Por Eduardo Tomazine
Acredito que a intervenção federal no RJ tenderá a consolidar as favelas como guetos. Não no sentido abrangente do termo, de espaços segregados, estigmatizados e violentados, pois, nesse sentido, as favelas do Rio sempre foram guetos. Estou falando do gueto no sentido estrito, como os guetos judeus de Veneza e de Varsóvia, ou a de Argel durante a guerra de liberação da Argélia; ou, ainda, o grande gueto (em escala regional) que se tornou a Faixa de Gaza com as guerras derivadas da ocupação israelense da Palestina.
Se a intervenção federal pretende mostrar resultados imediatos (sobretudo midiáticos) durante os dez primeiros meses da sua vigência (não sabemos se esse prazo será estendido), e se admitirmos ser pouquíssimo provável que durante esse prazo seja promovida uma profunda reforma da política de segurança pública em níveis federal e estadual, então como se desenhará a geopolítica da intervenção?
Acho difícil que eles ressuscitem as UPPs, pois o emprego das Forças Armadas impõe limites para a sua atuação como força policial. Creio, portanto, que o mais provável é o cercamento permanente das favelas, com check points de entrada e de saída, impondo constrangimentos constantes e sem prazo de validade ao conjunto dos habitantes destes espaços. Não foi mais ou menos isso, aliás, o que se ensaiou nas últimas operações de GLO, com os miliares cercando, sem atuação aparente, a Rocinha e a Cidade de Deus? A diferença é que agora serão instalados os check points, e pode ser até que cerquem as favelas com arame farpado.
O cercamento e controle militar permanente será a culminância do histórico projeto do Estado brasileiro para as favelas: sua segregação socioespacial absoluta, em forma de gueto.
Algumas dúvidas sobre a intervenção federal-militar no estado do Rio.
Em primeiro lugar, as forças de polícia do estado estão sob o comando apenas do General Braga Netto, ou se subordinam institucionalmente ao Comando Militar do Leste?
Em segundo lugar, ao receberem ordens do Comandante do CML, os policiais poderão ser civilmente responsabilizados pelos seus atos?
Pergunto isso porque vejo muita gente preocupada com o nível de engajamento de que os militares irão dispor durante a intervenção, se terão carta branca para matar ou não, mas essa questão me parece uma cortina de fumaça.
A mim me parece que a atuação dos militares se dará em dois níveis principais: nas polícias e nas ruas, e em nenhuma delas será necessário um engajamento de combate direto.
Na primeira frente, eles buscarão mostrar serviço prendendo gente graúda das polícias Civil e Militar, numa espécie de Lava Jato da polícia que vai dar muita notícia. Pois bem, esses policiais presos, serão civil ou militarmente julgados?
Na segunda frente, nas ruas, o papel das Forças Armadas provavelmente será similar ao que elas têm realizado nas recentes operações de GLO, com o cercamento das favelas e controle das suas áreas de acesso – talvez até com a instalação de check points. Caberá às forças de polícia entrar nas favelas para fazer o trabalho sujo, cumprindo os mandados de apreensão e busca coletivos, torturando moradores, atirando e matando indiscriminadamente. Agindo sob ordens do CML, esses policiais serão civil ou militarmente julgados?
Ou seja, a polícia irá agir como sempre, mas agora sob ordens militares (por essas e outras, faz sentido, sim, falar em intervenção militar). A quem responderão por seus crimes de sempre? À Justiça Civil ou Militar? Responderão?