Por Passa Palavra

Quando eu finalmente eu quis saber / Se ainda vale a pena tanto crer / Eu olhei para ti / Então eu entendi / É um lindo sonho para viver / Quando toda a gente assim querer
(José Mário Branco – “Eu vim de longe”)

É com muita tristeza que noticiamos o falecimento, ocorrido subitamente há poucas horas, de José Mário Branco, um dos fundadores do Passa Palavra. O nosso JMB nasceu no Porto, em 1942, participou de movimentos artísticos como Grupo de Acção Cultural – Vozes na Luta!, e gravou vários discos, sendo FMI, de 1982, provavelmente o seu trabalho de maior repercussão.

Filho de professores primários, cresceu entre o Porto e Leça da Palmeira, sendo marcado pelo ambiente luzidio e inspirador desta vila piscatória. Iniciou o curso de História, primeiro na Universidade de Coimbra, depois na Universidade do Porto, não o tendo terminado.

No começo da década de 1960 o José Mário Branco foi durante alguns anos militante do Partido Comunista Português. Perseguido pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), exilou-se em 1963 na França, onde colaborou com o Comité-Marxista Leninista Português. Depois do 25 de Abril de 1974 teve grande atividade na União Democrática Popular, passando depois a ser filiado no Bloco de Esquerda, que mais tarde abandonou. A seguir colaborou no jornal e site Mudar de Vida e em janeiro-fevereiro de 2009 foi um dos fundadores do Passa Palavra.

Expoente da música de intervenção portuguesa, ao longo de mais de 52 anos de carreira gravou mais de uma dezena de álbuns onde buscava discutir, com as suas canções, as condições e relações de produção no capitalismo, a guerra, a solidariedade de classe e, acima de tudo, a emancipação da classe trabalhadora.

Dentre os álbuns mais famosos, além do FMI, destacam-se Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (1971), Ser Solidário (1982) e Correspondências (1990).

Em 2009 ajudou na construção do Passa Palavra, onde frequentemente colaborava com textos e reflexões sobre Música, Literatura, Arte e, acima tudo, com o compromisso de noticiar as lutas, apoiá-las e pensar sobre elas.

Em suas palavras, parte da catarse cênica FMI, escritas há quatro décadas, se definiu da seguinte forma: “Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto: muito mais vivo que morto. Contai com isto de mim para cantar, e para o resto”.

Selecionamos algumas de suas músicas:

Destacamos também, entre os textos publicados no Passa Palavra e assinados com o nome de José Mário Branco, aqueles que formaram a série A oficina da canção.

E deixemos que ele fale de si mais uma vez:

(…)

E se inventássemos o mar de volta?
E se inventássemos partir, para regressar?
Partir, e aí, nessa viajem, ressuscitar da morte às arrecuas que me deste.
Partida para ganhar,
partida de acordar, abrir os olhos,
numa ânsia colectiva de tudo fecundar,
terra, mar, mãe…

Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto,
lembrar – nota a nota – o canto das sereias,
lembrar o “depois do adeus”,
e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal,
lembrar cada lágrima,
cada abraço,
cada morte,
cada traição,
partir aqui,
com a ciência toda do passado,
partir, aqui, para ficar…

Assim mesmo,
como entrevi um dia,
a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila,
o azul dos operários da Lisnave a desfilar,
gritando ódio apenas ao vazio,
exército de amor e capacetes.

Assim mesmo, na Praça de Londres, o soldado lhes falou:
– Olá camaradas, somos trabalhadores, e eles não conseguiram fazer-nos esquecer; aqui está a minha arma para vos servir.

Assim mesmo,
por trás das colinas onde o verde está à espera,
se levantam antiquíssimos rumores,
as festas e os suores,
os bombos de Lavacolhos,
assim mesmo senti um dia,
a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila,
o bater inexorável dos corações produtores, os tambores.
– De quem é o carvalhal?
– É nosso!

Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso.
Neste cais está arrimado o barco-sonho em que voltei.
Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena.

Diz lá: valeu a pena a travessia? Valeu pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe.
No fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco.
Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos,
o meu canto e a palavra.
O meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram.
A minha arte é estar aqui convosco
e ser-vos alimento e companhia
na viagem para estar aqui
de vez.

Sou português,
pequeno-burguês de origem,
filho de professores primários,
artista de variedades,
compositor popular,
aprendiz de feiticeiro.
Faltam-me dentes.

Sou o Zé Mário Branco,
37 anos, do Porto,
muito mais vivo que morto.

Contai com isto de mim
para cantar e para o resto.

Fotografias de Bruno Colaço

5 COMENTÁRIOS

  1. Além do PCP, que abandona nos anos 60, esteve ligado ao CMLP, a UDP e ao BE. A informação, quanto mais não seja por respeito, não deveria ser “convenientemente” selectiva…

    Ver no Facebook: Antifascistas na Resistência

  2. Estou sem palavras. O que nos resta, por fim, é escutar e compartilhar as vossas palavras.

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