Por @narcissan

Os artigos sobre os protestos em Hong Kong foram reunidos em um dossiê.

Assistindo “Nós não gostamos de samba” – enquanto desabafo: “eu não gosto do espetáculo!”

Na noite de 20 de setembro de 2019, em meio ao movimento contra o projeto de emenda na lei dos fugitivos e à luta por “democracia” que tomou conta da cidade, o Grupo de Trabalhadores organizou a exibição do filme “We Don’t Like Samba” nas ruas de Mongkok, Kowloon, Hong Kong.

O filme “Nós não gostamos de samba” foi produzido por C.I.S./Berlim em 2014 e documenta o movimento de massas que emergiu após o aumento nos preços do transporte público em junho de 2013. E, inspiradas por essa insurreição, as lutas sociais se espalharam de forma incendiária: trabalhadores fazendo greves selvagens, jovens mulheres se mobilizando contra a visita do Papa, pessoas lutando contra projetos de urbanização. E, em muitas favelas, a resistência contra a militarização e os despejos cresceu. “Nós não somos sambistas”, dizem os trabalhadores da coleta de lixo – os chamados “garis” – em uma entrevista. “Nós somos rebeldes” e “não gostamos de samba”.

Tal exibição certamente não foi algo novo ou especial, nem em Hong Kong nem no movimento atual. Na verdade, exibições vêm sendo organizadas por diferentes grupos/pessoas durante a mobilização, a saber: “Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom”, “1987, quando chega o dia”, “Ten Years” e “V de Vingança”. E, claro, também aconteceram inúmeras projeções sobre a violência policial e de cenas documentadas durante as lutas e enfrentamentos. Essas exibições em geral chamavam alguma atenção. Havia centenas de pessoas de pé nas ruas por duas horas assistindo “Winter on Fire” (pelo que observei, de duas a três mil pessoas).

Como dá pra ver nas fotos tiradas durante a exibição a exibição de “Nós não gostamos de samba”, só umas vinte pessoas vieram (passando por ali), ficaram e assistiram o filme. E sim, a maioria delas de fato assistiu, inteiro e até o fim. No entanto, o fato triste, porém real, e que não pode deixar de ser dito, é que de todos que viram o filme, só uns poucos quiseram ficar para a conversa e discussão posterior (talvez uns cinco ou seis deles).

Soa deprimente? Não, na verdade não. Longe disso, eu acredito que essa exibição organizada pelo Grupo de Trabalhadores foi um acontecimento importante e promissor. Isso porque:

– Um dos organizadores contou que eles escolheram passar o “Nós não gostamos de samba” neste momento de propósito, a fim de traçar uma comparação entre o que aconteceu no Brasil na época e o que está acontecendo aqui e agora em Hong Kong. Ele mencionou especificamente que, no Brasil, o movimento teve como estopim a luta contra o aumento do preço do ônibus e inspirou e se desdobrou em outras lutas e enfrentamentos. Já em Hong Kong, nós estivemos lutando durante alguns meses pela “democracia” e só agora nós percebemos os problemas da MTR (Mass Transit Railway, Ferrovia de Transporte de Massas), do metrô ou do trem subterrâneo de Hong Kong, e começamos a lutar contra eles. No entanto, não por suas altas tarifas, mas por sua colaboração com a polícia. O governo de Hong Kong é o principal acionista da MTR, que é gerida como uma empresa com fins lucrativos “privada”, “comercial” e “cotada” na bolsa.

– Uma das pessoas que ficou para a conversa posterior à exibição comentou que um dos trechos de “Nós não gostamos de samba” mais marcantes é o retrato da importância dos trabalhadores da coleta de lixo da cidade. Ela observou que se tanto os garis quanto a polícia são pagos para servir ao público, por que a própria polícia não ia lá limpar o lixo quando os garis estavam em greve? E avançou dizendo que, depois de ver quão seriamente uma cidade pode ser impactada se os garis entram em greve, nós deveríamos realmente repensar e respeitar os trabalhadores, independentemente de quem for e de quanto ganham.

– Um dos organizadores comentou comigo que de fato o número de pessoas que compareceu à exibição foi longe de ser perfeito. Mas para ele, ao menos, é importante e significativo que tais atividades sejam organizadas, esperando suscitar algo: a reflexão do público sobre as relações capitalistas de exploração, uma chance para os membros do grupo se encontrarem e dialogarem com as pessoas, e a experiência que provavelmente consolidaria internamente a relação entre seus membros. E é especialmente verdade num contexto em que o público está mobilizado em massa e curioso.

O Grupo de Trabalhadores é um grupo de pessoas que trabalham e usam suas “horas livres” (folgas) para dar apoio e se envolver na organização de trabalhadores, a fim de desafiar as relações capitalistas em tudo que for possível.

E isso sempre fica faltando, mas é essencial para qualquer um desses movimentos de massas, e por isso precisa ser relatado e informado……

Traduzido ao português pelo Passa Palavra a partir do original em inglês.

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