para chegar aos resultados esperados pelos superiores deles.
Talvez isso tenha ocorrido porque ao invés de pensar junto com teus companheiros a respeito dos problemas e dificuldades enfrentados nessa ocupação, tenha preferido dar ouvidos para a autoridade, ao invés de dar ouvidos aos teus iguais.
Isso não é “questão sindical”, é o mínimo de solidariedade que um trabalhador pode ter, começa com aquele que está do teu lado e não dizendo ao lixeiro “ih, você reclama mas tem gente que nem trabalho tem”. Isso não é solidariedade, isso é conformismo goela abaixo.
Caros, agradeço os comentários. Infelizmente estou numa correria e demorarei um pouco mais para dialogar com alguns de vocês.
Caro anônimo que quer ver de outra forma,
alguns dos pontos que você colocou estão no texto e tornam injustificada sua indignação. Culpar o trabalhador por contrair uma LER é um absurdo, e é justamente a postura dos patrões quando contratam trabalhadores terceirizados e na modalidade home office, buscando se livrar dos encargos por acidentes de trabalho, por exemplo. A pressão pelos resultados, feita pelo patrão e pelo “mercado” leva ao ato laboral destemperado, que acaba levando o trabalhador a adoecer, e culpá-lo por adoecer é demonstrar desconhecimento dessa modalidade de exploração do trabalho travestida de autoexploração e de livre-exploração. E mesmo que fosse culpa da desorganização do trabalhador com seus próprios horários, ainda assim isso seria um sintoma e não a causa: sintoma de uma sociedade inteiramente pautada na exploração do trabalho e na ideia de sucesso e realização pessoal pela via do emprego, onde lazer e etc ficam em segundo plano sempre. Sobre a condição de trabalho dos pesquisadores ser risível se comparada às condições de trabalho da classe trabalhadora, essa comparação não cabe, é o mesmo de dizer que no Rio a classe sofre menos do que em Sampa, porque têm praia. Além disso seus comentários mostram um fetiche do trabalho manual, visto como separado do intelectual, como se assentar tijolos fosse algo incomparavelmente mais destruidor do trabalhador do que o trabalho intelectual. Se se fosse pensar nesse seu modelo de separação dos distintos tipos de trabalho creio que a conclusão seria, inclusive, contrária à sua. Os maiores índices de suicídio estão do lado intelectual, e não por acaso, pois a captura da subjetividade e sua orientação para a produção capitalista acaba com os sujeitos, em especial aqueles que pretendem uma vida carregada de sentido, e não apenas o sucesso no trabalho, por exemplo, desenvolvendo uma nova tecnologia a ser patenteada por alguma empresa que pague bem. Em todo caso não se trata de disputar quem sofre mais, quem é mais explorado. Fazer essa comparação é que é dar munição para o apassivamento da classe, pois sempre haverá algum extrato mais explorado, e se ele existe, fique feliz com sua posição “privilegiada” de bolsista, de trabalhador efetivo, de trabalhador que ganha boas comissões, que ganha PLR, etc. O texto, nesse sentido das suas questões, visou justamente igualar os trabalhadores pesquisadores ao restante da classe, mencionando alguns dos percalços dessa profissão, enquanto muitos se iludem achando que são o topo da classe, que não são trabalhadores etc. Já sobre dizer que os pesquisadores que não militam são preguiçosos ou academicistas, mais uma vez seu fetiche do trabalho manual. Os operários que não militam tudo bem, porque estão cansados? Trabalho intelectual não cansa? Operário não tem preguiça de lutar contra toda a corrente? Militar não é fácil pra ninguém, e não é atoa que a maioria das pessoas milita por causas que lhe afetam diretamente. Vamos culpá-las, julgá-las por isso? Já seu comentário sobre os financiadores terem algum critério para garantir a difusão do conhecimento é pior que os anteriores. O sistema não controla apenas a difusão dos conhecimentos que quer que sejam generalizados, ele controla a produção deles, seja na seleção dos projetos a serem ou não financiados, seja nos livros a serem publicados, os professores a serem contratados, e em vez de pensar conosco criticamente todo esse esquema apassivador da classe, que impede que o conhecimento crítico seja produzido e muito menos difundido, vc legitima a postura dos respeitáveis gestores da burocracia estatal e de empresas privadas, interessadas tão somente em ciência lucrativa. Meu texto é “muito mais um desabafo de um estudante estressado antes da banca do que uma reflexão política profunda”. Posso concordar com isso, vc não percebe? Sua visão produtivista e meritocrática te impede de ver que uma coisa leva à outra, e por algum motivo, talvez financeiro, talvez freudiano, vc acha que é um absurdo um “bolsista”, “privilegiado”, vir com chorumelas em vez de fazer uma reflexão política profunda. Seria legal se o anônimo fizesse a reflexão política profunda e tentasse difundí-la via agências de financiamento. Talvez isso o fizesse reformular a reflexão política profunda, e aí o espaço de divulgação seria o Passa Palavra e mais um ou outro espaço que temos disponível para o pensamento crítico. Ah sim, teria que ser por amor ao conhecimento eim!? Nada de querer bolsa ou qualquer financiamento/pagamento pelo trabalho. Pesquisador que é pesquisador faz de graça, se aceita pagamento fique calado e não reclame. Ou se aceita a lógica do sistema e produz o que é financiável ou não venha com chorumelas de quem queria pesquisar outra coisa que curte mas que não tem espaço na lógica do sistema. Sobre o financiamento de pesquisas ser “uma forma de contenção e acomodação desse tipo de trabalhador intelectual dentro das malhas do sistema”, a ideia é boa, inclusive está no meu texto, mas existe outra questão aqui, que é a de que esses financiamentos existem como conquista da classe. Se dependesse da ordem exclusivamente não haveria de se gastar esforços contendo a rebeldia dos intelectuais em sua produção de conhecimento crítico apropriável pelos trabalhadores. Se dependesse do sistema não haveria ensino ou pesquisa em sociologia, história, filosofia. Mas o sistema soube se ajustar a esse empecilho de ter que lidar com essas disciplinas perigosas, e é aí que entra toda a estrutura de seleção dos projetos que interessam e os que não interessam. Feminismo classista não interessa, tente pesquisar Heleieth Saffioti e terá com a porta na cara. Escolha o feminismo identitário e vai chover financiamentos, inclusive de empresas privadas. sabe quem é o maior financiador de pesquisas em feminismo não-classista? A fundação Ford, e sabe por que? Porque interessa aos produtores de automóveis toda a balela sobre empoderamento feminino. Mulheres empoderadas são mulheres que entre outras coisas (algumas positivas) querem comprar um carro pra si. Por fim novamente a questão da difusão do conhecimento. O conhecimento está mais que difundido, veja só seus comentários como mostram apropriação da ideologia do empreendedorismo. A questão é que nem todos os conhecimentos interessam ao sistema, e como lidar com isso é uma questão que não passa nem perto das suas indagações acusativas do quanto são privilegiados os que “vivem de bolsa”, esses reclamões ingratos que não dão contrapartida pra sociedade “que os financia”…
Oi Recém Doutor, tudo certo?
Cara, eu terminei no ano passado a minha licenciatura em Música e, msm sendo ‘só uma licenciatura’, ‘só em Música’, que tem como trabalho final ‘só um TCC’, ‘é interessante’ ver como alguns aspectos são idênticos. Eu não tive lesões físicas, nem (, aparentemente,) psicológicas por conta do meu trabalho (combinemos, o que tbm não merece comemoração), mas, e aqui talvez eu fale com a decepção de um dos calouros que vc cita no texto, as limitações estavam todas ali.
Um trabalho originalmente pensado para ter uma tal abrangência acabou por não ter um quarto dela. E não é que eu não quisesse fazê-lo, mas todo o sistema impunha esse ‘podar’, um comprimir e editar, um ‘ser direto e sucinto’, um padrão formal, visando ‘clareza’, a meu ver, completamente desinteressante e previsível.
Tal trabalho, a ser feito em tempo espaçado, foi espremido em um semestre, já que ‘esse é o período da disciplina oferecida’, é o tempo do qual o orientador pode dispor (e é claro que aqui não transfiro culpa a ele); e ainda por cima, o que me parece um absurdo msm pra trabalhos de conclusão de graduação, estava ali o maldito limite de páginas… e como alguém desenvolve qualquer coisa com um mínimo de profundidade (em qualquer área) com míseras quarenta páginas?! Quarenta!! (Qta inocência a minha… quem disse que TCCs são trabalhos passíveis de qualquer elaboração mais aprofundada?! São, aparentemente, apenas mais uma etapa do processo, mais um obstáculo entre o ‘estudante’ e o profissional, certo? [ambos trabalhadores, não, colega que vê de outra forma?]) Como alguém consegue desenvolver qualquer coisa qdo uma das preocupações mais latentes ainda na metade do processo de escrita é ‘como vou cortar tantas páginas depois?’? Leveza, densidade, poesia? Esquece…
Chega um ponto no qual, por iludido que seja o estudante, fica clara uma das mais irritantes verdades: o que menos importa pra Universidade é o trabalho, de fato (e importa pra quem? e pra quê?). Importa que ele seja feito, claro, importa que ele respeite as normas da ABNT, importa que ele respeite as ‘orientações gerais’ do Instituto, que seja entregue no prazo, que o título seja ‘claro e condizente’, o índice esteja bem feito, tbm claro e demonstrativo das etapas percorridas no texto, que o português esteja na ponta dos cascos, etc. Acho que, de verdade, importa que a inércia social seja bem estabelecida…
Numa ‘instância’ menor (que a sua) de trabalho universitário, e msm gostando muito do tema por mim escolhido, me senti tão desmotivado qto vc.
Se essas coisas todas não são características inaceitáveis do nosso sistema de ensino e produção de saber atual, o que parece ser a opinião do comentarista que vê de outra forma, aceita-se que a motivação seja externa (ao trabalho e ao tema escolhidos), que o foco seja outro, que não “simplesmente” produzir saber da melhor forma possível, e aceita-se, em última instância, que essa p*rra toda é só um teatro com suas barreiras pra alcançar o tão sonhado mercado de trabalho.
Caros bacharéis, mestres, doutores,
por mais nobreza, honestidade e dedicação à pesquisa acadêmica, ela é hoje o que sempre foi outrora, uma superestrutura para a formação das ideias e conceitos da sociedade, ainda que comporte umas poucas exceções.
Como já dizia Marx:“Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” Portanto, o academicismo sempre foi ideologicamente produtivista, o que aumentou (e continuará aumentando) foi a intensidade e a jornada da produção do conhecimento (ou desconhecimento?).
E a mão de obra ultra-especializada se integra ao mercado de trabalho da mesma forma que as outras mãos de obra, como nos lembra João Bernardo em Economia dos Conflitos Sociais: (…) ocorre a completa integração da produção de força de trabalho no capital, os trabalhadores não oferecem no mercado a sua mercadoria, o valor de uso da sua força de trabalho, porque desde o início os capitalistas já a detêm. A condição de trabalhadores assumida a cada nova geração é fixada de antemão. Ela é uma condenação. (…) O ato do assalariamento não assinala a inauguração da apropriação capitalista do uso da força de trabalho; ao contrário o assalariamento ocorre porque o conjunto dos capitalistas detinha já previamente o direito de usar o conjunto da força de trabalho, porque o processo de produção dessa força de trabalho fizera-se como processo capitalista, em que o output pertence portanto, por direito, ao capital. O salário é a condição para a reprodução desse processo de apropriação,e não o seu fundamento”, portanto, por mais que se sinta autônomo e à parte do mundo do trabalho, o mundo acadêmico se insere nesta mesma lógica.
A humanidade,no modo de produção capitalista, está condenada à uma eternidade de “Obsolescências programadas” assim como a eternas “linhas a mais no Lattes”.