"O trabalho liberta" (Berlim sendo reconstruída durante os primeiros anos do Plano Marshall)

A Segunda Guerra Mundial foi a solução militar para uma crise do capitalismo que marcou o fim de sua fase livre-concorrencial. Por Manolo

O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.

Leia aqui as demais partes do ensaio: [1][2][3][4][5][6][7][8][9][10]

Em termos globais, a Segunda Guerra Mundial não foi apenas um conflito inter-imperialista como a Primeira Guerra Mundial. Tratou-se da solução militar para uma crise do capitalismo que marcou o fim de sua fase livre-concorrencial, iniciada com o próprio conflito mundial e agudizada em 1929. Ademais, se em termos econômicos a crise era constante, politicamente a burguesia de então sofria duas grandes ameaças, vindas em duas ondas revolucionárias. Uma foi a dos gestores, das revoluções ditas “democráticas” e “republicanas” inspiradas pelo positivismo, que levaram ao poder tanto militares quanto uma burocracia civil que, originada tanto nas diversas burguesias locais quanto em variadas formas de aristocracia (cujo poder econômico derivava majoritariamente do controle sobre terras), passou a ocupar na produção econômica não mais o lugar de proprietários jurídicos individualizados dos meios de produção, mas sim o de controladores coletivos da produção e da integração de suas unidades particulares. Outra foi a dos trabalhadores, a dos motins e do sistema “viva e deixe viver” com que os trabalhadores, transformados em soldados, tentaram resistir ao morticínio do front, e também a das greves e protestos na retaguarda civil, últimos momentos de um internacionalismo operário que viveu seu auge durante a I Internacional. Estas ondas revolucionárias que antecederam diretamente a Primeira Guerra Mundial e a atravessaram, vistas muito rapidamente na segunda parte deste ensaio, estão entre as mais fortes causas da crise de 1929, e abriram caminho, em linhas gerais, a três saídas possíveis para a crise, todas elas guardando entre si momentos de aliança e de conflito, de aproximação e de repulsa, e cujos movimentos pela hegemonia resultaram diretamente na Segunda Guerra Mundial.

Petrogrado, 4 de julho de 1917
Petrogrado, 4 de julho de 1917

Uma primeira saída foi aberta a ferro, sangue e fogo a partir da eliminação – não raro física – da burguesia na URSS pela ação revolucionária de trabalhadores e gestores em aliança, e da subsequente consolidação dos gestores nos centros de poder com base na mobilização dos trabalhadores. Este processo revolucionário foi iniciado em 1917 no bojo daquela onda revolucionária internacional dos trabalhadores mencionada anteriormente, mas muito cedo – mais exatamente em 3 de março de 1918 – foi confinada a limites nacionais. A falta de apoio internacional dos trabalhadores à Revolução Russa, embora se deva sem dúvida às condições de luta em cada país, não pode ser tomada como única causa deste isolamento; contribuíram também uma grande superestimação das forças inimigas por parte dos revolucionários e a subestimação das forças revolucionárias no resto da Europa, de um lado[1], e, de outro, o cada vez mais rígido controle que os bolcheviques exerceram contra os trabalhadores e seus organismos de gestão coletiva da economia, verdadeira causa do retorno dos donos das antigas empresas e seus técnicos para a Rússia – não mais como proprietários dos meios de produção, mas como aqueles que controlariam coletivamente o processo de produção em conjunto com a nascente burocracia bolchevique[2].

Marcha sobre Roma, outubro de 1922

Uma segunda saída, aberta a porretadas e óleo de rícino, combinou a mobilização das massas de trabalhadores com a manutenção de certas instituições burguesas e soldou elementos do capitalismo liberal com elementos de planificação no seio dos regimes fascistas[3]. As agruras da guerra e do pós-guerra incluíram hiperinflação e ocupação de áreas industriais na Alemanha; estes bloqueios à economia causados pela guerra são causas diretas da ascensão do fascismo[4]. Ressentimentos nacionalistas grassavam na Alemanha através da teoria da Dolschstoss (“punhalada por trás”): a culpa pela derrota na guerra seria de comunistas, social-democratas e judeus, todos envolvidos na agitação política que precedeu à abdicação do Kaiser. Para os nacionalistas italianos remanescentes do movimento Italia irredenta, defensores da anexação pela Itália de todos os territórios ocupados pelo Império Austro-Húngaro durante a Terceira Guerra de Independência (1866), teria acontecido uma “traição” dos vencedores da Tríplice Aliança (Grã-Bretanha e França): mesmo tendo o governo italiano assinado o Tratado de Londres em 1915 para trair a Tríplice Aliança (tratado militar entre Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) em troca dos territórios reivindicados, o Tratado de Versalhes anulou o acordo feito; mesmo tendo o governo italiano levado de lambuja Trentino, Bolzano, Trieste, a Ístria e a Dalmácia através do Tratado de Saint-Germain-en-Laye (1919), a Itália não levou tudo o que queria porque Woodrow Wilson, presidente dos EUA e crítico do Tratado de Versalhes, apoiou os pedidos da Iugoslávia de manter alguns territórios reivindicados; por fim, o governo italiano não levou o Fiume nas negociações de paz em Paris, levando irredentistas liderados por Gabrielle D’Annunzio a tomar a cidade e estabelecer a Regência Italiana de Carnaro, predecessora do Estado Livre do Fiume que vigeu até sua anexação pela Itália em 1924 e cuja constituição é precursora direta da constituição fascista. A esta onda nacionalista e aos bloqueios econômicos é preciso somar as vacilações e giros de 180° dos movimentos socialista e comunista nas duras lutas políticas do período entre 1917 e 1923Revolução Alemã (1918-1919), Revolução Ucraniana (1918-1921), República Soviética Bávara (1919), República Soviética Húngara (1919), biennio rosso italiano (1919-1920), levante de Kronstadt (1921), levantes de março (Alemanha, 1921). Estas duras lutas, onde ocorreram graves conversões e reconversões de parte a parte[5], levaram gestores a colocar repetidamente à burguesia o dilema de ceder-lhes o poder ou perder o próprio capitalismo diante do ímpeto das massas de trabalhadores. É no funambulismo gestorial entre a burguesia e os trabalhadores através da manutenção das formas políticas da primeira para controlar a mobilização dos últimos – através de sua incorporação no Estado pelo corporativismo – que reside o segredo da solução fascista para a crise do capitalismo.

Frente de trabalho no Arkansas, 1933
Frente de trabalho no Arkansas, 1933

A terceira saída foi aberta a cenouras e chicotes pela convergência entre a burguesia e os gestores. Pressionados pelas lutas de trabalhadores iniciadas logo a seguir à Revolução Russa, cuja aliança contra os trabalhadores em luta resultou em políticas como aquelas implementadas nas duas gestões presidenciais de Franklin Delano Roosevelt através do New Deal[6], ou pela obra e ação política de John Maynard Keynes. Aqui as instituições burguesas foram mantidas sua aparência, embora controladas pelos gestores em luta contra as ondas de mobilização dos trabalhadores. Keynes foi o primeiro a denunciar, através do livro As consequências econômicas da paz lançado em 1920, como os preconceitos nacionalistas dos grandes empresários e dos políticos que os representavam, materializados no Tratado de Versalhes, seriam o principal problema a se enfrentar caso se quisesse aprofundar a internacionalização da economia que já se operava desde antes da Primeira Guerra Mundial, pois a integração econômica dos derrotados era preferível à sua punição[7]. A excelente recepção deste livro entre governantes e empresários influenciou não apenas o desenvolvimento da Liga das Nações, mas fez dele uma figura de destaque nos circuitos econômicos mundiais – principais difusores e executores das políticas de gastos públicos que preconizou após a crise de 1929. Nos EUA, a crise seria enfrentada através de uma série de medidas criadas por Roosevelt e seu brain trust – formado, dentre outros, por Adolf Berle, Raymond Moley, Rexford Tugwell e James Warburg. Algumas: estímulos ao setor bancário, à construção de estradas, à indústria e à agricultura; a regulamentação de negociações coletivas entre patrões e sindicatos (National Labour Relations Act) e das horas extras e trabalho infantil (Fair Labor Standards Act); a criação da Works Progress Administration (agência que recrutava desempregados para trabalhar em obras públicas), da United States Housing Authority (agência que emprestava dinheiro a comunidades e a governos estaduais empenhados em programas habitacionais), da Farm Security Administration (agência que cuidava dos pequenos agricultores arruinados com a crise) e da seguridade social. Através de uma estratégia de cedências (“ceder os anéis para manter os dedos”) empregue pelos pelos gestores e pela burguesia através das políticas keynesianas e do New Deal, os trabalhadores foram efetivamente impedidos de alcançar qualquer dos centros de poder e gestão do sistema.

Per Jacobsson
Per Jacobsson

Todos os fatos políticos mais importantes do entre-guerras mantêm relação com a luta pela hegemonia entre os grupos proponentes destas três saídas; uma crise de hegemonia ocorrida nos estratos mais profundos do funcionamento do capitalismo, porque fundamentalmente crise de poder, não poderia ser resolvida por meios outros que não a guerra. Não obstante este aspecto de luta, houve também tentativas de encontrar pontos em comum entre as três saídas em favor da mais completa integração econômica, como demonstra a história do Banco de Compensações Internacionais. Fundado em 1930 como meio para facilitar o pagamento das indenizações de guerra devidas pela Alemanha após a assinatura do Tratado de Versalhes, em pouco tempo o banco tornou-se um “banco central de bancos centrais” com uma série de imunidades: executivos e prédios dispunham de imunidades diplomáticas completas; suas transações não podem ser taxadas; suas operações não podem ser supervisionadas por qualquer governo; seus funcionários – em todos os níveis – estão livres de restrições à imigração; todas suas comunicações, qualquer que seja seu tipo, podem ser criptografadas a qualquer tempo; por último, todas as suas operações estão livres de qualquer jurisdição[8]. Segundo o sítio virtual do BCI, o banco suspendeu suas reuniões de diretoria enquanto durassem as hostilidades e limitou suas operações àquelas que não comprometessem sua neutralidade, e apesar de tudo isto chegou a 1945 operando no vermelho. Mesmo com tantas ressalvas, não se pode esquecer dentro do BCI a história de Per Jacobsson, desde 1931 chefe do Departamento Econômico e Monetário do BCI, e neste cargo responsável por escrever o Boletim Anual do banco. Em seus diários, Jacobsson disse que as hostilidades iniciadas em 1939 não perturbaram as atividades dos funcionários do BCI, oriundos de países de ambos os lados do conflito; seus próprios bancos centrais de origem orientaram-nos a trabalhar amigavelmente em conjunto, e em 1943, segundo Jacobsson, banqueiros alemães discutiram profundamente as propostas de Keynes e Harry Dexter White que seriam levadas para discussão entre 730 delegados de 44 países reunidos em 1944 num hotel de certa cidade de New Hampshire (EUA) chamada Bretton Woods[9]. Jacobsson, demonstrando estar profundamente integrado às instituições do sistema Bretton-Woods, foi de 1956 até 1963 diretor do FMI, e só sua morte o fez deixar o cargo. Como se vê, inimigos, inimigos; negócios à parte.

Seção preservada da cortina de ferro em Moedlareuth (Alemanha)
Seção preservada da cortina de ferro em Moedlareuth (Alemanha)

A derrota militar dos países do Eixo na Segunda Guerra Mundial, ao contrário do que se supunha, não pôs fim ao conflito inaugurado no entre-guerras, mas prolongou-o em outros termos. A extinção do movimento fascista – ou sua sobrevivência velada[10] – e de seus programas econômicos não correspondeu a qualquer consequência semelhante atinente às economias de tipo soviético ou às economias de tipo roosevelt-keynesiano; pelo contrário, colocou-as em conflito direto. Ou, nas palavras de Josef Stalin: “esta guerra não é como as do passado; quem quer que ocupe um território também impõe-lhe seu próprio sistema social. Todos impõem seu sistema tão longe quanto seu exército possa alcançar. E não há como ser de outra forma”[11]. E Stalin não era o único a sabê-lo: impaciente por alcançar a total destruição da URSS e ávido por conquistar o apoio dos EUA nesta empreitada, em maio de 1945 Winston Churchill solicitou ao Comitê de Chefes de Estado-Maior da Grã-Bretanha um plano de ataque à URSS, seguido por uma solicitação de plano de defesa em caso de ataque soviético ao império britânico; ambos foram julgados “danosos” devido à ampla superioridade militar soviética[12]. Já na Conferência de Potsdam (julho/agosto de 1945) as tensões entre Harry S. Truman, Stalin e Churchill prenunciavam hostilidades reais a seguir; dela saiu um prazo para a retirada das tropas aliadas de lugares como o Irã. Em 22 de janeiro de 1946, ao mesmo tempo em que Truman criava o Central Intelligence Group, predecessor direto da CIA, a Sociedade pelo Reavivamento do Curdistão fundou a República de Mahabad ao noroeste do Irã; no dia 2 de março, prazo máximo para a permanência das tropas aliadas no Irã, a URSS recusou-se a sair do país, recebendo pressão dos EUA através das Nações Unidas que resultou na retirada das tropas soviéticas do território iraniano em meados de abril. Em resposta ao Tesouro dos Estados Unidos, que lhe perguntara por que a União Soviética recusava-se a aderir ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional criados em 1944, o embaixador estadunidense na URSS, George F. Kennan enviou-lhe em 22 de fevereiro de 1946 um longo telegrama onde afirmou os cinco pontos principais para a estratégia diplomática estadunidense a serem seguidos para conter a influência soviética: (a) a URSS percebia-se em guerra perpétua contra o capitalismo; (b) a URSS via o socialismo e a social-democracia como sistemas incompatíveis; (c) a URSS usaria marxistas controláveis no mundo ocidental como aliados; (d) a agressão soviética não se alinhava com as visões do povo russo ou com a realidade econômica, mas com as históricas xenofobia e paranoia russas; e (e) a estrutura do governo soviético impedia panoramas objetivos ou acurados das realidades interna e externa. Pouco depois, em 5 de março de 1946, Churchill, já na oposição ao novo primeiro-ministro britânico Clement Atlee, referindo-se em discurso às políticas ditadas pelo governo soviético aos países sob sua influência e ocupação no Leste Europeu, afirmou: “de Estetino, no Báltico, a Trieste, no Adriático, uma ‘cortina de ferro’ desceu sobre o continente”. Em julho de 1946 Truman recebeu um relatório de dois de seus principais conselheiros, Clark Clifford e George Elsey, recomendando pela primeira vez a “contenção” da influência soviética. Sob a influência destes fatos e dos pedidos de ajuda dos governos da Grécia e da Turquia, em 12 de março de 1947 o presidente Harry S. Truman enviou mensagem especial ao Congresso estadunidense dizendo ser necessário conter a expansão soviética sobre a Grécia e a Turquia através de apoio militar e econômico; com esta mensagem Truman inaugurou a Guerra Fria. Durante o resto do ano os EUA pressionaram as autoridades iranianas a rejeitar um acordo anteriormente assinado com a URSS, que a favorecia na compra de petróleo dando-lhe a propriedade de 51% dos poços do país e o controle de facto dos poços restantes; o acordo foi rejeitado pelas autoridade iranianas em outubro de 1947.

O trabalho liberta (Auschwitz)
“O trabalho liberta” (Auschwitz)

Todo o período da Guerra Fria que vai de 1947 até 1953 foi marcado por disputas geopolíticas semelhantes entre burguesia e gestores a leste e oeste cuja crônica extrapola os parcos limites deste artigo, mas é no campo econômico onde impressionam as trágicas coincidências entre os Aliados e seus adversários derrotados. Não é novidade para ninguém que os planos nazistas para o Leste Europeu – os italianos e japoneses tinham outras preocupações e sequer pensavam neste lado do planeta – incluíam a destruição total de qualquer estrutura industrial, sanitária e educacional, acompanhada por uma política massiva de analfabetização; a migração de colonos arianos para as áreas conquistadas; o extermínio das elites intelectuais e políticas eslavas e judias; a proibição aos eslavos e judeus da posse de qualquer capital ou terra; estas e outras medidas visavam fazer dos untermeschen eslavos e judeus escravos numa região destinada pelo Reich a ser um grande celeiro[13]. O que talvez seja “novo”, e até mesmo chocante para alguns, é saber que sob a justificativa da “compensação” pelos prejuízos causados pela guera os Aliados fizeram quase a mesma coisa, pois na debelação da Alemanha durante os dois primeiros anos do pós-guerra prisioneiros de guerra alemães foram escravizados tanto pelo bloco soviético quanto pelo bloco ocidental. A arraia-miúda espremida entre as mós da burguesia e dos gestores era agora responsabilizada pelas decisões daqueles a quem haviam confiado seus destinos.

O trabalho liberta (Prisioneiro de guerra alemão limpa campo minado na Noruega em 1945)
“O trabalho liberta” (Prisioneiro de guerra alemão limpa campo minado na Noruega em 1945)

Embora sabidamente a URSS tenha escravizado estes prisioneiros em maior número (entre 600.000 a 1 milhão[14]) e por mais tempo (até 1953, com os últimos escravos alemães sendo devolvidos em 1956[15]), seu principal opositor, os EUA, pautaram sua política de intervenção sobre a Europa desde setembro de 1944 no Plano Morgenthau e na subsequente Diretiva 1067 do Estado-Maior Conjunto dos EUA. Tratava-se de documentos instituintes de medidas severíssimas como a partição da Alemanha; a ocupação e a desindustrialização do vale do Ruhr (incluído aqui o saque de maquinário alemão pelos Aliados); o confisco de bens alemães no estrangeiro; o fechamento de escolas e universidades até sua reorganização pelos Aliados; o empastelamento de jornais, rádios e demais veículos de imprensa; isto tudo combinado com outras medidas ad hoc voltadas para a transformação da Alemanha num país de economia agropecuária, sem qualquer capacidade industrial[16]. A parte do leão dos Aliados incluiu também a cooptação de cientistas – levada a cabo pelo Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) dos EUA através da Operação Paperclip, criada para impedir que a URSS e a Grã-Bretanha os cooptassem primeiro[17]; o roubo institucionalizado de máquinas alemãs para países Aliados; e – espantosamente – o trabalho forçado de alemães no exterior. Seguindo esta linha, os EUA escravizaram ao final da guerra cerca de 500.000 prisioneiros alemães, organizados nas Military Labor Service Units[18]. A França exigiu-lhes a entrega de 1.700.000 prisioneiros alemães escravizados – além dos 200.000 de que já dispunha – para “trabalhos forçados”[19]; os EUA cumpriram parte do prometido ao enviar-lhe em 1945 cerca de 740.000 prisioneiros alemães escravizados, responsabilizados por, dentre outras coisas, limpar campos minados[20]. Ao mesmo tempo, a combalida Grã-Bretanha do pós-guerra dispunha de outros 400.000 alemães escravizados. (Lembrem-se de que a única incursão alemã sobre a Grã-Bretanha na guerra se deu por ar, não por terra.) Enquanto os oficiais passavam por uma “reeducação política” na escola de Wilton Park, os soldados rasos foram forçados ao trabalho agrícola, onde totalizaram 25% da força de trabalho rural do país[21], e qualquer forma de confraternização entre eles e cidadãos britânicos era estritamente proibida[22]. O repatriamento destes escravos alemães foi objeto de duras disputas políticas, e mesmo o Ministro da Agricultura britânico a ela se contrapôs[23]. Houve ainda escravização de prisioneiros de guerra alemães na Polônia, Checoslováquia, Noruega e Alemanha Oriental (onde o trabalho escravo nas minas foi a base material do programa atômico soviético[24]).

“O trabalho liberta” (Berlim sendo reconstruída durante os primeiros anos do Plano Marshall)

Como qualquer pessoa leiga em economia reconhece, a produção econômica levada a cabo por uma força de trabalho subnutrida, doente e deslocada de seu ambiente sócio-histórico tende a ser muito menos eficaz que o esperado. Ademais, as políticas baseadas no Plano Morgenthau previam um controle estrito sobre os estoques de alimentos da Alemanha, impedindo até mesmo a chegada de ajuda humanitária estrangeira[25]. Ao medo da “comunização” da Alemanha a partir de revoltas causadas pela fome e pelo trabalho forçado – nas palavras de Lucius D. Clay, autoridade militar estadunidense em território alemão, “não há escolha entre ser um comunista com 1.500 calorias diárias e um defensor da democracia com 1.000” – somou-se a um fator mais importante para os antigos Aliados: a integração econômica arrastaria toda a economia europeia com a Alemanha para o abismo da falência. O Secretário da Guerra dos EUA, Harry Stimson, adversário ferrenho do Plano Morgenthau desde o início, apontava incessantemente a dependência de dez países europeus – incluindo a URSS – do comércio exterior alemão, e já em 1945 exerceu pressões sobre Truman para mudar os planos de reconstrução da Alemanha[26]. Em 5 de junho de 1947 George Marshall, Secretário de Estado dos EUA, falou pela primeira vez de um programa de apoio econômico-financeiro à reconstrução dos países europeus, que seria posteriormente formulado com maior riqueza de detalhes por George F. Kennan e Willam L. Clayton; em julho do mesmo ano, numa conferência em Paris, foi apresentado o Programa de Recuperação Europeia, popularmente conhecido como Plano Marshall, responsável pelo financiamento da reconstrução da Europa destruída pela guerra. Mudando completamente os rumos da política econômica dos EUA para a Europa dentro de uma estratégia mais ampla de confrontação econômica aos países da esfera soviética – e largamente influenciado pela obra de Keynes sobre as consequências das punições econômicas aos vencidos na Primeira Guerra – o plano foi ratificado pelos países da Europa Ocidental, resultando em US$ 13 bilhões investidos em assistência técnica e econômica; os países da Europa Ocidental o recusaram em favor de um plano de recuperação econômica proposto pelo Ministro das Relações Exteriores da URSS, Vyacheslav Molotov, que deitou as bases para a fundação posterior do Conselho para Assistência Econômica Mútua (COMECON). Ainda em setembro de 1947, como parte da contra-ofensiva ao Plano Marshall, o Partido Comunista da URSS convocou uma reunião com os partidos comunistas ocidentais na cidade polonesa de Szklarska Poręba para restabelecer consensos básicos entre eles, além de construir a estratégia de resistência à influência do Plano Marshall; esta conferência foi o início do Burô de Informação dos Partidos Comunistas de Trabalhadores, conhecido por sua sigla COMINFORM[27].

Esta conjuntura internacional impactaria profundamente tanto o desenvolvimento econômico quanto a esquerda no Brasil. Tratou-se, aqui, da inserção definitiva das cadeias produtivas brasileiras no capitalismo monopolista global. E a esquerda jogou papel decisivo neste processo – embora suas oscilações levassem-na, ao fim e ao cabo, a aliar-se a certos setores das classes dominantes.

(Continua na quinta parte deste ensaio.)

Notas

[1]: Uma das chaves para entender esta superestimação das forças inimigas e esta subestimação das forças dos trabalhadores é a situação da Alemanha. Embora os trabalhadores alemães apoiassem majoritariamente os social-democratas antes da Primeira Guerra, nos dois últimos anos do conflito voltaram-se para as propostas apresentadas pelos social-democratas independentes (USPD), espartaquistas e Revolutionäre Obleute (Delegados de Fábrica Revolucionários), todos a favor do fim das hostilidades. Ainda durante as negociações do tratado de Brest-Litovsk, em 28 de janeiro de 1918, quatrocentos mil operários alemães entraram em greve em solidariedade aos trabalhadores russos, liderados não mais pela social-democracia, mas pelos Delegados de Fábrica Revolucionários, contra quem os social-democratas tiveram que lutar duramente para controlar, amansar e paralisar o movimento grevista. A entrada dos EUA na guerra demonstra, com as grandes perdas havidas até outubro de 1918, que a paz era a única solução possível, e um movimento pelo fim da guerra alastra-se por toda a Alemanha, corroendo a base inclusive dos partidos pró-guerra. Com a abdicação do Kaiser e do príncipe Max de Bade, os social-democratas chegam ao poder, mas não sabem o que fazer com aquele movimento que ameaçava tornar-se uma revolução social profundíssima, chegando inclusive à formação de conselhos operários semelhantes em tudo aos soviets russos; desde então, trabalharam duramente para contê-lo e domá-lo, aliando-se com que quer que se fizesse necessário. Cf., para o período, o livro de Isabel Loureiro (A revolução alemã [1918-1923]. São Paulo: EdUNESP, 2005). Mesmo do conforto de um escritório e detrás de um confortável teclado quase cem anos depois dos fatos, me pergunto o que teria acontecido se o tratado não houvesse sido assinado e se tropas russas houvessem avançado Alemanha adentro.

[2]: Qualquer pessoa interessada em desmontar a épica da Revolução Russa e ver as entranhas da dominação gestorial construída paulatinamente com o sangue e o suor de gerações de trabalhadores perceberá que em 1917 não eram os soviets a deter o poder real, mas sim os comitês de fábrica, que geriam por inteiro a produção fabril russa. Resistindo às medidas do ministério do trabalho que pretendiam esvaziá-lo de seu poder e às difamações da imprensa burguesa (que pretendia colocar soldados e camponeses contra os comitês de fábrica dos operários) e de economistas como Struve, é sobre eles que se apoiarão não apenas os anarco-sindicalistas, que fizeram de tudo para fortalecê-los como órgãos de gestão operária da produção, mas também os bolcheviques, que viam-nos com inúmeras reservas frente aos sindicatos onde tinham maioria mas percebiam-nos como principal forma de ligação com os operários fabris. Após a tomada do Palácio de Inverno, entretanto, os comitês passam a ser hostilizados pelos bolcheviques agora instalados no poder; numa manobra para suprimir-lhes o controle sobre a produção, estes últimos introduziram a gestão por uma só pessoa contra a gestão operária proposta pelos delegados de comitês de fábrica; esta substituição coincide em grande parte com o retorno à Rússia dos antigos técnicos, engenheiros e donos de empresas, chamados pelos bolcheviques para gerir novamente a produção econômica. De um poder econômico exercido coletivamente por trabalhadores através da gestão do processo de trabalho em cada unidade particular de produção, passou-se à ascensão dos gestores – não apenas estes que retornaram, mas também daqueles surgidos no seio do próprio partido bolchevique. Cf. as obras de Edward Hallet Carr (História da Rússia soviética: a revolução bolchevique 1917-1923. Porto: Afrontamento, 1979), Charles Bettelheim (A luta de classes na União Soviética. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976), Maurice Brinton (Os bolcheviques e o controle operário. Porto: Afrontamento, 1975) e Rudolf Rocker (Os sovietes traídos pelos bolcheviques. São Paulo: Hedra, 2007).

[3]: A discussão sobre a natureza do fascismo ainda está em aberto, sendo talvez uma das últimas fronteiras da ciência política no século XX. Sem definir o fascismo, Leon Trotsky diz que ele tem duas condições: “de um lado, uma grave crise social; de outro lado, da fraqueza revolucionária do proletariado alemão. A fraqueza do proletariado, por sua vez, tem duas causas: primeiro, o papel histórico particular da social-democracia, que ainda é uma agência poderosa do capitalismo nas fileiras do proletariado; em seguida, a incapacidade da direção centrista do PC em unir os operários sob a bandeira da Revolução” (Revolução e contra-revolução. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, [s. d.]; não obstante o acerto quanto à crise social como condição para o fascismo, o problema entre os trabalhadores não era apenas o de uma direção centrista, mas de outras tendências e problemas muito mais profundos. August Thalheimer, comunista alemão contemporâneo do nazismo, caracterizou o fascismo como “fenômeno aparentado” ao bonapartismo, embora não os colocasse “no mesmo nível”, pois trata-se de um “equivalente moderno do bonapartismo” no período do capitalismo monopolista, de uma “forma da ditadura aberta capitalista” cujas características são “a autonomização do poder Executivo, o aniquilamento do domínio político da burguesia e a submissão política de todas as outras classes sociais ao poder Executivo”, cujo conteúdo de classe “é a dominação da burguesia e dos proprietários privados em geral sobre a classe operária e todas as outras camadas exploradas pelo capitalismo”. Mas ao mesmo tempo, ao analisar as “ditaduras sul-americanas”, reconhece no Exército “a mais sólida e desenvolvida organização política”, que “exerce o domínio no lugar da burguesia, a qual ainda mão pode exercê-lo”; tratar-se ia de uma “aparência externa do fascismo” que esconderia “relações de classe, estágios de luta de classes e estágios de desenvolvimento da sociedade burguesa completamente diferentes” (Sobre o fascismo. Salvador: Centro de Estudos Victor Meyer, 2009, p.43-71). Leandro Konder é menos vago: “o fascismo é uma tendência que surge na fase imperialista do capitalismo, e que tende a se fortalecer nas condições de implantação do capitalismo monopolista de Estado, exprimindo-se através de uma política favorável à crescente concentração de capital; é um movimento político de conteúdo social conservador, que se disfarça sob uma máscara ‘modernizante’, guiado pela ideologia de um pragmatismo radical, servindo-se de mitos irracionalistas e conciliando-os com procedimentos racionalistas-formalistas de tipo manipulatório. (…) Seu crescimento num país pressupõe condições históricas especiais, pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz e minar as bases das forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo-lhes a influência junto às massas); e pressupõe também as condições da chamada sociedade de massas de consumo dirigido, bem como a existência nele de um certo nível de fusão do capital bancário com o capital industrial, isto é, a existência do capital financeiro” (Introdução ao fascismo. São Paulo: Graal, 1977, p. 21). José Luís del Roio segue a definição do XIII Pleno da Internacional Comunista: “O fascismo ao poder é o domínio de um setor da burguesia, daquele setor do capital financeiro, mais agressivo, mais chauvinista, mais reacionário” (O que todo cidadão precisa saber sobre o fascismo. São Paulo: Global, 1987, p. 29). Certa obra coletiva resume-se a compendiar explicações em campos específicos: a explicação culturalista (Friedrich Meinecke, Edmond Vermeil), a explicação pelo totalitário (Hermann Rauschning, Hans Kohn, Hannah Arendt, Alain Besançon), a explicação econômica (Daniel Guérin, Charles Bettelheim, Ernest Mandel, Nicos Poulantzas), a explicação psíquica (Wilhelm Reich, Erich Fromm) e a explicação sociológica (F. Kenneth Oranski, Barrington Moore Jr.); seu valor é apenas servir como obra de referência para pequisa, pois pouco avança numa definição própria (CHÂTELET, François, DUHAMEL, Olivier e PISIER-KOUCHNER, Evelyne. História das ideias políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, pp. 246-263). É a definição de João Bernardo que insere a classe trabalhadora como elemento central na ascensão do fascismo e inclui em sua formação outros elementos importantes: “Defini então o fascismo, em três palavras, como a revolta no interior da coesão, chamando a atenção para a sua ambivalência, ao mesmo tempo radical e conservador. O fascismo mobilizou os trabalhadores para efectuar uma revolução capitalista contra a burguesia ou, talvez mais explicitamente, apesar da burguesia. O fascismo foi uma revolta na ordem. (…) Nesta dialéctica ininterrupta [classe em si / classe para si] os trabalhadores não levam uma vida única, mas duas vidas. (…) Ao mesmo tempo em que se inserem no capital e o fazem funcionar, os trabalhadores entram em choque com ele (…). E quando uma maioria de trabalhadores se deixa mover e conduzir, tantas vezes em episódios de incrível violência, para restabelecer o capitalismo numa nova modalidade, e neste processo se confronta com uma minoria de trabalhadores auto-organizados, desejosos de se oporem a todas as formas do capital, e admite que eles sejam derrotados e liquidados? Foi isto mesmo o fascismo, sustentado por uma convulsão interna da classe trabalhadora,que jogou uma das duas vidas contra a outra, tal como alguém atingido por certas psicoses se contorce e agride a si próprio, e neste exacerbamento da sua contradição interna os trabalhadores agravaram a hetero-organização que os vitimava. O trabalhador fascista caracterizou-se por possuir um profundo ódio aos ricos, aliado a uma lamentável estreiteza de horizontes, que o impedia de se inserir nas redes de solidariedade da sua classe e de ter acesso a uma compreensão do processo histórico. (…) Estaremos de antemão condenados ao insucesso se quisermos definir o fascismo através da acumulação de características empíricas, porque a especificidade de um caso concreto provém precisamente do facto de ele incluir certos traços que não se encontram em mais nenhum, enquanto lhe faltam  também elementos que existem noutros (…) …prefiro elaborar um campo, cujos limites são marcados pelas oposições extremas que se podem encontrar entre os elementos componentes dos múltiplos fascismos. (…) …existiam dois pólos institucionais exógenos ao movimento fascista, o exército e a Igreja, que representavam o peso conservador da sociedade, e dois pólos endógenos, o do conjunto do partido com as milícias  e o da articulação entre milícias e sindicatos, que representavam o fator de radicalismo que os fascistas introduziram na tradição conservadora. A especificidade de cada fascismo consistiu na forma como se ligou às instituições exógenas e no carácter que imprimiu às instituições exógenas e no carácter que imprimiu às instituições endógenas.” (Labirintos do fascismo: na encruzilhada da ordem e da revolta. Porto: Afrontamento, 2003, pp. 25-28 e 53-54). Esta é a definição que empregarei, pois qualquer outra definição mais precisa requereria um livro inteiro.

[4]: “Os partidos fascistas só chegaram ao poder quando a articulação do eixo institucional conservador com o eixo radical teve como pano de fundo o bloqueio ao desenvolvimento econômico. Distingo três tipos de situações. De uma maneira flagrante, o crescimento da economia podia deparar com obstáculos motivados pela derrota militar, o que correspondeu especialmente aos casos da Alemanha, da Hungria e da Áustria após a primeira guerra mundial. Num segundo tipo de casos, de que o Japão e sobretudo a Itália foram os exemplos clássicos, dificuldades econômicas estruturais eram atribuídas ao facto de a vitória na guerra não ter sido seguida pelos resultados que se ambicionavam. Num terceiro tipo de situações, alguns países que ocupavam uma posição marginal na economia mundial, como sucedia com as duas nações ibéricas ou, do outro lado do mar, com o Brasil de Getúlio Vargas e com a Argentina de Perón, recorreram ao fascismo para criar um sistema de economia organizada, que lhes permitisse proceder a um arranque econômico sustentável. Os regimes fascistas implantaram-se apenas em países que se encontravam em qualquer destas condições. Para estudar um movimento fascista basta-nos o contexto social e o quadro institucional que analisei (…). Para estudar um regime fascista temos de analisar o inter-relacionamento daquelas instituições numa das três conjunturas de bloqueio sócio-econômico, que tornavam difícil transitar de um para outro ciclo da mais-valia relativa, ou impossibilitavam mesmo a ultrapassagem dos limites da mais-valia absoluta” (BERNARDO, João, ob. cit., p. 161).

[5]: Alguns exemplos de conversões e reconversões tragicamente curiosas: (a) por que, conforme aponta João Bernardo (ob. cit., pp. 472-479), Antonio Gramsci buscou em 1921 o apoio de Gabriele D’Annunzio, precursor do fascismo e concorrente direto de Mussolini, para reforçar uma provável tomada de poder pelos comunistas no caso de uma possível guerra contra a França? (b) por que, conforme aponta Jean Pierre Faye (Langages totalitaires: critique de la raison/l’economie narrative. Édition augmentée de l’introduction théorique. Paris; Hermann, 1973, p. 485) com base em Werner Conze, o intercâmbio de membros entre o Partido Comunista Alemão e as Tropas de Assalto (Sturmabteilung – SA) nazistas chegou a 80% do total de membros destas duas organizações?

[6]: É importante ler o discurso de posse Franklin Roosevelt proferido em 4 de março de 1933, onde aponta as medidas que propunha e afirma não fugir “ao claro curso do dever que terei diante de mim” recorrendo, se necessário ao “único instrumento que me restará para enfrentar a crise – amplo poder executivo, tão amplo quanto o que me seria de fato concedido se fôssemos, de fato, invadidos por um inimigo estrangeiro” – ou seja, uma ditadura. A Lei Nacional de Recuperação Industrial, de 16 de junho de 1933, vigente até a declaração de sua inconstitucionalidade em 1935 pela Suprema Corte dos EUA, que promoveu uma verdadeira reorganização da economia estadunidense, é outro documento importante. Por fim, é recomendado ler o discurso de campanha pronunciado por Roosevelt em 14 de outubro de 1936, onde compara a economia estadunidense pós-1929 a um “trem que houvesse descarrilado e caído num fosso”, tendo sido sua administração, cuja tarefa era a de “preservar o ideal americano de democracia econômica e política contra o abuso da concentração do poder econômico” dos monopólios, quem “salvou o sistema de lucro privado e da livre empresa depois de haver sido ele arrastado para a beira da ruína”. Estes e outros documentos importantes do New Deal podem ser encontrados em SYRETT, Harold C. (org.). Documentos históricos dos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix, 1988, pp. 285-300.

[7]: The economic consequences of peace. Nova Iorque: Skyhorse, 2007. Além deste livro e da Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, é preciso ler de Keynes os Essays in persuasion (Nova York: W. Norton & Co. Inc., 1963), onde tal teoria é apresentada de modo simples e direto em suas implicações práticas por se tratar de artigos políticos, voltados para intervenções públicas, com os quais tentava influenciar o curso dos eventos.

[8]: WOOD, Patrick M. “Global banking: the Bank for International Settlements”. News With Views, 19 out. 2005.

[9]: JUCKER-FLEETWOOD, Erin Elver. A life for sound money: Per Jacobsson, his biography. Oxford: Clarendon Press, 1979. Os interessados poderão visitar o sítio virtual do Banco de Compensações Internacionais, pois o dito cujo ainda existe. Em 2006 integravam o BCI os bancos centrais dos seguintes países: África do Sul, Alemanha, Argélia, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Brasil, Bulgária, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Croácia, Dinamarca, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Hong Kong, Hungria, Islândia, Índia, Indonésia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Macedônia, Malásia, México, Nova Zelândia, Noruega, Filipinas, Polônia, Portugal, Romênia, Rússia, Arábia Saudita, Cingapura, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, República Tcheca, Suécia, Suíça, Tailândia, Turquia e o Banco Central Europeu.

[10]: João Bernardo dedica toda uma parte de seus Labirintos do fascismo (pp. 827-926) à análise do “fascismo pós-fascista”, que crê encontrar em lugares como o terceiro-mundismo e certas vertentes do ecologismo.

[11]: Citado em DJILAS, Milovan. Conversations with Stalin. Londres: Rupert Hart-Davis, 1962, p. 133.

[12]: LEWIS, Julian. Changing direction: British military planning for post-war strategic defence, 1942-1947. 2nd revised edition. Londres: Routledge, 2008. Os documentos da chamada Operation Unthinkable (“Operação Impensável”) encontram-se hoje disponíveis na internet.

[13]: BERNARDO, João, ob. cit., pp. 266-267.

[14]: POLIAN, Pavel. Against their will: the history and geography of forced migrations in the USSR. Budapeste: Central European University Press, 2004.

[15]: Idem, ibidem.

[16]: DIETRICH, John. The Morgenthau Plan: soviet influence on American postwar policy. New York: Algora Publishing, 2002.

[17]: Para maiores detalhes sobre esta operação secreta de cooptação de cientistas, cf. HUNT, Linda. “US coverup of Nazi scientists”. The Bulletin of Atomic Scientists, vol. 41, nº 4, abr. 1985, pp. 16-26;

[18]: Idem, p. 125.

[19]: Idem, p. 126.

[20]: MACKENZIE, S. P. “The Treatment of Prisoners of War in World War II”. The Journal of Modern History, vol. 66, nº. 3., set. 1994, pp. 487-520.

[21]: WEBER-NEWTH, Inge e STEINERT, Johannes-Dieter. German migrants in post-War Britain: an enemy embrace. Oxfordshire: Routledge, 2006, pp. 24-30; RICHARDS, James. “Life in Britain for German prisoners of war”. Acessado em 28 abr. 2011.

[22]: RICHARDS, James, op. cit.

[23]: Idem, ibidem.

[24]: NAIMARK, Norman M.. The Russians in Germany: a history of the Soviet Zone of occupation, 1945-1949. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press, pp. 238-248.

[25]: O presidente Truman chegou a proibir expressamente a entrada de alimentos na Alemanha até 1946, cedendo após muita pressão internacional e interna. Cf. WIGGERS, Richard Dominic. “The United States and the refusal to feed Germans civilians after World War II”. Em: VARDY, Steven Bela e TOOLEY, T. Hunt (orgs.). Ethnic cleansing in twentieth-century Europe. Boulder: Columbia University Press, 2003, p. 282.

[26]: OFFNER, Arnold A. Offner. “Research on American-German relations: a critical view”. Em: MCVEIGH, Joseph e TROMMLER, Frank (orgs.). America and the Germans: an assessment of a three-hundred-year history. Vol. 2. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1990, p. 176.

[27]: WETTIG, Gerhard. Stalin and the Cold War in Europe. Lanham: Rowman & Littlefield, 2008.

17 COMENTÁRIOS

  1. …os países da Europa “Ocidental” o recusaram em favor de um plano de recuperação econômica proposto pelo Ministro das Relações Exteriores da URSS, Vyacheslav Molotov,…

    Europa “Oriental”

  2. Eu gostaria de discutir mais o ponto de nota [2].
    Você citou os livros, mas em tempo não vou consegui-los. Por isso, gostaria de iniciar um debate. Poderíamos datar e tratar temas tais como “os comitês passam a ser hostilizados pelos bolcheviques agora instalados no poder; numa manobra para suprimir-lhes o controle sobre a produção, estes últimos introduziram a gestão por uma só pessoa contra a gestão operária proposta pelos delegados de comitês de fábrica”.
    Eu compreendo que os rumos que a URSS tomou foi devido a “desbolchevização” do partido bolchevique – isso como fórmula de organização, que Stalin promoveu nos caminhos da URSS e negando as contribuições do próprio Lenin sobre centralismo democrático.
    A obra “História da Rússia soviética: a revolução bolchevique 1917-1923” vou dar primeira prioridade para ler, para ter outra visão da revolução de outubro e até os anos 23, 24, que foram intensamente vividos e ricos, no que se diz revolucionário, artístico e científico.

  3. Você quer debater com datas, e eu não tenho tempo para fazê-lo e ao mesmo tempo trabalhar e escrever os dois últimos artigos da série. Quem tem tempo para estas tertúlias são os acadêmicos, não eu, que não vivo da produção fordista de textos e escrevo nas brechas que o trabalho me abre. Se é de datas que você precisa, recomendo o livro do Maurice Brinton, disponível em espanhol na internet: http://www.fondation-besnard.org/IMG/pdf/Brinton_bolcheviques_1_.pdf. Mais que isto, não posso fazer, pois os fatos são de domínio público e podem ser localizados em qualquer boa obra histórica sobre o período, tais como as que indiquei.

  4. Bom, obrigado.
    Para mim, a disposição das datas são importantes. Como, por exemplo, puder ler nessa obra que você indicou o Décimo Congresso do Partido Bolchevique foi logo posterior à revolta de Kronstadt. Alguns “detalhes”, tais como esse, são importantes na interpretação histórica e até pensar mais com o método do materialismo histórico dialético.
    Como eu não tenho muito acúmulo acerca de todo o processo revolucionário que aconteceu na Revolução de Outubro, ter a posição mais anarquista sobre o fato é imprescindível.
    Mas eu tenho minhas discordâncias quanto à questão hostilização aos sovietes pelos Bolcheviques. Conhece John Reed? Ele relata como depois da Revolução de Outubro, os sovietes camponeses cresceram, ao passo que antes era muito poucos, reduzidos à um ou dois sovietes em províncias inteiras e raramente em algumas aldeias.

  5. Não há o que discordar quanto a fatos, eles existem ou não existem, e é só. Basta ler o livro do Brinton todo e você verá os fatos, dia a dia.

  6. Pois bem, eu não afirmaria como fatos em si e incontestáveis do autor nessa obra. Pode ajudar a pensar o que foi o ocorrido, mas não é a via de mão única. Por exemplo, é como ver a literatura stalinista falando de Trotsky e depois você ir lê-lo para saber o quanto informações contrastam. Mesma coisa com esse relato de trechos do autor e John Reed – uma divergência entre os tratamentos com os sovietes. Sem contar, o que considero como engano, o vínculo que o autor transparece ser como claro e direto da experiência bolchevista nos períodos revolucionários com a burocratização stalinista.
    Por isso não são simples fatos.
    A conclusão do livro traz bons questionamentos, tal como o fetiche das instituições. Porém, achei vago as soluções: não que estão erradas, mas aquilo apresentado é o básico, de ser engolido por suas criações ou não. Me parece que não avança só constatar isso.
    Mas, mais que contrastar nossas posições políticas, venho dizer que esses textos sobre “extrema-esquerda e desenvolvimentismo” estão bons, principalmente agora que estou acompanhando mais o processo histórico da POLOP.

  7. Pois bem, aí eu questiono o John Reed e ficamos no empate. Será preciso ir aos recém-abertos arquivos do Kremlin para sanar nossas dúvidas? E note uma coisa importante: “comitê de fábrica” não é igual a “soviete”. Os comitês de fábrica é que foram hostilizados pelos bolcheviques, não os sovietes. E sobre eles, os comitês de fábrica, John Reed falou pouco ou nada, e inclusive em alguns momentos confundiu-os com os próprios sovietes quando os russos sabiam bem a diferença entre um e outro.

  8. Manolo, a prática dos bolcheviques foi de tentativa de esmagamento dos comitês de fábrica e também dos soviets . Até porque, e Brinton mostra isto com clareza, o segundo não pode sobreviver sem se deformar sem a força e autonomia do primeiro.

  9. Bom, tenho duas obras então a ler.
    A questão do comitê para mim ainda fica confusa. Pois os sovietes eram espaços representativos, no qual eram ocupados por delegados de acordo com uma proporção que representasse uma região, bairro, aldeia.
    Os comitês de fábrica eram associações de operários, conselhos de trabalhadores, que tomavam as rédeas de uma fábrica sem a presença de um patrão que os assalariasse.
    Fica a pergunta, esses trabalhadores dos comitês não elegiam delegados aos sovietes? Eles não legitimavam os sovietes? Para essas perguntas eu não tenho dado ou acumulo para responder.
    Sobre o texto deixado pelo Pablo, eu dei uma leitura dinâmica, mas reitero que vou lê-lo com mais calma.
    Não tenho acordo com a forma anarquista de conceber a revolução socialista, mas tem muita crítica que é bem vinda, principalmente quando não se trata de um fratricídio entre revolucionários preocupados com a derrocada da sociedade de classes.
    Mas pelo que pude ver um pouco, no livro que o Pablo traz, parece que a culpa de não ter se consolidado o socialismo, ou um grande salto para uma sociedade sem classes, foi de inteira responsabilidade dos bolcheviques (ainda na análise simplista de que eram tão somente iguais, como se a diversidade também não o atravessasse).

  10. É curioso como qualquer crítica feita aos bolcheviques tendo como ponto de partida a gestão das fábricas pelos operários é tratada como anarquista. E mais curioso ainda é que os que defendem as posições bolcheviques não se dão ao trabalho de tentar estabelecer uma mínima relação entre o que Lenin propôs sobre a organização partidária no “Que Fazer?” e o papel a ele atribuído às organizações da classe operária surgida da luta por reivindicações econômicas. O partido social-democrata é o único capaz de levar as lutas aos patamares de luta pelo socialismo, as organizações da classe trabalhadora não ultrapassam os limites do capitalismo.
    O que o livro do Brinton expõe é justamente como a ação bolchevique a partir de 1917 está de acordo com o exposto em “Que Fazer?”. Incentivaram um movimento de gestão da produção pelos operários surgido espontaneamente para, depois de utilizar sua força como apoio à tomada do poder, institucionalizar esses comitês de fábrica dentro das estruturas do estado recém tomado. O partido, após outubro, dominando os soviets e o estado iniciou o processo de subordinação dos comitês de fábrica às instâncias econômicas de decisão do estado, já com preponderância dos técnicos e especialistas capitalistas. O segundo passo foi colocar a administração das fábricas nas mãos de um única pessoa.
    O ponto de vista bolchevique desse processo pode ser encontrado em um trabalho, citado por Brinton, de Anna Pankratova onde mostra o incentivo bolchevique aos comitês de fábrica e o posterior processo de institucioalização deles. Claro que com o argumento de que a ação dos comitês de fábrica era uma ação anarco-sindicalista, e não estava contribuindo com a edificação do socialismo.

  11. Arthur,
    Me pareceu, pelos seus comentários, que houve da sua parte uma certa confusão quanto aos meus comentários. Eu postei os links só pra facilitar o acesso às obras q o autor do texto usa, para nos ajudar a entender o ponto de vista dele tendo acesso à bibliografia q ele usou, não foi de forma alguma uma indicação “pra vc ler”, etc., aliás, eu mesmo não li esse último ae dos “soviets traídos”. Tenho pouca leitura sobre o tema, por isso nem fiz comentários. Se eu fosse dizer algo sobre o tema em debate seria no sentido de q a visão do Mészáros sobre a URSS ser uma experiência pós-capitalista (que superou o capitalismo mas não o capital) me parece ser muito lúcida e me parece q ela ilumina caminhos pra entendermos o “fracasso” do Socialismo na URSS e a relação de tal fracasso com a questão da supressão dos soviets, o fortalecimento do Estado, a centralização política no Partido, etc.
    Abraço
    Pablo

  12. Camarada Manolo: são dois pontos meus sobre a nota “1” da parte “4” deste teu ensaio. Dá para eu comentar mais, mas isto aqui é o que vejo agora.

    Primeiro: excelente observação nessa nota a qual lembra muito bem que há mesmo “superestimação das forças inimigas” nas lutas sociais. É algo que deve mesmo ser lembrado – principalmente quando é de fato real.

    Segundo: o fim dessa nota (“1”) está incompleto, onde consta “[…] se tropas russas.”. E – para eu frisar: parece que essa parte não digitada é bem bacana; fico curioso.

    Abraço.

    Yure.

  13. Yure, muito obrigado pela observação. A série foi escrita com um pouco de pressa, então é normal encontrar gralhas no meio de tanto texto. Já corrigi o fim da nota 1, completando o que faltava.

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