Os sindicalistas revolucionários transportaram para a extrema-direita um radicalismo de actuação e uma audácia de pensamento que até então lhe haviam faltado, e em troca reforçaram o seu próprio elitismo vanguardistaPor João Bernardo

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Gustave Hervé

Foram muitos os expoentes da ala mais extrema do movimento operário, anarquistas, sindicalistas revolucionários, colaboradores de Le Mouvement Socialiste, de La Guerre Sociale, da Terre Libre, que no combate contra a democracia liberal acabaram por abandonar a perspectiva de uma autonomia social e política da classe trabalhadora e por se identificar com as posições da direita autoritária. Talvez se possa admitir que Gustave Hervé, o internacionalista, anticolonialista e antimilitarista que dirigia e animava La Guerre Sociale, tivesse chegado em 1911 a um qualquer acordo com as autoridades para aliviar as agruras da prisão e que a partir de então fosse obrigado a pôr ao serviço da direita mais extrema o mesmo activismo que antes o situara na esquerda intransigente [1]. Este tipo de detalhes, porém, nada explica, já que não se tratou aqui da mudança de pessoas, mas de grupos políticos e ideológicos providos de uma estrutura interna coerente. Aliás, relatórios da polícia indicam que já no final da primeira década do século XX La Guerre Sociale teria mantido ligações com o partido da extrema-direita Action Française (Acção Francesa) [2] e em 1894 e 1895 o jornal La Cocarde conjugara pela primeira vez na extrema-esquerda francesa os temas socialistas e nacionalistas [3]. Ao mesmo tempo, a hostilidade aos judeus ia-se consolidando nos meios anarquistas [4], já que o anti-semitismo combinava a rejeição de uma cultura considerada estranha à nação com o ódio à riqueza atribuída aos judeus. Perto do meio operário, e simultaneamente expressando simpatia pela ala populista da Action Française, o grupo reunido de 1909 até 1912 em torno da revista Terre Libre, que ostentava como subtítulo Organe Syndical d’Action Directe, conjugava também o anarquismo e o sindicalismo revolucionário com o nacionalismo anti-semita [5], a ponto de em 15 de Outubro de 1911 a Terre Libre ter publicado um artigo onde tomava posição contra o internacionalismo, bramando contra a concorrência exercida pela mão-de-obra estrangeira e afirmando que ela resultava de uma invasão judaica sofrida pela França [6].

Este ambiente ideológico compreende-se melhor se observarmos a forma como evoluiu a agitação em torno da condenação do capitão Alfred Dreyfus. Iniciado como uma querela no interior da classe dominante, o affaire Dreyfus acabou por se converter na linha demarcatória de todas as opções políticas, obrigando a definirem-se como dreyfusards aqueles dirigentes socialistas, inicialmente hesitantes, que não quisessem juntar-se ao populismo anti-semita da extrema-direita. Como quase toda a esquerda, os sindicalistas revolucionários haviam colaborado no movimento em prol da revisão do processo. Quando Dreyfus foi completamente reabilitado, em Julho de 1906, a agitação laboral atingira proporções deveras ameaçadoras para as classes dominantes. Desde o início do século vinham a aumentar o número de greves, a quantidade de participantes e a duração média dos conflitos, culminando a mobilização no dia 1 de Maio de 1906 [7]. Mas nos anos seguintes os trabalhadores depararam com uma fortíssima repressão, conduzida por aqueles mesmos personagens que o affaire Dreyfus instalara no poder, o que não espanta se soubermos que o general que comandara o massacre dos insurrectos da Comuna fora nomeado ministro da Guerra para reabilitar Dreyfus e reintegrá-lo no exército. E quando um secretário sindical foi condenado à morte por causa das violências cometidas durante uma greve no Havre, às quais ele se mantivera estranho, e as organizações operárias procuraram renovar em seu benefício a solidariedade que acabara de salvar o capitão Dreyfus, a burguesia liberal permaneceu indiferente e alheou-se da questão [8].

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Greves de 1906 em França

Foi então, precisamente quando se tornou indubitável o confronto entre o movimento operário e a burguesia progressiva e quando parecia que ia ser afirmada a autonomia de classe dos trabalhadores e a especificidade dos seus interesses, que os sindicalistas revolucionários inverteram o rumo. Depois de terem atravessado pela extrema-esquerda o affaire Dreyfus, foram encontrar-se na extrema-direita com a Action Française, que durante o affaire havia denodadamente sustentado, contra a república parlamentar, a autoridade das instituições tradicionais. Ao lado das outras correntes que os acompanharam em tal percurso, os sindicalistas revolucionários mantiveram-se firmes na crítica à democracia representativa, e foi este o único elemento de continuidade numa viragem colectiva que teve como efeito transportar para a extrema-direita um radicalismo de actuação e uma audácia de pensamento que até então lhe haviam faltado [9]. Levaram igualmente um conjunto de preocupações sociais a que a grande parte dos conservadores insistia em manter-se alheia. Em troca, absorveram o anti-semitismo tradicional da direita francesa e puderam, além disso, reforçar o elitismo vanguardista que os caracterizara já na fase sindicalista, convertendo-o numa teoria autoritária das elites. Nos seus apelos à acção directa, os sindicalistas revolucionários haviam concebido a classe trabalhadora como a grande fonte de energia social, mas tinham também afirmado a necessidade de conduzir este dinamismo mediante a intervenção de vanguardas esclarecidas, de maneira a que as minorias radicais não ficassem aprisionadas pelo marasmo de uma base timorata. E agora, quando estavam definitivamente voltados para o autoritarismo, eles passaram a considerar as vanguardas como verdadeiras elites, com todas as consequências práticas e ideológicas daí decorrentes [10].

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Greves de 1906 em França

Nas mesmas páginas, aparentemente tão claras, em que expôs uma teoria sistemática da autonomia operária, Lagardelle sustentou, com não menos clareza, que a existência de diferenças entre as pessoas seria razão suficiente para a constituição de elites. «A partir do momento em que temos perante nós homens reais, operários que não possuem qualidades idênticas nem desenvolvem a mesma acção, produz-se necessariamente uma diferenciação entre eles. Os mais conscientes, os mais aptos para a defesa pessoal e a luta social, são os primeiros a agrupar-se, indicando aos restantes o caminho que devem seguir. Quer dizer, produz-se uma selecção e, sob o ponto de vista da evolução do proletariado, as formações assim criadas adquirem uma importância primordial». O alheamento da história é, em qualquer caso, o fundamento da teoria das elites. As diferenças circunstanciais entre vanguarda e base são congeladas fora da ocasião e do lugar em que surgiram, esquecendo que elas se extinguirão e se reorganizarão em novas diferenças à medida que a situação evoluir, e é a esta metafísica sem tempo nem espaço que as vanguardas de um instante recorrem para justificar a sua conversão em burocracias profissionais. À frente dos sindicatos as elites assumiriam, defendeu Lagardelle, a forma de uma burocracia estável, e no quadro das empresas apresentar-se-iam como uma tecnocracia de origem operária. «O que já se chamou tirania dos sindicatos não é mais do que a faculdade de direcção regularmente transferida para os grupos seleccionados, quer dizer, para o corpo constituído pelos operários mais capazes de salvaguardar os interesses de toda a classe. […] Quanto mais [os grupos sindicais] actuam e deliberam em nome de todos os trabalhadores, mais se afirma o seu papel de órgãos dirigentes e representativos da massa proletária. […] Porém, os trabalhadores não organizados não podem aspirar, em virtude de qualquer direito individual superior ao direito de todos, a destruir o princípio do governo operário pelos grupos profissionais. […] o movimento operário tende a ser estável e orgânico. O mundo do trabalho é um mundo à parte. O labor da produção é difícil […]. Exige uma determinada soma de qualificações e torna necessária a existência de uma forte hierarquia. Esta hierarquia forma-se naturalmente segundo a lei da selecção na organização da classe operária». Sem a autoridade estável e firme exercida pela nova elite operária, concluiu Lagardelle, «os grupos profissionais, que são formações seleccionadas, seriam afogados na massa amorfa dos trabalhadores não organizados» [11]. Com efeito, nada aflige mais as elites do que serem absorvidas pela massa, ou seja, perderem exactamente o seu carácter de elite. Pavoroso destino!

A mesma teoria das elites usada por Lagardelle serviu a Édouard Berth para confundir a autonomia operária com a alienação dos trabalhadores ao serviço do capital, quando fez a apologia da disciplina de empresa e do produtivismo e os considerou como o verdadeiro modelo do socialismo. Concentrando as diatribes nos especuladores, nos representantes do capital comercial e financeiro, e acusando-os de parasitismo, Berth enalteceu o espírito empresarial atribuído aos capitães de indústria, «os grandes realizadores de um capitalismo audaz, poderoso e inovador», como ele reafirmou num texto de 1923 [12]. Nesta perspectiva, a sua crítica ao Estado, que reputava inútil só por não ser produtivo [13], situa-se na tradição de Saint-Simon, para quem a empresa era o único quadro político necessário ao capitalismo. Decerto Berth admitiu que o sindicalismo revolucionário pretende que «essa divisão autocrática e hierárquica do trabalho, instaurada pelo capital na oficina, dê lugar a uma associação igualitária de trabalhadores livres e não hierarquizados» [14] e mencionou repetidamente a aspiração a «uma oficina sem patrões» [15].

Mas como o sindicalismo revolucionário era «o filho legítimo do capitalismo», tendo herdado dele «esse amor por uma produtividade cada vez mais elevada e mais perfeita», «o imperativo categórico da produção» [16], Berth considerava que o socialismo manteria sem alteração as forças produtivas e a tecnologia que lhes presidia. Ora, as tecnologias não são neutras e pressupõem dadas formas de trabalho, exigindo dados tipos de disciplina. «A gratidão que o sindicalismo devota ao capitalismo não se limita apenas às riquezas materiais que este criou, mas também e sobretudo às transformações morais e espirituais que operou no seio das massas operárias que, graças à sua disciplina de ferro, foram arrancadas à sua preguiça primitiva […] para se tornarem capazes de um trabalho colectivo cada vez mais perfeito» [17]. Neste contexto, que sentido podia ter a autodisciplina dos trabalhadores senão o de uma autocoacção? «O sindicalismo reconhece inteiramente que a civilização começou, e tinha de começar, pela coacção, que esta coação foi salutar, benéfica e criativa e que, se é possível ter esperança num regime de liberdade, sem tutela de patrões e sem tutela de Estado, é ainda graças a esse mesmo regime de coacção que disciplinou a humanidade e pouco a pouco a tornou capaz de se elevar ao trabalho livre e voluntário» [18]. Ao definir a liberdade como uma autocoacção e ao admitir, afinal, que o Estado podia extinguir-se quando cada um fosse capaz de se reprimir a si próprio e aos outros [19], Berth não fez mais do que dar nova vida à única grande utopia do capitalismo, a de que será possível recuperar perpetuamente os conflitos sociais, de maneira que a liberdade não tenha outro conteúdo senão o de uma repressão consentida.

Sergio Panunzio
Sergio Panunzio

A síntese deste conjunto de temas encontra-se num pequeno artigo de Sergio Panunzio, um dos muitos sindicalistas revolucionários italianos que participaria, alguns anos depois, na fundação dos Fasci di Combattimento (Ligas de Combate). Apesar de ter sido o principal teórico do regime de Mussolini na década de 1920 [20] — ou quem sabe se por isto mesmo? — ele manteria uma certa atitude de contestação, defendendo um corporativismo integral e opondo-se à versão moderada que o Duce implantara [21]. Estes fios com que a história haveria de ser tecida podiam deslindar-se desde já, ao vermos Panunzio considerar que o princípio geral da autoridade dominava toda a vida social, sendo o Estado burguês apenas uma das suas manifestações específicas. Por isso, continuou ele, os sindicalistas revolucionários, se combatiam o Estado, destacavam-se dos anarquistas por não porem em causa a autoridade. «[…] o sindicalismo é antiestatista por definição, mas não antiautoritário». Era a disciplina de empresa que exigia a autoridade. O capitalista tornara-se supérfluo, mas a direcção técnica da empresa mantinha-se indispensável. «Quando a exploração inerente ao organismo da empresa capitalista for eliminada pela unificação e pela associação livre dos factores produtivos, já nas mãos dos operários sindicalizados, continuará a haver grupos de produtores que terão necessidade de um regime técnico, de uma direcção. Mesmo no regime económico operário instituído pelos sindicatos, sem classe patronal nem Estado, existirá um princípio autoritário, chamemos-lhe assim, que resulta inevitavelmente das imperiosas necessidades técnicas do trabalho e da produção» [22]. Partindo da acção de uma vanguarda num quadro que parecia inteiramente dedicado à autonomia proletária, os sindicalistas revolucionários começaram a proceder a uma apologia do autoritarismo tecnocrático. A criação de novas instituições no decurso do processo de luta acabou, afinal, por se revelar como uma redução de todos os horizontes sociais aos limites da empresa e como um reforço da disciplina de empresa.

Esta teoria das vanguardas degenerou num elitismo em que inelutavelmente se reconstruiu o princípio da autoridade e do Estado. Dou a palavra a um dos estudiosos desta problemática. «[…] uma sociedade fundada nos critérios expostos por Sorel, Berth, Pouget, Lagardelle ou Griffuelhes teria apresentado as características principais do tipo ideal de uma sociedade fascista. Conduzida “pelos conscientes, os revoltados” [Pouget], que têm um desprezo sem limites pela democracia […] e pelo modo de vida da sociedade burguesa, esta sociedade sindicalista pretendia moldar um novo tipo de homem, movido “pela ousadia, pela disciplina maravilhosa” que emana “do exército dos trabalhadores” em greve [Berth] […] Os sindicalistas revolucionários consideram-se uma nova aristocracia, conduzindo à guerra — a guerra social — o imenso exército dos proletários. […] O ímpeto revolucionário passa […] a depender da fé e da vontade, e já não de uma consciência da evolução histórica. Isto explica que o encontro com a Action Française não tenha sido fortuito, resultando de uma concepção muito similar do bem político e das forças históricas» [23]. Mas, e Sorel?

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Sorel 4
Georges Sorel

Em Les Illusions du Progrès, apesar de ter considerado a ciência como expressão do meio social, admitindo, por exemplo, que «a lei da aceleração dos graves se tivesse apresentado a Galileu em virtude de analogias políticas», já que «o poderio dos monarcas se tornara suficientemente absoluto para poder ser visto como um tipo de força constante» [24], Sorel limitou este relativismo a épocas passadas e erigiu a actividade científica do seu tempo em critério para o estabelecimento de hierarquias e em fonte da sua legitimação. É sugestivo que num livro onde a cada passo insistiu no tema da decadência e da degenerescência, Sorel detectasse no capitalismo a existência de um «progresso real», constituído pela «técnica da produção», que, assegurando por um lado o conforto dos patrões, por outro lado «é a condição necessária da revolução socialista» [25]. Inesperadamente, o engenheiro Georges Sorel encontrou-se aqui com os defensores da ortodoxia marxista que tanto abominava, pois também eles atribuíam um carácter de neutralidade social às forças produtivas e consideravam-nas como a base do socialismo. Nesta apologia da tecnologia capitalista Sorel supôs mesmo que a capacidade de inovação e de invenção dos operários industriais deveria desenvolver-se em contacto com as máquinas [26]. «A oficina moderna», escreveu ele, «é um campo de experiências que incita permanentemente o trabalhador à pesquisa científica» [27].

MANUFRANCE
Fábrica em França no início do século XX

Em lugar algum Sorel mostrou indícios de ter percebido que a maquinaria capitalista tem, entre outros, o objectivo de retirar aos trabalhadores qualquer controlo físico ou mental sobre o processo de produção. Mas aquele pretenso estímulo à participação intelectual criativa ocorreria na prática de uma forma singular, porque seria nas fábricas que as novas autoridades sociais encontrariam fundamento, reproduzindo a hierarquia inerente à actividade científica tal como ela ocorre no capitalismo. Compreende-se assim que Sorel insistisse repetidamente no carácter especializado da ciência, a ponto de ter criticado aos enciclopedistas e em geral à filosofia das luzes a pretensão de porem os conhecimentos científicos, e até a prática científica, ao alcance de todos [28]. Tocamos aqui o ponto nodal das contradições de Sorel, pois ao mesmo tempo que apelava para que os proletários produzissem o seu próprio saber e os seus sistemas de pensamento, ele estimulava as ambições de domínio da tecnocracia de formação científica.

Num apêndice datado de 1920, ao interpretar uma passagem de O Capital, Sorel imaginou que «a oficina socialista reunirá produtores cujo espírito estará sempre desperto para criticar as práticas adquiridas, que serão orientados por contramestres semelhantes aos preparadores dos professores de química e à cabeça dos quais se encontrarão engenheiros que falarão aos seus homens como um professor fala aos seus alunos» [29]. Não podia ser mais clara a conversão da hierarquia universitária em modelo da hierarquia fabril, de modo que os tecnocratas, os «engenheiros», encontrariam legitimação naquela figura que os franceses denominam le mandarin, o professor aceite como maître à penser. Ora, «a oficina socialista» herdaria «as qualidades desenvolvidas pela oficina progressista no regime capitalista» [30], o que significa que Sorel seguiu neste aspecto crucial a vulgata marxista e considerou que o crescimento das forças produtivas capitalistas era a «ponte económica» que conduzia ao socialismo [31]. Uma ciência mitificada, porque isolada do seu condicionamento social, servia de elemento de ligação entre dois modos de produção antagónicos, e nesta legitimação da tecnocracia Sorel invocou a caução do leninismo. Referindo-se com ironia aos «burgueses» que pretendiam que o bolchevismo havia cedido à necessidade de recorrer aos «intelectuais», Sorel argumentou que aqueles a quem Lenin «tivera de oferecer remunerações consideráveis» não eram políticos nem especuladores das finanças, mas «organizadores de empresas», «engenheiros» e «todo o tipo de especialistas estrangeiros» [32]. Todavia, é possível detectar os fundamentos desta concepção elitista já anteriormente à publicação de Les Illusions du Progrés.

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Greves de 1906 em França

Nas Réflexions sur la Violence Sorel afirmara claramente o seu antipatriotismo, escrevendo que «o antipatriotismo tornou-se um elemento essencial do programa sindicalista» [33]. Não foi o nacionalismo, mas o elitismo, a primeira ponte a ligar esta esquerda revolucionária à direita radical. No entanto, Sorel manifestara-se também contrário ao elitismo, e parece que com não menos nitidez. «A elite politiqueira não tem mais nada para fazer senão aplicar a sua inteligência, e acha que o facto de o proletariado trabalhar para sustentá-la está em perfeita conformidade com os princípios da Justiça Imanente (de que ela é a proprietária) […]» [34]. Sorel partira mesmo da crítica ao elitismo para analisar o problema da burocratização dos partidos socialistas. «[…] os funcionários do socialismo falam constantemente do Partido como um organismo possuidor de vida própria» [35]. E daí previra sem grande dificuldade o que havia de suceder quando os socialistas ortodoxos alcançassem os seus objectivos. «[…] a ditadura do proletariado corresponde a uma divisão da sociedade em senhores e súbditos […]» [36]. Logo a seguir chamara-lhe uma «ditadura da politicagem» e explicara-lhe o mecanismo elementar. «A história da revolução francesa mostra-nos como as coisas se passam. Os revolucionários adoptam medidas tais que o seu pessoal administrativo esteja pronto para se apoderar bruscamente da autoridade logo que o antigo pessoal abandone o lugar, de maneira a que em nenhum momento se interrompa a opressão. [… … …] poder-se-ia mesmo imaginar que, como a transmissão da autoridade se realiza hoje de maneira mais perfeita, graças aos novos recursos de que dispõe o regime parlamentar, e como o proletariado está perfeitamente enquadrado por sindicatos oficiais, veríamos a revolução social conduzir a uma maravilhosa servidão» [37]. E, depois de referir aqueles que pensam que os trabalhadores se limitam a receber ordens e a ser «instrumentos passivos que não têm necessidade de pensar», Sorel observara: «O sindicalismo revolucionário seria impossível se o mundo operário tivesse essa moral dos fracos; pelo contrário, o socialismo de Estado adaptar-se-ia perfeitamente a uma tal situação, já que ele se baseia na divisão da sociedade numa classe de produtores e numa classe de pensadores, que aplicam à produção os dados da ciência. A única diferença entre esse pretenso socialismo e o capitalismo consistiria no emprego de métodos mais engenhosos para obter a disciplina nas oficinas» [38]. Mas a crítica de Georges Sorel incidiu no elitismo dos partidos socialistas parlamentares, apegados aos valores da democracia burguesa, que ele mais do que tudo abominava. Sorel não mostrou igual lucidez a respeito do elitismo inerente ao sindicalismo revolucionário.

Fábrica 3
Fábrica em França no início do século XX

Ao longo das Réflexions sur la Violence Sorel nunca concebeu os trabalhadores como uma classe dotada de mecanismos sociais próprios e capaz de uma acção organizativa na sua própria esfera. Precisamente porque os sindicalistas revolucionários se lançaram na apologia da disciplina de empresa, eles foram incapazes de discernir a luta de classes nas acções quotidianas, anónimas, obscuras, nas modestas e incessantes resistências dos trabalhadores. É longe dos grandes gestos do heroísmo que o proletariado tece os elos mais duráveis da sua solidariedade e dá consistência à sua estrutura própria. Mas estas «relações informais», como os teóricos da administração de empresa gostam de lhes chamar, visam a contestação da disciplina capitalista do trabalho, e não era daí que podia partir quem se propunha reforçar a autoridade empresarial. Sorel, observou Lukács, «era totalmente indiferente aos objectivos e aos meios, reais e concretos, das greves singulares», e acrescentou com muita agudeza que «o proletariado não era para Sorel mais do que uma negação abstracta da vida burguesa, desprovido de qualquer substância real» [39]. Não analisando a base operária na sua estrutura interna e na sua dinâmica social específica, Sorel transformou o proletariado numa abstracção e converteu-o, no plano político, numa massa de manobra e, nas invocações ideológicas, numa caução moral.

Mito 3Por isso os sindicalistas revolucionários formularam a estratégia de greve geral nos termos de um mito. Mesmo Hubert Lagardelle, embora assinalasse o carácter pedagógico da prática de luta e mostrasse que ela consistia na criação de formas sociais de tipo novo, enunciara esta pedagogia e até as próprias instituições sobretudo como sentimentos. A acção directa, escreveu ele, era «um apelo constante às ideias de responsabilidade, de dignidade e de energia. Nem pactos nem acordos, mas a luta com os seus riscos e a sua exaltação. Nenhuma oportunidade para os baixos instintos da passividade, mas uma exaltação permanente dos sentimentos mais activos do homem» [40]. E Berth, nas mesmas linhas onde reconheceu que a flexibilidade dos salários era um facto cientificamente comprovado, pretendeu que os sindicalistas revolucionários deviam afirmar o contrário e atribuir aos salários um carácter rígido, para que, perante este «mito social», os trabalhadores se entusiasmassem pela luta [41]. De igual modo, Sorel apresentou a greve geral como um facto ideológico e não como uma forma de organização [42]. A sua realidade não era social, mas espiritual, pouco importando que a greve geral se realizasse ou não na prática, se ela pudesse servir para manter viva a revolta proletária, tal como os mitos do juízo final e da instauração do reino de Deus sobre a terra haviam servido para fundar a Igreja cristã [43].

Neste sentido o sexto capítulo das Réflexions sur la Violence é esclarecedor [44]. Os operários, quando apareceram directamente, limitaram-se a formar uma massa capaz de violência. Aqui se enquadra perversamente — e de maneira sinistra — a premonição do que viria a ser o fascismo, que se encontra muitas páginas atrás, logo no primeiro capítulo. «A experiência mostra que a burguesia se deixa facilmente espoliar, desde que seja um tanto ou quanto pressionada e lhe façam medo com a revolução. O futuro está reservado para o partido que souber manipular com mais audácia o espectro revolucionário […]» [45]. E de novo, no segundo capítulo: «É tudo uma questão de avaliação, de cautela, de oportunidade. Necessita-se muita subtileza, tacto e uma calma audácia para conduzir semelhante diplomacia: fazer crer aos operários que se ergue a bandeira da revolução, à burguesia que se põe termo ao perigo que a ameaça, ao país que se representa uma corrente de opinião irresistível» [46]. O fascismo transportou para a história o que nas páginas de Sorel fora ainda um argumento retórico.

Notas

[1] Acerca do percurso político de Gustave Hervé, que passou do anarquismo antimilitarista para a apologia do exército e do fascismo, ver Z. Sternhell et al. (1994) 243-245. Nas suas Memórias, Joseph Caillaux (1942-1947) II 84 contou que em 1911, durante o período em que chefiara o governo, ordenara a transferência de Hervé «da prisão da Santé, onde cumpria uma pena a que estava condenado e onde, beneficiando do regime dos presos políticos, tinha liberdade e ensejo de conversar diariamente com os seus auxiliares, para a prisão central de Clairvaux, onde deixou de lhe ser possível comunicar com o exterior. Esta actuação decidida deu bons resultados. Gradualmente o tom do jornal [La Guerre Sociale] tornou-se mais moderado. […] Hervé não encetara ainda aquela evolução que, partindo do antimilitarismo, devia precipitá-lo no nacionalismo mais extremo, mas ia-se acalmando. A firmeza do governo tinha-lhe ministrado um salutar duche frio».

[2] Y. Guchet (2001) 95.

[3] E. Weber (1964) 130.

[4] Referindo-se aos meados da última década do século XIX, Y. Guchet (2001) 30 n. 61 afirmou que «nos meios anarquistas existia um sólido anti-semitismo».

[5] Z. Sternhell (1978) 279, 372, 385-390.

[6] H. Dubief (org. 1969) 215-216.

[7] Z. Sternhell et al. (1994) 53.

[8] Id. (1978) 322. Zeev Sternhell indicou que se tratava do secretário do Sindicato dos Carvoeiros do Havre, mas H. Dubief (org. 1969) 49 e 214 mencionou «o secretário dos estivadores do Havre» e «o estivador do Havre».

[9] Z. Sternhell (1978) 27.

[10] Id., ibid., 328-330.

[11] H. Lagardelle, «Los Caracteres Generales del Sindicalismo», em G. Sorel et al. (1978) 72-73.

[12] E. Berth (1923) 17.

[13] No seu livro de 1908 Les Nouveaux Aspects du Socialisme em E. Berth (1923) 61-63 e 71.

[14] Id., ibid., 67. Ver também a pág. 72.

[15] Traduzo assim a expressão «atelier sans maîtres» empregue em id., ibid., 67, 71 e 75.

[16] Id., ibid., 71 (sub. orig.).

[17] Id., ibid., 76; ver também as págs. 79-80.

[18] Id., ibid., 76.

[19] Acerca deste conjunto de temas ver igualmente Z. Sternhell et al. (1994) 104-107.

[20] Id., ibid., 32.

[21] A. Lyttelton (1982) 497-498; E. Santarelli (1981) I 412, II 27.

[22] S. Pa[n]unzio, «Sindicalismo y Anarquismo», em G. Sorel et al. (1978) 83-88. As passagens citadas encontram-se nas págs. 87 e 88 (subs. orig.).

[23] Z. Sternhell (1978) 346-347. Todavia, id. et al. (1994) 108 e 109 esclareceram que Émile Pouget e Victor Griffuelhes não foram discípulos de Sorel.

[24] G. Sorel (1947) 34. Georges Sorel considerou igualmente (pág. 35) que as teses de Descartes referentes ao carácter prático da ciência e ao seu crescimento progressivo não decorriam do âmbito científico e encontravam fundamento apenas nos fenómenos políticos.

[25] Id., ibid., 276-277 (sub. orig.).

[26] Id., ibid., 281-284.

[27] Id., ibid., 282.

[28] Id., ibid., 137 e segs.

[29] Id., ibid., 354-355.

[30] Id., ibid., 355.

[31] Id., ibid., 372 (sub. orig.).

[32] Id., ibid., 359.

[33] Id. (1936) 281. Ver igualmente as págs. 162-165 e 170-171.

[34] Id., ibid., 240-241. Ver ainda as págs. 253-256 e 268.

[35] Id., ibid., 241.

[36] Id., ibid., 253.

[37] Id., ibid., 253-254, 256.

[38] Id., ibid., 367.

[39] G. Lukács (1980) 31.

[40] H. Lagardelle, «Los Caracteres Generales del Sindicalismo», em G. Sorel et al. (1978) 55.

[41] No seu livro de 1908 Les Nouveaux Aspects du Socialisme em E. Berth (1923) 54-55. A expressão citada encontra-se na pág. 54.

[42] Invocando o estudo de Peter Nettl, Z. Sternhell et al. (1994) 21 observaram que para Sorel a greve geral era a realização específica de uma concepção genérica de acção, enquanto para Rosa Luxemburg se tratava de algo muito diferente, uma táctica decorrente da conjuntura da época.

[43] G. Guy-Grand (1911) 45.

[44] G. Sorel (1936) 269-329.

[45] Id., ibid., 79.

[46] Id., ibid., 103-104.

Referências

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Zeev STERNHELL, Mario SZNAJDER e Maia ASHERI (1994) The Birth of Fascist Ideology. From Cultural Rebellion to Political Revolution, Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press.
Eugen WEBER (1964) Varieties of Fascism. Doctrines of Revolution in the Twentieth Century, Princeton: D. van Nostrand.

O artigo Ainda não sabiam que eram fascistas será publicado em cinco partes:
1) Corradini e os sindicalistas revolucionários
2) Da autonomia dos trabalhadores ao fascismo
3) Do vanguardismo a uma teoria das elites
4) Da apologia da elite a uma teoria dos heróis
5) Mussolini, o mais improvável dos fascistas

13 COMENTÁRIOS

  1. Os Sindicalistas Revolucionários??? O joão bernardo em seus delírios de grandeza, tentando se firmar como o novo arauto do marxismo, passou a falsificar a história também??? Todo mundo sabe que o fascismo saiu dos meios socialistas. Mussolini era do Partido comunista antes de fundar o Partido Fascista. Hitler era do partido Socialista da Alemanha, flertava com o comunismo. AGORA O INCRÍVEL É O CARA FAZER SUAS ABSTRAÇÕES MALUCAS E JOGAR ISSO NA CONTA DE TODO UM MOVIMENTO QUE, PRIMEIRO, ORGANIZOU A CLASSE TRABALHADORA. Em nome de todxs xs proletárixs que tombaram nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, que através da luta sindicalista revolucionária garantiram os direitos que, ainda hoje, são os únicos com quais o povo trabalhador pode contar digo: João Bernardo fica com suas polêmicas e masturbações intelectuais pra seus seguidores acadêmicos, deixa a luta popular e a revolução pro povo que se entrincheira nas barricadas…

  2. Peço ao leitor que leia atentamente o comentário acima, porque constitui um bom material pedagógico. Antes de mais, o insulto é sempre usado por quem não dispõe de argumentos, e de novo se confirma a regra. Não faço nesta série de artigos nenhuma afirmação que não esteja devidamente justificada em notas e, se aquele comentador discorda, deveria ter mostrado ou que os autores citados se enganaram ou que eu interpretei erradamente os textos. Mas o comentador escreve como se as notas e as referências não existissem. Insultar não dá trabalho, enquanto que estudar e argumentar dá trabalho. A incompetência do comentador leva-o a afirmar que Mussolini pertencera ao Partido Comunista, o que seria impossível porque ele foi fundado no começo de 1921, depois de iniciado o movimento fascista; mas tratarei da evolução de Mussolini no último artigo desta série. A afirmação de que Hitler pertencera ao SPD e que tivera simpatia pelo comunismo, além de não ter pés nem cabeça, indica que o comentador ignora a distinção entre a tendência encabeçada por Hitler e a encabeçada por Gregor Strasser. Finalmente, o anti-intelectualismo, revelado pelo comentador, foi uma das componentes do fascismo, o que confirma suplementarmente a análise que faço nesta série de artigos. Por tudo isto recomendo a leitura atenta daquele comentário como material pedagógico.

  3. Você, João Bernardo, cita como expoentes do Sindicalismo Revolucionário personagens cuja influência é questionável sob todos os aspectos. Desconsidera completamente as contribuições deste movimento, tanto práticas quanto de aprofundamento teórico e metodológico, desenvolvidas em países como o Brasil, México e Argentina, revelando, no mínimo, um eurocentrismo forçado por falta de acesso à materiais de pesquisa sobre o movimento sindicalista revolucionário em áreas periféricas do Capitalismo. Quanto a Mussolini ser do Partido Socialista, não é segredo, até nos livros didáticos você encontra referências sobre isto. Quanto à me citar obras pra ler, eu agradeço. Não sofro de onipotência intelectual e aceito sim sugestões. Eu, de minha parte, lhe indicaria a leitura de documentos sobre o esforço do Sindicalismo Revolucionário durante a existência da Associação Internacional de Trabalhadores que fundamentado, especialmente, nas teses do campo federalista da Internacional, desempenhou um papel essencial nas primeiras conquistas de direitos mínimos dos trabalhadores assalariados e na organização de mecanismos de resistência e enfrentamento para os trabalhadores. Você me acusa de fascismo por lhe atacar. E você pode atacar e desprezar toda a história de luta e sangue derramado, que o sindicalismo revolucionário escreveu e sair ileso? Eu poderia acusar o seu revisionismo histórico de fascismo, tal qual você fez com meu suposto anti-intelectualismo, mas enfim…

  4. Antes de o Trabalhador Pobre sair fazendo drama, bem que poderia ler a série desde o início. Os textos são curtos. Entenderia que a intenção do autor não é fazer “revisionismo” nem denegrir ou desprezar a “história de luta e sangue derramado”. Isso faz parte de uma correção, ou alteração, de um livro do próprio autor chamado “Labirintos do Fascismo: na encruzilhada da ordem e da revolta”, portanto se propõe a identificar nesses caras princípios ideológicos do fascismo. É bom que quebra os dogmas de certas religiões políticas ajudando na autocrítica… isso é importante pra luta de todos os trabalhadores, não necessariamente apenas os que declaram renda de pobreza.

  5. E eu estou curioso aguardando as referências desse Trabalhador Pobre às contribuições do Sindicalismo Revolucionário no Brasil, México e Argentina.

    O que achei incrível, entretanto, é a existência desses documentos relatando o esforço do Sindicalismo Revolucionário durante a existência da AIT. De fato é um achado de implicações cósmicas. Se é certo que a AIT foi dissolvida em 1876 e que o Sindicalismo Revolucionário surge em 1906 com a Charte d’Amiens, então esses documentos podem ter estado num buraco de minhoca espaço-temporal. Os físicos do CERN certamente estarão interessados numa descoberta dessas.

  6. vou reproduzir uma reflexão do professor Rafael Saddi da UFG, sobre o texto do João Bernardo, publicado originalmente como um comentário no facebook, para contribuir nesta discussão.

    “O título do texto do João Bernardo já apresenta a sua tese principal: “os sindicalistas revolucionários já eram fascistas, mas não sabiam”. O exercício que ele faz é sempre tentador (como por exemplo, buscar a origem do capitalismo de estado russo no pensamento do próprio Marx e aqui poderíamos pensar diversos outros exemplos). Mas, apesar de tentador é sempre muito arriscado e geralmente pouco capaz de dar conta da complexidade destes processos de mudanças ideológicas de um indivíduo ou mais ainda de grupos. Se pensarmos que o sindicalismo revolucionário é algo bem complexo e não se trata simplesmente de um partido com uma unidade teórica definida, aí veremos que a tarefa proposta pelo João Bernardo fica ainda mais difícil. Em termos empíricos, gostaria de chamar atenção somente para a última parte do texto. Ali quando ele tenta demonstrar que os germes do fascismo já estavam presentes no Sorel do Réflexions sur la Violence há uma forçação de barra. As citações utilizadas reforçam mesmo o caráter libertário do sindicalismo revolucionário e não germes do fascismo. Internacionalismo, anti-estatismo, ação direta, anti-parlamentarismo, crítica à ditadura revolucionária, etc. etc. As citações utilizadas para demonstrar que havia ali um germe do fascismo são pouco ilustrativas e não nos permitem chegar à conclusão desejada. Acho difícil esse exercício, embora admita a sua importância. Mas, deve-se levar em consideração toda a mudança de conjuntura vivida na Europa e, especialmente, em alguns países europeus, para entender estas mudanças ideológicas de vários militantes do sindicalismo revolucionário, como de outras correntes. Veja, não foram só os militantes do sindicalismo revolucionário que mudaram de lado. Se ampliamos isso, veremos que estas mudanças foram muito mais massivas do que parecem. Ao mesmo tempo, ampliando para uma percepção das mudanças gerais ocorridas, veremos que não é tão simples querer buscar a mudança para o fascismo como algo que o sindicalismo revolucionário já carregava.”

    quanto ao fato de meu codinome ser Trabalhador Pobre, foi apenas uma tentativa de escrever algo redundante e/ou insignificante,mas palavroso, pra parecer algo pós-moderno e heterodoxo. Afinal de contas, trabalhador rico seria algo bem mais absurdo, não????!!!

  7. Quanto à relação da AIT com o sindicalismo Revolucionário busque pela obra BAKUNIN, Fundador do Sindicalismo Revolucionário de Gaston Leval, para uma introdução ao tema, depois não faltará referências para aprofundar. Quanto às contribuições do sindicalismo revolucionário no Brasil pesquise sobre a Confederação Operária Brasileira, FOSP, FORJ e as primeiras lutas e organizações operárias no país, e suas respectivas lutas, derrotas e conquistas. No México pesquise sobre a Revolução Mexicana dos anos 10. Na Argentina sobre as primeiras lutas operárias na região. A história é extensa e existem diversas obras já publicadas e de fácil acesso sobre todos estes três casos.

  8. Tanta histeria! Se eu tivesse ido para um Congresso Mariano tecer dúvidas sobre a virgindade de Nossa Senhora não provocaria reacções menos indignadas. O que não espanta, a veneração às relíquias é a mesma, as reacções não poderiam ser diferentes também. Esclarecendo um pouco as confusões:
    – Na segunda parte deste artigo preveni: «As palavras valem o que valem e as denominações são convencionais, mas quando os usos se tornam ambíguos e as convenções fluidas, impõem-se alguns esclarecimentos. Ao mencionar os sindicalistas revolucionários não me refiro aqui ao conjunto daquelas correntes, muito difundidas na Confédération Générale du Travail (CGT, Confederação Geral do Trabalho) francesa antes da primeira guerra mundial, que afirmavam a independência dos organismos sindicais perante o Estado burguês e perante os vários partidos socialistas ou, depois da unificação, perante a Section Française de l’Internationale Ouvrière (SFIO, Secção Francesa da Internacional Operária ou seja, na realidade, o Partido Socialista francês). […] na acepção em que emprego os termos, para designar Sorel e os seus discípulos, os sindicalistas revolucionários constituíram apenas uma das tendências daquele tipo de sindicalismo». Depois afirmei que a influência de Sorel no sindicalismo francês foi reduzida e que foi sobretudo em Itália que ele teve grande projecção. É a este meio político que me refiro e a nenhum outro.
    – Não é a primeira vez que à falta de argumentos me acusam de eurocentrismo, o que é curioso, porque pelo menos sou tão brasileiro como europeu. Quando se trata de analisar um processo ocorrido em Itália e em França não vejo como poderia fazê-lo sem ser nestes dois países. Porém, no meu livro a que me refiro na abertura desta série de artigos atribuí tanta importância a Kita Ikki como a Corradini e analisei o fascismo na Ásia, no Norte de África e também no movimento negro, com Marcus Garvey. Quanto ao fascismo argentino e ao papel nele desempenhado pelo sindicalismo, quem estiver interessado pode ler neste site o meu artigo «O fascismo de Perón» (1ª parte: http://passapalavra.info/2013/03/73791 e 2ª parte: http://passapalavra.info/2013/03/73793 ).
    – Quanto ao comentário no Facebook que salienta o carácter libertário de passagens das Réflexions sur la Violence e por isso duvida que se possa encontrar aí um gérmen do fascismo, é precisamente esse o contraste que pretendi estabelecer ao longo desta série, mostrando como foi possível que uma coisa se tivesse desenvolvido na outra, daí os títulos que dei às segunda, terceira e quarta partes, todos eles incidindo na passagem e na transformação. Antigamente chamava-se a isto dialéctica e contradições internas, mas pelos vistos estas noções foram esquecidas.
    – Seria bom também não esquecer que Sorel aderiu à Action Française, o que deveria bastar para esclarecer muitas dúvidas.
    – Finalmente, talvez não devesse perder tempo com isto, mas achei muito engraçado que aquele mesmo comentador que às 20:52 escreveu «Quanto a Mussolini ser do Partido Socialista, não é segredo, até nos livros didáticos você encontra referências sobre isto», tivesse escrito às 13:01 «Mussolini era do Partido comunista antes de fundar o Partido Fascista».

  9. Quanto ao Mussolini na verdade quis escrever Partido Socialista desde o começo, no primeiro post, pelo asco que seu texto me causou, acabei escrevendo comunista por engano.
    No título do seu texto não diz que você se refere, exclusivamente, ao cenário da França e Itália no pós primeira guerra, pelo contrário, transparece sim uma tentativa de difamar o sindicalismo revolucionário como um todo, apresentando-o, não só a corrente mas o conjunto de seus militantes, como fascistas.
    Quanto à comparar a defesa do sindicalismo revolucionário, movimento social que tem uma folha extensa de serviços prestados ao povo trabalhador e oprimido mundo afora, com a virgindade de Maria, mostra bem o teor leviano e mal intencionado de sua discussão, esperamos que em breve seja esclarecida suas reais intenções com esta série de artigos.
    Quem sabe daqui uns dias, alguns não escrevam sobre o germe do neo-fascismo no pensamento trosko-autonomista de vossa eminência, senhor arauto da heterodoxia pós-moderna…

  10. Mussolini era muçulmano ou mussulmano? Dúvida atroz & diadema retrós assolam um hamlet asqueado e justificam redundâncias, tautologias, solipsismos delirantes…

  11. Trabalhador pobre,

    não sei se é nessa ou nas partes anteriores desse artigo em que o autor deixa claro a que sindicalistas revolucionários ele estava referindo, ou melhor, ao que ele se referia quando usava a expressão sindicalistas revolucionários, diferenciando esses do sindicalismo da CGT francesa, por exemplo, que também é descrito na história como sindicalismo revolucionário, e que veio a influenciar o sindicalismo no Brasil nas primeiras décadas do século XX.

    Não sabia que havia adeptos dessa corrente do sindicalismo revolucionário, soreliano, no Brasil hoje em dia, para ficarem de tal forma chateados. Sei que existem anarquistas, com sua relação histórica com um sindicalismo revolucionário. Mas para esses, o artigo deveria servir para mostrar como estavam corretos em não apoiar a entrada da Itália na guerra, e se manterem numa visão classista e internacionalista, ao contrário dos sindicalistas revolucionários de que trata o artigo. Portanto, não seria motivo para ficarem chateados, pelo contrário.
    Mas para tanto é preciso ler o artigo sem preconceitos.

  12. É curioso observar como o trecho

    «a oficina socialista reunirá produtores cujo espírito estará sempre desperto para criticar as práticas adquiridas, que serão orientados por contramestres semelhantes aos preparadores dos professores de química e à cabeça dos quais se encontrarão engenheiros que falarão aos seus homens como um professor fala aos seus alunos»

    antevê, de certo modo, o ideal de trabalhador que se torna hegemônico a partir da década de 80 do século passado.

    Tenho a impressão que o capitalismo, hoje, precisa desesperadamente de trabalhadores com esse “espírito crítico”, sempre prontos a questionar os processos de produção a eles incumbidos, não importando o escalão em que se encontrem na hierarquia.

    Creio que, na perspectiva do capitalismo atual, essa característica fundamental, tão bem descrita por Sorel, liga-se diretamente àquele componente do toyotismo, o da Qualidade Total.

    Mesmo quando Sorel diz que esse “espírito desperto” deverá ser orientado por especialistas, ainda que possamos ver aí o germe da veneração à autoridade típica do fascismo, não deixa também de ser um elemento atual do capitalismo contemporâneo, se notarmos que muitas empresas de ponta adotam, com nomes diferentes, a figura do “mentor”, aquele responsável por indicar caminhos, mais do que gerir diretamente o trabalho dos outros.

    Por último, não posso deixar de fazer também um paralelo com um modelo de desenvolvimento de sistemas que encontrei nas várias empresas americanas em que trabalhei: o Capacity Maturity Model (CMM). Nele, são descritos cinco níveis de “maturidade” do processo de produção de software, em que, no último (correspondente ao grau máximo de “maturidade”) o processo de produção inclui mecanismos de autocrítica, revisão e modificação como inerentes ao próprio processo de produção.

    Para exemplificar, se antes um programador de sistemas tinha como missão “apenas” fazer programas de computador, agora ele tem que fazer programas e executar uma série de controles, passar por uma série de check-lists ao longo de todo o desenvolvimento do sistema, controles esses elaborados pela própria equipe. Desnecessário dizer do quanto de trabalho a mais esse programador é incumbido.

    No fim (e esse é o objetivo último de tudo isso), um cliente que contrata o serviço ou compra o desenvolvimento de um software de uma empresa certificada como nível 5 do CMM estará contratando também um certo grau de certeza, uma certa garantia extra, de que o produto entregue estará mais adequado às suas necessidades.

  13. ERRATA: O nome correto do modelo de desenvolvimento de software a que me referi em comentário anterior é Capability Maturity Model.
    De resto, o verbete dedicado a ele na Wikipedia dá uma boa visão do grau de sofisticação e abstração que o modo capitalista de produção contemporâneo atingiu, arrisco dizer, muito além da “utopia” soreliana.

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