Por A Voz Rouca

👩🏽‍🏫 DIÁRIO DA QUARENTENA #11
💻 Educação nos tempos de corona

RELATO DE DEMISSÃO

Semana 3.
Quinta-feira, 2/4/2020

Terminei de dar todas as aulas da semana e concluí no dia anterior o planejamento das aulas da semana seguinte: preenchi a tabela enviada pela escola com os conteúdos, gerei id e senha pras aulas no zoom, colei as informações na planilha etc. É uma demanda tão absurda de burocracia tecnológica que a aula (e a saúde dos professores) fica em segundo plano… mas nada novo sob o sol.

O telefone toca. É a coordenadora. Respiro fundo e atendo. Ultimamente a cobrança por parte dessa escola só aumenta e esses telefonemas (muitos fora do meu horário na escola) acabam me dando gatilho. “Oi, professora. Como foram as aulas de hoje?” Expliquei como tinham sido, disse que já tinha mandado as fotos e o “relatório” pro grupo explicando o que deu certo e o que deu errado. “Ah, ok. Não tenho boas notícias…”.

Respiro fundo novamente e imagino que algum pai ou mãe tenha reclamado de alguma coisa que eu falei, sei lá, é o que vem a minha cabeça. Muitos responsáveis assistem às aulas junto com os filhos e sabemos que a liberdade de cátedra anda cada dia mais ameaçada. Mas não é essa a notícia ruim, ela prossegue, num tom artificial que transmite uma calma vinda sabe-se lá de onde! “Vou ter que te dispensar…” O termo dispensar me chama atenção: ele nada mais é do que um eufemismo para demissão.
(pausa pra uma água com floral porque essa história, apesar de já ter se passado há uma semana, mexe com meu lado límbico…)

Respondo automaticamente: “Oi? Me dispensar? Como assim???!” Voz calma e artificial, ou seja, voz falsa do outro lado da linha: “Sim…você sabe os problemas que estamos enfrentando. Muitos pais não estão efetuando o pagamento da mensalidade e como eu sou professora de Redação e Português, vou assumir suas turmas”. Soou quase convincente essa justificativa, mas meu sexto sentido não me abandona jamais. Explico que estou surpresa e muito chateada já com a notícia que recebi da demissão dos funcionários da limpeza e inspetores (ocorreram na semana anterior, ou seja, na segunda semana de quarentena!). Falo que essa medida é drástica e que muito me surpreende (Quanta ingenuidade, Giselle…) ser tomada logo na segunda semana e se estender aos professores. Do outro lado da linha: “Uhum, entendo. Mas espero que você também nos entenda. Estamos tentando segurar o emprego dos outros profissionais”.

Pergunto: Mas por que eu, já que somos 3 professoras da área?” Faço a pergunta, mas antes peço desculpas por ela e explico que é uma curiosidade, que espero que minhas colegas mantenham o emprego. Ela diz que não pode comentar sobre os outros profissionais e reafirma que se ela fosse professora de história ou geografia (acho que ela citou essas disciplinas), ela assumiria as turmas destes professores. “Ok.”, eu disse. Ela passou informações técnicas e desligou.

Giselle Veiga (adaptado) – Niterói/RJ

(A Voz Rouca irá publicar na sua página relatos de abusos cometidos pelas escolas contra os trabalhadores durante a crise do Coronavírus. Caso você queira compartilhar alguma história, é só nos procurar ).

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