Por Passa Palavra

 

Em Abril de 2011, um grupo de pessoas decidiu entrar numa escola abandonada do centro do Porto, no Bairro da Fontinha. Uma ação que parecia orientar-se por uma simples evidência: se existe um espaço devoluto e se existe vontade de lhe dar uso, porque não fazê-lo? Numa tarde de domingo, uma escola que nos últimos anos havia sido condenada ao abandono torna-se no espaço de diversas atividades, de cinema a jantar, desenvolvidas com base numa metodologia horizontal e assembleária.

Depressa, o projeto Es.Col.A (Espaço Colectivo Autogestionado) começa a juntar pessoas. Simples curiosos e moradores do bairro da Fontinha juntam esforços e elevam-no a local de convívio e a centro de apoio, contribuindo para uma real satisfação das necessidades das pessoas envolvidas, estranho a qualquer lógica de dependência, quer do assistencialismo público quer da caridade privada. Ali, evita-se a separação entre assistente e assistido, abrindo-se a possibilidade de todos participarem na decisão e concretização daquilo que lhes é comum.

A 10 de Maio, a Câmara Municipal do Porto (CMP) decide encerrar o espaço, detendo cerca de oito pessoas. A opção tomada não é de difícil escrutínio. Para além da deriva autocrática das autoridades municipais, as quais nos últimos anos não demonstram quaisquer problemas em expulsar suspeitos de atividades criminais de bairros camarários, ficará para a história a célebre questão de Rui Rio, expressão de um medo nutrido não só por si, mas pela grande parte dos municípios, uns dos principais especuladores: «E se a moda pega?».

De facto, no ano de 2009, Portugal contava com 550 mil casas devolutas, isto num dos países da União Europeia com maior índice de endividamento relacionado com a compra de habitação. A especulação, em termos económicos, funciona por via de uma série de operações que, usando a seu favor a desregulação dos mercados, visa maximizar a riqueza do proprietário. A aquisição de imóveis sem que, no entanto, se permita o seu uso, venda ou aluguer, significa a diminuição da oferta de casas e, por consequência, o aumento da sua procura. A diferença entre os preços de compra inicial e o de eventual venda posterior garante uma enorme margem de lucro sem que grande esforço tenha sido produzido. Aos que trabalham restam poucas opções. Se os mais jovens tendem a permanecer com os pais até aos 30 anos, os que constituíram família vêem-se obrigados a contrair créditos junto dos bancos a juros elevados. Parte deles, ironicamente, a ser investidos na compra de imobiliário para que todo o processo acima descrito se possa, incessantemente, reproduzir.

Apesar do perigoso exemplo representado por um projeto que se nega a aceitar as regras impostas pela especulação, a CMP vê-se obrigada a recuar, face à resistência demonstrada por ocupantes e simpatizantes do projeto. A proposta de contrato apresentada, limitada a uns breves meses de aluguer, seria, porém, completamente inconciliável com o projeto então construído, sendo rejeitada pelo Es.Col.A. A violência com que o despejo acabou por ocorrer, num cenário de ocupação policial do bairro da Fontinha, de destruição de bens e de ameaça de «tolerância zero», não se revelou capaz de demover o protesto. No dia 25 de Abril de 2012, uma marcha de cerca de 2000 pessoas partia dos Aliados para o bairro da Fontinha, reocupando a escola e retirando todas as barreiras físicas que impediam o acesso das pessoas àquilo que lhes pertencia. Um momento que, mesmo perante a destruição do edifício, operado no dia seguinte, conseguiu gerar uma força que se estendeu para lá dos seus protagonistas.

Em Lisboa, após diversas ações de rua em solidariedade com o Es.Col.A, o N.º 94 da Rua de São Lázaro, prédio devoluto pertencente à Câmara Municipal de Lisboa (CML), é ocupado. Afinal, o problema da especulação imobiliária, responsável pela transformação dos centros das cidades em enclaves de classe, reservados aos que auferem de um rendimento acima do confortável, é partilhado por quem vive no Porto e em Lisboa, cidade onde se encontram 60% dos prédios devolutos do país, uma grande parte deles propriedade da Santa Casa da Misericórdia e da CML. De imediato, uma série de atividades, como jantares, concertos e debates começaram a ser organizadas, tentando dar vida a um prédio que, antes de ocupado, apresentava apenas sinais de extinção, das dezenas de cadáveres de pombos (isto, a menos de 50 metros de um hospital) aos canos rotos.

Afastados por centenas de quilómetros, Es.Col.A e São Lázaro constituem o exemplo da possibilidade de contaminação de momentos no espaço e no tempo. Se eles o fizeram, toda a gente o pode fazer.

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here