Por TPTG (Os Rapazes da Geral) [*]

 

“Não são livros, nem notas altas. O que nos falta é vida”

A lei educacional 2525 estabeleceu os fundamentos da escola empresarial que parece ser a forma futura do que costumávamos conhecer por educação fundamental e secundária. Basta irmos 8 anos atrás, ao começo dos anos 90, para descobrirmos que uma lei análoga estava sendo discutida. Algumas das cláusulas que o governo de direita tentou passar na época (deixando as fundamentais de lado, por enquanto) tentavam restaurar a disciplina das escolas estatais por meio de uniformes, orações diárias, um sistema de avaliação por pontos e uma diminuição no número de faltas permitidas. Um movimento de ocupação de escolas vigoroso e que contava, até certo ponto, com o apoio silencioso do Partido Socialista seguiu-se a essas tentativas. Logo as cláusulas foram retiradas, o ministro da Educação se demitiu e nenhum governo tentou impor reformas educacionais em larga escala até 1997.

A questão é, portanto, o que mudou nesse meio tempo na sociedade grega e no sistema educacional em particular. Vamos então tentar explicar as coisas um pouco. A versão grega da escola democrática de massa foi desenvolvida no fim dos anos 70 e começo dos anos 80, durante o curto período de social democracia e recuperação das exigências populares e da classe trabalhadora. Essa facilitação do acesso às escolas secundárias para os filhos de trabalhadores e camponeses (que eram excluídos antigamente da educação mais avançada) tinha como bandeira ideológica o slogan da “igualdade de oportunidades”. Consumo em massa de educação se tornou o veículo de mobilidade social, uma vez que esta cumpria um papel semi-igualitário. Rapidamente a escola (tanto secundária quanto a universidade) se tornou um campo de conflitos sociais, competição, grandes expectativas e contradições.

A democratização da educação causou uma produção em massa de expectativas (e um aumento correspondente nas camadas de servidores públicos e pequena-burguesia nos anos 70 e 80; por exemplo, em 1982 68,7% dos graduandos universitários trabalhavam no setor público); e gradualmente a massa de estudantes, inicialmente homogeneizada, tornou-se consumidora / usuária individualizada de educação. Frontistiria (cursinhos, um tipo de instrução particular – individual ou em grupo) é uma originalidade grega indicativa da mentalidade pequeno-burguesa dominante e da demanda crescente em educação: 7% dos estudantes gastam 2-6 horas por dia nessas escolas suplementares que os “treinam” para uma instrução bem sucedida, o que nas suas mentes sempre significou entrada na universidade. O custo médio de um ensino privado por família com um estudante no ensino secundário equivale a um salário mínimo.

No entanto, o aumento do desemprego no começo dos anos 90, assim como a explosão de ambições individualistas, ocasionaram uma crise na reprodução social, uma crise no papel de seleção e alocação desempenhado pela educação. Era uma crise na divisão hierárquica do trabalho (especialmente devido ao aumento sem qualquer proporção do número de graduandos universitários) e uma crise de disciplina e significado na escola, uma crise de legitimidade, em outras palavras, que foi um golpe pesado na educação estatal. O capital tentou lidar com ela impondo a lei 2525.

A primeira oposição àquela lei foi o movimento de 2 de junho. Na superfície, essa luta poderia ser vista como uma luta contra a abolição da lista de tempo de serviço dos professores. Até recentemente, os professores tanto das escolas secundárias como primárias terminavam seus estudos e se inscreviam numa lista de tempo de serviço esperando para serem nomeados. Gradualmente, o grande número de professores e os cortes de orçamento estatais na educação ampliaram tanto essa lista que o professor médio tinha que esperar mais ou menos uma década para ser nomeado. A lista de tempo de serviço era uma das últimas instituições que lembravam a “obrigação” do estado social-democrático de garantir uma ocupação estável. Supostamente ela reconhecia direitos de trabalho iguais para títulos iguais; no entanto, os milhares de professores desempregados (não-nomeados) eram uma prova do contrário. O concurso para a contratação de professores em substituição tentou muitos, principalmente graduandos jovens desempregados ou em empregos temporários, que caíram vítimas da ideologia capitalista de meritocracia.

O movimento de junho foi ainda mais bem sucedido pelo movimento de ocupação de escolas secundárias. Esse movimento denunciou a lei 2525 mais do que o de junho fez, uma vez que o seu alvo, os novos métodos de avaliação no ensino médio, constitui o núcleo duro da lei. Ele também se opôs à competição, à rotina exaustiva, à falta de significado, à tirania do sobre-trabalho, à expulsão de estudantes da escola por meio de um aumento nas provas, à sua divisão em “merecedores” e “não-merecedores”. De uma forma indireta, ele levantou o problema de um futuro sombrio de desemprego, insegurança e exploração. No entanto, a questão da escravidão assalariada e a sua relação íntima com a educação não foram tratadas com a importância que mereciam. Então, inevitavelmente, os argumentos e as exigências (além do slogan dominante e geral de “abaixo a lei 2525”) se focaram na questão das provas e foram expressos de várias formas: por uma suspensão temporária dos exames do segundo ano do ensino médio nesse ano, ou a sua abolição ou a diminuição das matérias avaliadas etc. De forma similar ao movimento de junho, faltava uma clareza verbal às exigências e um discurso emancipatório correspondente à sua práxis. É por causa disso que ambos os movimentos flertaram [namoraram] com os slogans sociais-democráticos tradicionais da esquerda e os usaram como remendos para cobrir a sua falta de um discurso imaginativo. Imagens contraditórias de adolescentes rebeldes jogando coquetéis molotov e pedras contra policiais enquanto entoavam slogans entediantes como “queremos uma educação estatal compulsória de 12 anos” foram um fenômeno comum nas manifestações. Outros slogans eram claramente hooliganísticos, outros cheios de conotações sexuais, outros xingamento [insulto] puro e simples contra o primeiro-ministro.

A imaginação suprimida e a inabilidade de colocar ideias novas em palavras, que permitiram aos slogans sociais-democráticos dominarem, tiveram sua desforra nas ruas; as manifestações foram-se tornando cada vez mais animadas e violentas: tambores, fogos de artifício, espantalhos ou burros como símbolos do ministro da Educação, ovos, vegetais, iogurte, laranjas, garrafas e coquetéis molotov, todos viraram munição em uma guerra pobre em palavras mas rica em sentimento. Bloqueios de rua se tornaram em campos de espontaneidade e conflitos violentos entre estudantes e motoristas ridículos: frequentemente aqueles que atropelavam estudantes e fugiam em sua “indignação” provavam serem membros do Partido Socialista. Os estudantes não ficavam passivos quando atacados por motoristas zangados, jogando ovos ou pedras contra eles. Também eram cordiais com os motoristas simpáticos e jogavam futebol ou sentavam em carteiras tomando as ruas por horas.

O papel dos professores na rebelião estudantil foi bastante ambíguo. A maioria ficou passiva, torcendo secretamente pela derrubada da lei através do movimento que estava ocorrendo. Vários participaram ativamente na luta ajudando os estudantes a se defenderem das ações coordenadas dos pais, promotores públicos e Ministério. A crise de legitimidade por que a escola secundária passa não deixou o prestígio dos professores ileso: a antiga imagem “progressista” e humanista da vocação apagou-se, embaçada pelas críticas contraditórias de preguiça, incompetência, autoritarismo e falta de responsabilidade. Dessa forma ela abriu caminho para um profissionalismo crescente dentre os professores aspirantes a melhorias no seu desempenho através da imposição da lei 2525. Mais concretamente, alguns deles, desejando novas oportunidades de carreira, acreditam que uma seleção mais estrita de estudantes e professores ajudará a colocar as coisas no lugar: eles mesmos conseguirão ser promovidos ensinando aos estudantes “merecedores”, enquanto a massa de professores “inúteis” e estudantes “analfabetos” será expulsa.

O papel dos pais por outro lado não foi menos complicado. Em relação à sua atitude quanto ao movimento, eles podem ser divididos em duas categorias: aqueles que pertenciam ao Partido Socialista governante e o resto. Os primeiros apoiaram sem muita vontade os seus filhos no começo, deixando os seus medos pelo futuro deles prevalecer sobre a sua lealdade ao partido. No entanto, depois do Natal, quando o movimento ficou mais violento, eles mostraram a sua preferência: alguns deles iam atacar fisicamente as escolas ocupadas e os estudantes, dissolver as suas assembleias, chamar a polícia ou contratar seguranças privados para guardar escolas, processar estudantes, atropelá-los em bloqueios de rua ou atacar os poucos professores, pais ou outros que apoiavam os estudantes. No entanto, membros ou não do Partido Socialista, a maioria dos pais aceitou a futura insegurança no trabalho dos seus filhos como um “fato incontornável”, porque eles mesmos como trabalhadores foram derrotados nessa década. Eles estão dispostos a pagar cada vez mais pela instrução suplementar privada, mas não toleram que seus filhos se rebelem contra escola empresarial e assim, indiretamente, contra a miséria do desemprego e da flexibilidade.

É tentador aqui tentar fazer uma comparação: enquanto os pais do começo dos anos 90 apoiavam os seus filhos no movimento de ocupação da época contra algumas cláusulas menores de um projeto de lei e as cláusulas assumidamente similares às da lei 2525 nunca alcançaram ser colocadas em prática, hoje em dia eles parecem ter minimizado seus sonhos pequeno-burgueses para a carreira dos filhos e se submeteram aos ditames do capital.

No começo dos anos 90 havia um sentimento de incerteza sobre o futuro do Estado, da educação gratuita, dos empregos e direitos em geral, mas enquanto as lutas não ficavam isoladas como ficaram hoje em dia e eram consequentemente vitoriosas (apesar de nem sempre serem radicais como as atuais), a esperança se materializava em solidariedade ativa. Isso é verdade, é claro, não só para os pais, mas para os proletários em geral. Exceto por uma pequena minoria (principalmente jovens, estudantes e professores que estiveram envolvidos no movimento de junho), a maioria dos proletários apenas assistiu ao movimento estudantil na televisão. A maioria deles passivos, davam sorrisos constrangidos frente aos slogans dos estudantes e à agitação das manifestações ou bloqueios de rua (quando não ficavam com raiva por causa do engarrafamento), mas no final das contas balançavam as cabeças em desaprovação e desconfiança das suas possibilidades de vencer, se sentindo fracos eles mesmos.

A decomposição da classe trabalhadora que nós estamos presenciando não afetou o movimento estudantil apenas de uma forma externa, por exemplo através da falta de solidariedade. Ela se manifestou dolorosamente nos processos internos do próprio movimento: apenas uma minoria dos estudantes estava ativamente presente nas escolas ocupadas, especialmente no período de declínio. Poucas discussões relevantes para a lei ou as manifestações foram feitas nas escolas, poucos panfletos foram distribuídos nas manifestações e ainda menos esforços foram feitos para coordenar ações e pôr em comunicação as várias escolas ocupadas. Até certo ponto, o individualismo, que era a essência da lei que os estudantes estavam combatendo, acabou sendo o seu inimigo mais traiçoeiro e perigoso, levando ao isolamento e finalmente a uma derrota amarga.

É difícil terminar esse texto com uma conclusão otimista, especialmente com as últimas informações das escolas sobre estudantes enlouquecendo num labirinto de provas e com sinais de competição cada vez mais frequentes (geralmente sobre notas) aparecendo entre eles. Será o assunto de um texto futuro avaliar os traços que essa revolta estudantil deixou tanto no campo da escola como na sociedade em geral.

Maio de 1999

[*] Ta Paidia Tis Galarias (TPTG) [O nome deste grupo faz referência ao filme do cineasta francês Marcel Carné, Les Enfants du Paradis, traduzido em português comoOs Rapazes da Geral e em grego como Ta Paidia Tis Galarias.]

P.O. Caixa 76149

N. Smirni
17110
Atenas, Grécia
E-mail: [email protected]

Traduzido por L.M. em junho de 2010.
Versão em inglês aqui

Todas as ilustrações reproduzem graffiti gregos.

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