Por Michael Shellenberger

O Sri Lanka faliu. No sábado, milhares de manifestantes invadiram o palácio presidencial. Enquanto a multidão ressentida e enfurecida nadava na piscina do presidente, cozinhava em seu gramado, relaxava em sua cama e punha fogo em sua casa, o presidente era evacuado por um navio na costa do Sri Lanka.

O motivo imediato para o caos é a falência do país, que sofre sua pior crise financeira em décadas. Milhões de pessoas pelejam para comprar alimentos, medicamentos e combustível. Entre junho de 2021 e junho de 2022, os preços dos alimentos subiu em 80%. No último mês, a inflação anual atingiu quase 55%. Desde o começo da pandemia, meio milhão de pessoas caíram na pobreza.

Se você nunca prestou atenção à ilha junto ao litoral sudeste da Índia, pode pensar que as coisas são assim mesmo em países em desenvolvimento. Mas a verdade é que o Sri Lanka vinha se reconstruindo gradualmente — depois de décadas de guerra civil e autoritarismo – e então isso aconteceu. Nós, o Ocidente, temos muito a ver com isso.

A razão subjacente para a falência do Sri Lanka e a queda de seus líderes — começando pelo ex-presidente, Maithripala Sirisena, e depois seu sucessor, o recém-deposto Gotabaya Rajapaksa — tem a ver com o encanto das elites verdes do Ocidente, que promovem a agricultura orgânica e a ESG [1], que diz respeito a investimentos pautados em critérios mais nobres: ambientais, sociais e de governança. O Sri Lanka possui um score ESG quase perfeito (98) — mais alto que o da Suécia (96) e o dos Estados Unidos (51).

O que significa ter um score ESG tão alto? Em suma, significa que os dois milhões de agricultores do Sri Lanka foram forçados a deixar de usar fertilizantes e pesticidas, arruinando este setor fundamental da economia (pouco importa que o Índice ESG S&P tenha excluído a Tesla, mantendo a Exxon Mobil no top 10, nada disso faz muito sentido).

Na verdade, outros fatores estão por trás da falência do Sri Lanka. Lockdowns causados pela covid e um atentado a bomba em 2019 prejudicaram o turismo — um ramo que costuma gerar entre 3 bilhões e 5 bilhões de dólares ao ano. O Sri Lanka contraiu uma enorme dívida externa, tomando emprestados bilhões de dólares à China, como parte da Belt and Road Iniciative [2]. Os custos do transporte decolaram, aumentando 128% desde maio, devido ao aumento do preço do petróleo. Tendências econômicas de fundo também não têm ajudado: desde 2012, tem havido uma queda no crescimento.

Mas o principal problema do Sri Lanka é o banimento, aprovado no ano passado, de fertilizantes químicos, central para o esforço do país de adequar-se à ESG.

As estatísticas são chocantes.

Um terço das terras cultiváveis do país permaneceu ocioso em 2021 devido à proibição do uso de fertilizantes. 90% dos agricultores do Sri Lanka usavam fertilizantes químicos antes da proibição. Depois da proibição, houve uma surpreendente queda de 85% nas colheitas. A produção de arroz caiu em 20% e os preços subiram vertiginosamente em seis meses, para 50%. O Sri Lanka teve de importar 450 milhões de dólares em arroz, embora fosse autossuficiente poucos meses antes. O preço das cenouras e dos tomates aumentou em cinco vezes. Tudo isso abalou drasticamente as vidas de mais de 15 milhões de pessoas, num país de 22 milhões de habitantes, que dependem direta ou indiretamente da agricultura.

As coisas ficaram ainda piores para os pequenos agricultores. Na região de Rajanganaya, onde a maioria dos agricultores cultivava lotes de dois acres e meio [3], famílias de agricultores relataram uma queda de 50% a 60% nas colheitas. “Antes da proibição, este era um dos maiores mercados do país, com toneladas e toneladas de arroz e legumes”, declarou um agricultor no início do ano. “Mas depois da proibição, chegou a quase zero. Se você entra em contato com os fornecedores de arroz, eles não têm nada no estoque, porque as colheitas caíram muito. Os rendimentos desta comunidade inteira caíram para um nível extremamente baixo”.

Mas os danos causados à produção de chá são a chave para a falência do Sri Lanka. Antes de 2021, a produção de chá gerava 1,3 bilhão de dólares em exportações anualmente. As exportações de chá pagavam por 71% das importações de alimentos antes de 2021.

A proibição de fertilizantes, a partir de abril de 2021, mudou tudo. Quatro meses depois de ela entrar em vigor, o presidente, percebendo que as coisas não iam de acordo com o planejado, revogou a proibição à importação de fertilizantes químicos — e então, dois dias depois, a reinstituiu.

Os resultados foram devastadores e amplamente antecipados pelos produtores de chá, com as exportações desabando 18% entre novembro de 2021 e fevereiro de 2022 — chegando ao seu menor nível em mais de duas décadas.

“Não temos fertilizantes químicos o suficiente”, admitiu Rajapaksa em dezembro de 2021, “porque não os importamos. Existe uma escassez”.

Em maio de 2022, o Sri Lanka deixou de amortizar 77 milhões de dólares de sua dívida externa. A soma pode parecer pequena, levando em conta o quadro geral, mas a inadimplência dificultou a contração de novos empréstimos pelo Sri Lanka. Logo, a moeda do país desvalorizou, a inflação subiu para 30% e o governo ficou sem o dinheiro que precisava para importar combustível, alimentos e medicamentos.

O que exatamente tinham Rajapaksa e outros líderes do Sri Lanka na cabeça? Porque se engajaram num experimento tão radical com o ramo mais importante da economia do país?

Depois da Segunda Guerra Mundial, o Sri Lanka, como muitos outros países pobres, subsidiou os agricultores para que deixassem de usar biofertilizantes, como o estrume, e passassem a usar fertilizantes químicos, no que ficou conhecido como Revolução Verde (popularizada por Norman Borlaug, agrônomo vencedor do Prêmio Nobel). A produção de arroz subiu rapidamente, e o país superou a escassez crônica de alimentos e começou a obter receitas externas com a exportação de borracha e chá.

Com o crescimento da produção, jovens foram capazes de arranjar empregos nas cidades. Os salários aumentaram tanto que o Sri Lanka tornou-se um país de renda média.

Mas o que parecia um sonho para a maior parte do Sri Lanka era mais parecido com um pesadelo para ambientalistas do Ocidente. Em 1970, Paul Ehrlich, biólogo de Stanford, e outros ativistas passaram a denunciar a Revolução Verde. Eles alegavam que a superpopulação causaria sofrimento e extinção em massa e que a humanidade precisava de uma “triagem”. Em outras palavras, tínhamos de deixar alguns morrerem para que o resto de nós pudesse viver.

Traduzido pelo Passa Palavra, a partir do original em inglês publicado no site Common Sense. A imagem de destaque é da autoria de Ishara S. Kodikara. A outra, cuja autoria desconhecemos, foi divulgada pela AFP.

Notas

[1] Sigla para Environmental, social, and corporate governance. Em português, Governança ambiental, social e corporativa.
[2] Nova Rota da Seda.
[3] Aproximadamente 1,01 hectare.

49 COMENTÁRIOS

  1. Realmente é curioso que este artigo não tenha tido nenhum comentário, já que traz dados concretos, sobre um acontecimento sem precedentes na história. E mais, publicado/traduzido num país que tanto combate os chamados agrotóxicos e que tanto denuncia (às vezes com razão) a desregulamentação brasileira na área, que permite que o agronegócio use aqui centenas de defensivos de uso proibido no mundo todo. Existem algumas ideologias que parecem bonitas e louváveis quando se observa sua aplicação num espaço ou tempo restrito, mas uma adequada avaliação de uma ideologia pode ser melhor feita quando se pondera sua prática e extensão a nível mais amplo, global. É o caso da ecologia, da produção agroecológica, da agricultura orgânica. Os defensores destas ideologias como alternativa para alguns dos problemas postos pela produção capitalista tem agora, com o exemplo do Sri Lanka, no mínimo, algo para repensar suas propostas e para pararem de tratar o tema dos defensivos agrícolas como se fossem o bicho papão e a agroecologia algo evidentemente bom para a humanidade. Qualquer proposta alternativa ao modelo capitalista tem que ser capaz de produzir mais, em maior escala e com menos esforço físico de trabalhadores, portanto maior uso de maquinaria e ciência aplicada. Do contrário se trata de uma proposta nefasta, obscurantista, reacionária e de potencial genocida. Sri Lanka nos mostra isso na prática.

  2. Olhando hoje para o que vem acontecendo no Sri Lanka, tendo como pivô da crise econômica-política, a imposição da agricultura orgânica, provocando insegurança alimentar, falta de divisas e a volta da fome generalizada, o que dizer de ações obscurantista do MST, ao longo dos anos, contra os transgênicos e a favor da agroecologia?

    https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u15040.shtml

    https://www.dgabc.com.br/Mobile/Noticia/169475/mst-invade-laboratorio-e-destroi-pesquisas-de-vinte-anos-no-rs

    https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/03/grupo-de-mulheres-do-mst-invade-fabrica-e-destroi-pesquisas-geneticas.html#:~:text=Um%20grupo%20de%20mulheres%20do,de%20quem%20estava%20na%20empresa.

  3. No geral eu concordo com as críticas que foram feitas. Acredito que o problema do Sri Lanka foi tentar transformar a agricultura em orgânica da noite para o dia,sendo que pra chegar em um sistema orgânico em nível de unidade produtiva demora vários anos.

    gostaria de desfazer alguns mitos que percebi na discussão .Também existe grande produção de orgânicos com tecnologia de ponta:

    No interior de São Paulo tem o maior produtor de Acúcar Orgânico
    O maior exemplo de canavial sustentável vem das usinas São Francisco e Santo Antonio – administrados pelo Grupo Balbo, em Sertãozinho, SP, que hoje realizam a maior produção de açúcar orgânicodo mundo: 75 mil toneladas por ano, exportadas para 64 países e distribuídas no Brasil com a marca Native. Produzem também 12 milhões de litros de álcool orgânico, usados na produção de cosméticos, tendo a Natura como principal cliente. As duas unidades cultivam 20 mil hectares no total, dos quais 13mil são de cana orgânica. http://www.canaonline.com.br/conteudo/a-maior-producao-de-cana-organica-do-mundo.html

    o próprio MST já é um grande produtor de Arroz Orgânico:
    Para a safra do arroz orgânico de 2016-17, o MST estima a colheita de mais de 27 mil toneladas, produzidas em 22 assentamentos diferentes, envolvendo 616 famílias gaúchas. Também serão produzidas 22.260 sacas de sementes, que não são transgênicas.

    técnicas da agricultura orgânica tem contribuído para melhorar a produção convencional, por exemplo, o uso de bactérias fixadoras de nitrogênio :

    Para produzir uma tonelada de grãos de soja são necessários cerca de 80 kg de nitrogênio. Esse nutriente é o mais requerido pela cultura e pode ser obtido gratuitamente na natureza, por meio de algumas bactérias do gênero Bradyrhizobium (rizóbios). Elas capazes de capturar o N2 da atmosfera e transformá-lo em uma forma assimilável pelas plantas. Quatro estirpes de Bradyrhizobium estão disponíveis no mercado para soja. https://www.embrapa.br/busca-de-solucoes-tecnologicas/-/produto-servico/3780/fixacao-biologica-de-nitrogenio-em-soja

    ou a integração lavoura e pecuária:
    A integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é uma estratégia de produção que vem crescendo no Brasil nos últimos anos. Trata-se da utilização de diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. https://www.embrapa.br/tema-integracao-lavoura-pecuaria-floresta-ilpf

  4. o supermercado aqui do bairro vende bananas orgânicas faz uns anos.
    no início, era ruim e bem mais cara que a banana tradicional, atualmente é só ruim mesmo e, a despeito do preço aproximado, apodrece nas gondolas do supermercado porque ninguém quer..

  5. Quando alguma coisa corre mal, os seus defensores têm um argumento ready made — se as coisas tivessem sido feitas de outra maneira… Neste caso, se o presidente Gotabaya Rajapaksa não tivesse introduzido abruptamente a agricultura orgânica… Mas o problema consiste precisamente em saber se as coisas poderiam ter sido feitas de outra maneira.

    1. É impossível generalizar a agricultura orgânica num longo prazo.
    A agricultura orgânica é muito menos produtiva do que a agricultura que recorre a produtos agro-químicos e a modificações genéticas realizadas laboratorialmente. Para não me alongar num simples comentário, os dados e a bibliografia a este respeito podem ser consultados na quarta parte do meu ensaio Contra a Ecologia, A Agroecologia e a mais-valia absoluta. A agricultura orgânica é menos produtiva por área e menos produtiva relativamente à mão-de-obra empregue.
    Assim, com custos de produção maiores, a agricultura orgânica tem necessariamente de praticar preços superiores, o que a vocaciona para as camadas de rendimentos médios e médios-altos.
    Um comentador notou que os produtos da agricultura orgânica, além de mais caros, são de pior qualidade. Precisamente por isso eles só podem divulgar-se graças aos pretextos extra-económicos fornecidos pela ecologia, o que mais ainda os torna dependentes das camadas médias e médias-altas, as únicas em que proliferam adeptos do politicamente correcto. Só por devoção se consomem os produtos da agricultura orgânica.
    Isto significa que a) a agricultura orgânica não é capaz de concorrer comercialmente com as demais formas de agricultura e b) restringe-se a um mercado confinado economicamente e definido ideologicamente. Estes dois factores têm como consequência que a agricultura orgânica não pode generalizar-se economicamente a longo prazo.

    2. O carácter ideológico da agricultura orgânica propicia a sua introdução brusca.
    Um sistema económico cuja expansão não é sustentada pelo mercado e que tem justificações meramente ideológicas tende a ser imposto de maneira autoritária. É o que sucede com a agricultura orgânica.
    A inspiração originária da agricultura orgânica deveu-se ao fundador da antroposofia, Rudolf Steiner, quando, em 1924, lançou a ideia da agricultura biodinâmica. Ela nasceu, portanto, num meio não só espiritualista e teosófico, como profundamente racista. Assim, foi inteiramente natural que a agricultura orgânica se convertesse na doutrina agrícola oficial do Terceiro Reich, sob a égide do ministro dos Abastecimentos e da Agricultura, o Obergruppenführer SS Walther Darré, que foi também Führer dos Camponeses do Reich e chefiou o Departamento Central de Raça e Colonização dos SS. A situação não mudou quando Darré abandonou as suas funções no Ministério dos Abastecimentos e da Agricultura em 1942, porque o Reichsführer-SS Henrich Himmler continuou a favorecer as experiências de agricultura orgânica, baseadas agora na força de trabalho escrava dos campos de concentração. Aliás, no Terceiro Reich o empreendimento de agricultura orgânica mais vasto e com maior êxito comercial, o Instituto Germânico de Pesquisa Nutricional e Alimentar, que cultivava plantas pseudo-medicinais, integrava-se no império económico dos SS e estava estabelecido junto ao campo de concentração de Dachau.
    Desde a sua génese, portanto, que a agricultura orgânica está intimamente relacionada com formas extremas de autoritarismo. O regime de Pol Pot no Cambodja e agora as medidas tomadas por Gotabaya Rajapaksa no Sri Lanka não são aberrações, mas uma necessidade intrínseca resultante do facto de a agricultura orgânica não ser concorrencial economicamente.

    3. Conclusão.
    A falta de produtividade da agricultura orgânica impede-a de ser concorrencial e, a longo prazo, condena-a a não ultrapassar mercados marginais e definidos ideologicamente.
    A curto prazo a agricultura orgânica só pode ser introduzida por meios violentos e em regimes autoritários.

    Post scriptum.
    Como entre os leitores brasileiros abundam os brasicêntricos, que automaticamente reduzem tudo ao país onde nasceram, gostaria de recordar que inicialmente o MST apontava o exemplo dos projectos agroindustriais e pretendia que as cooperativas de produção aplicassem a agroindústria nos assentamentos. Só quando o presidente Fernando Henrique Cardoso inaugurou, em 1995, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Pronaf, é que o MST descobriu as virtudes da pequena agricultura e, concomitantemente, da agroecologia. «Não foi o primeiro caso e certamente não será o último em que uma organização revolucionária é assimilada e domesticada através do crédito», observei eu no ensaio que dediquei à história do MST, MST e Agroecologia: Uma Mutação Decisiva. Depois, o colectivo do Passa Palavra escreveu uma série de três artigos intitulada MST S.A., em que analisa o desenvolvimento do carácter empresarial do MST. O curioso é que nunca escasseiam devotados militantes para abençoarem tudo isto. Quem mencionava os «idiotas úteis»?

  6. Com todo o respeito a Pablo João e Gogol. Vocês querem usar um estúpido governo autoritário impondo uma medida draconiana naásia para no fim das contas criticarem a ideologia do orgânico, tomada como sinônimo de agroecologia e do mst. Deixam de fora a discussão dos custos de produção: com fertilizantes (aumentando pois atrelados aos hidrocarburetos), com combustível de tratores, com drones importados do mundo civilizado europeu e gringo, com laboratórios de transgênia e acima de tudo com a perda de biodiversidade que sujeita as monoculturas aos ataques de pragas. Vcs ignoram isso só pra espumarem raiva contra o mst, das poucas organizações que ainda fazem ação e não ficam se estapeando em debates estéreis intraesquerda. Agora vivemos no agrofascismo. Teve pesquisadora perseguida em casa demonstrar consumo excessivo de veneno. Até a Anvisa sabe que isso aqui é insustentável. O AGRO só dá lucro porque libera todo ano novos pastos e terras de lavourano mercado de terras a custo zero griladas de terras indígenas e florestas nacionais ou devolutas. No mais essa patifaria de alimentar o mundo já foi desmontada no censo 2006 e 2017.

  7. Por que essa patifaria de alimentar o mundo foi desmentida pelo Censo 2006?

    Poderia indicar a pagina do Censo, por gentileza?

    Grato

  8. Oras, mas a medida do presidente do Sri Lanka visava justamente eliminar os custos da produção que exigiam a importação de insumos, a dependência do comércio exterior com o mundo civilizado…

  9. O link indicado por Sertório, sobre os biofertilizantes aplicados à produção de soja, não serve para refutar o cerne da argumentação de quem se opõe à agroecologia neste site. Isto porque, de um lado, os inoculantes à base de micro-organismos, utilizados para a chamada fixação biológica de nitrogênio, são produzidos em laboratório, mediante técnicas modernas, não podendo ser equiparados ao tipo de biofertilizantes mencionado no artigo acima – estrume, etc. De outro, não basta a fixação biológica de nitrogênio, é preciso utilizar outros produtos químicos para garantir a produtividade, como o cobalto e o molibdênio, além de fungicidas, inseticidas, etc. No próprio link compartilhado por Sertório é dito que “a planta necessita principalmente de três linhas de adubo para se desenvolver: o nitrogênio, o fósforo e o potássio. No caso da soja, apenas o nitrogênio é fornecido como biofertilizante, os outros dois nutrientes são utilizados na forma de adubo químico”. Assim, a biofertilização moderna anda de mãos dadas com a aplicação de fertilizantes químicos.

  10. O propósito da divulgação do link foi o de apoiar a sua argumentação e a do Passa Palavra, prezado Fagner…

  11. Caro Sertório, então me desculpe. É que no geral os comentários postados por aqui vão em outra linha…

  12. Aí vai sugestão de texto: Quem produz os alimentos que chegam à mesa do brasileiro?
    Citação do texto:
    “Quando se consideram alimentos consumidos no país, 70% vêm da agricultura familiar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São pequenos agricultores que plantam para abastecer a família e vendem o que sobra da colheita – como mandioca, feijão, arroz, milho, leite, batata. ”

    O problema da fome no mundo não é tecnológico. É de fato fundiário. Sugestão de um clássico: geografia da fome. Josué de castro. Precisamos de reforma agrária e sinto dizer. Quem ainda ocupa e resiste acampado nas terras nesse país é o mst.

    Nota: orgânico Não é sinônimo de agroecológico. Coisa que o Dr. João Bernardo ignora ao insisteir em citar Rudolf Steinner como pai da agricultura ecológica. Talvez devesse se inteirar do que é agroecologia no livro “a dialética da agroecologia” de Sebastião pinheiro machado. Sobre a experiência prática da agroecologia em um país existe o livro revolução agroecológica sobre a experiência cubana de adoção da agroecologia como única alternativa debaixo de um embargo escroto dos ianques há mais de décadas.

  13. Tiradentes,
    você saberia citar em que documento do IBGE aparece esse dado referente aos 70%? Página, por favor.

  14. Engraçado é que poucos percebem, seja quem defende, seja quem critica, que esta tal agricultura “familiar” já não existe faz tempo. As famílias que vivem no campo não mais produzem (na verdade, historicamente nunca produziram…) para “si e vendem o excedente”, simplesmente porque, seja qual for o alimento “orgânico” que produzem, produzem tão somente, ou quase tão somente, àquele determinado produto orgânico. Ou seja, se produzem “açúcar ou arroz orgânicos”, produzem tão somente açúcar ou arroz orgânicos (e se viverem disso, comerão só arroz ou só açúcar orgânicos e o que não conseguirem comer mandam para o mercado…). Não produzirão arroz, feijão, batata, banana, laranja, maçã, etc, para serem “auto-suficientes”, e nem poderão produzir, pois via de regra, isto em caráter internacional, necessitam de “certificações” para serem considerados produtores familiares de produtos orgânicos. Nada mais pró mercado e pró capital que isso

  15. As mentiras têm vida dura, sobretudo quando correspondem aos interesses dos lobbies. Uma dessas mentiras é a de que 70% dos alimentos consumidos no Brasil vêm da agricultura familiar. Na 4ª parte do meu ensaio Contra a Ecologia, intitulada A Agroecologia e a Mais-Valia Absoluta, escrevi o seguinte:

    «[…] um dos argumentos invocados pelos defensores brasileiros da agroecologia é o de que as explorações familiares, ocupando apenas 24,3% da área dedicada à agricultura e à pecuária, produziam a maior parte dos alimentos consumidos no país. É comum a afirmação de que a agricultura familiar é responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos, e o secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário tomou-a como sua em Julho de 2011. No entanto, o que Caio Galvão de França et al. escreveram numa obra editada por aquele Ministério é que “cerca de 70% a 75% da produção agropecuária do país destinou-se ao mercado doméstico”, o que é muito diferente, e estes autores acrescentam, sem especificar a percentagem, que “a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do país, como importante fornecedora de alimentos para o mercado interno”. Na tabela acima, no entanto, verifica-se que só na mandioca e no feijão é que mais de metade da produção se deveu à agricultura familiar».

    Por outro lado, Iso Nunseiuke chamou a atenção, no seu comentário, para o facto de a agricultura familiar já não ser familiar no sentido arcaico do termo, ou seja, não se destinar à auto-suficiência da família, mas à produção especializada para o mercado nacional ou mundial. Ora, a este respeito parece-me útil recordar outra passagem daquele meu artigo:

    «Como, segundo o referido Censo [Censo Agropecuário de 2006], 89,4% das pessoas ocupadas na agricultura familiar tinham laços de parentesco com o cabeça de exploração, concluo que todas elas sofriam pressões para a extensão da jornada de trabalho. Para mais, 7,4% da força de trabalho ocupada nos estabelecimentos familiares era composta por menores de catorze anos, enquanto nos estabelecimentos não familiares essa percentagem se reduzia a 3,6%. Usando outra perspectiva de avaliação, do total de menores de catorze anos ocupados na agropecuária, 86% trabalhavam na agricultura familiar. Bastariam estes dados para nos apercebermos da barbárie que é a pequena agricultura. Nestas condições, um trabalhador numa economia doméstica representa mais horas de trabalho diário do que um trabalhador no agronegócio».

    Não se trata apenas do facto de a agricultura familiar ser uma parte integrante do sistema de exploração capitalista. É que na agricultura familiar essa exploração é conduzida em termos muito mais bárbaros e violentos. É uma mais-valia absolutíssima.

  16. João Bernardo. Com todo o respeito. Mas a jornada de trabalho no campo na economia camponesa respeita ainda outra lógica uma vez que é determinada pelo tempo da natureza, preparo do solo, arado, plantio colheita, manejo de plantas, cuidado com animais. Roçado, quintal produtivo e trabalho doméstico andam juntos. A ruptura com esse tempo da natureza por causa da aceleracao e intensificação da produção ocorrida no seculo xix vem atrelada ao cercamento de terra e à instituiçao do latifundio capitalista já associado à industrialização. Mais de um século depois O agronegócio continua cercando terras comuns ou públicas tornando as particulares. Junto a isso lança pacotes tecnológicos que causam dependência camponesa.

    No trabalho no campo Existem picos de jornadas extenuantes bem como existem longos períodos de jornadas reduzidas a menos de 4 horas podia. Ou menos de 5 dias por semana. Vocês deviam experimentar passar uma temporada de uma semana em um assentamento ou acampamento sem terra, quilombo, tribo antes de apontarem os limites. Depois comparem com a rotina de trabalho dos motoristas de trator, Cortadores de cana, ou peões de fazenda do agro e me digam onde está a mais valia absoluta. Comparem também com os trabalhos urbanos no setor formal ou informal no rio de janeiro ou são Paulo. Depois me diga onde está o trabalho infantil.

    Me parece que vcs são profetas do fim do campesinato. Mas se esquecem que grande parte dos municipios do país são centrados em atividades ligadas à agricultura. Quem não tem sonha em ter um pedaço de chão. Diferente da Europa onde o campo foi dividido e distribuído e até hj tem gente que pode escolher voltar ao campo ao invés de ser condenado a viver a cidade como trabalhador assalariado.

    Sobre o dado dos alimentos produzidos pela agricultura camponesa e que abastecem o mercado interno no Brasil podem procurar no Google os dados dos censos de 2006 e 2017 do ibge. Analisem vcs mesmos sem passar por comentaristas da Embrapa ou do agronegócio que pelo visto andam juntos com esse marxismo anti camponês que vcs defendem. O Aldo Rebelo do Pc do b pensava igual vcs e acabou aderindo ao AGRO sem hipocrisia.

    *** *** ***

    Vou destacar essa conclusao autoconfirmatoria fundamentada em achismos do tipo “eu acho”, “concluo”.

    “Como, segundo o referido Censo [Censo Agropecuário de 2006], 89,4% das pessoas ocupadas na agricultura familiar tinham laços de parentesco com o cabeça de exploração, concluo que todas elas sofriam pressões para a extensão da jornada de trabalho. Para mais, 7,4% da força de trabalho ocupada nos estabelecimentos familiares era composta por menores de catorze anos, enquanto nos estabelecimentos não familiares essa percentagem se reduzia a 3,6%. Usando outra perspectiva de avaliação, do total de menores de catorze anos ocupados na agropecuária, 86% trabalhavam na agricultura familiar.”

    Extraída do péssimo texto que analisou os dados do censo agropecuário usado por João Bernardo. Com base no puro achismo o autor afirma que todos os chefesde família camponesa são patrões que submetem os filhos à barbárie do trabalho reprodutivo. Típico comentário de quem não varre a própria sujeira nem lava as proprias cuecas. Minha filha tem 4 anos e já ajuda no trabalho doméstico reprodutivo. Isso não é barbárie. É trabalho reprodutivo. Grande parte do campesinato realiza trabalho reprodutivo que se confunde com o produtivo. Vivem no equilíbrio dinâmico entre demanda e oferta calórica.

  17. Tiradentes, conheço alguns assentamentos e já passei mais de “uma semana” neles. Lá pude ver a miséria de quem não conta com tecnologia para trabalhar e o esforço extra que qualquer produtor precisa fazer devido a não contar com maquinaria de ponta, e vc tem a audácia de elogiar isso como se os tempos sem trabalhar (devido à baixa produtividade e desânimo) fossem sinônimo de ausência de mais valia absoluta. O cenário que vc descreveu existe e é romântico e improdutivo, portanto jamais serviria para ser posto como substituto do Capitalismo. O comunismo do futuro espera sim que se trabalhe muito menos horas e dias, mas não porque não há nada que fazer ou porque se está sob a égide do tempo da natureza e sim porque máquinas e tecnologias estão a fazer o trabalho. Devido a ter uma concepção moral do que seja exploração você confundiu o tempo da jornada de trabalho e o tempo de trabalho socialmente necessário para se produzir algo. Nesses assentamentos em que vc menciona se trabalhar, por exemplo, menos de 4 horas diárias, temos 4 horas de trabalho onde se produz o que o agronegócio produz em 15 minutos. O trabalhador agroecológico trabalha sob a égide da mais-valia absoluta, mesmo que trabalhe 1 hora por dia, pois é uma hora de trabalho feita com produtividade abaixo do tempo de trabalho socialmente necessário. Em um comentário anterior vc mencionou drones como se fossem algo negativo, e neste último comentário mencionou uma criança com vassoura limpando uma casa como se fosse algo positivo. Não poderia ser mais simbólico de onde a ideologia ecologista leva

  18. Tiradentes inaugurou o feminismo ecológico: substituição da luta pelo benefício material de mulheres na luta para que os filhos e os pais trabalhem mais.

  19. ‘A agricultura pela sua maior estabilidade, pelo seu enraizamento natural no solo e mais estreita ligação com a produção de alimentos, constitui a garantia por excelência da própria vida, e, devido à formação que imprime nas almas, manancial inesgotável de forças de resistência social.’

    E ainda: ‘aqueles que não se deixam obcecar pela miragem do enriquecimento indefinido, mas aspiram, acima de tudo, a uma vida que embora modesta seja suficiente, sã, presa à terra, não poderiam nunca seguir por caminhos em que a agricultura cedesse à indústria.’

    Poderiam ser frases pronunciadas por algum comentador apologista da ecologia como Tiradentes.

    Mas foram pronunciadas pelo mais famoso fascista português, conforme relatado aqui (https://passapalavra.info/2011/12/48957/).

  20. Joker inaugurou o sarcasmo. Quer aparecer, conseguiu. Nasceu e cresceu de um tubo de ensaio, não duma mãe. Feminismo é outra coisa ainda.

    Voltando ao diálogo com os senhores anti-campesinato profetas da fome que os camponeses vão causar no mundo.

    Link de artigo sobre quem produz alimento consumido pelos brasileiros: https://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/5540
    Link 2: https://www.ufjf.br/ladem/2017/02/09/29792/

    Conclusões.

    1) No campo ninguém trabalha sem terra, assistência técnica ou crédito no campo. O Capital escolhe usar o crédito para produzir destrutivamente. E vocês da bolha passapalavra aplaudem como a única forma de alimentar o mundo. Dane-se os milênios de tecnologias de produção agrícola, manejo agrosilvopastoril, preservação de nascentes, uso de de fauna e flora para impulsionar a produção agrícola. etc. Só têm olhos para Megalatifundios coletivizados sob controle do ESTADO, que vocês tanto criticaram num passado recente. Parabéns, belo salto para o futuro que vocÊs defendem. Vocês e o Kautsky.

    2) Fome: problema social e agrário/fundiário, não tecnológico. Precisa ter distribuição de terra. Tá difícil entender? Vai me dizer que é só chergar com drones de lata precisão e megatratores que vamos conseguir acabar com a fome no Mundo sem superexplorar trabalhadores…

    3) Vocês acusarem o MST de acomodação política por causa de créditos rurais é análise ideológica que não enxerga a materialidade da luta de classes.

    4) O capitalismo mundializado é parasitário. É Destrutivo e rentista. Precisa de mais-avalia absoluta em qualquer ambiente de trabalho para garantir altas taxas de lucro e bater metas dos conselhos acionistas demonstrando dados de produtividade. Extrai renda, produtividade é só mais um índice do capital financeiro para direcionar investimentos.

    5) Defender agroecologia junto com reforma agrária é defender outro sistema de produção e outro pressuposto epistemológico contra o desenvolvimento do capitalismo expropriatório e assassino no campo. Se isso é moralismo então vocês caminham mesmo junto com o modo bolsonarista/joker/coringuista de fazer política agrária: incêndio, grilagem, RE-mercantilização fundiária, fechamento de escolas do campo e no campo, Venda de pacotes de veneno e NPKs para o campo.

    6) chamar assentamentos e acampamentos de favelas rurais e lugar da superexploração é tomar a luta de classes como uma ciência exata. Vai ver se um sindicato ultra-combativo (do tipo que vocês devem atuar) ou setor progressista do precariado urbano consegue romper com essas formas de exploração do trabalho. Uma luta define os termos da próxima. Os motoboys vão sair de um lugar melhor agora, mas continuam na merda. Em que país vocês vivem mesmo?

    7) Kátia Abreu chamava os assentamentos rurais de favelas rurais. Só se esquecia de dizer que 85% dos créditos públicos à agricultura eram abocanhados pelo AGRO.

  21. Take it easy my brother charles! Vamos debater nos seus termos, só lhe peço que não fale nada do que não sabe sobre minha mãe, ou como você a chama, “um tubo”.

    Você se refere ao Capital como uma entidade impessoal ora como um conjunto sociológico delimitado. Dessa confusão, natural perante os religiosos e os conspiracionistas, você diz que os capitalistas carregam uma vontade destrutiva, só faltou parafrasear todos aqueles que tentaram sem sucesso prever o colapso do capitalismo. Ou o fim do Capital está vindo junto da volta de Jesus Cristo, ou, o que penso, o aspecto racional do capitalismo é aquele em que ele consegue se reproduzir, e para isso o motor é o da mais-valia relativa, dispensando ao máximo formas de repressão e exploração de tipo simples.

    Você deduz que as críticas à ecologia são do marxismo profético das forças produtivas, onde basta atingi-las e o futuro do socialismo estará no vislumbre. Antes de mais nada, é preciso ter o seu controle, isso implica em garantir o máximo de aproveitamento do tempo de trabalho pelos que na terra trabalham, e o advento da tecnologia só tem a contribuir nesse ponto. Camponês saudosista é coisa de novela. Meu avô veio do norte, com ensino fundamental incompleto, tentar a sorte no Rio como estoquista e contava isso com orgulho.

    Você diz que falta um olhar na materialidade, só assim não vemos a emergência de se apostar nas linhas de crédito para uma sociedade da abundância. Me faz lembrar aqueles que querem restabelecer a democracia com Alckmin.

    No quarto ponto você é honesto. Muito obrigado por isso! Seu problema é com a economia de escala. Clastres também, ao defender que comunidades podem prevalecer sem a ampliação de uma economia complexa, notou que essas sociedades “sem Estado” batem no teto quanto à sua proliferação. O que seria hoje defender a redução demográfica? Bom, talvez você e o “camarada” no Sri Lanka tenham uma resposta.

    Não me parece que alguma das críticas acima tenha soado moralista. Só se você acredita que opor-se ao decrescimento econômico é algo simplesmente moralista.

    Quanto aos pontos 6 e 7 não tenho o que comentar, nem sei se deveria ter começado a escrever este comentário. Estou com sono. Um abraço orgânico.

  22. O interessante é que, mesmo com “milênios de tecnologias de produção agrícola, manejo agrosilvopastoril, preservação de nascentes, uso de fauna e flora para impulsionar a produção agrícola”, esta produção só atingiu um volume suficiente para evitar a escassez crônica de alimentos quando a agricultura foi modernizada. Em vez de querer partir daí, Tiradentes e outros querem voltar atrás.

    Enfrentar a expansão do latifúndio e do agronegócio não deveria resultar no enfrentamento à modernização da agricultura. Pelo contrário, as duas lutas, contra o latifúndio e o agronegócio e pela modernização da agricultura, se se tem como horizonte o progresso (político, econômico, social, cultural), andam de mão dadas. Não é preciso abrir mão da agricultura moderna para questionar as relações de propriedade, a exploração do trabalho e a mercantilização voltada para o lucro no campo. Os trabalhadores rurais devem questionar tudo isso, mas apropriando-se da modernidade e buscando desenvolvê-la noutra direção.

    A esquerda precisa apresentar um projeto de transformação social que represente uma democratização do progresso, caso contrário continuará sendo vista por muita gente, e com razão, como defensora de práticas e ideias superadas. Quando a esquerda voltará a ser moderna e a contagiar quem está insatisfeito mas não vê alternativas?

  23. Valeu galera. Anotei tudo. Vou levar pra direção discutir essas propostas.

    Quem sabe vocês descobriram a fórmula mágica da revolução: tomar os meios de produção em grande escala. Vocês são gênios anônimos.

    Fagner enrique. A fome continua existindo e não é culpa da agroecologia ou da produção orgânica. Aliás a pandemia de covid é um pequeno prenúncio do que essa linda agricultura de escala está causando e vai causar. O limite ecológico vai bater antes que vocês organizem a tomadados meios de produção e criarem os sovikolzes.

    Em 2021 tem 800 milhoes de pessoas com fome no mundo. Em 2019 eram 650 milhões.

    E temos 3.5 bilhoes com insegurança alimentar. Belo lixo esse modelo “de grande escala”

  24. Tiradentes, você por acaso defende também a pequena escala no âmbito industrial? Acha que a pequena industria produz menos contaminação? Ou teu argumento é que o estilo camponês de ser e o vínculo místico com mãe-terra são a origem das virtudes da agroecologia familiar?

  25. É interessante ver essa discussão nos comentários, e ver que precisam imputar ao Tiradentes a pecha de antiprogresso, quando não há nada antiprogresso ou antimodernização no que ele diz.
    Muito gente fetichizando certas tecnologistas sem nenhuma visão crítica. O que me parece retrógrado e regressivo a essa altura, é uma esquerda que não assimilou que as tecnologias incorporam valores, objetivos. Não são neutras.
    Pelo que se lê nos comentários, muito comentarista aqui deve achar que socialismo é pegar a fábrica do Ford e deixá-la do jeito que é.

    Dica de leitura, voltando ao básico:
    https://bibliotecaanarquista.org/library/murray-bookchin-autogestao-e-tecnologias-alternativas

  26. Em nenhum momento falei que agroecologia é sinônimo de pequena escala. Vocês quem pensam isso porque não conhecem o quê é produção agroecológica em escala. Se o mst os quilombolas e os indigenas os ribeirinhos ou o mpa tivessem acesso a 200 bilhões públicos abocanhados anualmente pelo agronegócio, teriamos uma produção agroecologica em grande escala muito mais produtiva capaz de suprir e sobrar acima fas demandas do país. Lembrem se que o campesinato supre a demanda de 80% do consumo de alimentos interno no brasil utilizando 25 a 15 bilhoes dos créditos agrícolas e 25% das terras cultivadas do país. O AGRO ocupa 75% das terras e manda soja milho e carne pra fora do país, não parasuprir a fome no mundo mas pra alimentar China Europa e Estados Unidos.

    Repito a questão da fome é questão agrária e de acesso a crédito produtivo. A técnica pode ganhar escala com apoio financeiro e reforma agrária. Me acusarde fascismo é o atalho dos oportunistas que não pensam fora do cubo. Repito agroecologia só é só pequena escala porque pouca terra foi distribuida aos camponeses.

    Por fim, entramos na era das pandemias. A degradação dos biomas vai acelerar nosso colapso como espécie. Fiquem assistindo o que essa produção em grande escala vai causar.

    Mas pra vocês Chico Mendes pensa igual a um fascista português. Ailton krenak deve ser fascista tb porque defende cosmovisão indígena. Ora…. fascismo é bolsonaro. Vc só batem na esquerda. Puro oportunismo.

  27. Leo V,

    Em momento algum houve, nesta discussão, a apologia de tecnologias capitalistas de organização do trabalho e da produção como o fordismo. Enfim, os comentários estão aí para quem quiser ler.

    Da minha parte, defendi – nesta e em outras discussões, como na discussão do artigo sobre o decrescimento ecossocialista (https://passapalavra.info/2022/06/144658/) – que para edificarmos uma sociedade comunista teremos de partir das técnicas modernas, sem preteri-las por outras, arcaicas. As técnicas não equivalem às tecnologias, podem ser reaproveitadas num novo quadro tecnológico. A roda, que é um dos componentes das esteiras nas linhas de produção, já serviu e serve, evidentemente, a outras finalidades. Serve inclusive aos ecológicos, quando substituem os carros pelas bicicletas. Deixaremos de usar computadores no comunismo, por que a informatização é hoje um dos principais fatores de produtividade e incremento da exploração?

    Ocorre que Leo V sabe muito bem disso, mas preferiu mencionar apenas que as tecnologias atuais expressam o sistema das relações sociais capitalistas. Enfim, que serão precisas outras tecnologias para que se desenvolvam outras relações sociais, não capitalistas, disso ninguém discorda, mas estas tecnologias aproveitarão as técnicas modernas ou serão baseadas em técnicas arcaicas? Essa é a questão.

    A industrialização, a modernização da agricultura, a urbanização e o desenvolvimento do mercado mundial, tudo isso foi obra do capitalismo, mas tudo isso, por outro lado, constitui a base material para qualquer sociedade pós-capitalista que pretenda ampliar e aprofundar o progresso material propiciado pelo capitalismo. O mesmo vale para as técnicas desenvolvidas com o advento do capitalismo.

    Agora me dirijo ao Tiradentes.

    Pois bem. O progresso material mencionado acima não é para todos, claro, pois estamos falando do capitalismo e o capitalismo gera desigualdades. Tiradentes diz que ainda há fome: sim, claro que há. Mas onde a fome é mais presente? Naqueles lugares onde o capitalismo se desenvolveu plenamente e é mais dinâmico, onde predomina o incremento da produtividade como motor da acumulação, mediante a qualificação da força de trabalho, a mobilização de incentivos materiais e morais, menores jornadas de trabalho, melhores condições de trabalho e maior remuneração? Ou naqueles onde o desenvolvimento nunca se completou e predominam a imposição violenta ou paternalista da disciplina de trabalho, longas jornadas de trabalho, alto nível de esforço muscular, más condições de trabalho e baixas remunerações?

    O que a agroecologia representa, para além da rejeição das técnicas modernas, é um sistema de trabalho caracterizado justamente por uma imposição paternalista – centrada na família ou na direção política do movimento social – da disciplina de trabalho, com alto nível de esforço muscular, longas jornadas, más condições de trabalho e baixas remunerações. E tudo isso só pode ser agravado, do ponto de vista do trabalhador, pela adoção de técnicas arcaicas. Do ponto de vista da população em geral, o Sri Lanka mostra as consequências de tentar reorganizar a produção agrícola de todo um país preterindo as técnicas modernas.

  28. Desde 1977 que venho a desenvolver a crítica à ecologia e aos movimentos ecológicos. A crítica ao capitalismo, tanto privado como de Estado, e a crítica à ecologia são os dois eixos permanentes da minha actividade. Tudo isso está sintetizado no meu ensaio de 2013, Contra a Ecologia. Não gosto de me repetir, porque é inútil fazê-lo.

    Quanto à responsabilidade da agroecologia na precipitação da crise no Sri Lanka, eu mesmo e outros comentadores temos insistido nos aspectos fundamentais, e os comentários de Tiradentes limitam-se a reproduzir a cartilha conhecida, mostrando-se incapaz de distinguir profissões de fé e argumentos. Quanto à «era das pandemias», que Tiradentes evoca agora, na boleia dos marxistas apocalípticos e dos ecologistas de vários matizes, ser-lhe-ia proveitoso estudar as pestes e as epidemias nas sociedades pré-capitalistas, e verificar como o desenvolvimento da sociedade industrial levou a um enorme declínio da taxa de mortalidade infantil e a um enorme aumento da esperança média de vida. Nesta perspectiva histórica, verdadeiramente notável é a rapidez com que se conseguiu travar a covid-19 e estabilizar a situação.

    Mas num comentário de 25 de Julho, Tiradentes escreveu (mantenho a grafia e a sintaxe originais): «O capitalismo mundializado é parasitário. É Destrutivo e rentista. Precisa de mais-avalia absoluta em qualquer ambiente de trabalho para garantir altas taxas de lucro e bater metas dos conselhos acionistas demonstrando dados de produtividade. Extrai renda, produtividade é só mais um índice do capital financeiro para direcionar investimentos». Alguém que acha que a mais-valia absoluta aumenta a produtividade e aumenta as taxas de lucro demonstra a mais cabal ignorância dos mecanismos económicos. E pretende dar lições!

    Lições pretende também dá-las Leo V e, como habitualmente, cita Murray Bookchin. Ora, Janet Biehl e Peter Staudenmaier organizaram um livro incontornável de crítica ao eco-fascismo (Ecofascism. Lessons from the German Experience, Edimburgo e San Francisco: AK Press, 1995). Seria interessante que Leo V averiguasse a relação destes dois autores com Murray Bookchin. Mas para quê? Quando Leo V escreve que «não há nada antiprogresso ou antimodernização no que ele [Tiradentes] diz», fico elucidado acerca do que Leo V entende por «progresso» e por «modernização». «Pelo que se lê nos comentários», continua Leo V, «muito comentarista aqui deve achar que socialismo é pegar a fábrica do Ford e deixá-la do jeito que é». O senhor devia envergonhar-se, sr. Leo V, de ter escrito o que escreveu, acerca de comentadores, entre os quais eu me incluo.

  29. Vejo que o debate prossegue e em bom nível. A maioria das coisas que eu diria foi dita nos últimos comentários de Fagner, por isso me limito a acréscimos:

    A tecnologia não é neutra e as empresas estruturam a produção não apenas por meio de uma divisão funcional-tecnica do trabalho, a qual nos interessa manter e aprimorar enquanto esquerda na medida em que são conquistas dos trabalhadores e podem alavancar a produtividade (necessária para um Socialismo da abundância), mas também por meio de uma divisão estrutural-hierárquica do trabalho, onde clivagens de classe são produzidas e reproduzidas e, portanto, nos interessa alterar. Confundir os dois níveis de divisão do trabalho é não compreender a relação entre forças produtivas e relações de produção. As forças produtivas carregam elementos e são formatadas em confluência com a divisão hierárquica do trabalho, portanto as relações sociais de exploração, porém isso não significa que em uma transição de sistema produtivo devem ser jogadas no lixo como “contaminadas de capitalismo” ou que possam sem problemas ser apenas revertidas a favor dos trabalhadores, sem modificação, como se se tratasse apenas de qual mão se apodera dos frutos (distribuição do valor). Significa apenas que enquanto o velho ainda não morreu e o novo apenas está nascendo haverá, na economia, como em outras áreas, um período de transição onde se usa armas do velho mundo para construir o novo, o que na prática significa usar e reaproveitar técnicas criadas no Capitalismo em novos quadros tecnológicos pós capitalistas. As técnicas vigentes que são pura e exclusivamente hierarquizantes e capitalistas são poucas, geralmente voltadas para a vigilância do trabalhador, para a eliminação de sobras da produção às custas do meio ambiente e da sociedade e para o reforço da separação entre concepção e execução do trabalho. No processo político de construção do novo mundo terá de haver um esforço técnico-científico para excluir o quanto antes tais técnicas do quadro da nova tecnologia “comunista”, substituídas por outras que aumentem a produtividade sem com isso hierarquizar as relações sociais, agredir o ambiente e manter a perda de controle do trabalhador sobre o trabalho (alienação). O que Tiradentes tem feito em sua defesa apaixonada do ecológico é misturar alhos e bugalhos, como se toda a estrutura do agronegócio tivesse que vir junto no pacote e como se defender a produção em larga escala fosse defender que ela se dê tal e qual se dá hoje, não apenas em termos da divisão técnica mas também da divisão hierárquica do trabalho. Tiradentes demonstra ainda total desconhecimento da importância da balança de pagamentos, do comércio exterior e do mercado mundial para a economia. Vê tudo no sentido mais simplório e incorreto da coisa: o que se produz para dentro, “para o brasileiro comer”, e o que se produz para fora, “para o estrangeiro comer”. É um completo desconhecimento de como se dão as trocas econômicas, científicas e tecnológicas no mundo. E no mesmo comentário Tiradentes dá lição de honestidade ao deixar claro qual é o objetivo político último de quem defende o ecológico: a nação, o Estado, os subsídios estatais. E justifica tal defesa alegando que “o outro lado”, o agronegócio, tem sucesso econômico não porque conta com ciência e tecnologia de ponta e sim porque expropria terras, rouba, mata, e tem mais mais incentivos econômicos e fiscais. Não sabe e não se importa, também, com o modo como tais incentivos estatais retorna para o Estado, para a economia e para seu guarda roupas e prato de comida. Como não se veste de soja acha que a soja não tem nada a ver com sua roupa. Só vê a destruição ambiental e social, e por isso quer substituir todo o modelo por outro, idílico, arcaico e menos produtivo. Vê o processo como se se tratasse de quem ganha mais dinheiro do Estado para desenvolver suas ideias, e diante de um exemplo histórico de Estado que investiu em suas ideias, alega que deu errado porque foi feito rápido demais e de forma autoritária. Não vai demorar para surgir alguém com uma proposta agroecológica de incentivo estatal que siga o ritmo e os ciclos da natureza, pecado original do bem intencionado Sri Lanka.

  30. Por favor corrijam meus cálculos. Mas pelos dados que estão disponíveis no Censo Agro 2017, e não vejo que exista uma grande contradição com o Censo 2006, a Agricultura Familiar no Brasil ocupa 80 milhões de hectáreas e 10 milhões de trabalhadores. Por sua vez, a Agricultura não Familiar ocupa 240 milhões de hectáreas e 5 milhões de trabalhadores.

    Se fosse o caso de realizar uma grande reforma agrária que transforme toda a superfície cultivada no Brasil em empreendimentos de agricultura familiar, estamos falando de um déficit de 25 milhões de trabalhadores no campo, que deveriam ser trazidos de volta das cidades.

    Como seria possível efetuar essa brusca interrupção, para inclusive revertê-la!, de uma tendência histórica milenar?

    Agora, se a ideia é desenvolver uma agricultura orgânica e ecológica que tenha uma alta produtividade no que diz respeito ao número de trabalhadores por área cultivada (com igual ou superior rendimento em produto), acho que essa tecnologia seria rapidamente integrada pela agroindustria, para proveito de todos!

  31. Não sou especialista no assunto, bem pelo contrário.

    Mas a equação de agroecologia e agricultura orgânica com tecnologias arcaicas serve para fixar argumentos. Mas evidentemente elas se desenvolvem tecnologicamente também, principalmente se houver interesse político e social para tanto. A título de exemplo: https://incaper.es.gov.br/agroecologia-tecnologias.

    A agricultura vertical, agroecológica, está na ponta da inovação tecnológica na produção de alimentos. Fará possivelmente do chamado agronegócio atual algo ‘arcaico’. Pelo menos é o que o, ele sim especialista, Ricardo Abramovay aponta. Já coloquei esse artigo aqui no Passa Palavra em comentário a outro artigo. Mas segue novamente: https://aterraeredonda.com.br/ondas-de-inovacao-em-agroecologia/

    Evidentemente o caso do Sri Lanka é outro. O caso de uma política autoritária que fez a produção de alimentos diminuir.

  32. Sobre o comentário de pablo :Vê tudo no sentido mais simplório e incorreto da coisa: o que se produz para dentro, “para o brasileiro comer”, e o que se produz para fora, “para o estrangeiro comer”. É um completo desconhecimento de como se dão as trocas econômicas, científicas e tecnológicas no mundo. E no mesmo comentário Tiradentes dá lição de honestidade ao deixar claro qual é o objetivo político último de quem defende o ecológico: a nação, o Estado, os subsídios estatais.”

    Me diga uma coisa. Um conflito de 6 meses na Ucrânia faz aumentar o preço do pão no brasil, onde teriamos total condição de Ter autonomia na produção de trigo. O mesmo com petróleo, fibras vegetais madeira de lei ou ferro. Qual o erro em pensar assim? Vocês pensam em que termos? Me explica pq devo ser bem burro pra estar nessa conversa ou vcs tão partindo pro sofisma.

    Outro tema. A reforma agrária no brasil implica enfrentar diretamente interesses capitalistas rentistas globais destrutivos e parasitários. Porque o solo do país é um dos maiores estoques fundiarios nacionais de terras agricultiváveis do mundo que são objeto especulável. Mas se não for feita estamos condenados a viver sob o modo de produçao que foi derrotado na guerra da secessão dos eua. Um capitalismo subalterno paternal opressor e expansionista agrario.

    Aliás se o Agro fosse tao eficaz….. Não precisava ganhar novas terras todo ano. Era só intensificar a produção. Mas fato é que nesse modelo as terras vao perdendo produtividade até exaurir o solo.

    Mais uma vez repito agroecologia pode ter escala mas precisa de crédito e terras. A Revolução industrial que vcs pagam pau só foi possivel com acumulacao primitiva de capitais num processo de rupturas sociais com leis draconianas que liberou crédito lugares e força de trabalho pra produção industrial.

    Vcs as sonham com trabalhar menos na indústria mas não conseguem vislumbrar que a natureza manejada opera acelerando e dinamizando produtividade proporcionando menor carga de trabalho com ganhos de produtividade. Me refiro inclusive a um processo q pode ganhar escala mundial. Mas emfim vejo que algums aqui vao entrar na fila da nasa e do elon musk pra curtir a colonização de marte quando isso aqui ficar insuportável

  33. Mais uma vez, o Passa Palavra previne que não são aceites comentários contendo insultos pessoais.

  34. Este debate sobre o Sri Lanka mais parece uma carta de amor de alguns autores ao idealismo farm-industrial… égua!

    -nenhuma palavra sobre a enorme teia de hierarquias que a agricultura industrial impõe;
    -nem um cadim de crítica a pilha de fracassos da dita agricultura festejada que está de volta ao Sri Lanka,e a consequente destruição aos ecossistemas.
    -a Ode ao Progressismo,ideia velha e carcormida do marxismo do começo do século XX, refinado em upgrades incapazes de avaliar os danos que a biosfera vem sofrendo com as práticas que o país já sofria,muito antes da “virada orgânica”.
    – A divisão do trabalho/produção/industrialismo e seu impacto sobre nós e sobre a natureza,nem pensar sobre isso não é?
    -Esqueceram de mencionar na tinta o colonialismo predatório que estão festejando, enquanto retorno triunfante do mesmo.

  35. O filme sobre a produtividade em escala com o uso de fertilizantes não orgânicos todos conhecemos,a chuva de ratos na Austrália do agro negócio virou evento costumeiro. O diabo está no detalhe de a esquerda não pensar, e não querer se comprometer com alternativas distintas,o que sobra é a Cargill, Monsanto Bayer e outras ditando o modo de organizar a produção,triste Positivismo.

  36. É óbvio que as técnicas (aproveito para lembrar do artigo “Domesticação de animais, cultivo de plantas e tratamento do outro”, de André-Georges Haudricourt) e tecnologias não são neutras, bem como não são neutras as relações de propriedade, as relações sociais de produção e o Estado. O problema maior é que vivemos num tempo em que o que ainda é chamado de esquerda – mas não deveria! – abandonou por completo a defesa dos projetos autogestionários concretos de superação da propriedade privada, da exploração do trabalho e do Estado, ou seja, deixou de ser ela mesma anticapitalista.

  37. Fernando,

    Você evoca o velho Haudricourt. Quantas memórias, nesta época em que vivemos, nesta época de uma esquerda imbecil, quantas memórias de quando as universidades eram lugares onde se pensava e a excentricidade era a marca de espíritos livres! Peço que leiam aqui e aqui. Será que alguma coisa renascerá um dia, ou será que tudo morreu, tal como decerto morrerá esta trampa?

  38. A esquerda reacionária, que ganha corpo em movimentos como o MST, se firma dentro do pensamento conservador, a sua ojeriza ao progresso, nunca poderá, e nem o quer, superar o aqui e agora. A utopia retrógrada desses senhores e senhoras conservadores, se encontra na realidade existente, no capitalismo, a utopia nacionalista se realiza com as condições dadas pelo capitalismo restrita ao território nacional. O solo da nação é o único fator mobilizador para essa esquerda conservadora, que tem no seu fim último, o presente; e o passado, que se apresenta como tradição, é a raiz ancestral da justificava da realidade presente como fim, digo, a sociedade capitalista. O futuro está aqui, no modo de produção capitalista, com as sua classes, com as divisões de trabalho e hierarquias sociais. Não se pretende construir a mudança para uma sociedade futura e anticapitalista a partir das tendências inovadoras e potencializadoras do presente, não existe um deveria; o que se quer já está dado, é um afirmativa do que é e pronto, porque sempre foi assim, eis a mentalidade de subsistência, da esquerda contra-revolucionária e sua retórica anticapitalista romântica de direita, e a direita, do progressismo exploratório capitalista.

    A ecológica e a agroecologia são apresentadas como, Santas Escrituras, transmitidas pelos sábios ancestrais do passado, das tradições eternas dos povos dos primeiros tempos. Pouco importam-se, esses regressistas, em saber da onde e quando vieram essas sabedorias nada sábias, as suas origens e quem a propagou, não procuram nos fatos, do passado e do presente, que pululam e se repetem, e sai por aí, como papagaios, a repetir a cartilha dos chefes mal intencionados, ao qual se submetem a autoridade.

    Esses senhores e senhoras, que acreditam pertencer a uma raça qualificada de predestinados que vagarão por mil anos pelo solo banhado e fertilizado por sangue após o apocalipse, implementado pelos próprios, através da sua ecologia genocida. E o que se passa no Sri Lanka sirva de aviso! Caros super senhores e super senhoras ecológicos e agroecológicos, vós também sucumbirão com a quantidade que vós tanto desprezam. Afinal, o que se sucedeu com os nazistas, os seus ancestrais ecológicos?

    Fiquemos alertas também com a esquerda fascista e ecológica, ela existe e está á vista.

  39. João, foram justamente esses dois Flagrantes Delitos que me possibilitaram saber da existência de Haudricourt. E foi por aqui, desde 2009, que fiquei sabendo, também, de tantos artistas plásticos, cantores, escritores, e tantas referências que aparecem nos textos publicados e nas ilustrações das publicações e que a gente também não vê em outro canto.
    Mas aquela universidade morreu e aquela esquerda também morreu. É claro que poderão renascer trazendo algo do que as outras foram um dia, mas, sinceramente, nada me parece caminhar neste sentido, muito pelo contrário e infelizmente.

  40. João, assim como o Fernando, também entro em contato com diversos autores desconhecidos nos artigos e Flagrantes Delitos deste site. O que me intriga é que parece um tipo de apagão cultural e editorial do Brasil, pois estes autores não são abordados na academia e nem publicados em nosso mercado editorial. Alguém arrisca uma resposta para esse mistério?

  41. Talvez a sabedoria dos povos ancestrais melanésios possa iluminar a mente colonizada dos modernos conservadores puristas e suas sementes crioulas, que tem por objetivo higienizar dos campos as bastardas sementes híbridas e transgênicas que degeneram o solo do nação.

    “O interesse dos melanésios pelo estrangeiro “a cultivar” se manifesta hoje de um modo espantoso: suas aldeias são realmente invadidas por plantas ornamentais americanas, asiáticas ou mesmo africanas. Toda vez que conseguirem encontrar uma muda de uma planta nova, eles a levam consigo; eles trocam aquelas que possuem. Uma aproximação se impõe com as trocas de crianças tão comuns na Oceania; o “evoluído”8, que recusa a dar suas crianças para serem “transplantadas” nas famílias vizinhas, é taxado de egoísta e associal. Que contraste com a endogamia, com a xenofobia do cultivador de cereais, que deve a cada ano “separar o trigo do joio” e que não encontrará jamais nada de bom para cultivar no exterior de suas roças!”
    https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/2175-8034.2019v21n2p208

    Eis o famoso desconhecido André-Georges Haudricourt. Gostei do mendigo!

  42. Não foi por acaso que André-Georges Haudricourt aqui apareceu, a propósito da catástrofe provocada pela agroecologia no Sri Lanka. Recordo que escrevi na primeira parte do meu ensaio O mito da natureza, intitulada A mitificação do camponês:

    «Quem procura na história uma estabilidade que jamais existiu está a adulterá-la para servir as conveniências políticas do presente. Pouco importa hoje aos entusiastas do arcaísmo camponês que desde as pesquisas de Lefebvre des Noëttes e depois, noutra perspectiva, de Marc Bloch e dos seus seguidores, bem como de Haudricourt, se saiba que as técnicas rurais, longe de se terem mantido imutáveis, haviam sofrido numerosas adaptações e mesmo, por vezes, remodelações muitíssimo profundas e relativamente rápidas, destinadas a resolver desequilíbrios provocados pelas técnicas anteriores e inaugurando assim desequilíbrios novos».

    Haudricourt foi, entre outras coisas, um linguista muito importante, mas é o seu papel na fundação da etnobotânica que aqui convém ressaltar. O nome da disciplina indica o seu objectivo, a forma como todas as sociedades influíram nas plantas e as alteraram. «O botânico e geneticista soviético Nikolai Vavilov definiu a domesticação como uma evolução dirigida pela mão humana», escrevi no Labirintos do Fascismo (São Paulo: Hedra, 2022, vol. 6, pág. 199). «Os cereais, tubérculos e raízes tuberosas de que depende a sobrevivência da população mundial só graças à domesticação chegaram às formas actuais e não poderiam reproduzir-se sem a intervenção humana. A transição para a agricultura, nas palavras de um conhecido historiador [Felipe Fernández-Armesto], inaugurou um longo período de “selecção não natural”, uma “especiação e hibridização com objectivos humanos e devidas à acção humana”».

    Toda a história da humanidade, desde o alvor do neolítico e sem excepções de povos nem de regiões, consistiu em fazer com que a natureza deixasse de ser natural.

  43. Conversava com um conhecido, heideggeriano, ecologista e de esquerda que dizia que a natureza (physys) na ideia do pensador alemão constituía um “em-si”, mas não um em-si da teoria transcedental, mas na esfera da autossuficiência, muito diferente da visão em voga na modernidade em que as coisas só existem como representação ao/do homem. Mas a ciência hoje deu razão aos iluministas ao tratar das propriedade das coisas como entidades sob relações. Platão, a este respeito, dizia que “na natureza de algo que existe reside a necessária potência de interação com outras coisas”, exemplo que ajudou Carlo Rovelli a anunciar o papel da “dança a 3” que constitui a propriedade das coisas em geral. Meu colega, como vocês podem imaginar, condenou o caráter “eurocêntrico” da forma de pensamento em voga, e daria crédito a Heidegger, concluindo, é claro, de que não há nada de nazista na filosofia de Heidegger.

  44. João, foi bom você ter esclarecido o sentido da etnobotânica em Haudricourt, pois desfez uma confusão muito grande que pode causar (causou em mim), se o confundirmos com a “etnometodologia” do interacionista simbólico, Harold Garfinkel. Tudo em que hoje se usa o prefixo “etno” (etnobiologia, etnomatematica, etc.) está no campo do relativismo cultural da Escola de Chicago de sociologia, que tem em Franz Boas seu marco teórico. Ali, cada cultura teria a sua própria forma de “conhecimento” legitima, sendo a ciência apenas uma das formas possiveis. Portanto, essa perspectiva encontra-se no extremo oposto em relação ao caráter universalista que tu citas em Haudricourt.

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