Por Lucas Alencar

Como eu tinha falado mais cedo, estava procurando por esses dias alguns materiais históricos pra ter uma noção de como a esquerda entendia a questão prisional nas décadas passadas, em especial os anarquistas. Daí me chamou atenção um jornal chamado “O Inimigo do Rei”!

Não só pelo que encontrei sobre a questão dos presos, mas também por outras, como por exemplo: o jeito bem humorado de tratar alguns temas e de atacar autoridades ou costumes conservadores, assim como a pouca diplomacia na critica direcionada a esquerda estadista.

O Inimigo do Rei surge lá por 1977, idealizado por estudantes da UFBA. Impresso em folha sulfite A4, não demorou pra chamar atenção das organizações libertárias de SP, RJ e RS, circulando por esses estados já no ano seguinte. Mesmo de forma irregular, o jornal existiu por 11 anos!

Desde o início o jornal foi um espaço de tensionamento entre estudantes libertários e intelectuais, professores e outros estudantes que compunham o movimento estudantil tradicional. Como no texto de Alexandre Ferraz, na edição 6, onde ele escreve:“Esta UNE Já nasceu morta…”

O autor? Não era um agente da CIA, tampouco da polícia tupiniquim; nem “de direita” ou coisa que o valha: era um estudante comum, um estudante-povo. Foi, talvez, a coisa mais certa que já ouvi sobre o assunto…

Na mesma edição, um texto com o título “PRESÍDIOS: ONDE SE FORMA O DOUTOR EM MARGINALIDADE”, a questão de classe que permeia a divisão arbitrária entre preso político e preso comum já é colocada de forma bem bem contundente e sem papas na língua:

Deixando claro para os esquerdinhas que o condenado “comum”, entregue ao desemprego e pego na rua é brutalmente torturado desde a delegacia, tanto quanto seus amigos…. DE CLASSE!

Ainda na edição 6, um texto abre o jornal lançando critica à Anistia, fazendo uma comparação da execução de Aézio da Silva, servente, numa delegacia do RJ e tratada como “suicídio”, com a morte de Herzog, também tratada como “suicídio”. Não temos todos cabeça, tronco e membros?

As críticas quase sempre vinham com uma bala de prata em direção a mentalidade autoritária das esquerdas partidárias. Se para os anarquistas, aquela esquerda via com dois pesos e duas medidas o mesmo fenômeno social, quais eram suas intenções em tomar o poder do Estado?

Na edição número 7, uma capa direta e reta: EU TAMBÉM QUERO SAIR. E um pequeno texto chamado “Denúncias do Ceará”, relatando um complô entre policia e proprietários de terra para prender trabalhadores que tentavam cobrar as dívidas que os patrões tinham com estes.

Em 1980 nº 9, Marcus Gutemberg provoca os leitores acomodados com a existência das prisões, fazendo a narração de um cidadão alemão, pastor, que vê pessoas de outros grupos sociais sendo presos pela SS – sempre sob alguma justificativa “plausível” – até que a prisão chega nele.

Dando uma cara didática a noção de que não há uma ontologia do crime, e que condutas ou grupos sociais são taxados legalmente como criminosos por uma decisão política. Não existe preso comum e preso político. O que existem são presos! Gritem por eles!

Pacheco, na edição 10, provoca com a manchete “PEDRA PETRA: O GULAG BAIANO”, convocando por curiosidade ou ódio, os partidos de esquerda a olharem a reportagem que conta sobre uma colônia penal em Salvador, conhecida por aprisionar pessoas sem condenação.

O texto foca em três homens pretos e pobres, que são presos e que tentam fugir da Colônia Penal e são brutalmente violentados por 18 policiais. Com não são PCB, PC do B e de nenhuma organização pequeno-burguesa, não recebem atenção da Anistia Internacional e nem dos movimentos revolucionários

Se os movimentos ditos revolucionários estavam incrédulos por ainda ter um preso “político” no Ceará, mas ignoravam os milhares de seres humanos torturados diariamente nas cadeias, é tudo uma questão de classe. São pretos e favelados.

Lucas Alencar de Araujo é formado em Serviço Social pela PUC-SP. Pesquisa anarquismos, abolicionismo penal e violência sexual. Contato: [email protected].

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