Por Fernando José Martins

Esse filme “hermano” é muito, mas muito recomendável mesmo. E não é somente por ser uma boa trama, com pitadas de humor inteligente, com belíssima interpretação de Ricardo Darín, ou ainda por ter ganhado o prêmio de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro. É porque os argentinos contam uma história triste, sangrenta, vexatória, mas que, como diz o recado do filme, não pode ser esquecida, em nome da justiça. A memória que é mencionada é a ditadura militar argentina e todos os seus desdobramentos: desaparecidos, assassinados, torturados, humilhados, perseguidos. O filme em si mostra a ditadura no banco dos réus literalmente. Trata-se do julgamento de líderes militares, entre eles, o emblemático ditador General Videla, que representou o regime autoritário argentino por mais tempo e com mais intensidade. A trama mostra as ameaças aos promotores e aos jovens assistentes, o relato de vítimas sobre as crueldades do regime e a condenação de diversos militares. É um filme forte, que faz o espectador sofrer, se indignar, se nausear em alguns momentos e, num movimento catártico, sentir-se aliviado, como todo bom drama. Para mim, o ápice do filme foi a sustentação, no discurso final, do promotor Julio Strassera (interpretado por Darín), que usa a expressão ecoada do povo: “nunca mais”.

É aqui que o diálogo com o Brasil de 2023 pode ser estabelecido. O povo argentino tem dimensão das atrocidades causadas pela ditadura militar. Não se encontra na Argentina nomes de ruas, escolas, viadutos, obras públicas de qualquer natureza homenageando ditadores militares, uma vez que a população reconhece os crimes ocorridos sob a tutela dos mesmos, e os rechaça. Há uma memória sobre o sangue derramado.

No Brasil, os horrores do golpe estão marcados nas memórias daqueles que sofreram com eles, mas não na população brasileira. A licenciosidade chamada anistia, amenizou ou, pior, naturalizou mortes, assassinatos, desaparecimentos, torturas, crueldades contra o ser humano. Esse fato diz muito sobre a situação atual do Brasil: desde pessoas publicamente defendendo a tortura e o extermínio de forma “normal” até um conjunto significativo de pessoas reivindicando a “intervenção” militar, ou melhor, pela força, a despeito da manifesta vontade da maioria dos brasileiros.

Sim, vivemos em uma democracia, conquistada pelo sangue de muitos. E SIM, é crime “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, o que está previsto na legislação brasileira e que teve, inclusive, sua última alteração (não do texto citado) efetuada pelo presidente Jair Messias Bolsonaro. Assim, os criminosos que temos visto nos últimos dias, devem ser presos e penalizados por seus crimes, porém, com processos de defesa, públicos e transparentes, garantido pelo Estado – isso faz parte da DEMOCRACIA!

Isso é necessário para gerar memória, como a do filme que descrevemos, e, sobretudo, retomando o conteúdo de Argentina 1985, para “nunca mais” vivenciarmos os horrores de uma ditadura.

As imagens que ilustram o artigo são frames do filme Argentina: 1985.

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