Por Maurilio Botelho

Acabei de ler um levantamento, feito por um grupo de jornalistas especializados em fornecer ao mercado financeiro análises que pautam os “decision makers”, sobre a relação histórica entre as Lojas Americanas e o BNDES.

Entre 2002 e 2018, as Lojas Americanas pegaram 5,5 bilhões de reais com o nosso símbolo máximo da política de financiamento do desenvolvimento nacional. No total, foram 12 operações de empréstimos. Impressiona que o volume é muito maior do que a recebida por outros grandes varejistas, como Carrefour, Pão de Açúcar, Magazine Luiza e Via Varejo, que, somados, captaram 2,5 bilhões com o banco. O Carrefour, que fica em segundo lugar nos empréstimos, está bem longe da empresa do Lemann, Sicupira e Telles: pegou 1,2 bilhão nesse período.

O maior empréstimo foi fornecido em 2018 (mas a Americanas não usou toda a linha de crédito). Entretanto, o maior conjunto de operações e a maior soma total ocorreu nos governos Lula e Dilma. O mais interessante de tudo: a partir de 2011, não há mais empréstimo às demais varejistas, mas a empresa que vende “5 kitkat por 10 reais” continua a se alimentar com o crédito estatal. Muitas considerações a fazer sobre o tema, mas abrevio:

– aqui se vê que as instituições patrocinadas pelo tio Lemann e que botaram um monte de gente no novo governo Lula não têm apenas vínculo ideológico-cultural com a intelligentsia realista do PT e partidos coligados: a mesma ideologia da modernização econômica via PPPs aparece no discurso de todos;

– esses dados reforçam o fundamento do “espetáculo de crescimento”, regado a crédito barato, dos governos Lula e Dilma. Dinheiro foi adiantado em grande escala para ampliar uma das mais capilarizadas redes de varejo do Brasil (e até produzir emprego), mas que não tinha nenhum resultado operacional positivo. As duas últimas grandes operações de crédito junto ao BNDES tinham por objetivo “reforçar o capital de giro”, ou seja, o monstruoso débito já estava construído aqui, porque a fraude contábil era exatamente registrar divida de financiamento como débito com os fornecedores. Mas como capital fictício lubrificava a circulação dos kitkat, tudo parecia normal;

– explode agora, no início do governo, mais um exemplo da relação íntima do Estado brasileiro com grupos empresariais, como ocorreu com a família Odebrecht, Batista etc… Mas graças ao desastre que foi o governo Bolsonaro, o medo da “opinião pública” de uma nova baderna na Praça dos Três Poderes e a administração do passivo deixada por Guedes e cia., talvez essa relação entre o grupo Lemann e os governos Lula e Dilma possa ficar fora dos holofotes da mídia, do MP e da classe média raivosa. Mas a julgar pelo ódio do BTG Pactual, há um grande potencial de crise política contida aí, principalmente se o governo não cumprir sua função de “emprestador de última instância” e salvar a todos os envolvidos (os tubarões);

– não precisa fazer muito esforço para ser melhor que o governo anterior, mas me parece que essa bomba — o maior escândalo corporativo da história do mercado brasileiro — vai se juntar a outros explosivos econômicos e criar um horizonte sombrio a ser enfrentado pelo novo governo;

– por fim, acho que essas informações mostram a falta de chão da imaginação ideológica de nossa esquerda. Já me diverti demais com gente que achava que os governos Dilma representavam a “retomada do nacional-desenvolvimento brasileiro”. Mas agora a paciência se esgotou com quem, até o fim de dezembro, acreditava que o novo governo Lula seria a “retomada da retomada”. Menos. Haddad que os explique.

3 COMENTÁRIOS

  1. Meu caro Maurilio Botelho,

    “Tenho tido muita coisa, menos a felicidade” (Fagner – Canteiros)… de encontrar textos concisos, certeiros e realmente relevantes como o seu… Tem-se passado por essas bandas uma longa lista de “blablaologistas” phd em “blablalologia”… Um porre de álcool etílico da pior espécie, mas rotulado como a mais fina champagne…” Champagne, brindaremos de nuevo” (Manolo Otero – Champagne) ao Grande Blá Blá Blá…
    Como Fagner não me traz felicidade, nem Manolo Otero me traz Champagne…”Por ti voy a brindar, Maurilio, champanhe”!!!
    Que venham mais textos como os seus para Passar a Palavra…

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