Após 20 dias cobrando o ex-chefe de sua companheira, que ameaçava “mandá-la de volta para o Brasil”, o imigrante ameaçou quebrar-lhe as duas pernas dele e o restaurante inteiro. Ele pagou. Passa Palavra

45 COMENTÁRIOS

  1. REFORMISMO ARMADO
    as brigate rosse começaram assim
    e acabaram do jeito que se sabe…

  2. Ulisses, de um jeito ou de outro o patrão tem que pagar. Aqui na França histórias como essa se repetem todos os dias. No Brasil acho que é pior ainda. Não é sempre que se pode contar com o Estado Democrático de Direito, e isto em vários cantos. Bem ao certo a gente não sabe aonde isso vai dar. Convém nos lembrarmos do que tu escreveu, sim. O que não convém é ficar ainda mais no prejuízo. Não basta a exploração, ter que aguentar o roubo completo é demais, não? Às vezes a dignidade tem que vencer a humilhação.

  3. não se trata desse ou daquele patrão, ‘pagando’ ou não
    nem desse ou daquele proletário vingando-se dum patrão
    trata-se, isto sim, de uma implacável guerra de classes
    e da auto-emancipação insurrecional planetária dos escravos
    assalariados do capital

  4. Pergunto-me se Ulisses já trabalhou e, se trabalhou, se já foi roubado pelo patrão. Digo roubado, porque explorado todos somos ao trabalhar. Trabalhar, não receber e ser ameaçado por um patrão xenofóbico é outra coisa, e Fernando Paz sabe bem o que é isso. No mundo abstrato de Ulisses, um trabalhador que é roubado e ameaçado dessa forma precisa esperar a revolução mundial acontecer, pois, se partir para a ação direta para garantir o pagamento do seu aluguel e o sustento do seu filho, é um fascista em potencial. O trabalhador real deve dizer ao senhorio, “calma, vosso pagamento e a vossa vez irão chegar!”. Vingança, Ulisses, é outra coisa. Se o patrão pagou e ainda está andando, não houve vingança.

  5. Ulisses, quando a gente para para olhar o depois de amanhã, você tem razão. O problema é que amanhã vence o aluguel, o gajo já trabalhou o mês anterior, este mês já está acabando, e o pagamento ainda não veio. A maior parte da turma é sem papel nessas bandas de cá, o contrato de aluguel é na palavra, e o dono do barraco vai na porta todo dia atrás do dinheiro, às vezes acompanhado dos seus capangas. O beco sem saída é mais ou menos esse. Eu não tenho dúvidas que você sabe muito bem disso. A gente não pede para entrar, a gente é empurrada para esse beco, e sendo um beco, você tem que sair pela mesma passagem pela qual entrou, você tem que ir lá e conseguir o dinheiro, nem que pelo caminho tenha que deixar 50 euros na mão de cada homem que teve a coragem de ir contigo e resolver o problema; às vezes a coisa é resolvida assim. Até amanhã não vai dar para construir tudo isso aí que você lembrou e com o qual a maioria aqui concorda plenamente. Você pode dizer que é uma merda atrás da outra, ou que é uma merda maior que a outra, sim, é verdade, mas é a realidade na qual está metida boa parte da classe. Eu, sinceramente, em mais de dois anos aqui na França, conhecendo várias histórias dessas (aqui direto tem denúncias nas redes sociais, com fotos da cara deles e informações desses roubos feitos pelos patrões), eu mesmo já tendo passado por uma situação que só consegui resolver graças à coragem de mais dois amigos (amigos mesmo, não me cobraram nada e também se arriscaram), e isto depois de eu ter trabalhado por cinco euros a hora, não tenho visto nada ser criado que não seja esse tipo de ação que garante o pagamento ou essas denúncias que mencionei acima. Infelizmente o mundão está assim. É praticamente cada um por si e quem pode mais chora menos. Ainda bem que essa ainda não é a regra por todos os lados. Acontece vários casos porque é muita gente sem papel e isso dificulta bastante as coisas para o trabalhador, bem como torna mais fácil as tentativas de roubo feitas por patrões.

  6. Uma vez mais, recordamos que o Passa Palavra não publica comentários que contenham ofensas pessoais.

  7. Não se trata de “esperar a revolução mundial acontecer”, mas de fazer acontecer a INSURREIÇÃO -processo molecular e maquínico-desejante de satisfação hic et nunc das necessidades humanas- num cotidiano de resistências (nada heroicas, porém efetivas) como a paciente e não menos enérgica sabotagem dos mecanismos de extração do mais-valor (relativo ou absoluto) no âmbito do trabalho entendido como reprodução de uma sobrevivência penitenciária.
    Enfim, ação direta não é um dispositivo de ajuste de contas pessoal entre o trabalhador e o capataz ou patrão, indo das ameaças às vias de fato. Aliás, não chamei ninguém de fascista, posto que não tenho o hábito populista de jogar com as palavras, por ‘impressionantes’ que soem.
    Vingança, sim e por que não? Desde que coletiva e exercida num terreno classista (revolucionário-proletário) fundamentando em princípios uma justa relação de meios e fins, com vistas à auto-emancipação na luta final dos condenados da terra.

  8. A atual situação nos permite questionar, o que é Ulisses?
    Pois dos muitos anos que acompanho o site, para com o qual tenho um enorme respeito e carinho, são raríssimos os textos (de todos os tamanhos e estilos) que não tenha uma pitada ulissiana.
    Seria Ulisses uma inteligência artificial gerando versos por aqui? Ou um auto encarnado trovador passapalavriano? Ou um bobo da corte da luta de classes, que em sua ânsia de voltar a Ítaca, caiu na terra do lirismo meia bomba?
    Já ri, refleti, aprendi e me irritei com ele, mas sempre me perguntei, o que é Ulisses?
    Abraços, camarada.

  9. Por que se irritar com Ulisses se Ulisses é Ninguém?

    [Souvarine? Não sei se Ulisses é tão incendiário assim. Na verdade nem sei mais o que é ser incendiário.]

  10. Nuvem,

    Ulisses é Alguém, com A maiúsculo. E o Souvarine, do Germinal, não é Ulisses, mas o personagem deste Flagrante Delito que Ulisses tão bem analisou criticamente.

  11. Caro João Bernardo
    Tranquilizou-me saber que Souvarine não é ulisses, embora já soubesse que ulisses não é Souvarine – nenhum deles…
    Saúde & Alegria

  12. Ah, sinto muito então por este outro ulisses.  Antes ulisses fosse Ulisses. Antes Ulisses fosse Ninguém: Polifemo, quem te cegou? Ninguém. Voraz, quem te incendiou? Ninguém. Patrão, quem te quebrou? Ninguém. Polifemo acabou cego. Voraz acabou em chamas. Patrão acabou pagando.

  13. Aguardamos a profecia. Este flagrante delito denuncia os delitos! flagrados! de patrões contra os trabalhadores pulverizados geograficamente. Denuncia o desamparo do trabalhador precarizado que não encontra outra alternativa que a violência para evitar ser roubado pelo patrão no novo país. Denuncia também o individualismo da classe proletária que não acolhe o trabalhador que chega em seu país. Mas aqui analisamos o trabalhador que reage.

    Sorte a nossa que ainda não é possível (ou pelo menos ainda é considerado antiético) fragmentar o indivíduo e este continuar a produzir valor, senão a fragmentação continuaria. Vinde a nós INSURREIÇÃO!

  14. Após a leitura deste Flagrante Delito, observei repentinamente que se tratava de uma extensão do debate ocorrido após a publicação do artigo sobre o 25 de abril (https://passapalavra.info/2024/04/152647/). Artigo esse que, aliás, julguei bastante preciso – embora tenha desagradado aos espíritos mais nacionalistas portugueses e àqueles que acreditam numa espécie de “longa duração” dessa revolução, a qual, como observei em um comentário, é considerada por alguns extinta ainda em 1975.

    Deixando de lado as observações de Ulisses, que muitas vezes culminam em delírio (e que, nos últimos tempos, mais atrapalham do que contribuem para a resolução de questões teóricas e práticas), interpretei essas palavras do Flagrante de outra forma.
    Aliás, a fala deste último sobre a “auto-emancipação insurrecional planetária dos escravos assalariados do capital” é mais uma de suas frases que são reformulações, ou melhor dizendo, uma maneira de piorar a mensagem de frases há muito conhecidas, mas das quais ele quase nunca faz referência. Diferentemente, cito aqui um trecho do livro de Lungarzo sobre Cesare Battisti (aliás, alguém ainda lembra de prestar solidariedade a Battisti?), no qual ele fala da diferença entre as Brigadas Vermelhas e os PAC (até o início de 1978): “Sua prática se concentrava em ações cotidianas: operações rápidas e pequenas […], advertências aos empresários e colaboração com as greves” (Lungarzo, Carlos A. Os cenários ocultos do caso Battisti. São Paulo: Geração Editorial, 2012, p.120). Mais adiante, ele também menciona que eles “usaram ameaças ou ataques não letais” contra policiais, torturadores, etc. Veja a diferença entre “advertência”, “ameaça” e ataques reais não letais. Sabe-se que os PAC (até o início de 1978, é sempre importante salientar) restringiam o uso de armas como método de autodefesa, limitando o uso da violência. Battisti falou claramente sobre isso ao dizer: “Essas foram as razões primárias da minha afiliação aos PAC, já que o próprio documento de fundação diferenciava esse grupo dos outros por tomar posições claras ao limitar o uso das armas exclusivamente a casos extremos de legítima defesa” (ibid., p.358). Isso é muito diferente dos princípios das Brigadas Vermelhas, do MIR, do Sendero Luminoso, dos Montoneros etc. Por que a “sabedoria” de Ulisses não conseguiu distinguir isso?

    Sinceramente, desde que acompanho este site, nunca vi um artigo publicado por Ulisses, fora os seus comentários repletos de papagaiada pós-moderna. Se, nos últimos tempos, em nada contribuiu teoricamente neste site, fico imaginando suas contribuições práticas… Mas isso pouco importa. Ele parece ter sido bastante legitimado pelo artigo de Filoctetes que afirma que ele “ocupa-se apenas de textos curtos, os Flagrantes Delitos, que elucida com comentários mais curtos ainda”. Elucida? E Filoctetes achou bonito quando disse ele: “faço humor, não faço greve”. O elogio de Douglas Rodrigues Barros a este artigo devia ter servido de aviso para perceber em que se transformam os “ulissianos”. Observem os atuais artigos de Barros no site da Boitempo e se deparam com um identitarista que nega ser identitário. É interessante e oportuno brincar com as palavras, não é verdade?

    Ora, talvez haja ainda uma confusão. Talvez alguns vejam as irrupções de Ulisses como manifestações de teor dadaísta, ou de inspiração joyceana ou ainda imaginista ou vorticista. Para quem realmente lê os autores desses movimentos, sabe que Ulisses se inspira muitíssimo mal neles. Mas voltemos ao assunto, pois os comentários de Fernando Paz e de Irado também já deram resposta a essas questões.

    Dou ênfase ao último comentário de Paz, como lúcida contribuição para entender quem já viveu na pele este tipo de coisa. Normalmente, o problema do “acerto de contas” é enfrentado junto com a solidariedade de colegas de trabalho ou de amigos etc. Eu também já passei por isso. E tive sorte de ter colegas que enfrentaram o patrão junto comigo num momento desses. Agora fico pensando o quão difícil deve ter sido lidar com isso sozinho, como parece o caso de quem viveu este Flagrante. Como proceder sem ameaças, sem estratégias que chegam a esse ponto para não ser, além de explorado, roubado de forma insultuosa?

    Como já foi dito aqui neste site, os artistas são ótimos em analisar as questões sociais. Tal Flagrante fez-me lembrar de um filme recém-lançado do diretor Ken Loach, chamado The Old Oak.

    Vi, também, que uma professora de Lisboa fez oportunas considerações sobre esse filme, que se pode encontrar na íntegra aqui: https://aterraeredonda.com.br/the-old-oak/.

    Destaco apenas dois de seus trechos:

    “Ken Loach, aos 87 anos, derruba a xenofobia, as guerras, a desesperança e também, magistralmente, o identitarismo pilotado pelo Partido Democrata norte-americano e espalhado com ‘boas intenções’ pela ONU, as agências de igualdade, o combate ‘ao discurso de ódio’. Aqui toda a narrativa é universalista contra o multiculturalismo, de classe contra o identitarismo, de auto-organização contra o Estado, de organização política e sindical contra a solidão, recheada de confronto de classes.

    Aqui o caminho é estratégico, Ken Loach diz que é imprescindível a superação contra a fragmentação desta classe, que, sem consciência (sem conhecer o seu passado), se deixa enganar e dividir: o encontro belo, afetuoso, entre iguais, entre uma jovem mulher síria, e um homem, mais velho, filho de mineiros ingleses: quando o mundo de uma esquerda sem memória clama por chavões de ‘sul global’, ‘sindicalista machista branco’, ‘tolerância’, ‘caridade’, Ken Loach faz um filme sobre o imperialismo, a unidade da classe trabalhadora no coração do capitalismo, a Inglaterra, e toma partido contra os consensos, pela solidariedade de classe – contra as ideias de esquerda identitárias.”

    Sem tocar nos pontos ortodoxos defendidos tanto por Loach como por Raquel Varela, encerro dizendo que o fenômeno da xenofobia e do racismo nos locais de trabalho (incluindo pubs), principalmente no centro e no sul da Europa, e seu uso para a fragmentação de classe, ainda podem ser melhor explorados neste site. Mas encerro por aqui.

  15. Uliçes é um jênio da literatortura! Acaba de inventar um novo jênero literário, o Discurso de Miss Autonomista! Trocou a “paz mundial” pela “auto-emancipação insurrecional planetária dos escravos assalariados do capital”. Paumas para uliçes!

  16. Sem trabalho e o dinheiro a acabar
    Com tanta coisa de lado p’ra fazer
    E em casa os filhos por sustentar
    O Zé Diogo pouco tinha p’ra ferver
    Foi por isso o tratorista perguntar
    Qual a razão porque o patrão o despedia
    E o canalha foi-se a ele a pontapé
    Respondeu-lhe que fazia o que bem queria
    Aí o Zé Diogo então não hesitou
    Perante a sem-vergonha do patrão
    À morte os exploradores do trabalho
    Duas picadas e ferrou com ele no chão
    Vieram depois os doutores lá da terra
    Que de leis dizem tudo entender
    Leis burguesas feitas pelos patrões
    Leis que mandaram o Zé Diogo prender

    https://youtu.be/D6DAgzbm2O8?feature=shared

    Seria Zé Diogo um Souvarine também?

  17. Se é ou não é um Souvarine muda alguma coisa? Eu não posso arriscar qualquer resposta nesse sentido já que eu não li Germinal. Mas eu volto a insistir mais uma vez que essas ações só mudam alguma pouca coisa nos bolsos de quem se vê obrigado a pratica-las, e em seus respectivos fígados, tamanha é a raiva, a dor de cabeça, a preocupação e o desconforto diante de uma coisa dessas. Do contrário não muda nada. Nada. Nada. E mais, isso não tem nada a ver com luta social, não tem nada a ver com ação autonomista. Isso é fruto do desespero, da necessidade, da oportunidade e da coragem de uns e outros que não aceitam, ou não podem aceitar, ser roubados dessa maneira e deixar isso passar sem uma resposta desse tipo, e então vão lá, se arriscam e assumem as consequências. É só isso. Me parece que desse lugar a gente não deve esperar que surja nada de útil à luta anticapitalista. Será que estou tão enganado assim?

  18. Fernando Paz,

    Concordo com você, mas no meu entendimento a história desse flagrante não trata de luta social, mas das lutas diárias de milhares de trabalhadores pelo mundo para sobreviver. Desse lugar não surge nada mesmo, nem lutas, nem “brigadas vermelhas”, como algum sem noção comentou acima. No entanto, pelo que li, a discussão aqui rumou para uma condenação desses trabalhadores por não aceitarem ser subjugados de forma tão vil, pelo não pagamento dos seus salários, pela ameaça de extradição, pela humilhação e sabe-se lá mais o quê. Julgar trabalhadores nessas condições por terem reagido com uma ameaça, sequer uma violência prática concreta, é coisa de covardes que vivem totalmente fora da realidade do mundo do trabalho, mas adoram falar sobre ele. Trata-se de pessoas que parecem nunca ter passado por uma situação humilhante como essas, mas estão prontos para julgar, com pseudo-lições históricas completamente desconectadas com o que parece ter sido relatado aqui. Inclusive, me pergunto porque este site publicou isso, se era para continuar humilhando essas pessoas, agora “teoricamente”. Patético…

  19. João, ainda bem, penso eu, que o coletivo aceitou, novamente, publicar um retrato de um acontecimento cotidiano, pois já faz isso desde 2009, o que nos permite uma vez mais, e por outros ângulos, olhar para a realidade e refletir; e isso não tem nada a ver com humilhar ou continuar humilhando trabalhador, longe disso, muito longe mesmo. Repare o seguinte, uma coisa é a publicação e outra coisa é como o leitor entende o conteúdo da publicação. Só quando os leitores passam a comentar o que entenderam, ou a chamar a atenção para questões ligadas ao assunto da publicação, é que surgem as polêmicas, as divergências, as concordâncias, os alertas, e a lembrança, neste caso retirada da literatura, de que a arte pode, sim, nos ajudar a entender a vida, as coisas do mundo, a vida no mundo. Eu penso que seja preciso pelo menos uma boa dose de noção para articular, dentro do olhar e do pensamento, essa realidade que o retrato do acontecimento traz com a política e também com a arte.
    Eu não vi nada de condenação de trabalhadores. O que vejo aqui nos comentários são reflexões sobre uma prática; direta ou indiretamente, são reflexões. Também não vejo que esse nível de exploração da força de trabalho imigrante, mais as condições de vida desses imigrantes, acabam sendo fatores necessários para ações como a retratada na publicação. Digo isto pois no Brasil muita gente também acaba recorrendo a esse tipo de ação sem que exista, por exemplo, a ameaça de extradição. Lá e cá tem gente que quando roubada vai atrás de recuperar o que é seu. Lá e cá tem gente que não vai.

  20. Souvarine ao longo de todo narrativa, aguarda o desfecho de uma ação coletiva. No fim, diante do fracasso coletivo, ele parte para uma ação individual. Souvarine é um incendiário que não assina suas obras. Um Ninguém, assim como Ulisses. Talvez até mais Ninguém do que Ulisses pois Ulisses, vaidoso, cai no erro de revelar seu nome (Polifemo é filho de Poseidon, então vocês já sabem a consequência disso…), já Souvarine (e nada garante que Souvarine tenha nascido Souvarine) jamais se declara alguém, mesmo quando se imagina seguro (talvez por um instinto de autopreservação, porque talvez saiba que não existe local seguro para um incendiário). Enfim… Acho interessante quando alguém, que é ninguém, parte para as vias de fato. Interessante pois revela que a ação coletiva fracassou ou nunca esteve em vias de acontecer.

    Lembrei de outro caso semelhante. Alguém aqui se recorda do assassino do congolês Moïse em um quiosque de praia no Rio de Janeiro (2022)? Aqui no Brasil Moïse infelizmente não foi tão bem sucedido quanto os imigrantes europeus brasileiros dos países europeus.

  21. O último comentário faz a gente lembrar da tendência de extrema-esquerda, não só brasileira, que acredita que o papel principal do militante anticapitalista é o de incendiário das lutas sociais.

  22. Autonomia virou sinônimo de passividade e resignação. E produção de textos, muitos textos…

  23. Fernando, não entendi como você chegou a essa conclusão. Poderia explicar melhor?

  24. Eu cheguei a essa conclusão participando de algumas lutas sociais e de manifestações políticas mais pontuais ou lendo sobre lutas e manifestações. Você mais facilmente pode identificar a existência dessa tendência quando encontra indivíduos organizados atuando em realidades que não são as deles, com técnicas, ações e métodos que não são produzidos no interior da luta por aqueles que de fato vivenciam aquele cotidiano e precisam realmente resolver aqueles problemas que deram origem àquela pauta política. É mais ou menos como o grupo de jardineiros combativos que trancam a rodovia que corta o bairro dos padeiros, logo após a subida do preço do pão, exigindo o mesmo índice de reajuste no piso salarial dos padeiros que é baixo, contando com a participação de uns poucos padeiros. Se aquilo virar uma grande luta, com a adesão em massa dos padeiros do bairro, e resultar no reajuste do piso, ótimo, se o reajuste não sair, vida que segue, pois os jardineiros vivem em outros bairros e não ganham a vida fazendo pão.

  25. Não li o Germinal. Estou distante da erudição de muitos aqui. Mas o que me parece é que o FD não faz um juízo de valor, pelo contrário, joga pro debate mesmo os limites das ações individuais. Daí pra tanta troca de farpas foi um salto muito grande. Lamentável.

  26. li recentemente um breve comentário do Manolo falando sobre ter um funk alto nas proximidades de casa e algumas ligeiras considerações sobre funk.

    Alguém poderia indicar onde está esse comentário? Kk
    Valeu, pessoal.

  27. Talvez da ameaça de um imigrante ao patrão de sua companheira não saia nada além do pagamento e do acirramento da violência social. Ou talvez alguma hora saia, já que Fernando conta que esse tipo de situação é comum entre quem vive sem papel na Europa, então estamos diante de um problema de muitos.
    Há alguns anos, o PP noticiou a perseguição do governo italiano ao que parecia ser um coletivo em que jardineiros se juntaram a padeiros, imaginamos que uns com papel e outros sem, para cobrar salários não pagos dos donos das padarias, expondo-os.
    https://passapalavra.info/2020/09/134399/
    Valeria refletir o que muda entre um caso e outro (o caso deste post e o caso de 2020), se há mais perspectiva de auto emancipação da luta final dos condenados da terra em um caso ou noutro, o que está em jogo em cada forma de pressão aos patrões, o que muda quando os jardineiros se juntam aos padeiros, etc.

  28. Esse comentário é deveras interessante tbm mas não era essa.

    De todo modo, obrigado, Emerson.

  29. Caio, me parece muito bom o exemplo que você traz da Itália justamente porque se trata, pelo que se pode entender a partir da publicação, de algo que é o contrário do que eu falava no exemplo que inventei para retratar uma prática que chamei de incendiária. No fundo estamos falando da velha questão forma e conteúdo das lutas, e o exemplo italiano, bem como as incontáveis ações de solidariedade com os trabalhadores em luta mundo afora, são coisas completamente diferentes de acreditar que o papel principal do militante anticapitalista é incendiar, detonar o início de uma luta, tal como busquei retratar no exemplo.

  30. Caro Fernando, só com este último comentário teu consegui compreender como chegou aquela conclusão questionar por mim: a tua indisposição aos autonomistas (que nos últimos comentários você resumiu como anticapitalistas, apesar de nem todo anticapitalista ser um autonomistas) prejudicou tua capacidade de interpretação de texto.

    Você diz, em crítica aos autonomistas, que é um erro acreditar que “o papel principal do militante anticapitalista é incendiar, detonar O INÍCIO de uma luta, tal como busquei retratar no exemplo”.
    E agora eu retomo o comentário interpretado de forma equivocada por você: “Souvarine ao longo de todo narrativa, aguarda o desfecho de uma ação coletiva. No fim, diante do fracasso coletivo, ele parte para uma ação individual.”

    Veja bem: Souvarine não detona o início de uma luta. Souvarine detona uma mina de carvão e com isso potencializa o prejuízo de um padrão já muito desgastado (apesar de não derrotado) por uma greve. Já em rota de fuga, Souvarine (Bakunin) acaba cruzando com o líder e tesoureiro da greve Étienne (Lassalle). Étienne, diante da fome grevista, se desfez de tudo menos da bota nova (signo da distinção social que se inventou entre ele e os demais camaradas, comprada com salário ganho na condição de tesoureiro) e da paixão carnal por uma moça jovem, bonita, estúpida e covarde. Para seguir a vocação da moça (que acordou para retornar ao trabalho), Étienne abandona os poucos companheiros que ainda resistiam. Abandona inclusive a mãe da moça, essa sim uma mulher de fibra: senhora Maheu. Ao se cruzarem, Souvarine e Étienne se cumprimentam e num primeiro momento Souvarine quase chega a alertar Étienne de que aquele caminho que o levaria à mina o levaria também à morte. Souvarine não avisa Étienne. Não avisa porque percebe que Étienne estava comprometido não com a causa de todos. Étienne e sua companheira estavam ali em causa própria. Étienne com suas ideias reformistas e suas necessidades mesquinhas já estava morto (pois inútil aos que ainda resistiam). De que vale a vida de um tesoureiro, isto é, de alguém que ganha mais com o conflito do que ganharia com vitória? De alguém que se mantém calçado enquanto os demais passam fome?

    Então, caro Fernando, não se trata de incendiar o início de uma luta coletiva. Souvarine incendeia o fracasso dela (de parte dela), aqui representado pela bota de Étienne. Do ponto de vista da luta contra o capital, Souvarine não foi mais efetivo do que os grevistas: o capitalista falido logo é substituído pelo próximo em ascensão. Mas talvez tenha sido útil para a organização da luta coletiva, a começar dando um exemplo de ação direta de grande impacto. Mas não apenas isso, Souvarine com sua explosão livrou o mundo de um ou outro pelego, de mais de um inimigo da classe. E mais: Souvarine passa quase toda a narrativa acompanhando E colaborando com os grevistas, ou seja, não se mantém passivo, tampouco assina a publicação de artigos sobre os grevistas.

    Não posso deixar de retomar o seguinte pensamento: Moïse foi reclamar o salário não pago sozinho e por isso desprotegido, acabou morto pelos capangas do patrão. Não teve a mesma sorte que os imigrantes brasileiros na Europa, que foram juntos (mesmo que em poucos) reclamar o salário não pago a um patrãoleco cagado de medo. Digo mais: talvez por ter dado sinais de medo esse patrão nem possa ser considerado tão patrão assim. Patrão paga. Paga o capanga, paga a polícia, paga o burocrática da migração, paga o juiz, paga a política. Patrão paga para não pagar.

  31. Se Procurando seguisse procurando no mesmo artigo, teria encontrado o comentário onde falo daquele maldito paredão que me tirou o juízo por meses: https://passapalavra.info/2022/10/145744/#comment-866099

    Note, Procurando, que esses comentários são um diálogo com o texto do artigo e com outros comentários escritos por Davi. Não se entende os comentários sem esse contexto.

  32. Nuvem, no meu terceiro comentário eu escrevi que não falaria nada da obra de Zola porque não a li. Depois, o que se passou foi que no seu terceiro comentário você falou, entre outras coisas, de ação coletiva que nunca esteve em vias de acontecer. Então eu falei que isso faz lembrar de uma certa tendência que existe na esquerda que acredita num determinado papel para a militância. Depois eu fiz questão de falar da minha discordância com a maneira como uma luta pode ser construída, voltando uma vez mais à questão do papel do incendiário de luta social e de sua ação que substitui a ação coletiva que nunca esteve em vias de acontecer. Resumindo, foi só isso que se passou.

  33. De todo o comentário feito, a única parte que lhe chamou atenção foi a frase “ações coletivas que nunca esteve em vias de acontecer”? E a única razão (culpa a ser atribuída) que você consegue imaginar é a ação mal refletida e abortiva de pessoas que se colocam no papel solitário de incendiários da luta? Pois foi por esse motivo fiz questão de contar um pouco mais a respeito da obra de Zola. Me parece que o risco maior não é a ação desses indivíduos isolados (que sinceramente são exceções inofensivas, se é que de fato existem, se é que não são recorrentemente lançadas nos debates como método dissimulação que visa desviar o debate para a desimportância imediata e prática de um ou outro lunático). Pelo contrário, me parece que o risco (e a culpa) é a ação muito bem refletida de indivíduos que se colocam como colaboradores de causas comuns, defensores da ação coletiva, senão até como lideres de turbas revoltadas, e que na prática funcionam como verdadeiros anticorpos no sistema imunológico do capital. Neutralizam a revolta: a turba sai morta ou ainda mais pauperizada, enquanto o colaborador/líder carismático e perverso sai com botas novas e alguns quilinhos mais gordo. Esses indivíduos, que não são os incendiários solitários, me preocupam muito mais.

  34. Nuvem, tu deve ter lido os meus comentários e percebido que desde o primeiro eu mostro as minhas preocupações. No segundo eu já dizia claramente que são umas grandes merdas essas ações de recuperação de salário não pago, depois segui explicando a razão delas serem umas merdas. Adiante eu entrei na questão da existência de uma tendência na esquerda, e nunca falei de indivíduos isolados, mas sim organizados, o que é fundamental na indentificação das tendências. Eu não vejo os indivíduos nas lutas sociais, eles podem até existir em outros cantos – será mesmo que o indivíduo existe? -, nas lutas eu estou buscando sempre olhar – na verdade eu aprendi isso ao longo dos últimos 15 anos – a forma e o conteúdo delas, ambos construções coletivas, do contrário não é luta social.

  35. Merda, Fernando Paz, é não receber o seu salário, mas isso você demonstrou que sabe. Se isto é ou não o início de uma luta, é outra história. Lendo e relendo o tão polêmico relato, não vejo indícios de que alguém estivesse defendendo isso como método de luta coletiva, apenas descrevendo uma situação de ação direta, na luta (agora sim) pela sobrevivência em condições adversas. Suas críticas posteriores me parecem ir no sentido de querer agradar certos comentaristas, com medo de ser você rotulado como o Souvarine da vez. Não há a coerência em seus comentários, que você procura demonstrar. Você muda abruptamente sua posição, que antes era a de validar a história relatada, mas depois se tornou uma “merda”. Uma “merda” que você próprio já precisou fazer. Você está se autopunindo para agradar quem?

  36. Parece-me que a “intelligentsia autonomista” ganhou total autonomia, em relação à vida dos trabalhadores.

  37. Eu meti os pés aqui dizendo, entre outras coisas, o seguinte: “‘Convém [Ulisses] nos lembrarmos do que tu escreveu, sim.” E foi isso que mostrou, desde o meu primeiro comentário, uma parte da minha preocupação com a questão. Foi no meu segundo comentário, quando Souvarine ainda não tinha sido lembrado, que eu disse que se alguém chamar uma ação dessas de merda eu concordo. Não é porque eu já a fiz que ela não seja uma merda – um narcisista pensaria justamente o contrário?; eu expliquei porque eu acho essas ações umas merdas. Depois veio uma série de comentários, inclusive alguns meus, tratando de refletir sobre ações indivuais e ações coletivas – o que eu acho bom demais para um site como esse. Então mostrei um pouco desse caminho trilhado pelos comentários, inclusive o dos meus próprios. Estes últimos permitem que percebamos que eu entendo, entre outras tantas coisas que já escrevi anteriormente, que a necessidade empurra alguns para ações de recuperação de salário não pago, como entendo que esse tipo de ação não muda nada além disso que ela é: recuperação de salário não pago. Ou seja, muda só um tantinho no bolso de quem estava sendo roubado; sem falar dos riscos e das dores no fígado.

  38. Tenho reflectido sobre uma questão e continuo com a dúvida. Este Flagrante Delito, narrando uma reacção individual e alheia a qualquer movimentação colectiva, obteve até agora 40 comentários. No entanto, o Passa Palavra tem uma secção intitulada Movimentos em Luta que, como o nome indica, divulga acções colectivas, e são ali muito raros os comentários. Além disso, nos últimos meses foram publicados dois artigos, A Seita e Ikea, a grande mentira, em que o Passa Palavra foi usado como plataforma para facilitar uma mobilização colectiva dos trabalhadores dessa grande empresa. Ora, ambos estes artigos contam, somados, 25 comentários e, exceptuando 3, todos os outros se devem a trabalhadores da Ikea. Portanto, a publicação dos dois artigos sobre a Ikea serviu efectivamente para reforçar uma mobilização interna.

  39. O comentário do JB não poderia ser mais pertinente&percuciente. Sobretudo, oportuno – no melhor sentido (kairós) do termo.

  40. Fernando, fiquei curioso com relação ao caso dos padeiros e dos jardineiros. Algum exemplo mais palpável que tragar esse caso para a realidade hoje? Pode dar nomes aos bois? Digo isso porque, no primeiro caso que você coloca, dos jardineiros que fazem a ação com alguns poucos padeiros mas conquistam a pauta através de uma massificação de luta, me parece que esses jardineiros não eram tão alienígenas assim aos padeiros – caso contrário não conseguiriam nunca a massificação e o apoio dos padeiros. Já o segundo caso, me parece um exemplo clássico de ação vanguardista descolada da realidade dos padeiros. De qualquer forma, creio não é o papel PRINCIPAL dos militantes dar início à processos de luta social, embora eu considere que sim, iniciar lutas e se envolver nelas é sim uma atividade muito importante da militância. Do contrário temos os militantes que nada fazem, ficam a espreita das coisas analisando do alto sem se envolver ou esperando as tais das condições materiais estarem maduras o suficiente para, aí sim, se meterem na esperança de desenvolver a verdadeira linha revolucionária. Creio que as lutas dos padeiros não devem se limitar aos padeiros assim como as lutas dos jardineiros não devem se limitar aos jardineiros, e acabar com essa divisão é também papel dos militantes revolucionarios. Do contrário estamos fortalecendo uma perspectiva corporativista, não uma perspectiva de classe.

  41. Exemplos, se tu entende o que é uma “ação vanguardista descolada da realidade” é fácil encontrar exemplos dela, e de suas variantes, na história. Provavelmente tu aprendeu isso a partir de exemplos concretos que posteriormente analisados possibilitaram o surgimento e o uso da expressão. O próximo passo é selecionar manifestações e lutas atuais e compará-las com as que foram selecionadas anteriores, no que muito provavelmente tu chegará ao seu objetivo, e por conta própria, o que é bem melhor, não? Bom, eu falava em tendência, então, caso tu venha a se jogar numa empreitada dessas, de conhecer um pouco mais dessa tendência, talvez seja obrigatório gastar também um tempo encontrando coletivos políticos atuais e lendo o que eles dizem sobre eles mesmos, quem sabe conversar e entrevistar militantes desses coletivos lhe ajude também, e aí comparar esses discursos com as lutas. Se eu tivesse toda essa sua curiosidade com a questão provavelmente eu pegaria o restante do seu comentário, sobre o qual eu também não tenho nada a falar, e o usaria na formulação de perguntas, e essas as usaria durante a realização dessas comparações que falei anteriormente por duas vezes.

  42. Os “autonomistas” de hoje são a versão “classista” do “lugar de fala”. Cada qual com seu “lugar de luta”.

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