Por Passa Palavra

No dia 27 de janeiro o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro anunciava o novo piso salarial dos professores do ensino básico, no valor de R$ 3.845,63. Claro que este valor não é sem fundamento, ele tem como base a Lei do Piso (2009), que para o ano corrente determina um aumento de 33,24%. Um aumento considerável, mas ainda bem inferior ao atual, de 22%, foi alcançado em 2012. Em meio ao debate sobre a valorização do trabalho docente, uma das metas do Plano Nacional de Educação, é importante dimensionar a relação entre o piso do magistério e o salário mínimo: em 2012 o piso representava 2,33 vezes o salário mínimo, enquanto o novo piso corresponderá agora a 3,17 salários.

A Lei do Piso estabelece que esse reajuste seja calculado com base na arrecadação fiscal, que ano passado foi a maior desde 2000. Mesmo tendo passado por um ano sem reajuste (o último foi em 2020, de 8,53%), pode-se dizer que não houve lutas políticas significativas dos professores para que a Lei do Piso fosse respeitada e o aumento assegurado, o que ajuda a entender o fato de que Bolsonaro até poucos dias atrás rejeitava solenemente o aumento. Em sites como o Diário da Causa Operária (DCO) e o do Partido dos Trabalhadores (PT) podia-se ler que até o dia 24 de janeiro havia essa resistência do governo federal, que, apesar da arrecadação recorde, insinuava que o novo valor não caberia no orçamento e para alegava que a alteração feita em 2020 na lei do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) teria tornado a Lei do Piso desatualizada. O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) noticiou a conquista da categoria como resultado da “pressão” sofrida pelo governo, que acabou recuando. Situação idêntica ocorreu com os agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias, que em 2014 conquistaram o seu piso salarial e aumentos anuais no mês de janeiro. O governo havia vetado o reajuste na Lei Orçamentária Anual, mas o veto foi derrubado em dezembro no Congresso Nacional.

Por sua vez, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) protesta, alegando que tal medida levará à insegurança financeira. O leitor atento nota como a coisa se inverte e como o bolsonarismo repete a fórmula de suas políticas públicas: a justificativa para vetar o ajuste devia-se à insegurança econômica alegada pela sua própria pasta da Economia. Temendo as críticas em ano eleitoral, cede à pressão e apresenta o novo aumento como uma iniciativa do Governo Federal, enquanto sua pasta econômica continua receosa das consequências.

Assim como ocorreu com o valor do Auxílio Emergencial, essa situação demonstra como o bolsonarismo tenta carimbar como suas algumas políticas que se vê constrangido a adotar, mas que têm força eleitoral. Agora Flávio Bolsonaro debocha de governadores e prefeitos chamados por ele de “esquerdistas”, que não teriam escrito nem uma linha em “agradecimento” a Bolsonaro pelo reajuste. E assim buscam construir a narrativa de que quando Bolsonaro faz alguma coisa positiva a oposição fica em silêncio. Agora, além de serem “anti-Brasil”, os progressistas seriam contra os professores.

Por outro lado, ceder a pautas populares em detrimento dos interesses corporativos a curto prazo de governadores e prefeitos — aliás, praticar a “democracia por agressão” — reverte em capital político para o Planalto e em indisposição com seus aliados de centro, a quem consegue recorrer com facilidade devido à fragilidade política que o bolsonarismo desenvolveu no interior das instituições do Estado.

Essas indisposições suscitam a dúvida de como se portarão as demais instituições e a esquerda perante esse cenário. Alguém se erguerá em solidariedade ao “orçamento dos municípios”? Governadores e prefeitos conseguirão revogar o aumento na justiça? Fato é que Bolsonaro deu uma “missão a ser cumprida” em oposição a seu próprio ministério, mas nada o impede de revogar a medida, como faz com frequência. Aquele Fundeb que justificava a “desatualização” da Lei do Piso foi esquecido, para que o chefe do executivo pudesse alavancar a educação básica.

Em destaque, as ruínas de uma sala de aula numa escola abandonada em Yubari, Japão (foto de Brett Patman); acima, um menino observa as ruínas de uma escola em Saada, Iêmen (foto de Giles Clarke).

 

1 COMENTÁRIO

  1. Importante acrescentar que alguns estados e municípios não cumprem o piso – e ainda assim continuam recebendo repasses federais.

    Aliás, seria bom uma listagem atualizada desses que não pagam. No site do Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação o levantamento mais recente em relação aos estados é de abril de 2019, início de gestão de governos estaduais. Indica que estavam fora da lei São Paulo, Sergipe, Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo (um total de 08 em 27 — 26 estados + DF).

    O bom que é essa semana tem mobilização em frente às assembleias legislativas dos estados para assegurar o pagamento do piso em todo o país (https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/noticias/74557-apos-pressao-de-sindicatos-bolsonaro-promete-cumprir-a-lei-do-piso-do-magisterio) e mês que vem tem dia nacional de lutas rumo à greve geral.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here