Por Passa Palavra
No dia 06 de junho de 2018 os professores de escolas particulares de São Paulo conseguiram renovar a sua convenção coletiva de trabalho, mantendo – entre outras coisas – o recesso remunerado de 30 dias, a garantia semestral de salários e bolsas de estudos para os filhos.
Com a aprovação da nova lei trabalhista, que passou a vigorar em novembro passado, as condições de negociação foram substancialmente alteradas em favor das patronais. Anteriormente, a convenção vigente continuaria valendo até que se chegasse a um novo acordo; esse mecanismo permitia a manutenção formal de certas condições de trabalho conquistadas em períodos de lutas anteriores, o que favorecia a manutenção de benefícios mesmo em momentos de desmobilização de uma categoria. Com a nova lei trabalhista essa continuidade automática acabou, o que permitiu aos patrões avançar sobre condições de trabalho já estabelecidas; no caso dos professores, as que mais se destacaram foram a diminuição do recesso para 20 dias, a restrição das bolsas de estudos para os filhos, o fim da garantia semestral de salários e a possibilidade de contrato para jornada intermitente.
Em uma categoria com pouca tradição de mobilização recente e que se via com poucas possibilidades de ação, o cenário parecia desolador, com a piora das condições de trabalho, o aumento da pressão por conta da crise econômica e uma diretoria sindical afastada do corpo da categoria. Como então os professores e professoras conseguiram manter sua convenção coletiva?
Um primeiro aspecto a ser destacado foi a construção, desde a assim chamada greve geral de 28 de abril de 2017, de reuniões regulares de grupos de professores para discutir as condições de trabalho e mobilização em suas próprias escolas. O grau de formalização desses grupos era variado, alguns se reuniam em assembleias para discutir os problemas coletivamente, outros em bares após o expediente, outros trocavam informações no WhatsApp ou conversavam regularmente na sala dos professores. Com o anúncio das mudanças na convenção coletiva estes grupos se mobilizaram para envolver os demais professores da própria escola e mobilizar escolas próximas. Isso permitiu que os trabalhadores e trabalhadoras realizassem assembleias locais, e assim as decisões pela paralisação das aulas aprovadas nas assembleias sindicais eram discutidas em cada local de trabalho. No dia 29 de maio o movimento conseguiu paralisar mais de uma centena de escolas e mobilizar trabalhadores de outras tantas.
A mobilização nas escolas só foi possível com a construção de fortes laços de solidariedade. Os professores e professoras de escolas mais mobilizadas conseguiam panfletar em outras escolas; entretanto, o grau de exposição aos patrões que isso requeria dificultava uma generalização dessa mobilização. A solidariedade e as ações de fortalecimento feitas em escolas especialmente repressoras, ou com pouca discussão interna, foi massivamente feita por estudantes e familiares, que fizeram cartas, vídeos, panfletagens e atos em frente à diversas escolas.
Embora tenha sido ajuizada a ação de dissídio coletivo, a aposta da base da categoria não foi na judicialização do tema, e sim na manutenção da mobilização em cada escola. No momento em que o Sinpro-SP entrou com a ação judicial as atividades sindicais refluíram por um mês e parecia que o sindicato estava focado na construção de uma estratégia jurídica, os professores começaram a organizar conversas abertas em escolas, convidando os pais e professores de outras escolas, formulando argumentos mais contundentes, criando novos contatos e vínculos de apoio. Essas atividades foram essenciais para que fossem possíveis as ações de solidariedade já descritas, bem como para a formação de grupos coesos de professores que conseguiram empurrar o sindicato para uma ação mais incisiva.
Esses grupos organizados de professores e apoiadores conseguiram, no momento em que as paralisações foram decididas, organizar aulas públicas, atividades abertas, panfletagens, colagens de cartazes e manifestações. Essas ações apontavam no sentido de mobilização coletiva perante a sociedade, não se restringindo a uma ação dentro das escolas ou mesmo dentro do sindicato. As próprias assembleias sindicais foram transformadas em ações públicas ao serem levadas para as ruas e terem continuidade como passeatas por grandes avenidas da cidade.
A mobilização dos professores teve que superar uma série de clivagens internas, seja entre professores de escolas de elite e professores de escolas de bairro, quanto entre professores e estagiários. Os patrões trabalharam para fracionar a categoria com diversas escolas de elite oferecendo, após o início das mobilizações, garantia aos professores. Entretanto, estes professores mais bem inseridos no mercado de trabalho continuaram a participar ativamente das mobilizações, pois na medida em que os professores de escolas menores viam essas lutas acontecendo se sentiam mais confiantes para se engajar nas manifestações.
A dinâmica de luta permitiu que, de fora do aparelho sindical, fosse possível utilizar seus recursos para potencializar uma mobilização real. Existia uma forte desconfiança em relação à postura da direção sindical que não parecia, aos olhos do conjunto da categoria, empenhada em garantir as mobilizações amplas e tampouco era clara em seus posicionamentos em assembleia. Tal situação levou ao questionamento incisivo da direção pela base nas assembleias, e quando a direção quis aprovar a contribuição sindical os professores se recusaram a votá-la, pois queriam discutir formas de mobilização, o que levou à discussão sobre a contribuição para a semana seguinte. Esses questionamentos foram conseguindo moldar as assembleias e a própria mobilização sindical; os professores não ficavam presos a denunciar a direção e conseguiram abrir espaços para mais falas nas assembleias, para impressão de material independente e não assinado, para evitar a presença de parlamentares no carro de som e para garantir um maior número de professoras falando na assembleia.
Mesmo com toda essa mobilização a agenda de luta ainda estava associada a questões institucionais, afinal, formalmente, são os sindicatos reunidos que assinam a convenção. No período entre 29 de maio e 6 de junho isso se explicitou, pois o sindicato de patrões se recusou a assinar a Convenção que já havia sido acordada. A reação na categoria foi dupla: a desconfiança da própria direção do Sinpro e a expectativa de como pressionar diretamente os patrões a aceitarem. Conseguiram junto com diversos apoiadores de outras categorias mobilizar a opinião pública em torno das contradições dos patrões, mobilizar-se em frente ao Tribunal do Trabalho e azucrinar a assembleia patronal. Ao romper com os limites da organização sindical, unindo-se a estudantes, pais, estagiários e assistentes, conseguiram arrancar assim a continuidade da Convenção Coletiva de uma patronal que queria destruí-la e em um momento que a questão já estava judicializada.
O ataque planejado pelos donos de escolas parece ter tido o efeito inverso do desejado. A luta levou para diversas salas de professores conversas sobre a convenção coletiva de trabalho. Se antes a Convenção era só um papel distante da vida do professor, agora ela é de conhecimento da categoria, o que abre caminho para que se exija de fato seu cumprimento, ao mesmo tempo que a construção de assembleias em escolas e laços de solidariedade entre as equipes permite que se estabeleça outras formas de contestação em cada local de trabalho. Essa força coletiva será muito importante no próximo período, quando a perseguição a figuras ativas deve se intensificar, mas pelo que se pode ver durante as paralisações os professores começaram a perder o temor de denunciar os assédios sofridos pelas direções.
A luta feita pelos professores construiu uma oposição prática à alteração das lei trabalhistas, não a partir de slogans, mas da ação na base, que garantiu aos trabalhadores a continuidade de seus direitos. O exemplo dos trabalhadores da educação particular em São Paulo pode servir para outras categorias conseguirem barrar de fato os efeitos da recente reforma trabalhista mais funestos para os trabalhadores.
Está faltando os links [link] em um momento no texto, para as cartas e videos produzidos.
No final o texto diz o seguinte: “A luta feita pelos professores construiu uma oposição prática à alteração das lei trabalhistas”.
Acho que essa frase está construída de forma equivocada. As leis trabalhistas já foram alteradas. A luta dos professores foi uma oposição prática à mudança da convenção coletiva.
De resto, importante compartilhar essa experiência.
Destaque-se as novidades nessa mobilização e vitória.
A categoria, a despeito da ameaça da demissão como algo palpável, conseguiu romper os trilhos institucionais que restringem a mobilizaçãoà “filièr’profissional ao trazer todos os envolvidos com o ambiente escolar, estudantes e pais aí incluídos, viabilizando “laços de solidariedade entre as equipes permite que se estabeleça outras formas de contestação em cada local de trabalho. Essa força coletiva será muito importante no próximo período, quando a perseguição a figuras ativas deve se intensificar”.
O próximo passo é enfrentar o previsível assédio de que docentes diretamente às voltas com mobilizações e discussões serãoalvo.
o que leva ao próximo desafio: fazer do medo de retaliações o combustível da politização dos próximo passos da categoria.