José Abrahão Castillero

Entregadores mobilizam uma paralisação agendada para o domingo, dia 18 de julho, no bairro da Barra da Tijuca. A concentração está marcada para acontecer no Barra Shopping, na Avenida das Américas e no Via Parque Shopping, na Avenida Ayrton Senna. Essa é a segunda semana de mobilizações desses trabalhadores, que começaram sua luta paralisando no bairro de Campo Grande, no Park Shopping e outros estabelecimentos. O estopim foi a priorização de entregas da IFOOD ao modelo de “sub-praça”, onde entregadores são vinculados a regiões de bairros (praças), através de empresas que atuam como operadoras logísticas (OL). Essa modalidade coloca cumprimento de horários e entregas em escalas, pode pedir um dia de folga por semana, previamente combinado, mas não ganha salário fixo e nenhum benefício. Parece ter obrigações trabalhistas para trabalhar, porém sem as suas vantagens.

A priorização prejudicou quem está na modalidade “nuvem”, que não tem obrigações com horários, pode decidir que corridas faz e pode se cadastrar em outros aplicativos. Esses relataram que a partir de sexta-feira, 2 de julho, passaram a receber menos entregas, enquanto os “OL sub-praça” recebiam quase o dobro delas. Antes já havia um incentivo para adesão ao modelo OL, com as empresas dando vantagens, como redução do tempo de avaliação ou espera para entrar no aplicativo. Com a constante política de bloqueio de contas dos “nuvens”, redução do valor de taxas, aumento de custos, baixo tempo de chegada nos locais de coleta de entregas, alguns estavam aderindo ao “OL”. Porém, se muitos se mantinham pela margem de autonomia que a primeira modalidade proporcionava, quando viram que os segundos estavam recebendo prioridade para receber as corridas no aplicativo, a greve começou.

A paralisação se estendeu para Vicente de Carvalho, Madureira, Irajá, Penha e Vila do João. Paralisou entregas em estabelecimentos como McDonalds, Burger King, Outback, Madureira Shopping e Carioca Shopping. A indignação de um motoboy explica a situação que provocou a greve:

“A gente ficou o dia todo esperando entrega, perto do estabelecimento, mas não vinha nenhuma. Aí vinha um ‘OL” e mostrava para a gente: ‘aqui, estou com 12 entregas já’. Hoje eu só fiz até agora umas 4 entregas, tem pai de família aí que já está passando fome. Aí um ‘sub-praça’ cadastrado aqui, mas que mora lá em Vila Valqueire, pega entrega. Pior que é ruim para ele, por causa do deslocamento. E as taxas tão baixas. Mas para quem não quer cumprir horário e poder trabalhar em outros aplicativos, em vez de virar escravo ‘OL’, começa a sentir pressão. A IFOOD quer é acabar com ‘nuvem’“

Sobre não querer ser “escravo OL”, outro motoboy:

“Muita gente fica esperando ter conta ser aprovada no IFOOD para trabalhar como ‘nuvem’, alguns ficam meses. Aí pede para entrar como ‘OL’, que é aprovado rapidinho. Mas aí é muita escravidão, tu tem que ficar logado no aplicativo e cumprir horário. Não pode se cadastrar em outro. Se desloca pro local da ‘sub-praça’, faz entrega e depois tem que voltar. Nem pagam tua manutenção, combustível, nada. Se rola acidente, não te dão nada. Aí tu pensa em pedir para sair, para virar ‘nuvem’. O líder só avisa que tua conta vai ser zerada, tu fica 3 meses esperando. Esse tempo todo para sair, mas quando é para entrar eles te aprovam no OL rápido né”

Uma pressão que os “nuvem” já vinham sentindo é a sistemática ocorrência de bloqueios temporários ou permanentes de contas. Além da quase impossibilidade de recorrer e ser atendido, pois praticamente não há revisões além da resposta de robôs do aplicativo, muitas entregas não têm oferecido o código de comprovação de entrega. Nisso, há fraudes onde o cliente cancela o pedido e alega não receber o produto, para ganhar a indemnização. Há muitas dúvidas sobre o que ocorre, mas não há segurança que garanta que o entregador não sofra a culpa. Sem o código de comprovação, muitos são bloqueados no pedido de acareação do cliente.

Quem vai acabar, “nuvem” ou “OL”?

A prioridade de entregas aos “sub-praça” mostra que a IFOOD decide deliberadamente sobre a distribuição das entregas e escolhe quem vai receber mais e quem vai receber menos, conforme seus interesses. Mas quais são esses interesses? É sabido que com os “OL” a empresa coloca um controle sobre o trabalho. Pois a obrigação de cumprir horários e entregas marcadas coloca um medo sobre os entregadores, que se sentem ameaçados de bloqueios e podem ficar meses sem conseguir trabalhar. Isso dispensa os “prêmios” em dias de chuva, por exemplo, que são entregas com valores maiores, para incentivar os motoboys. Esse caso, por si só, serve como exemplo da economia que a empresa tem ao enquadrar esses trabalhadores.

Apesar do maior enquadramento no ritmo de trabalho, há o pagamento das empresas “OL”. As empresas Sismotos, Logos, Speed Brother e Cronos têm atuado como “sub-praça” de operadoras logísticas, mas têm seus interesses próprios. Na medida que apresentam resultados, seus serviços de gestão tendem a se valorizar. E ainda há a possibilidade de entregadores entrarem com ação trabalhista na justiça, exigindo reconhecimento de vínculo empregatício. Aparentemente, há uma série de custos colocados na gestão das entregas pelas terceirizadas “OL”, os quais a IFOOD e qualquer empresa de aplicativos gostaria de reduzir e garantir que a imposição do “salário por peça” funcione como indução à auto intensificação do trabalho e ao auto prolongamento da jornada.

A ação jurídica nem sempre acontece a favor do entregador, pois é possível não reconhecer vínculo empregatício dos “OL”. A pressão que a empresa cumpre é exatamente baseada na imposição do salário por peça, que é a não remuneração do tempo de trabalho nos intervalos durante a jornada: como descanso e almoço. Mesmo que estejam recebendo mais entregas, é a condição de ganhar taxas a cada uma delas, em escalas fixas de horários, sob ameaça de bloqueios e punições, que garante que esses trabalhadores intensifiquem sua jornada e seu ritmo de trabalho. Ou seja, mesmo com a disciplina da empresa, é a mesma dinâmica que ocorre com os “nuvem”, sem a possibilidade de organizar seu trabalho de acordo com seus custos (combustível, manutenção, tempo, vida pessoal, adquirir outros contratos, etc.). Trata-se de uma conciliação de interesses entre essas médias empresas, com uma grande, que é a IFOOD.

Os custos com o modelo “OL” fizeram alguns pensar que ele teria data para acabar. Mas ele parece mostrar uma tendência, mesmo que não seja permanente, pela imposição de enquadramento ao salário por peça em tempo estipulado por quem contrata o entregador. Se essa modalidade foi uma resposta à luta dos “nuvem”, é possível dizer que o “sub-praça” é a mesma resposta, mas está causando novas greves. Se a condição de “OL” não atraiu esses trabalhadores pela própria dinâmica de trabalho, a IFOOD deu um “empurrãozinho” controlando para que as entregas do aplicativo priorizem os cadastrados nas “sub-praças”. Os sinais dessa intenção de enquadramento ficam mais fortes quando vemos modelos implementados em cidades como Goiânia, Belo Horizonte, Belém e Ribeirão Preto, que é o “agendamento”. Onde as corridas priorizam os “nuvem” que conseguirem maior desempenho, preenchendo vagas de horários. Muitos ficam de fora e segregados, por isso mobilizaram greves contra essa modalidade.

Percebendo esse movimento para enquadramento em escalas de horários e metas, um entregador “YouTuber” percebeu que surgem 4 modalidades, que têm hierarquia para receber prioridades das entregas. A primeira é a dos “OL sub-praça”, como já tem ocorrido. A segunda é a dos “nuvem agendados”. A terceira é a dos “OL livres”, que são os vinculados às empresas “OL”, mas sem a restrição de local. E a quarta e última é a dos “nuvem” livres, ou “normais”, que são os que possuem um pouco de liberdade na busca do salário por peça, agindo mais próximos da prometida “autonomia” no serviço de entregas. De fato, parece haver um movimento para pressionar que os entregadores tenham cada vez menos margem de escolha e aceitem a intensificação da jornada.

Diante da dificuldade, a solidariedade.

Diante da mobilização da greve para o dia 18, um administrador da iFood convocou líderes das empresas “OL” para ameaçar entregadores para não aderir à greve. Declarou inclusive que o entregador que disser que “não vai rodar para evitar problema”, é uma adesão velada à manifestação. Isso mostra que mesmo que a mobilização tenha partido dos entregadores “nuvem”, ela não se direciona numa competição com os “OL”, mas atrai esses para a greve. A situação péssima de trabalho, ao invés de se reduzir em competição de modalidades, provoca uma necessidade de solidariedade e união a partir da situação geral de conflito precipitada pelo setor que possui uma margem de liberdade para se mobilizar: os “nuvens”. Para garantir o medo dos entregadores de perder seus rendimentos, os chefes da empresa procuram manter a alta oferta de trabalho e o modo de espera, que é garantir que busquem entregas sem ter alternativas.

Manter o modo de espera é a forma que os patrões usam para manter o salário por peça e que os entregadores façam a sua auto intensificação da jornada. Por isso, fazem incentivos e direcionam entregas nos dias de greve, para sabotá-las. Contam com a pobreza dos trabalhadores e a não remuneração de seus custos ou tempo de descanso. Por isso, uma condição melhor de trabalho, mesmo que tenha um rendimento melhor em entregas para cada entregador, é algo difícil de conquistar. É possível contar com a disputa entre patrões, como estabelecimentos descontentes com as taxas cobradas pela IFOOD, que entregadores declaram ser em torno de 30%. Por isso há relatos desses simpatizarem com a greve e tentarem entrar em contato com a empresa por uma resolução. Porém, mesmo assim, quando negam área para descanso e impedem entrada no estacionamento, como aconteceu no Shopping Nova América, em Del Castilho, os entregadores mobilizaram uma paralisação contra essa decisão.

Mesmo com a disputa entre os patrões, a tendência é de uma conciliação entre eles pelo enquadramento dos entregadores e isolar cada vez mais os que possuem uma possibilidade de ação política: os “nuvens”. Não é à toa que estabelecimentos como Pizza Hut, Giraffas e Outback declararam se unir para concorrer com a IFOOD, que é disputar pelo lucro com a exploração das entregas. A força das paralisações muitas vezes perde por falta de um fundo de greve ou apoio para manutenção da vida desses trabalhadores enquanto negam corridas. Já há experiências que podem ensaiar isso, como as vaquinhas para socorrer colegas que se acidentam e ficam desamparados pela empresa. Mas é possível ver o contexto recente de retirada de direitos, que dificulta algum amparo. Alguns entregadores relataram terem perdido o acesso ao auxílio emergencial desde o ano passado, outro fator que impede uma renda como retaguarda.

A solidariedade é uma força para garantir eficiência no conflito, que apresenta resultado quando a situação dos entregadores é transposta para a sociedade através da situação de exploração comum com outros trabalhadores. Além de manter a greve, que uma rede de subsistência traria, um diálogo amplo com a sociedade pode mobilizar outros setores, como os funcionários dos estabelecimentos, que são explorados através do lucro que seu trabalho produz: a venda de lanches ou produtos para entregas. Por isso, na greve do Barra Shopping, entregadores produzem formas de dialogar com funcionários e donos de estabelecimentos. Mas a dificuldade permanece e fica o desafio: como alavancar uma mobilização que poderia se reduzir a competição entre “OLs” e “nuvens”, para se tornar uma unidade entre trabalhadores contra a intensificação de condições precárias de trabalho? Parece que a mobilização por local acabou sendo um espaço forte de organização dessas greves, que foi motivado pela própria disputa de regiões em bairros, provocados pelas “sub-praças” alocadas pelas terceirizadas. Através dessa proximidade, são possíveis formas sólidas de apoio mútuo entre os entregadores, caso as greves se organizem para além de paralisações diárias.

 

5 COMENTÁRIOS

  1. Perfeito, Zé. Fica um grande dilema de mobilização no interior da categoria. Pior ainda em um contexto que o estímulo a solidariedade entre trabalhadores de diferentes modalidades se torna mais difícil com a vigilância dos patrões OL. Uma ampla campanha de denúncia e solidariedade se faz necessária no que diz respeito aos bloqueados e perseguidos. No que diz respeito à ampla maioria da esquerda para com esses trabalhadores dois desafios se colocam:

    1) romper com o ressentimento estimulado pelo fato de muitos desses terem eleito Jair Messias Bolsonaro e não serem identificados esteticamente com a esquerda tradicional;
    2) deixar de lado noções esquemáticas e até ilusórias de que serão dirigidos/educados por coletivos “antifascistas” em suas tentativas de fazer ações isoladas da composição técnica dos trabalhadores de ambas as modalidades (nuvem e OL).

    O Apagão dos Apps é o desfecho de uma mobilização sem movimento concreto. Que alguma lição seja tirada disso.

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