No regime varguista, os trabalhadores brasileiros viram suas reivindicações, apresentadas em décadas de luta e construídas com o sangue e suor de toda uma classe, voltarem-se contra si próprios. Por Manolo
O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.
Leia aqui as demais partes do ensaio: [1] – [2] – [3] – [4] – [5] – [6] – [7] – [8] – [9] – [10]
O crescimento dos trabalhadores industriais urbanos enquanto classe reflete um primeiro ciclo de expansão da indústria brasileira ocorrido nos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra Mundial e durante ela, em parte pela necessidade de substituir bens que antes se importava dos países beligerantes cuja economia se voltara para a produção em prol da guerra. Não obstante, a pauta econômica do Brasil ainda era basicamente agrária e dependia quase totalmente de um só produto – o café – cujos principais produtores, somados a outros latifundiários envolvidos em outras cadeias produtivas agrícolas, formavam uma oligarquia agrária cujos membros revezavam-se no poder desde o Império. A cafeicultura, entretanto, vivia profunda crise desde o início do século XX, parcialmente remediada por políticas de compra estatal da safra excedente acordadas no Convênio de Taubaté (1906); era perfeitamente possível dizer que da manutenção de todos os acordos políticos e econômicos vigentes entre cafeicultores e outros latifundiários dependia quase totalmente a hegemonia dos primeiros, pois sua produção econômica havia sido arruinada pela concorrência internacional e pela incapacidade de aumentar a produtividade das lavouras.
Por isto mesmo, a crise de 1929 pôs em xeque não apenas a economia agroexportadora, mas toda a economia brasileira, e por conseguinte pôs em xeque a legitimidade de suas políticas. Os preços do algodão caíram 30%, os da borracha 40%, os da lã em 64%, os do gado em três vezes e meia e o valor global da produção agrícola brasileira caiu em duas vezes e meia[1]. Nem os latifundiários nem seus agentes no Governo Federal mostraram-se capazes de resolver os graves problemas econômicos postos pela crise de 1929 para a economia brasileira. Washington Luís, então presidente, não se dispôs a ajudar economicamente os cafeicultores paulistas; desde então, mesmo que estes últimos não fizessem oposição direta ao governo, sua disposição em defendê-lo era nula. Isto, somado ao fato de o revezamento entre latifundiários de Minas e de São Paulo no poder central haver colocado quase à margem do centro de decisões latifundiários do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, dentre outros estados, abalou os alicerces da aliança entre latifundiários materializada no frouxo federalismo da Constituição de 1891, na política dos governadores e na política do café-com-leite. Paralelamente, se antes de 1929 as bolsas do Rio de Janeiro e São Paulo registravam uma quantidade anual de cerca de 200 falências, este número aumentou para 579 em 1929, 686 em 1930 e 631 em 1931[2]. A dívida externa atingia 237 milhões de libras esterlinas[3]; os 160 milhões de dólares em reserva de ouro do governo brasileiro esvaíram-se em seu pagamento[4], resultando em insolvência internacional. Latifundiários e industriais, premidos pela ameaça de falência, partiram para a ofensiva contra os trabalhadores em busca da manutenção de sua taxa de lucros através da redução de salários, da diminuição do número de trabalhadores por empresa, da expulsão de trabalhadores rurais arrendatários etc., o que implicou num recrudescimento da luta entre os trabalhadores da cidade e do campo contra os latifundiários e a burguesia industrial[5].
Enquanto isso, um bloco político formado pelos escalões médios das forças armadas (os “tenentistas”) tentava desde 1922 tomar o poder através de seguidos levantes. Em 1924, foram procurados nestes levantes por trabalhadores em busca de armas para formar guerrilhas populares pelo interior adentro[6], mas os mui ordeiros revoltosos reagiram negativamente a qualquer aliança com os trabalhadores[7] porque estes últimos se aproveitavam dos levantes para saquear mercados e armazéns em busca de víveres[8]. Preferiram fazer eles mesmos uma coluna guerrilheira – a Coluna Prestes-Miguel Costa – que entre 1924 e 1927 percorreu os mais remotos grotões do Brasil queimando títulos de dívidas, listas tributárias e processos judiciais, libertando presos políticos, organizando comícios e fazendo “justiça revolucionária”[9].
Nas franjas da política revolucionária, às vezes cortejando-a e outras rejeitando-a, estava a burguesia industrial. Oriunda do mesmo mundo provinciano e largamente atraída pela oligarquia, com quem se socializava e de quem divergia apenas quanto a seus interesses materiais[10], a burguesia industrial considerava o quadro institucional brasileiro como extremamente desfavorável ao desenvolvimento da produção fabril. A hegemonia dos grandes monopólios industriais e financeiros no mundo impunha-lhe a estruturação de novas formas de regulação da economia que implicassem captação de recursos em seu favor – do contrário, estava condenada ao perecimento. Para isto escolheram como forma de ação o lobby e a influência política infomal através de think tanks – no que em nada se diferenciaram de seus congêneres estadunidenses e europeus, àquela altura já organizados em think tanks transnacionais como os Round Table Groups (1918) e o Council on Foreign Relations (1921)[11]. Já em 1928 os industriais do setor têxtil se juntaram a outros que compunham os quadros da Associação Comercial de São Paulo para formar o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) – em parte como reação à organização operária em federações e confederações[12]. O CIESP foi o principal órgão de defesa ideológica dos industriais contra os latifundiários, que acusavam-nos de tentar implementar artificialmente a indústria no país contra sua natural vocação agrícola[13]. Em seus comunicados, panfletos, relatórios e documentos, uma grande influência se fazia presente: o economista romeno Mihail Manoilescu, que mantinha correspondência regular com o CIESP[14]. O efeito de ambas as influências foi a inserção no debate econômico brasileiro do protecionismo como política de apoio à industrialização e o corporativismo como modelo de sociedade. Em 1931 Roberto Simonsen, engenheiro filho de latifundiário que se fez um dos principais porta-vozes da indústria paulista, ajudou a fundar o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), responsável pela difusão no Brasil das práticas administrativas de Frederick Winslow Taylor e Henry Ford; o IDORT também defendia o que chamava de “racionalização” da produção, que incluía a completa colaboração entre classes sob a coordenação do Estado – ou seja, uma forma de corporativismo[15]. Em 1933 Simonsen participou também da fundação da Escola de Sociologia e Política, e Armando Sales de Oliveira, outro engenheiro e industrial, fundou quando governador em 1934 a Universidade de São Paulo; entre 1936 e 1937, como parte da missão francesa presente na USP, lecionou na universidade o economista e sociólogo francês François Perroux, defensor de uma forma branda de corporativismo paraestatal[16]. Tudo isto era um programa sistemático de formação de elites técnico-políticas. Se a burguesia industrial tinha interesse na alteração do quadro institucional brasileiro para sua melhor atuação – desde que isto não implicasse em concessões aos trabalhadores, cuja organização e atuação políticas atemorizavam-lhe sobremaneira[17] – era preciso formar também as pessoas responsáveis pela execução das novas políticas.
É este o quadro político no qual moveram-se os políticos que, através da Aliança Liberal, aproveitaram o clima de revolta que grassava entre os trabalhadores, lançaram manifestos após manifestos e, deflagrando uma ação armada no Rio Grande do Sul em outubro de 1930, iniciaram ondas de levantes populares até que, na crista da onda revolucionária, tomaram o poder e alçaram Getúlio Vargas à presidência, passando imediatamente a reprimir qualquer iniciativa popular de prosseguir com as atividades revolucionárias que extrapolassem o programa da Aliança[18]. Entre 1930 e 1937 as tentativas de compromisso e os atritos entre a burguesia industrial emergente, os tenentistas e as oligarquias agrárias estaduais foram respostas, embora gaguejantes, a uma pergunta que o próprio Vargas anotou no seu diário em 3 de outubro de 1930: “como se torna revolucionário um governo cuja função é manter a ordem”[19]? O programa da Aliança Liberal, com cuja redação colaborou o ex-socialista Joaquim Pimenta[20], indicava uma profunda reestruturação da economia brasileira através de reformas que aparentemente centravam-se nas liberdades públicas, no reconhecimento de direitos sociais e na educação, mas que afetavam diretamente as condições de sobrevivência dos trabalhadores no sentido de tratá-las de modo organizado e intensivo – com o efeito indireto de baratear o custo de reprodução da força de trabalho – e estruturar um quase inexistente mercado interno[21]. Objetivo implícito: integrar a economia brasileira à produção industrial global e a suas redes tecnológicas mais avançadas através do disciplinamento da mão de obra, do reconhecimento de certas demandas operárias e de um radical reordenamento institucional destinado a solapar o poder político-econômico das oligarquias agrárias e fortalecer as classes diretamente responsáveis pelo novo padrão de integração na economia mundial que então se propunha.
Se as oligarquias agrárias estaduais conseguiram uma vitória provisória ao impor a reconstitucionalização e a Assembleia Constituinte responsável pela Constituição de 1934, não conseguiram refazer os mecanismos eleitorais responsáveis pela sua perpetuação nos cargos estatais[22] nem impediram que Vargas fosse reconduzido à presidência por via eleitoral em junho de 1934[23]. Da mesma forma, setores da Aliança Liberal compreendiam perfeitamente que ao tomarem o poder político não solaparam as bases econômicas (a agricultura extensiva para exportação) e sociais (o domínio sobre a vasta população rural) do poder das oligarquias agrárias[24]. Percebendo o esgotamento da ditadura do Governo Provisório (1930-1934), ainda durante a Constituinte buscaram conscientemente cooptar, com variados graus de eficácia, membros das oligarquias agrárias para o projeto nacionalista de industrialização que então se instituía[25].
Vistas as coisas pelo prisma da produção econômica e considerando-se que em 1933 o valor da produção industrial supera pela primeira vez na história o da produção agrícola no Brasil, tratava-se estas disputas políticas, por um lado, de disputas diretas pelo controle de capitais, e por outro de conflitos em torno da regulação institucional necessária para o atendimento dos interesses econômicos de cada uma destas classes capitalistas em atrito. No imediato pós-crise de 1929 as exportações deixaram o setor dinâmico da economia brasileira, dominada agora pela produção para o mercado interno; dentro deste setor, a produção industrial despontava, crescendo 50% entre 1929 e 1937[26]. Isto se deveu, de um lado, ao aumento da produção usando-se a mesma capacidade instalada e à importação de maquinário de segunda mão[27] – o que demonstra simultaneamente um aumento da exploração dos trabalhadores através de mecanismos da mais-valia absoluta, ainda hegemônicos na economia brasileira, e, a depender das alterações tecnológicas introduzidas por este maquinário importado, um mecanismo típico de extração da mais-valia relativa: as modificações técnicas no processo de trabalho. O aumento na produção industrial aconteceu também através da incorporação ao trabalho industrial, através de uma lei de cotas de nacionalidades, daquelas amplas massas de libertos e de seus descendentes, favorecendo sua concorrência com os trabalhadores de origem europeia que então dominavam o setor[28].
Apesar de as práticas de extração da mais-valia absoluta ainda serem hegemônicas durante todo o regime varguista, a chegada da Aliança Liberal ao poder central marcou uma fase importante na instituição dos mecanismos de extração da mais-valia relativa, encampados pelo Estado como política pública e legitimados pela força da lei e pela criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930 (em substituição ao Departamento Nacional do Trabalho, tornado ineficaz por falta de legislação regulamentadora[29]). Entre 1930 e 1940 foram publicadas trinta e oito normas diferentes (entre leis, decretos e decretos-lei) para regulamentar desde o horário de trabalho em profissões especificas e as condições de trabalho de menores e mulheres até a instituição das férias (1931), da carteira de trabalho (1931)[30], da convenção coletiva de trabalho (1932) e do salário mínimo (1940)[31]. Assim, os trabalhadores brasileiros viram suas reivindicações, apresentadas em décadas de luta e construídas com o sangue e suor de toda uma classe, voltarem-se contra si próprios. Se a densa malha de normas reguladoras impôs aos capitalistas certos padrões legais mínimos favoráveis aos trabalhadores no processo de trabalho – o que não quer dizer que fossem seguidos sem resistência – esta mesma legislação, e as práticas que impôs aos patrões, não foram outra coisa além da institucionalização da gestão da reprodução da força de trabalho em seus mais ínfimos aspectos. Não obstante a instituição destes elementos de extração de mais-valia relativa, completados com o atrelamento dos sindicatos ao Estado via Ministério do Trabalho, o “nivelamento por baixo” dos salários[32] e os incentivos sociais e econômicos aos sindicalistas ditos “amarelos”, toda e qualquer dissidência operária à instauração destas práticas foi debelada através do desmantelamento de qualquer organização autônoma e do extermínio físico dos militantes mais combativos nas prisões, nos interrogatórios, nas torturas, nos espancamentos e nos assassinatos.
Neste contexto tem início a formação de uma incipiente classe de gestores[33], composta pelas “classes médias urbanas”, militares de baixa e média patente e trabalhadores qualificados integrados à burocracia sindical. Dentro da Aliança Liberal, setores do tenentismo mais aferrados à centralização política e ao intervencionismo estatal pautado em “padrões técnicos de administração” defendiam a permanência da ditadura e, numa clara reação à forma de exercício do poder das oligarquias agrárias estaduais, “despolitizavam o campo da política – transformando-o em mera atividade administrativa, particularmente nas esferas estaduais e municipais”[34]. Muito embora esta fosse a ideologia de um setor do tenentismo que preferiu não buscar qualquer forma de conciliação com as oligarquias agrárias estaduais, não é na falta de tato político que devemos buscar o traço característico deste jovem oficialato (pois trata-se de aspecto acessório, definidor de um grupo dele apenas), mas naquele aspecto de sua relação com a política – submissa à administração – que atravessou todo o campo tenentista no imediato pós-1930 e presidiu à formação do Clube 3 de Outubro. Já no campo do movimento sindical, em 1931 o Decreto 19.770, primeiro da vasta série de decretos disciplinadores das relações entre trabalhadores e patrões sob o regime varguista[35], vinculou os sindicatos ao Estado, do que resultaram tanto a cooptação de lideranças sindicais para a burocracia paraestatal do Ministério do Trabalho quanto a criação de novos quadros para esta mesma burocracia – os pelegos[36]. Por último, havia as classes médias urbanas, ou seja, os “trabalhadores não-manuais”, tais como “trabalhadores ‘de escritório’, profissionais liberais, funcionários da administração pública ou privada, uma fração dos empregados do comércio, bancários”[37], presenteadas com uma verdadeira “reserva de mercado”: dado o baixo grau de instrução da população brasileira da época, a instituição do concurso público como condição exclusiva de acesso aos cargos da burocracia estatal, além de ser medida “moralizante” bem a seu gosto, dificultou extremamente o acesso de trabalhadores manuais aos cargos de baixo e médio escalão, que ficaram-lhes praticamente garantidos[38]. Se durante a República Velha estes setores eram numérica e politicamente irrelevantes – prestáveis apenas à ironia de um dos melhores sociólogos do período: Lima Barreto – encontravam-se, para piorar sua situação, fragmentados; a reestruturação econômica e institucional do país operada durante o Governo Provisório e no regime constitucional de 1934 soldou seus interesses parciais num só bloco[39]. A política de intervenção estatal na economia e na vida social promovida pelo regime varguista garantiu status e privilégios à burocracia sindical (via unicidade sindical e legitimidade instituída pelo Ministério do Trabalho)[40], novos empregos às “classes médias urbanas” (via cargos públicos e estímulo ao crescimento da economia urbana)[41], seja através do atendimento aos interesses corporativos das Forças Armadas[42]. Em busca de seus interesses de classe, frações destes gestores tanto atenderam aos interesses da burguesia industrial nascente quanto aliaram-se aos trabalhadores manuais em suas lutas, pendulando ora para a direita (entre integralistas e pelegos), ora para a esquerda (entre anarquistas e comunistas)[43].
O modo de regulação institucional vigente sob a República Velha, mesmo drasticamente modificado pela nova Constituição de 1934, era ainda insuficiente para garantir o pleno funcionamento e expansão das condições gerais da produção industrial desejada. O golpe que instaurou o Estado Novo em 1937 contou com o apoio decidido da burguesia industrial, de parte da nova classe de gestores e também de setores da oligarquia agrária; através dele e de seus meios ditatoriais foi possível finalizar a reestruturação da economia iniciada em 1930. A crônica deste período é a da continuidade do atrelamento dos trabalhadores e de suas organizações ao Estado, a do massacre às organizações independentes dos trabalhadores, a da aceleração do ritmo da industrialização. A criação de órgãos especializados de gestão econômica, iniciada com a criação do Conselho Nacional do Café (1931) e do Institutos do Açúcar e do Álcool (1931), prosseguiu com a criação dos institutos do Mate (1938), do Sal (1940) e do Pinho (1941). Na indústria, tal política fora inciada em 1934 com a Comissão de Similares, e aprofundou-se com a criação do Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda (1937), do Conselho Nacional do Petróleo (1938), do Conselho de Águas e Energia (1939), da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional (1940), da Comissão de Combustíveis e Lubrificantes (1941), do Conselho Nacional de Ferrovias (1941) e da Comissão do Vale do Rio Doce (1942). Com estes órgãos de planejamento e regulação, burguesia industrial e gestores criaram algumas das instituições necessárias para a inserção da economia brasileira no capitalismo monopolista global, anteriormente dificultada pelas insuficiências do modelo liberal de regulação da economia[44]. Além dos órgãos de regulação, estas classes criaram, através do Estado, empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Nacional de Álcalis etc., responsáveis pelo desenvolvimento de certas condições gerais de produção antes insuficientes ou inexistentes. Os capitais necessários para tais investimentos haviam sido lentamente drenados da oligarquia agrária[45], mas ainda se fazia necessário contar com forte apoio de capitais externos – o que, novamente, volta a atrelar os rumos do desenvolvimento econômico brasileiro àqueles do capitalismo global.
Entretanto, eram já os tempos do último estertor da crise de 1929 – a Segunda Guerra Mundial – em cujas complicações políticas, econômicas e ideológicas o Brasil teve papel secundário, mas importante. É o quadro geral destas complicações que será preciso traçar e desenvolver.
(Continua na quarta parte deste ensaio.)
Notas
[1]: KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro, 1857 a 1967. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979, p. 233.
[2]: KOVAL, op. cit., p. 234.
[3]: KOVAL, op. cit., p. 234.
[4]: KOVAL, op. cit., p. 234.
[5]: KOVAL, ob. cit., pp. 237-240.
[6]: DULLES, John W. Foster, Anarquistas e comunistas no Brasil, 1900–1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977, p. 197.
[7]: Idem, p. 186; FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2001, p. 747.
[8]: DULLES, John W. Foster, ob. cit., p. 197. Note-se que os saques são ponto em comum entre os flagelados da seca e os trabalhadores urbanos em momentos de crise.
[9]: KOVAL, Boris, ob. cit., p. 183. A passagem da Coluna Prestes-Miguel Costa tem efeitos profundos ainda sobre os mais velhos; ilustra-o um “causo” a mim relatado há alguns anos, acontecida numa pequena cidade do interior da Bahia. Os “revoltosos”, como era chamada a Coluna pelos sertanejos, passaram por esta cidade e lá deixaram no muro da matriz uma pichação: “Viva a Revolução!” As lacunas e desrazões são integrantes estruturais de qualquer “causo”, e com este não seria diferente, pois por razões já perdidas nos descaminhos da proliferação deste “causo” o pároco local não apagou tamanha heresia das paredes de sua santa casa após a saída daqueles amigos do Inimigo, enviados do Capiroto, apaniguados do Coisa-Ruim e agregados do Capeta. Mas já na década de 1960 uma reforma na igreja terminaria cobrindo a pichação histórica. Um sertanejo já idoso, rude e analfabeto, horrorizou-se com isto e pediu, aos berros, que parassem a obra por alguns instantes. Conseguiu lápis e papel, e nele desenhou aqueles símbolos estranhos que sequer entendia. Feito isto, a reforma da igreja prosseguiu, cobrindo a pichação. Dias depois de pronta a obra, lá estava ele, o rude e analfabeto sertanejo, pintando de volta na parede da igreja, com mãos trêmulas e traços incertos, aqueles estranhos símbolos deixados pelos “revoltosos” cuja memória tanto o fascinara e impelira-o a este ato de coragem e ousadia.
[10]: FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5ª ed. São Paulo: Globo, 2006, p. 241.
[11]: DREIFUSS, René. A internacional capitalista: estratégias e táticas do empresariado transnacional 1918-1986. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1986, p. .
[12]: LOVE, Joseph L. A construção do Terceiro Mundo: teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1998, p. 339.
[13]: LOVE, Joseph L., ob. cit., pp. 338-340. A tese da artificialidade da indústria contra a naturalidade da agricultura, fundada na teoria das vantagens comparativas de David Ricardo, vinha sendo usada desde o Império para impedir a formação de indústrias que ameaçassem o predomínio da agricultura para exportação na economia e, consequentemente, solapassem o poder da aristocracia. Bom exemplo disto é a saga de Irineu Evangelista de Sousa, barão e depois visconde de Mauá: inicialmente comerciante bem sucedido, associou-se a capitalistas britânicos para – dentre outras coisas que incluíam a especulação com moeda estrangeira – iniciar projetos industriais no Brasil, como um estaleiro (que chegou a empregar cerca de mil operários), uma fábrica de gás (para a iluminação do Rio de Janeiro), ferrovias, uma companhia de bondes urbanos e o assentamento de um cabo submarino. Toda a sua carreira empresarial foi, quando não hostilizada, francamente boicotada por movimentações politicas de oligarcas defensores da vocação agrícola natural do Brasil. Cf. CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; SOUZA, Irineu Evangelista de. Exposição aos credores e ao público. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2001.
[14]: LOVE, Joseph L., ob. cit., p. 343. Devido também a esta correspondência, Manoilescu acreditou durante certo tempo haver influenciado diretamente a lei de 1931 sobre tarifas alfandegárias, em cuja comissão preparatória participou Otávio Pupo Nogueira, seu principal divulgador no Brasil.
[15]: LOVE, Joseph L., ob. cit., p. 342.
[16]: LOVE, Joseph L., ob. cit., p. 343.
[17]: FERNANDES, Florestan, ob. cit., p. 244.
[18]: Uma nota curiosa sobre o levante de outubro de 1930. No Rio Grande do Sul, de onde saíram as forças fiéis a Getúlio Vargas, em menos de 48 horas após o início dos combates comunistas da cidade de Itaqui saíram às ruas de armas em punho, tomaram a sede da Prefeitura, a central telefônica e algumas empresas, e fundaram um soviete. As tropas varguistas não tiveram dificuldade para debelar esta tentativa, talvez a única, de estabelecer um conselho operário no Brasil. O PCB publicou em 1931 nas páginas de seu jornal A Classe Operária a letra do “Hino de Itaqui” que ficou conhecido como o “hino comunista brasileiro”. Cf. DULLES, John W. Foster. ob. cit., pp. 357-358 e KOVAL, Boris, ob. cit., pp. 252-253. Boris Koval cita terem havido levantes semelhantes em João Neiva (ES), Recife (PE) e algumas cidades do Maranhão e do Pará.
[19]: VARGAS, Getúlio. Diário. São Paulo/Rio de Janeiro: Siciliano/FGV, 1995, vol. 1, pp.4-5. Não custa lembrar que “revolta dentro da ordem” é talvez a mais concisa definição do fascismo.
[20]: DULLES, John W. Foster, ob. cit., p. 336.
[21]: FAORO, Raymundo, ob. cit., p. 747.
[22]: GOMES, Ângela Maria de Castro. “Confronto e compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 17.
[23]: Idem, pp. 35-36.
[24]: Idem, pp. 25-26.
[25]: Idem, p. 44.
[26]: FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1997, p. 200.
[27]: Idem, p. 198-199.
[28]: Um depoimento chama a atenção: “Meu avô, Antônio Pereira, (…) era um bom profissional, o mestre-de-obras, então tinha uma grande liderança no sindicato. Ele que me ensinou sobre a Lei dos 2/3 do tempo do Getúlio, que obrigava toda empresa a contratar 2/3 de brasileiros, e que eu tenho usado muito, porque essa foi a primeira lei de cotas no Brasil: 2/3 dos postos de trabalho para brasileiros, que, na época, ele dizia, eram pretos. Preto que não tinha direito ao trabalho. Os trabalhos estavam nas mãos dos portugueses, espanhóis, italianos. No Rio de Janeiro, eram os portugueses, e ele dizia: ‘Quando veio a Lei dos 2/3, o [João] Batista Luzardo [chefe de polícia do Rio de Janeiro entre 1930 e 1932] chamava a gente (…) e dizia: ‘Vai, Pereira, pega sua turma e vai trabalhar. Entra na obra, trabalha na força, pega e vai fazendo o que você achar que tem que fazer. No final do dia, o cara tem que te pagar. Se o português não te pagar, você pega ele e traz para cá. Traz até amarrado, mas não bate não. O cara tem que pagar’.’ Para fazer vingar a lei. (…) Como garantir a implementação da lei? Tinha que ter trabalhadores que obrigassem os camaradas a pagar. Criar o hábito, a cultura de se pagar o trabalho não só de portugueses. Porque eles se aliciavam entre si, cada um pegou o seu feudo. (…) E os negros, não. A maioria negra nas cidades sofria uma pressão enorme, mas não tinha efetivamente ninguém que puxasse para as oportunidades de emprego. (…) eu interpreto assim: o Getúlio precisava de apoio popular para se sustentar. (…) ele quebra o poder oligárquico momentaneamente, mas ele tinha que ter outra base social: eram as massas das grandes cidades. E aí ele tem que fazer concessões, tem que negociar. Uma das coisas era o emprego. Com a Lei dos 2/3 ele era o ‘pai dos pobres’, porque ele escureceu o mercado de trabalho.” (Depoimento de Amauri Mendes Pereira, em ALBERTI, Verena e PEREIRA, Amílcar Araújo (orgs.). Histórias do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas/CPDOC-FGV, 2007, pp. 38-39. A Lei dos 2/3 é o Decreto 19.482, de 12 de dezembro de 1930, regulamentado pelo Decreto 20.291, de 12 de agosto de 1931. Esta norma seria revisada em 1938 pelo Decreto-lei 910, de 30 de novembro, até que a CLT disciplinou definitivamente a questão.
[29]: MORAIS FILHO, Evaristo de. Tratado elementar de Direito do Trabalho, vol.1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 311.
[30]: Símbolo da garantia de direitos trabalhistas na atualidade, a carteira de trabalho em determinadas profissões é verdadeira ficha policial do trabalhador. Aqueles que pouco ou nunca trabalharam de carteira assinada perdem de vista este aspecto, mas basta pegarem hoje suas próprias carteiras de trabalho – pois o modelo segue praticamente inalterado desde sua instituição – e observar: lá estão as alterações de identidade (nome, estado civil etc.), os registros de exercício de profissões regulamentadas , uma lista de dependentes, todos os dados relativos a contratos de trabalho e a contribuição sindical, as alterações de salário, as anotações de férias e do FGTS e, além de uma parte final de responsabilidade do INSS (inscrição do segurado e de seus dependentes, desemprego ou afastamento da atividade, prestações, anotações médicas e odontológicas, e licenças), uma longa seção de anotações gerais. É lá onde ficam os avisos sobre punições disciplinares (suspensões, multas etc.), atrasos frequentes, participação em greves declaradas ilegais pela Justiça do Trabalho etc, Muito embora a Lei 10.270/2001 haja proibido este tipo de anotação, é de se estranhar que tal proibição haja surgido somente setenta anos após a criação da carteira.
[31]: SIMÃO, Aziz. Sindicato e estado: suas relações na formação do proletariado de São Paulo. São Paulo? Dominus, 1966, pp. 90-93. Evaristo de Morais Filho adiciona a esta lista a legislação previdenciária (ob. cit., p. 317).
[32]: Os salários da indústria foram nivelados pelo salário mínimo, e este era bastante inferior ao de um operário qualificado. Assim a variação entre o salário de um operário sem qualificação técnica e um operário qualificado diminuiu, o que permitiu aos industriais solapar o poder de barganha destes últimos e incorporar massivamente enquanto mão de obra aqueles primeiros, que afluíam às cidades em fuga do desvalorizadíssimo trabalho rural. Cf. OLIVEIRA, Francisco de. “Crítica da razão dualista”. Em: Crítica da razão dualista/o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003, pp. 38-39.
[33]: Sobre a natureza sociológica e lugar econômico dos gestores, cf. a discussão feita na parte anterior deste ensaio.
[34]: GOMES, Ângela Maria de Castro. “Confronto e compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 26.
[35]: RODRIGUES, Leôncio Martins. “Sindicalismo e classe operária (1930-1964)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 512-513. Em Conflito industrial e sindicalismo no Brasil (ob. cit., p. 158, nota 71) o mesmo autor afirma já haver desde 1907 legislação disciplinadora da constituição de sindicatos “sem autorização do governo”: bastavam sete sócios, com diretoria composta de brasileiros natos ou naturalizados com mais de cinco anos de residência no país para o registro, mas apenas aqueles “com espírito de harmonia entre patrões e empregados” poderiam ser considerados representantes legais da classe; em outro lugar da mesma obra (p. 159) o autor registra a intenção do ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, com a publicação do Decreto 19.770: “incorporar o sindicalismo no Estado e nas leis da República”.
[36]: Quanto à constituição de uma burocracia no meio operário, há um debate importante a se fazer. Muito embora Aziz Simão afirme, no contexto de minuciosa pesquisa na imprensa operária, que “certamente não se pode falar da existência de uma burocracia no sindicalismo de São Paulo, antes da última Guerra Mundial”, e que “apenas por volta de 1940 tem-se indícios de sua emergência, com a presença de raros funcionários em um ou outro dos sindicatos de maior grandeza”, em função do “crescimento da indústria e da população operária, [da] ampliação das atividades dos sindicatos, em conjunto, e [do] estreitamento de suas relações com o Estado”, sua mesma pesquisa aponta que a remuneração de dirigentes sindicais foi proibida pelo Decreto de 1931, mas permitida pelo Decreto de 1934 sempre que o associado necessitasse afastar-se do trabalho para exercer mandato e tal remuneração fosse aprovada em assembleia geral (Sindicato e estado: suas relações na formação do proletariado de São Paulo. São Paulo: Dominus, 1966, pp. 184-185). Enquanto Aziz Simão parece considerar como burocratas apenas os funcionários contratados para executar tarefas de escritório, não se pode chamar por outro nome aqueles trabalhadores que, na correlação entre o apassivamento das bases que representam nos sindicatos e sua permanência na vanguarda das lutas sem qualquer mecanismo de rotatividade, terminavam bastante próximos a seus adversários. A estes também se pode chamar de burocratas, como visto na nota 2.
[37]: SAES, Décio A. M. “Classe média e política no Brasil (1930-1964)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 454.
[38]: MARINI, Ruy Mauro. “La dialéctica del desarrollo capitalista en Brasil”. Em: Subdesarrollo y revolución. 2ª ed. México, DF: Siglo Veintiuno, 1970, p. 93.
[39]: Apesar de o grosso da historiografia apresentar estas classes como tendo interesses separados, às vezes radicalmente distintos, trata-se, na verdade, de divergências dentro de um mesmo campo semântico, demarcado pela defesa da necessidade da industrialização e da urbanização, com variados graus de transigência. É este interesse material na alteração da matriz produtiva da economia brasileira, que aproveitariam diretamente, o responsável pela sua reunião numa só classe – e isto independentemente das flutuações de um polo ao outro do espectro político direita-esquerda. Baseio esta metodologia na magistral análise de Jean Pierre Faye sobre o discurso totalitário (Langages totalitaires: critique de la raison/l’economie narrative. Édition augmentée de l’introduction théorique. Paris; Hermann, 1973, 771 p.).
[40]: RODRIGUES, Leôncio Martins. “Sindicalismo e classe operária (1930-1964)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 512-513
[41]: SAES, Décio A. M. “Classe média e política no Brasil (1930-1964)”. Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 454.
[42]: TRONCA, Ítalo. “O Exército e a industrialização: entre as armas e Volta Redonda”. FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 337-360.
[43]: Novamente, a base metodológica para a análise destas oscilações e sua importância para a identificação da prática de uma classe é a obra de Jean Pierre Faye já citada. Dois exemplos deste movimento pendular dos gestores são os de Agripino Nazareth (anarquista) e Joaquim Pimenta (socialista), que abandonaram a crítica radical ao Estado para integrar os quadros Ministério do Trabalho; o primeiro disse, inclusive, que sua adesão ao anarquismo não passara de um “modismo de juventude”. Para estes e outros exemplos, cf. DULLES, John W. Foster. Anarquistas e comunistas no Brasil, 1900–1935. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977; KOVAL, Boris. História do proletariado brasileiro, 1857 a 1967. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979, especialmente os caps. IV a VII.
[44]: DINIZ, Eli. “O Estado Novo: estrutura de poder e relações de classes”. Em: Em: FAUSTO, Boris (org.). História da civilização brasileira, tomo III (o Brasil republicano), vol. 3 (Sociedade e política (1930-1964)). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 77-120. Nelson de Oliveira discute aprofundadamente estas mudanças no modo de regulação da economia em Neocorporativismo e política pública: um estudo das novas configurações assumidas pelo Estado. São Paulo/Salvador: Loyola/Centro de Estudos e Ação Social, 2004, pp. 344-352.
[45]: “O governo, de um lado, comprava estoques de café, com problemas de realização circunstancial nos mercados externos; de outro, impunha severos controles cambiais, visando constituir fontes geradores de recursos para o setor industrial, ao tempo em que manipulava as taxas de juros, diferenciando-as segundo destinação e objetivos do empréstimo: se para agricultura ou para a indústria” (OLIVEIRA, Nelson de, ob. cit., p. 349).
Manolo, algo que falou no último artigo e que fez referência novamente neste: a estrutura do corporativismo.
Em “O século do corporativismo…”, Manoilescu define o corporativismo enquanto estrutura intermediária entre o Estado e o indivíduo, ocupando a posição de único meio legitimo de representação dos trabalhadores junto ao governo. Porém estas corporações não poderiam ser exclusivas de determinada profissão, como eram comuns idade média, mas antes corporações baseadas na função produtiva, ou seja, corporações de setores da produção.
Neste sentido, no interior destas corporações, seriam contempladas as aspirações de trabalhadores, técnicos e proprietários.
Só que para se configurar enquanto representante legítima, a corporação não poderia perder de vista a sua função social, a de fazer a adequação política do ramo produtivo em função da necessidade social de produção. Isto acabava por configurar uma forma de ação política pela via técnica, meio pelo qual os gestores garantiriam o controle do processo produtivo, porque eram justamente eles a terem o domínio técnico dos processos produtivos, impondo por fim sua forma de organização da produção tanto sobre proprietários quanto sobre trabalhadores. Para garantir a coesão do sistema tentaram em muitos momentos conciliar a posição antagônica de ambos, e em prol da produtividade chegaram a desenvolver ideologias de não conflito de classes, que à época teve sua melhor expressão no nacionalismo.
Porém no Brasil, como bem destaca, no início do século XX a locução junto ao governo não se deu por um modelo de corporativismo puro. Por um lado os proprietários eram representados a partir das think tanks, e por outro os trabalhadores por meio dos sindicatos. Porém ambas as instituições dominadas por gestores, tanto as think tanks, por seus técnicos, quanto os sindicatos, pelos seus pelegos (aspirantes a algo mais).
Dando um salto no tempo chegamos no texto de Eli Diniz (“Engenharia institucional e políticas públicas: dos conselhos técnicos às câmaras setoriais”), embora discordando do conceito de corporativismo, destaca que a partir da década de 1990 vão se formar as chamadas “câmaras setoriais”, instituições que unirão industriais, governo e sindicalistas em prol da organização mais harmoniosa do desenvolvimento da produção capitalista. Segundo a autora:
“Essa experiência de criação de um espaço institucional destinado a integrar processos de formulação de políticas e de articulação de interesses mostrou-se relativamente eficaz no caso dos acordos da indústria automotiva (março de 1992 e fevereiro de 1993), viabilizando um ajuste criativo em face da crise acirrada pela abertura comercial.”
Neste sentido é interessante notar que o que Manoilescu chamava de “corporativismo” vai adquirindo feições mais claras no Brasil após a redemocratização, justamente o período onde a esquerda se gaba de ter conseguido “a vitória histórica do primeiro trabalhador operário na Presidência da República.”
Oi Rodrigo,
na verdade, disse que o CIESP introduz o corporativismo no debate econômico, apenas. Com o material de que disponho, não posso dizer nada mais além disso, e não tenho como afirmar se o corporativismo que se debatia era ou não “puro”. Mas alguma forma de corporativismo foi, sim, instaurada no Brasil. Veja, por exemplo, o Conselho de Economia Nacional criado em 1937, ou a estrutura sindical criada pela CLT.
Para Manoilescu o corporativismo «integral» era aquele onde não existiam só corporações económicas, mas também sociais e culturais. E o corporativismo seria «puro» quando considerasse as corporações como «a única base legítima» do poder político supremo. O Estado apareceria então como uma «supercorporação». Foi por este viés que muitos proudhonianos aderiram ao fascismo corporativista. Esta questão constituiu sempre uma fonte de discordâncias no interior do fascismo. No salazarismo, por exemplo, havia uma espécie de oposição interna que censurava o regime por não ter instaurado o corporativismo puro e ter mantido uma forma de representação parlamentar. Salazar, que era mestre, entre outras coisas, em conciliar divergências, atribuiu à Câmara Corporativa o segundo lugar nas instituições do regime, abaixo da Presidência da República, mas acima da Assembleia Nacional, embora a Assembleia Nacional tivesse algum poder legislativo e a Câmara Corporativa se reduzisse a funções consultivas. Quanto ao Conselho de Ministros, de que Salazar era Presidente, tinha só o quarto lugar na hierarquia do regime. Em Portugal os corporativistas puros defendiam a supressão da Assembleia Nacional e a instauração de um governo emanado puramente das corporações. Nunca será demais insistir na influência que o Estado Novo de Salazar teve sobre o Estado Novo de Getúlio Vargas, tanto nas formulações jurídicas como na prática política.
As dificuldades desta parte do ensaio são duas, básicamente: 1) a tese da “classe dos gestores”, que já critiquei no comentário À parte 2 como sendo um mau uso do conceito marxiano de classes sociais, e esta deformação corre o risco de comprometer a tese do ensaio inteiro; 2) as relações entre a burguesia industrial e a oligarquia rural, e, portanto, entre a “grande lavoura” (setor latifúndiário-monocultor-agroexportador) e o setor de produção industrial para o mercado interno. As duas objeções tornam difícil a defesa da tese segundo a qual a revolução de 1930 foi uma revolução da burguesia e dos “gestores” contra a oligarquia rural. Em primeiro lugar, o Brasil nunca conheceu a oposição acirrada entre interesses ruralistas e industrialistas que a Europa conheceu (nas assossiações anti-corn law inglesas, p.ex.). A oligarquia brasileira sempre foi rural-comercial, pois a “grande lavoura” não existe sem uma economia de créditos, exportação (de produtos agrícolas e matérias-primas) e importação (de capitais, produtos de luxo, produtos industriais, escravos até a abolição e máquinas posteriormente). A própria industrialização e urbanização de São Paulo e Rio de Janeiro à partir dos anos 1920 foi possível apenas por causa da fabulosa acumulação de capitais com a exportação primária, especialmente do café.
Houve, sem dúvida, uma série de conflitos entre as oligarquias rurais, mais que entre estas e a burguesia industrial, nos anos 1920 e 1930. Creio que este conflitos foi resolvido com o golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo.
Ainda sobre os direitos previdenciários e trabalhistas, a análise do Manolo é interessante. A CLT, como foi decretada por Vargas, foi realmente essa faca de dois gumes, que concedeu direitos importantíssimos (que, diante da onda de contra-reformas neoliberias, é imprescindível defender) ao mesmo tempo em que subordinava os sindicatos operários ao Estado burguês. Mas ainda em outros dois aspectos: a exclusão dos trabalhadores rurais e a hierarquização das profissões, que ficaram com direitos trabalhistas e previdenciários diferenciados entre si. A dupla exclusão dos trabalhadores rurais da propriedade da terra e dos direitos trabalhistas e previdenciários, além da manutenção da economia da grande lavoura e da socialização das suas perdas (por meio da destruição do café excedente) são, ao meu ver, as evidências decisivas para apresentar o varguismo mais como um pacto entre a burguesia industrial e a oligarquia rural, que uma vitória da primeira sobre a segunda. As concessões para o operariado e as classes médias urbanas mostram, no entanto, a necessidade de apoio popular para cimentar este projeto político.
A cada comentário do Matheus fico com a impressão de que ele não leu o que escrevi, pois tudo aquilo que considera como “falha” está discutido e debatido no próprio texto.
Quais são os dados biográficos do autor?Abraço!!!!!!!!!!!!!!
Rolandonaldorlando terá sua pergunta respondida após
1/2) enviar:
ac) nome e sobrenome verdadeiros;
bc) cpf e rg;
cc) fotocópia autenticada de sua [his] prega-rainha.
2/2) responder a pergunta: Com quantos between se faz um among?