Por José Abrahão Castillero
Enquanto acompanhava a situação dos trabalhadores terceirizados da UERJ, vi que o escândalo de pagamentos superfaturados em folhas de pagamento de pouca transparência coincidia com o problema estudantil em relação atraso aos auxílios de permanência e alimentação durante as investigações pelo Tribunal de Contas do Estado e pelo Ministério Público. Os estudantes que estão sofrendo com isso disseram que a reitora em exercício, Claudia Gonçalves, declarou que o pagamento dos auxílios não estão na folha oficial da Universidade nesse mês, mas estariam em folha suplementar. Isso enquanto R$ 640 milhões só com pessoal foram gastos em pelo menos 21 projetos, envolvendo ao menos 375 pessoas, em situação suspeita de desvio de verbas públicas. Inclusive, o nome da reitora consta como um dos beneficiários dos projetos.
Chama a atenção que o pagamento dos auxílios estudantis é tratado como discricionário (não obrigatório de imediato) pela autarquia fundacional, que é a UERJ, assim como os postos de trabalho e salários dos trabalhadores terceirizados. Apesar da lei estadual 7427/2016 tornar vinculado (obrigatório) o pagamento junto com os servidores, os gestores seguem ignorando isso publicamente quando questionados por estudantes. Talvez usando a imprecisão e desatualização quanto ao valor sem reajuste há anos, e à quantidade das bolsas descritos em lei. E em 2020, trabalhadores da vigilância, ascensoristas e jardineiros viram seus empregos e salários ameaçados pelas empresas, Magna e Verde, estarem envolvidas nas denúncias de favorecimentos e pagamentos de propinas ao servidor/gestor Edmar José Alves dos Santos. As mesmas empresas continuam operando na UERJ, atrasando pagamentos de funcionários. Com a mesma naturalidade que a universidade trata a vulnerabilidade social dos estudantes, o ex-reitor Ricardo Lodi ignorou isso na época. Parece uma rotina o uso do funcionalismo público para favorecimento privado enquanto a precarização da vida de trabalhadores (estudantis ou não) aumenta.
A situação ficou mais tensa quando o problema estudantil virou uma mobilização social na universidade pela permanência da política de auxílios. Isso esbarrou com o Diretório Central dos Estudantes (DCE), cuja gestão do Partido dos Trabalhadores e o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) buscou blindar a reitoria, defendendo a conciliação como base da “pequena revolução”, como dizem seus membros nas atividades. Os dirigentes estudantis pretendem, assim, atribuir para si a existência dos auxílio, como resultado de apoio e negociação com a reitoria. Sendo que essa política ainda não é permanente, existindo por conta de atos executivos (AEDA) ocorridos durante a pandemia de COVID-19. Enquanto assembleias de luta aconteciam, membros do DCE compareciam nelas com claro intuito de desqualificar e diminuir a gravidade da vulnerabilidade dos estudantes, como exemplo que gerou indignação entre os envolvidos. E também, enquanto acontecia o roubo de computadores que continham dados da investigação dos projetos suspeitos, foi a público pelo portal transparência que membros do DCE estavam inscritos no projeto “Empoderadas”, recebendo mensalidades de R$ 5 mil. Com gestores acumulando funções e valores em torno de R$ 50 mil mensais.
Os projetos suspeitos já haviam sido relatados para mim em 2022, por servidores da UERJ, e publicados em um artigo que colocava em contradição o atraso de pagamento de salários com as remunerações em projetos que os relatos diziam chegar até R$ 250 mil. As seleções para esses projetos deveriam ser transparentes e com fiscalização pública, mas disseram não ver os trabalhos ocorrem, parecendo ser “fantasmas”. O projeto “Empoderadas” já estava lá. A situação explodiu agora com a questão estudantil, quando 45% dos alunos dependem de bolsas e auxílios, tendo suas vidas prejudicadas, com aluguéis, contas atrasadas, chegando a passar fome… A cobrança ser estendida ao DCE recebido remuneração de R$ 5 mil virou algo lógico. Assim, estudantes ocuparam a sede do diretório, na quarta feira dia 13.
A ação pode ser correspondente a situações em que trabalhadores se revoltam contra os considerados “sindicatos amarelos”, que defendem conciliações e fazem alianças escusas com os patrões. Inclusive depredando suas sedes. Num caso gritante em que fica comprovado que seus gestores recebem altas verbas públicas para proteger os patrões, os estudantes da UERJ ocuparem o DCE é algo bem razoável. Levando em consideração que estão cuidando do espaço e transformando ele num instrumento de luta por suas demandas. Agora, cabe a esse movimento pensar nos rumos futuros, principalmente na sua condição de proletários. Onde a experiência mostra que a instituição pública trata a sua manutenção como um elemento descartável em termos numéricos, da mesma forma que trata as condições de trabalho dos trabalhadores terceirizados. Nisso, é preciso ampliar e sair do roteiro do que significou o termo “unidade” na luta universitária. Pois, apesar de certas semelhanças institucionais, estudantes e terceirizados são bem diferentes.
A diferença principal se dá pela gestão autoritária quase inerente ao trabalho terceirizado. Isso demanda um cuidado de preservação da integridade e anonimato das pessoas que pretendem se mobilizar ou denunciar suas condições de trabalho. Aqui aconteceu uma experiência com atividades de investigação social pelo método das “enquetes operárias” com os terceirizados. Assim, retomei o diálogo com funcionários da empresa APPA, que acompanhei em outros momentos. Nessa conversa, alguns reclamaram que fazia tempo que eu não aparecia. Fiz piada dizendo que eu enchia o saco do pessoal com perguntas inconvenientes, quando um deles fechou a cara e me corrigiu dizendo que a gente estava é conversando para ver “paradas sérias sobre trabalho”. Lembrei que era constantemente alegado por mim o direito constitucional ao sigilo da fonte, que garante o anonimato dos relatos que foram publicados. Dada essa facilidade de divulgar denúncias, esse método acaba sendo um tanto eficaz por um curto momento.
Não era estranho terceirizados me procurarem para denunciar problemas de trabalho, incluindo pedidos de que eu fosse questionar o prefeito do campus sobre o atrasos em pagamentos de salários ou outros problemas. Como se eu fosse um jornalista ou um sindicato vivo, era obrigatório lembrar que é exatamente essa limitação que eu não posso me submeter. É exatamente a esse isolamento em categorias e na apatia diante de alguém que tenta resolver os problemas sem buscar solidariedade e organização, que ocorrem papéis com efeitos semelhantes às burocracias sindicais. Ou seja, sem um esforço a mais, eu seria mais um que contempla a tragédia dos trabalhadores terceirizados sem apontar os problemas da fragmentação social e isolamento político.
Foi pensando nesse tipo de dificuldade, que escrevi um material durante minha participação no coletivo Invisíveis, sobre como é importante articular não somente uma mobilização segura entre trabalhadores terceirizados, mas a ampliação de forças com colaboração mútua entre setores, desde relatos trocados até paralisações e ações conjuntas. Então conversei sobre isso com os funcionários, que mesmo dizendo que no momento não estavam sofrendo problemas gritantes, foi importante uma conversa para ver que existem problemas permanentes:
“Brother, nosso salário é 1430 reais. Fora o desconto do INSS e passagem e alimentação, entendeu? Mais a insalubridade é 30%, no contracheque tava 305, que eu vi nesses dias. O vale alimentação da 500 e pouquinho, porque a diária dá 21 reais.”
Esse foi o relato de um funcionário da APPA, na limpeza do prédio das Ciências Médicas. Por mexerem com lixo hospitalar, recebem adicional de insalubridade, diferente dos que trabalham no Campus Maracanã, cuja legislação não cobre esse direito. Apesar de ocorrerem diversos acidentes ao limparem banheiros e lixos de corredor, como faxineiros serem furados com seringas. De acordo com a decisão do Tribunal Superior do Trabalho: Norma Regulamentadora 15, anexo XIV, da Portaria 3214/78 dá o MÁXIMO (40%) para limpeza de banheiro e coleta de lixo. Essa aconteceu por conta de um acidente de uma faxineira em um banco no Rio Grande do Sul, que se cortou e adoeceu ao tirar o lixo. O funcionário continua o relato, dizendo que pega empréstimos com a empresa, vivendo um ciclo de endividamento:
“Tem gente aqui que recebe menos por sofrer desconto para pagar empréstimo que fez com a APPA. Está com o nome sujo no banco, não consegue empréstimo por nada, aí não tem solução. Tem que pedir para a empresa um dinheiro emprestado. A gente vai pagando com desconto no salário.”
Na conversa, me alertou que funcionários da vigilância e dos elevadores estavam com pagamentos atrasados. Logo encontrei uma funcionária dos elevadores, empregada pela empresa CNS:
“O que eles fizeram mesmo é parcelar o ticket alimentação e a passagem, dentro do mês mesmo. Em vez deles pagarem integral, estão pagando uma parte dia 31, depois dia 8 e outra dia 18 e aí só dia 31 de novo. O salário da gente aqui é 1480 reais, não estou com cabeça para lembrar. Mas o líquido, com os descontos é uns 1200. De INSS, passagem, ticket alimentação. Tem outro problema, é que o reajuste do ticket não acompanha o do salário. Aí a gente está perdendo valor e salário aí, que é o dinheiro para a gente comer. Está vindo agora a contribuição sindical, 10 reais todo mês. É pouco, então a gente deixa acontecer. O que é que pega é que o nosso sindicato, que é o dos cabineiros, não faz nada. Nem aparecem para perguntar o que acontece. Uma vez a gente ficou 7 meses sem salário e paralisou. Não contamos com o sindicato. Vocês estudantes ajudaram muito a gente também, senão fosse vocês a gente estava muito pior….”
Com os vigilantes foi notável o medo de conversar e explanar os erros trabalhistas da empresa. Apenas um disse que poderia contar o que aconteceu. Ele disse que a empresa Magna atrasa o pagamento de salário todo mês, desde maio desse ano. Eles tiveram atrasos em contas de luz, telefone e gás. Tiveram contas cortadas simplesmente por não ter salário. Disseram que uma brecha nas mudanças por conta da reforma trabalhista está permitindo pagar o vale alimentação parcelado, como já acontece com as ascensoristas. Inclusive, durante a ocupação do DCE um dos vigilantes disse que estava bem revoltado com a empresa e a UERJ. Dizendo que gostaria de estar junto mas tem medo das ameaças de demissão, que ocorrem muito na empresa.
Essa luta pode trazer não somente o aprofundamento da política de auxílio como renda e manutenção estudantil, mas também a percepção de semelhança entre partes fragilizadas na universidade. Caso contrário, vai continuar normalizada a situação de atrasos, enquanto deixam a direção das mobilizações para iluminados. Esses que acabam participando das folhas de pagamento de projetos superfaturados enquanto estudantes e terceirizados atrasam contas e passam fome.