Por Alan Fernandes

Em artigo publicado na The Lancet uma parcela da comunidade científica passa a defender que a Covid-19 não constitui mais uma pandemia, mas uma sindemia. No que consiste isso, e como nos afeta? O conceito de sindemia não descarta a existência de uma pandemia em curso. A sindemia é a confluência, ou sinergia (daí o nome), de uma pandemia motivada por doença infecciosa respondendo a outras enfermidades de caráter não infeccioso. Acontece que quando o conceito surge, há um entendimento de que os dois tipos de enfermidade produzem resultados piores se somados os efeitos das duas doenças. Em outras palavras, um mais um é pior que dois. É dessa reação entre doença infecciosa somada de comorbidades que entende-se a gravidade da pandemia. Antes desse estudo ser publicado, as disparidades de classe, sugerindo dificuldades no acesso à saúde básica, problemas na alimentação, entre outras coisas, já indicavam como se daria a fatalidade da doença entre os mais pobres. Por exemplo: aqui e aqui.

Segundo alguns especialistas, a mudança na análise deveria suceder de uma mudança na política para tratar a situação. Como os fatores sociais influenciam no agravamento da doença sobre o organismo, uma medida que tenda unicamente a reduzir a curva de contágio irá falhar. É preciso ir a fundo nas circunstâncias que acentuam essas enfermidades.

Singer afirma para a BBC:

Não importa quão eficaz seja um tratamento ou quão protetora seja uma vacina, a busca por uma solução puramente biomédica contra a covid-19 vai falhar. (…) A menos que os governos elaborem políticas e programas para reverter profundas disparidades sociais, nossas sociedades nunca estarão verdadeiramente protegidas da covid-19.

Não pode passar despercebido que o que o Singer defende, e também essa parcela da comunidade científica, é que não são só necessárias medidas que contenham a circulação do vírus, mas isso não quer dizer que o esforço do isolamento tenha sido em vão. Preocupa agora, sobretudo, se com um chefe do executivo que negou até as últimas consequências a existência de uma pandemia, haverá interesse em tratar do tema como propõem os cientistas.

As últimas notícias são mais que desanimadoras. A recusa ideológica de uma vacina desenvolvida na China, mesmo sendo pesquisada no Instituto Butantan, em São Paulo, mostra que o negacionismo extrapola qualquer razoabilidade imaginável. Mas chamo a atenção para o questionamento se o Governo Federal, na pessoa do patriarca dos Bolsonaros, não poderia fazer um malabarismo para dizer que o estudo de Singer estaria questionando a necessidade de um isolamento social em um primeiro momento. A hipótese pode parecer ridícula, não fosse o esforço em demonstrar que a política é essa mesma — “todos vão morrer um dia”. Menos ele próprio que tem “histórico de atleta”. A ideologia da imunidade de rebanho já foi mencionada aqui no Passa Palavra. Agora o que me ocupa é esta hipótese e outras, que deixarei para um outro momento.

A fotografia que ilustra este artigo é de Claudio Schwarz.

1 COMENTÁRIO

  1. Um livro que li há mais de vinte anos e que acabei nunca lendo de novo, embora devesse.

    Pelo que lembro, acho que ele contribui para entender essa nova pandemia nessa perspectiva mais integral: O Tempo da Sida, de Michel Bounan.

    https://www.goodreads.com/book/show/30342473-o-tempo-da-sida

    Falta de vitamina D também é um fator, por sua vez ligado também ao nosso tempo… de muito trabalho, em locais fechados, pouco sol…

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