Fotografia de Anderson Barbosa

Por alguns camaradas do Rio de Janeiro

 

Este artigo foi originalmente publicado no feverstruggle.net, antes de o site ter saído do ar. Escrito em abril de 2020, ele é o esforço de Alguns camaradas do Rio de Janeiro em publicizar as preocupações de uma estudante de medicina diante à Covid-19. Devido à importância deste relato decidimos disponibilizá-lo no Passa Palavra.

A falta de EPI no RJ já era um problema de longa data, muito anterior à pandemia. As secretarias estadual e municipal de saúde têm entrado em conflito, com a primeira assumindo que a situação precisa melhorar e anunciando compra de equipamentos e a segunda negando que o problema existe. A situação se estende pro particular também e mesmo nos locais em que tem disponibilidade de equipamentos falta capacitação para sua utilização. Era pra ser um protocolo diferente do usado no dia a dia e muitos funcionários acabam reproduzindo esse último pela falta de conhecimento, o que aumenta muito a chance de contágio.

Aqui no Rio tem uma cultura diferente em relação à participação dos estudantes universitários nas unidades de saúde. Ela costuma ser muito mais ativa do que em outros estados, com acadêmicos fazendo procedimentos invasivos e realizando o atendimento inteiro, só pegando o carimbo com o médico no final. Por isso acaba que muitos serviços dependem mesmo da participação dos alunos pra fluir e acabam abrindo as portas sem nenhum tipo de convênio com as faculdades. Formalmente, alunos estão proibidos de participar em qualquer serviço durante a quarentena, mas não da pra garantir que isso esteja em prática, porque sem eles alguns locais param mesmo. E justamente os que mais dependem do trabalho dos estudantes são os mais precarizados e desassistídos. Um grande exemplo é o Salgado Filho (não sei como está em relação a receber alunos), mas é onde estavam usando sacos de lixo no lugar do avental descartável pela falta.

Tem alguns gestores também adaptando os protocolos oficiais, dizendo que alguns tipos de máscaras (a N95 principalmente, que é a mais segura e mais cara também) não são necessárias (lugares inclusive em que a gestão está em home office dizendo que o tempo de contato com alguém possivelmente ou confirmadamente infectado não é suficiente pro contágio). Isso tem gerado muitas dúvidas, muitos profissionais não sabem ao certo quais são as orientações formais de segurança pra cada tipo de procedimento. E na maioria das vezes quando sabem não conseguem reproduzir porque a unidade não fornece os equipamentos.

Outro grande problema é em relação a quem é grupo de risco e não tem qualquer tipo de respaldo pra pedir licença ou afastamento durante a pandemia. Alguns locais têm dispensado esses funcionários, mas até onde eu vi é sempre por regulamento da própria instituição, então só tem acontecido em lugares mais bem estruturados. Tem também a galera que mora e tem contato direto com quem está no grupo de risco, e estão a maioria contando exclusivamente com práticas de higiene pessoal quando chegam em casa, o que pode ser muito falho quando se vem de uma unidade de saúde. Saíram algumas notícias de médicos e enfermeiros que optaram por ficar em hotéis até o fim da quarentena pra não colocar as famílias em risco – preciso nem dizer o quanto isso é impensável pra maioria das pessoas e absurdo mesmo pra quem tem feito, porque não deviam arcar com as insuficiências dos seus locais de trabalho.

Sobre as medidas em relação aos estudantes da área da saúde

O edital que saiu ontem fala em cadastro de todos os estudantes da rede federal de ensino. Aparentemente todos se enquadram nisso, porque mesmo as particulares fazem parte dessa rede. O cadastro para trabalho durante a pandemia não é obrigatório. Esse foi o ponto que gerou mais dúvidas, porque o edital diz explicitamente que sim, mas a lives com advogados das executivas de curso têm dito o contrário. Só se cadastra quem quiser e não foram definidos critérios pra ordem em que os estudantes serão chamados. Só recebem bolsa e a bonificação em pontos nas provas de residência quem for chamado.

sobre isso o que tem gerado mais polêmica é essa bonificação nas provas de residência. Seria só para as universidades conveniadas ao MS por enquanto, mas nada impede que o MEC aceite isso também. As discussões têm sido em torno de se é adequado ou não oferecer qualquer tipo de bonificação a um trabalho que seria voluntário, porque pressiona quem não queria participar a se inscrever. E o edital também não contempla alunos que estão em grupos de risco.

Ontem saiu também uma MP que fala sobre a possibilidade de antecipação de formatura dos alunos do 12º período (último) das faculdades de medicina. Algumas faculdades já haviam conseguido por liminar essa antecipação logo no início da pandemia. Alguns saíram com o condicional de que os estudantes que se formaram por liminar se inscrevessem no edital do programa mais médicos. Essa MP de ontem não fala de inscrição obrigatória em nenhum programa do governo federal.

Sobre a antecipação

quem era a favor desde o início da quarentena usava como argumento que os serviços estão muito precarizados, por isso enviar estudantes que estão há um ou dois meses da formatura como voluntários contribuiria para precarização e então a melhor medida seria a formatura. Queria um jeito menos grosseiro de dizer isso, mas o argumento basicamente era: se for pra se f*der, que seja recebendo salário.

quem era contra a antecipação usava como argumento também que era uma forma de precarização (risos), no sentido de que é mão de obra barata chegando ao mercado (ao mesmo tempo que aumenta a demanda por médicos, tem mais médicos procurando emprego. E essa seria uma forma de contratar mão de obra especializada por um preço menor). Recém-formado tem a tendência de aceitar qualquer trabalho, com pagamento super baixo e sem as condições adequadas, o que pioraria a situação epidemiológica da pandemia. Dizem que essa formação antecipada não faria nada pra melhorar o controle da doença, porque o numero de médicos qualificados é suficiente, muitos apenas não são recrutados devido à própria incompetência do governo, e má distribuição pelo território nacional. Apontam que diversas outras medidas deveriam ser tomadas antes dessa (contratação de novos profissionais, distribuição adequada pelo país, fortalecimento da atenção básica), o que não tem sido feito por escolha política/econômica de não destinar dinheiro ao SUS.

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