Por Sylvia Pankhurst
Sylvia Pankhurst iniciou sua vida política em 1906 no movimento sufragista na Inglaterra, do qual viria a ser expulsa por suas posições abertamente socialistas. Em 1914, sua dissidência funda nos bairros operários do leste de Londres a Woman’s Suffrage Federation (WSF), que ao longo dos anos se radicaliza e muda de nome para Worker’s Solidarity Federation – vindo a ser a primeira seção britânica da III Internacional. Publicou este texto no jornal do grupo, o Worker’s Dreadnought (“Encouraçado Operário”), em 31 de maio de 1924, mesmo ano em que Sylvia foi expulsa do Partido Comunista em 1924 por seu alinhamento às posições conselhistas e comunistas de esquerda. Morreu em 1960 na Etiópia. Este artigo foi traduzido do original em inglês coletivamente por Resistência Autonomista (RA) e integra o esforço de traduções de 100 anos da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra (confira aqui o chamado e a lista completa de obras).
O apelo do Grupo de Trabalhadores da Rússia[1], que nós publicamos em nossa primeira página, revela que a luta continua entre as concepções opostas do capitalismo e do comunismo. O capitalismo continua em ascensão. Na Rússia, o apelo de seus dirigentes não é mais para louvar a empresa privada e os direitos à livre iniciativa de cada indivíduo. Eles agora posam de profetas da eficiência centralizada, da monopolização, do controle estatal e do disciplinamento do proletariado em favor do aumento da produção.
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O Partido Comunista defende que a política de capitalismo avançado da Nova Política Econômica (NEP) explica sua contradição de princípios pela justificativa de que a Rússia deve ser desenvolvida pelo capitalismo antes de ser adequada ao comunismo. Eles esperam assim manter sob controle os dentes e as garras do capitalismo.
Os articuladores da NEP, que não são comunistas, estão trabalhando de um modo que o costume se apresente como o único estado natural e possível das coisas. Eles estão crescendo em poder e número, e irão se agarrar firmemente às suas conquistas pós revolucionárias. Para a classe dominante é sempre mais fácil manter as coisas como estão e atuar por meio de métodos antigos ao invés de elaborar práticas inéditas.
O resultado é que os trabalhadores russos continuam a ser escravos assalariados. E escravos muito pobres, pois continuam trabalhando, não por livre arbítrio, mas sob a compulsão de necessidades econômicas e mantidos em sua posição subordinada por uma coerção estatal que é mais pronunciada em países onde os trabalhadores não demonstraram recentemente a capacidade de se rebelar com eficácia.
Apesar da NEP e dos defensores do capitalismo de Estado e do monopólio, o desejo de um comunismo completo e livre não está morto na Rússia, o que fica evidenciado pela existência do “Grupo de Trabalhadores” e outras organizações de esquerda.
As organizações de esquerda, ao mesmo tempo conscientes e inconscientes até certo ponto, são forças que trabalham para a desintegração do capitalismo e de todos os seus métodos. Elas estão trabalhando no sentido da criação de um novo sistema no qual – ao invés de a sociedade ser mantida sob controle por uma direção centralizada que impõe suas vontades por meio de coerção econômica e apoiada pela força das armas – as necessidades sociais serão supridas por meio da atuação de unidades proativas cooperando por um fim comum.
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Aqueles que, mesmo professando princípios comunistas, ainda falham em reconhecer este papel que as organizações de esquerda estão destinadas a desempenhar no processo revolucionário, consideram com pesar a própria existência de um movimento de Esquerda. Na Rússia, quem observa superficialmente se queixa que as atividades da Esquerda fomentarão um descontentamento com a atual conjuntura e que, talvez, o crescimento da produção fique prejudicado, provocando diversos problemas por perturbarem a aceitação disciplinada das autoridades dirigentes pelos trabalhadores.
Da mesma forma, educadores que têm buscado despertar nos alunos a iniciativa própria, instituir a autonomia de pensamento e um currículo escolar organizado pelos próprios alunos, têm sido confrontados com objeções de que “a ordem foi substituída pelo caos” e que o conhecimento adquirido pelos alunos foi gravemente reduzido.
Os educadores autênticos têm persistido a despeito do desânimo e continuam dispostos a criar escolas onde os alunos possam manter um ambiente mais harmônico e proveitoso do que aquele imposto de cima pelas velhas escolas. Eles têm conseguido demonstrar via resultados que o estímulo aos alunos para que o conhecimento seja adquirido por eles mesmos torna-se uma conquista permanente e parte da própria personalidade.
Assim será com o imaginário daquelas pessoas que estão trabalhando para a completa emancipação da espécie humana da subordinação econômica e do autoritarismo que a acompanha.
Muitos comunistas de outros países se opõem aos holofotes que, de fato, estão sendo colocados sobre a Rússia Soviética por seus camaradas comunistas. Os últimos querem que pareça que tudo está perfeito por lá e acreditam que seria uma péssima propaganda admitir francamente as falhas e deficiências na terra da revolução e criticar os métodos e artifícios usados por aqueles que estão no poder. Suas objeções são míopes, pois, afinal, o que desejamos é alcançar o próprio comunismo e não a política ou a posição de qualquer partido.
Se fingirmos que o atual regime na Rússia é comunista, que é de fato o tipo de vida que buscamos, aqueles que observam suas deficiências naturalmente nos informarão que nosso objetivo não passa de uma grande farsa.
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Nota dos editores:
[1] Trata-se do Grupo Operário do Partido Comunista Russo (bolcheviques) [Рабочая группа Коммунистической партии России (большевиков) – Rabochaya gruppa Kommunisticheskoy partii Rossii (bol’shevikov)], formado em 1923 como organização política de resistência à NEP. Seu integrante mais conhecido foi Gavriil Ilich Miasnikov (1889-1945), cujos textos O mesmo que antes, só que de outro jeito e Apelo dos 22 já se encontram traduzidos ao português no Passa Palavra.
Quanto mais aprendo sobre a esquerda e suas ações, mais feliz fico em ter me tornado uma direitista.