Por Passa Palavra

Há um ano inaugurávamos uma nova etapa no Passa Palavra. Interessados em abrir o leque de colaboradores fixos, criámos a seção Colunas, destinada a viabilizar semanalmente debates diversos sobre quatro temas.

De setembro do ano passado para cá a responsabilidade das Colunas coube a diversos colaboradores, saindo alguns deles e abrindo espaço para outros. Não nos passou despercebido que, das quatro colunas, a dedicada aos Cuidados Digitais foi a única para a qual, desde o início, nunca conseguimos um colaborador fixo. Fica a pergunta: não será este um assunto negligenciado pelos anticapitalistas?

Em sua apresentação, dissemos que a proposta dessa coluna seria a de:

debater um tema que deveria ser central para as esquerdas contemporâneas. Porém, não o é. Entender de que maneira os governos e as empresas privadas se organizam para coletar nossas informações e imagens, quer dos militantes políticos quer da população em geral, nos ajudará a definir os moldes de uma ação prática minimamente eficaz.

Ora, é precisamente aqui que mais dificuldade temos tido em encontrar um colaborador fixo. Sucede até que quem se preocupa com cuidados digitais seja taxado de paranóico por limitar sua comunicação on-line ou por sugerir que se faça da forma o mais segura possível. Quanto mais os gestores e burgueses esforçam-se em usar nossos deslizes para condenar, prender, perseguir os nossos camaradas, mais tempo devemos dedicar a corrigir essas fragilidades.

É por acreditarmos que este é um assunto importante e urgente que fazemos um convite a quem se interessar, para que envie um e-mail para [email protected], oferecendo-se para assumir a coluna Cuidados Digitais.

 

Ilustra o texto fotografia da intervenção Flying Police Capsule, de Leopold Kessler.

7 COMENTÁRIOS

  1. É sugestivo que este artigo, publicado há praticamente um mês, não tenha tido um único comentário e, salvo uma excepção, não tenha tido repercussões. Trata-se, no entanto, de uma das questões cruciais da nossa época, porque a difusão de informações pessoais através da internet alimenta o Estado Restrito, expondo o indivíduo enquanto político e enquanto detentor de ideias, e alimenta ao mesmo tempo o Estado Amplo, expondo o indivíduo enquanto consumidor. Como se esta situação — sem precedentes na História — não fosse já suficientemente preocupante, mais alarmante ainda é o facto de os indivíduos prestarem as informações por vontade própria, sem serem coagidos. Pior ainda, entram em competição uns com os outros para ver quem mais presta informações pessoais, quem mais amplamente desvenda os segredos do que pensa e do que faz. Esta competição sustenta as redes sociais e é sustentada por ela. O facto de as pessoas em geral, e os leitores do Passa Palavra em particular, não se preocuparem com a segurança na internet é uma consequência e um indício desta situação. E revela acima de tudo a solidez do capitalismo.

    E há imbecis que, enquanto se desnudam nas redes sociais, pensam que o capitalismo está a desmoronar-se!

  2. Caro João,

    O artigo do Passa Palavra e o seu comentário são muito pertinentes. Acredito que, em primeiro lugar, devemos nos perguntar: por que a Esquerda não dedica tanto tempo a esse tão importante assunto quanto deveria? A pandemia do Coronavírus, além de ter acelerado tantas outras tendências, acelerou também uma outra: o maior uso dessa ferramenta chamada internet dado o isolamento social. Assim, o que mais tenho visto são militantes, movimentos sociais, organizações políticas de Esquerda diversas etc fazendo lives no instagram e youtube, criando grupos e canais no whatsapp e telegram como maneira de manter a coisa andando. O problema é que a maior parte das ferramentas que a Esquerda usa são propriedade dos capitalistas, o que significa que os anti-capitalistas jogam segundo as regras dos capitalistas ao utilizarem essas ferramentas. Veja o twitter: o twitter agora é uma rede social famosa por deletar tweets que, segundo eles, violam suas regras de funcionamento, quando muitas das vezes não é bem assim. Ora, no âmbito da empresa o capitalista é legislador, juiz e presidente, e se as redes sociais são a nova praça pública de discussão, isso significa que uma parte do âmbito daquilo que antes era considerado público agora é propriedade privada. Me parece que o conceito de Estado Amplo se encaixa muito bem aqui.

    Mas por que a Esquerda não dedica tanto tempo a estudar esse âmbito e atuar nele? De maneira bem resumida, me parece que a resposta é: por ignorância. Ora, os trabalhadores no momento se encontram muitíssimo enfraquecidos, e aquilo a que chamamos de “Esquerda” (num sentido muito lato sensu) cabe num ônibus; se, por outro lado, formos menos generosos, a “Esquerda” cabe num fusca. E onde está essa Esquerda? Me parece que uma boa parte dela ou está nas universidades, ou é oriunda do ambiente universitário; e muitos entraram nos movimentos sociais de alguma maneira a partir de contatos adquiridos nela (foi o meu caso, por exemplo). Aliás, eu não estou condenando completamente o ambiente universitário, diga-se de passagem. E que cursos está essa Esquerda, em geral? Me parece que uma boa parte está nos cursos de humanas, embora haja uns e outros em outras áreas (isso é apenas uma impressão – posso estar errado). Meu ponto é o seguinte: quantos de nós na Esquerda possuímos algum conhecimento um pouco mais aprofundando nas áreas de Tecnologia da Informação, Engenharia de Software, Engenharia da Computação e Ciência da Computação? Me parece que são poucos. E veja bem, não estou falando de necessariamente entrar num desses cursos universitários; estou falando de ter conhecimento real nessa área, para além de fazer blogs na plataforma blogspot ou wordpress, ou colocar filtros nas lives do instagram.

    Quando eu li este breve artigo do Passa Palavra já havia me apercebido do quão grave era a situação, mas não tinha condições de me voluntariar como colunista simplesmente porque sou mais um dentre tantos na Esquerda que começou na militância através dos cursos universitários de Ciências Sociais, História, Filosofia, Serviço Social etc, e não adquiriu conhecimento aprofundado na área aqui em questão (estou fazendo uma autocrítica agora).

    Dito isso, me parece que uma das soluções é: a Esquerda precisa começar a estudar esse assunto com profundidade, de maneira a aprender a tomar mais cuidado nas redes sociais. O assunto vai longe, e me parece que apostar nas redes sociais federadas (https://passapalavra.info/2019/05/126454/) já é um bom começo.

    Boa semana a todos

  3. Caro António,

    Não discordo de nada do que você escreveu, mas detecto uma lacuna. Não se trata somente de ignorância. Julgo que o principal problema consiste no facto de as informações serem prestadas por vontade própria. As pessoas competem em colocar nas redes sociais, no YouTube e em todos esses espaços da internet as informações mais íntimas e, evidentemente, quando as pessoas se interessam por política, as informações que divulgam são de carácter político. E esta atitude é já antiga. Vou dar um exemplo. Na época da pujança do Movimento Passe Livre (MPL), o MPL de uma capital de um estado decidiu realizar uma acção ilegal, que prepararam em segredo. Pois filmaram essa acção, filmaram o lugar em que a realizaram e filmaram o rosto de todos eles, e logo em seguida colocaram o vídeo na internet. Qual o motivo profundo deste misto de vaidade e narcisismo? Qual a razão desta deliberada estupidez? A internet e as redes sociais são instrumentos técnicos e, como tal, não criam processos. Amplificam-nos, com consequências frequentemente desastrosas, mas não os geram. Qual o motivo profundo desse afã em se expor e em divulgar o que não devia ser divulgado?

    Não sei.

  4. Caros Antonio e João Bernardo,

    “O problema é que a maior parte das ferramentas que a Esquerda usa são propriedade dos capitalistas”

    Acredito que não é apenas parte das ferramentas que pertence aos capitalistas, mas a integralidade das ferramentas: Satélites, redes de transmissão, operadoras de telefonia e internet , etc. Mesmo os “hardwares” (computadores, celulares, etc), estão apenas na “posse” dos consumidores, pois quem detém a tecnologia de fabricação e operação são os capitalistas. Enfim, se há alguma possibilidade de ” manobra”, ela está dentro de ums margem calculada de risco para os capitalistas, semelhante à margem de manobras que o Tratenberg vislumbrava nos sindicatos….

  5. Sem falar que para as gerações mais novas o impacto das redes sociais é ainda maior, visto que parecem incapazes de imaginar uma vida sem essa tecnologia. Crianças de 10, 12 anos de idade hoje em dia já estão batendo ponto nas redes o dia inteiro.

  6. Sobre as implicações do uso excessivo das telas para as gerações mais novas: https://www.bbc.com/portuguese/geral-54736513

    BBC News Mundo: Se essa orgia digital, como você a define, não para, o que podemos esperar?

    Desmurget: Um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoria de crianças preservadas desta “orgia digital” — os chamados alfas do livro de Huxley —, que possuirão, através da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necessárias pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria de crianças com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazes de compreender o mundo e agir como cidadãos cultos.

  7. “A natureza se torna dialética ao produzir os homens como sujeitos transformadores e conscientes, confrontando a própria natureza como forças da natureza. O homem constitui o elo de ligação entre o instrumento de trabalho e o objeto de trabalho. A natureza é o sujeito-objeto do trabalho. Sua dialética consiste no seguinte: que os homens mudam sua própria natureza à medida que privam progressivamente a natureza externa de sua estranheza e exterioridade, à medida que medeiam a natureza por si próprios e fazem a própria natureza funcionar para seus próprios fins. Visto que esta relação entre o homem e a natureza é a pré-condição para a relação entre o homem e o homem, a dialética do processo de trabalho como um processo natural se amplia para se tornar a dialética da história humana em geral. ” Alfred Schmidt – The Concept of Nature in Marx (Londres: NLD, 1971. Trans. Ben Fowkes) p. 61 [cfr. também T. W. Adorno – ‘The Idea of ​​Natural History’ in Telos 60 (summer 1984)]

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