Por Passa Palavra

Um debate ocorrido recentemente na seção de comentários do Passa Palavra prolongou-se no interior do coletivo. Decidimos torná-lo público, na expectativa de que estimule novas reflexões.

Estrôncio: A propósito daquele menino que quer regressar ao Brasil agrário, e também a propósito dos outros meninos e meninas que querem dizer onde fica a “centralidade do conflito”, e a propósito e a propósito, porque a série é infindável, reparem que eles restringem o proletariado aos favelados mais pobres. Para eles, classe trabalhadora = vítimas da mais-valia absoluta. Daqui decorrem imediatamente três resultados: 1) ignoram a complexidade orgânica da classe trabalhadora, que vai desde esses favelados até aos especialistas mais qualificados; 2) consideram que o capitalismo é incapaz de qualquer desenvolvimento e só cria miséria; 3) são incapazes de propor uma alternativa eficaz ao capitalismo.

Estes três aspectos têm sido abundantemente tratados no Passa Palavra, de variadas maneiras e sob diversas perspectivas. Mas para aprofundar a crítica é necessário entendermos o seguinte. Que motivo leva esses meninos e meninas a centrarem a sua militância exclusivamente nas camadas mais pobres e menos qualificadas da classe trabalhadora? Que motivo os leva a encontrar aí a sua única base social? É esta a reflexão que proponho.

Selênio: Quem defende o regresso ao Brasil agrário parece que é um grupelho sem muito palco. Já os outros, acho que o buraco é mais embaixo. As apostas são em surfar nas revoltas explosivas, e as tentativas de conversas que não resultem imediatamente de chamados para manifestações são consideradas práticas “clientelistas” ou “gestoriais”. As tentativas micro de auto-organização são nomeadas de “gestão da barbárie” porque não estimulam o conflito (aquele que seria central para os revolucionários). Por isso o autocuidado é chamado de “franciscano”. Eu diria que é pior que um erro de composição de classe, é um erro de norte político. É a aposta numa guerra social na qual se abandona os abatidos. Já chegaram a acusar camaradas preocupados com os autocuidados na pandemia de se focarem em “contar os corpos”, quando é justamente isso o que eu acho o que devemos fazer — contar os corpos e politizar cada uma dessas mortes.

Estrôncio: Mas a minha questão consiste em saber o que leva esse tipo de militantes a procurar como base de apoio social exclusiva as camadas mais degradadas da mais-valia absoluta. Não estou a sonhar acordado nem a fazer perguntas ociosas, porque este é um problema crucial se quisermos entender as razões profundas desse tipo de actuação política. Tenho pensado muito na questão e não consigo avançar além de algumas correlações.

Argônio: Me parece que existe uma questão dupla. Os grupos inseridos de forma mais precária na estrutura capitalista também não estão tão inseridos nas estruturas de cooptação, não existe uma atividade sindical tão forte ou uma troca tão grande entre trabalhadores e gestores. Isso deixa um espaço político para a atuação aí, que não se encontra em outros setores.

Existe de parte da esquerda uma ignorância dos mecanismos de exploração no capitalismo, e tendem a ver esses como os mais explorados e, portanto, como os mais potencialmente revolucionários. Ao mesmo tempo essa atuação faz um certo controponto à idealização do operário fabril como único sujeito revolucionário. Também é nesse setor que a “oposição ao capitalismo” aparece de forma mais violenta, o que dá para alguns a impressão de que é o lugar onde o conflito ocorre.

Cádmio: Certamente é um assunto que me preocupa e imagino que preocupe outros camaradas. Sempre achei que tinha a ver com uma reminiscência cristã que confere uma maior legitimidade social à ação e ao militante, somado a uma confusão entre exploração e miséria.

Mas isto é suficiente para explicar? Certamente não, mas é algo que me orienta.

Irídio: Para além do que foi escrito por Argônio e Cádmio, eu acho que existe aí também uma contribuição importante das universidades. Há já algumas décadas, nos departamentos de ciências humanas, tem havido um estímulo, cada vez mais intenso, para que as pesquisas tenham como objeto prioritário a atuação de grupos sociais sujeitos a condições de vida o mais precárias possível, e estes são invariavelmente as vítimas da mais-valia absoluta, que por isso mesmo se localizam, no geral, nas periferias. E como, para muitos, a militância política passa pelos departamentos universitários, ou para eles converge, o que abrange partidos, sindicatos e movimentos sociais — há aí uma tripla oportunidade, de inserção das pautas dessas organizações no meio universitário, de cooptação de estudantes e professores e de estabelecimento de elos com aqueles grupos sociais mais periféricos, a partir do contato com universitários vindos desses meios, explorando condições estabelecidas pelas transformações operadas pelos governos petistas nas instituições de ensino superior —, essa tendência é ainda mais reforçada. Essas organizações e as suas dissidências tendem a levar adiante esse mesmo enfoque, cada uma à sua maneira; estas últimas buscam desenvolver uma militância nas periferias à revelia das lideranças tradicionais. E, por outro lado, a crise por que passam partidos, sindicatos e movimentos sociais, sua degenerescência, etc., reforçam essa mesma tendência, que se expressa ideologicamente por meio da crítica à atuação dessas organizações, como se sua crise pudesse ser reduzida a um enfoque equivocado, ignorando ou dando pouca importância ao cotidiano das vítimas periféricas da mais-valia absoluta. Daí para a esquerda libertária, de um lado, e para o identitarismo e a ecologia, de outro (porque a periferia mais periférica que a urbana é certamente a rural), é apenas um degrau.

Hélio: Me aventuro em algo um pouco mais especulativo. Tanto a fuga à ruralidade como o niilismo da centralidade do conflito parecem apontar a uma falta de imaginação, que seria necessária para poder vislumbrar um novo mundo a partir de apenas elementos, às vezes fugazes e frágeis, do atual. Em lugar de apropriar-se do processo de produção, numa perspectiva social, existe uma recusa. Claro que isso não vem do nada, vem de derrotas e experiências concretas que apontam os limites da autogestão, dos espaços e das organizações de classe sedimentadas e institucionalizadas. Só acho que, assim como houve um momento em que “estava na moda” na esquerda libertária a autogestão como uma fórmula, uma resposta para tudo, também se abandona e se denuncia esta (e outras) prática(s) como se sempre estivéssemos buscando fórmulas e respostas polivalentes, isto é, uma desejada ”centralidade”. Frente a isso, pareceria que o único indício concreto de luta de classes “pura”, como dejeto do capitalismo, ocorre nestes setores de fodidos e fodidas. Como se com eles e elas não houvesse chance de erro.

Acho também que se trata de não assumir riscos quando se critica tão arduamente quaisquer outras práticas. Pois, repito, a vocação para o conflito não me parece algo ruim, mas é algo péssimo quando se eleva a uma questão de “centralidade” e se passa a uma crítica de tudo o que não é espelho. Parecido com o caso destes neo-ruralistas, que não apenas defendem o retorno ao campo senão que passam a acusar todo o resto da esquerda disto e daquilo.

E não assumir riscos é também parte de não pensar o novo mundo, e as formas pelas quais poderíamos chegar a ele. Oras, se a ideia é simplesmente explodir tudo num grande atentado niilista social, a quem estamos delegando a tarefa de reorganizar tudo de uma maneira melhor? Ou apenas assumimos que quando este modo de produção colapsar, o seguinte será melhor?

Estrôncio: Todas estas contribuições, sem excepção, fazem reflectir. Mas acrescento dois problemas:

1) Como habitualmente, o Brasil não está no Brasil, está no mundo, e aqui também. Soluções especificamente brasileiras, ou mesmo latino-americanas, podem contribuir, mas são acessórias, porque a questão se coloca igualmente na Europa. Na França, onde a extrema-esquerda é não só ateia mas decididamente anti-religiosa (uma herança directa da Revolução), o problema verifica-se também, incluindo essa ida para os campos, que lá assume a forma de promoções de regionalismos e outras especificidades míticas. E o mesmo nos outros países europeus. Ora, na Europa os campos não são como os sertões do Brasil, estão completamente urbanizados e as aldeias são como minúsculas cidades, só que muito menos cómodas do que as cidades. E, no entanto, esse tipo de militantes pretende retirar-se para as aldeias e recriar aí os mitos históricos. Todos são ecológicos e agro-ecológicos, evidentemente, mas na minha opinião a ecologia para eles veio atrás da prática, como pretexto ideológico, e não constituiu o mecanismo motor. Então, o problema é geral e não específico.

E acrescento o seguinte. Nos anos 1960 nos Estados Unidos, num movimento que antecipou de alguns anos as lutas estudantis na Alemanha Federal e na França, ocorreu a mesma tendência a sair das cidades e fundar comunidades rurais de cariz religioso. A New Age tem aí as suas raízes. Mais um elemento para reflectirmos.

2) Esse tipo de prática que estamos aqui a analisar, baseada nas camadas mais miseráveis da mais-valia absoluta, está em franca oposição à tradição dos partidos comunistas, que sempre procuraram como base social o proletariado mais evoluído e instruído. Ora, quem eu primeiro vi romper com essa tradição foram os maoistas europeus na imediata sequência do Maio de 68. Por isso é indispensável, para quem estude essa época, entender a distinção que então se fazia entre maoismo e marxismo-leninismo, sendo este último uma tentativa de orientar mais à esquerda a velha tradição dos partidos comunistas. Os maoistas, pelo contrário, romperam com essa tradição e procuraram uma base social no estrato que a terminologia dessa época denominava correntemente «lumpen». Tudo o que eu vejo hoje nesse tipo de militantes nasceu no maoismo europeu pós-Maio de 68. Ora, os maoistas foram afastados do palco e já não desempenham nenhum papel, mas a geração política seguinte herdou as características mais nocivas que haviam sido iniciadas por esse maoismo. E para isso não precisou de lhes herdar a ideologia. Assumiu outra ideologia. Verificamos aqui o mesmo que se passou com a ecologia. Estas ideologias aparecem como pretextos ideológico e não como determinantes da acção. Portanto, é essa acção, essa busca da mais-valia absolutíssima, que tem de ser entendida.

Vem a propósito reproduzir o final de um artigo de João Bernardo, «Epílogo e Prefácio», publicado em 2009:
«Nos anos de 1960 e de 1970 os elementos mais aguerridos do anticapitalismo eram operários qualificados, aptos a fazerem laborar as empresas na ausência dos patrões, e estudantes para quem a cultura não era uma palavra sem significado. Apesar disto fomos considerados inimigos terríveis. Chamaram-nos violentos porque nos defendíamos da violência, violentos nós, os que lutávamos contra as guerras e contra os exércitos e as polícias. Chamaram terrorismo à desesperada acção defensiva a que alguns se sentiram obrigados a recorrer. Lutámos numa época em que existiam ainda, no Ocidente, instituições mediadoras dos conflitos e em que a democracia representativa gozava de um prestígio mensurável nas taxas de participação eleitoral, e estes dois factores contribuíram para a nossa derrota. Agora, porém, as classes dominantes apresentam-se desprovidas de biombos institucionais, que são a mais eficaz das protecções. E quem vão enfrentar? Aqueles que se têm movido nos últimos anos contra o capitalismo não são operários qualificados mas trabalhadores precários, não são estudantes letrados mas analfabetos funcionais que incluem a cultura no mesmo desprezo que sentem por tudo o resto, jovens dos subúrbios — dos subúrbios das cidades e dos subúrbios do mundo — enquadrados por mais ninguém senão por eles próprios e capazes do furor destrutivo necessário para abalar as instituições em que vivem. Será este o perfil da próxima maré de lutas sociais. A violência sem precedentes de um confronto generalizado desprovido de mediações. Terríveis, nós, os vencidos dos anos de 1970? Ouçam no YouTube as músicas que nos serviam de liturgia. Em França eram Brassens e Léo Ferré quem reverentemente escutávamos. Ouçam o canto de Nina Simone, cru pressentimento do destino da luta dos negros nos Estados Unidos, mas elevado a um plano onde o som rasgava o véu de outro horizonte. Ouçam e vejam Bob Dylan cantando Blowin’ in the wind com Joan Baez, os Freedom Singers e Peter, Paul & Mary no festival de Newport em 1963. Era um dos nossos hinos, que todos conheciam, de um e outro lado do oceano. Chamaram violência a esta candura. E o quê, agora? O que anunciam as músicas que dão voz às revoltas urbanas de hoje?»

Penso que esta continua hoje a ser a grande questão. É que com este tipo de violência e este tipo de lutas não se constrói nada, só se limpa o terreno para um populismo fascista. E a minha dúvida permanece. Porque aqueles militantes, oriundos de um meio muitíssimo diferente, escolhem essa base social?

Selênio: Lendo a discussão até aqui e pegando um gancho no comentário de Hélio, eu lembrei deste artigo que coloca o seguinte questionamento: “como era possível que os trabalhadores preferissem trabalhar em sistema de mais-valia relativa, se eram mais explorados do que no sistema de mais-valia absoluta. Pior. Como era possível que os trabalhadores lutassem por condições que, afinal, correspondiam ao desenvolvimento da mais-valia relativa. E eu respondia-lhes com outra pergunta: Vocês preferem ser torturados ou não ser?” Não me parece que o que esses militantes queiram é ser torturados, mas que o medo em parecerem reformistas é tanto que buscam os conflitos por fora de onde é acostumado se ver a assimilação por parte dos capitalistas. Ontem participei de uma discussão com alguns camaradas em que falávamos sobre a luta dos entregadores de aplicativo. Parte deles reivindica mecanismos de segurança para o trabalhador que também podem aumentar exponencialmente a margem de lucro para os aplicativos. Os capitalistas, por outro lado, não conseguem enquadrar ainda as formas de solidariedade que esses trabalhadores estabelecem na luta. Esses vínculos conspiratórios (contra os apps) tem potencial para ter vida mais prolongada que a organização de manifestações em si. Enfim, com a assimilação das pautas de luta pelos capitalistas, fica um espaço em branco para os trabalhadores decidirem o que fazer com os vínculos solidários, e é daí que pode surgir uma margem para autonomia. Enfim, por mais empobrecida que seja essa categoria, ela é atravessada também pela mais-valia relativa, o que também ocorre com outras classes (nesse caso ‘classe’ tem o sentido de disparidade de renda). Repito o que eu disse em minha primeira intervenção. Não me parece que seja o caso de alguns buscarem atuar apenas com trabalhadores empobrecidos, mas com aqueles mais propensos a grandes revoltas, pois o medo de deixar-se enquadrar pela mais-valia relativa é muito grande, talvez maior do que o medo em se deixarem atropelar pelas tendências mais populistas dentro desses movimentos.

As obras utilizadas para ilustrar este artigo são de Renato Guttuso (1911-1987).

 

42 COMENTÁRIOS

  1. Acredito que a tentativa de aproximação entre os que defendem a “agrarização” (como as que apareceram nos comentários ao artigo “Lula está voltando?” https://passapalavra.info/2021/04/137400/) e aqueles que defendem a “centralidade do conflito” (como neste artigo: https://passapalavra.info/2021/03/136271/) é um pouco forçada. Em primeiro lugar porque não se aplica aos últimos a acusação de restringir “o proletariado aos favelados mais pobres”. Pelos próprios exemplos citados no artigo “Notas em defesa da centralidade do conflito” percebe-se isso: motoristas de apps, trabalhadores do telemarketing, de supermercados, etc. Não são propriamente as “vítimas da mais-valia absoluta” a que o presente texto se refere. Creio que confunde-se os “precários” (locus privilegiado do conflito, segundo essa concepção) com o “lumpem”, que é a base social da “volta ao campo”. Os defensores da agrarização, ao contrário, buscam fugir do conflito e buscam uma “harmonia” perdida, um “senso de comunidade” que não encontram nos meios urbanos. Sendo assim, considero que os pontos altos do debate são aqueles que apontam nessa busca do conflito a qualquer custo uma “negação abstrata” do presente, uma recusa que não põe nada no lugar. Como se as lutas contra o capitalismo não produzissem relações solidárias entre os trabalhadores, sem as quais, aliás, o comunismo seria uma mera abstração.

  2. Para o comentarista acima que considera forçada a aproximação entre os defensores do retorno ao campo e os defensores da centralidade do conflito, basta ver que os últimos, por realizarem uma negação abstrata do capitalismo, acabam por ser influenciados pelas ideologias apocalípticas da crise estrutural e da ecologia, passando daí por vezes a uma crítica da agroindústria que leva à defesa do retorno ao campo e da desindustrialização. Duma crítica puramente destrutiva e simplista das formas de produção capitalista chegamos à convergência dessa esquerda com os defensores da “recampenização”. Para um exemplo prático, observe o tipo de opinião que tem circulado nesses meios:

    “Existe um processo de descampezinação, mas devemos pegar o sentido contrário, precisamos de mais camponeses. Isso confunde as mentes progressistas porque elas aceitam as premissas da produção industrial e pensam que a única coisa que se tem a fazer é socializar os meios de produção, quando na realidade a riqueza depende do trabalho e da terra. Precisamos de terra no sentido de uma fonte regenerativa dos meios pelos quais sobrevivemos como espécie, e os animais não humanos e todos os outros seres devem ser incluídos na noção do que é uma visão progressista.”

    https://apublica.org/2021/04/rob-wallace-agronegocio-e-a-juncao-perfeita-de-circunstancias-para-surgimento-de-novas-epidemias/

    Sobre a suposta contradição entre conflito e recampenização, recomendo ao comentarista ler sobre o Camboja durante o regime do Khmer Vermelho, para verificar que não há contradição entre essas duas posições.

  3. Davi,

    o que seria uma “negação abstrata” do capitalismo? Melhor: o que seria uma negação NÃO abstrata do capitalismo? Imagino que você saiba…

    Especulando: uma negação não abstrata seria uma negação determinada, isto é, que vai de encontro a formas particulares e específicas de exploração da força de trabalho. Note: a esquerda em geral propõe uma “negação abstrata” do capitalismo quando, por exemplo, defende estatização. Isso é uma negação abstrata do capitalismo. Ou, como dizia a Rosa, nada mais abstrato que transformar a revolução numa palavra de ordem. Por exemplo, neste texto esquizoide aí em cima, é dito a certa altura: “Tanto a fuga à ruralidade como o niilismo da centralidade do conflito parecem apontar a uma falta de imaginação, que seria necessária para poder vislumbrar um novo mundo a partir de apenas elementos, às vezes fugazes e frágeis, do atual”. Pra mim isto sim é negação abstrata do capitalismo: o que significa dizer que é necessário imaginar um novo mundo a partir de elementos do mundo atual? Nada. Significa nada. É uma mera invocação abstrata do otimismo.

    O problema dos defensores da centralidade do conflito não seria, portanto, a negação abstrata. Ela é bem determinada, na verdade: as revoltas que vocês [na boa companhia dos atuais defensores da noção de “guerra híbrida”] chamam de puramente destrutiva, não constituem negações abstratas do capitalismo. Pelo contrário: constituem negações determinadas demais, concretas demais. Primeiro porque elas acontecem no mundo real (penso nos protestos de Hong Kong, no Chile ano passado), segundo porque respondem a formas bem concretas da vida no capitalismo contemporâneo. Não é porque tais movimentos carecem de uma reivindicação clara e central; ou porque não constituem formas avançadas de associação e sociabilidade [estou tentando dialogar com vocês – no que vocês pensam exatamente, conselhos por exemplo?], que constituem “negações abstratas”. O problema de vocês com os defensores da centralidade do conflito gira mais em torno da definição dos conflitos que interessam, atualmente, e também o modo de concebê-los etc [exceto, claro, se o conflito de classe não for mais central pra vocês… Nesse caso não temos muito o que conversar].

    E é precisamente o que me inquieta, esse último ponto. Vocês se opõem a determinadas formas que os conflitos sociais tem assumido nos últimos tempos. Não reivindicam determinadas revoltas, consideram que, com “este tipo de violência e este tipo de lutas não se constrói nada, só se limpa o terreno para um populismo fascista”. Qual a forma de conflito de classe que vocês “imaginam” como central hoje? Porque isto vocês não respondem (sequer esboçam). Vamos discutir nesses termos, ao invés de ficar jogando palavras vazias ao vento. O máximo que esse texto aponta é a necessidade do “auto-cuidado” na pandemia (o que nem dá pra levar a sério, desculpe). Então, não sei, para mim a negação abstrata explica muito mais a posição de vocês.

    E a entrevista aí em cima, do Rob Wallace, o miolo da entrevista é a explicação da interdependência, hoje, entre campo e cidade, o grau de integração das cadeias produtivas, para pensar as condições de possibilidade da emergência de novas pandemias. Rob Wallace é biólogo evolucionista e estuda isso. Já a parte em que ele defende a “recampenização”, tenho certeza que os seus interlocutores (os defensores da centralidade do conflito) não defendem recampenização, né? Eu acho que você sabe disso. Aí é só má fé da sua parte mesmo.

    Abraço.

  4. A mim parece que o principal fatalismo dos defensores da centralidade do conflito reside no seu caráter destrutivo frente às lutas dos trabalhadores. O problema é mesmo o de os seus autores verem na negação pura o vislumbre de uma transformação social. Relembro que aquele artigo iguala a capacidade da classe trabalhadora produzir mecanismos de resistência e solidariedade com as práticas de assimilação capitalista do Estado. Se levassem a sério o que escreveram, concluiriam que toda prática autogestionária é “pelega”. E se achariam muitíssimo de esquerda, por estarem farejando o real conflito dentro das circunstâncias. Se fossem mais a fundo ainda, pautariam destruição material dos meios de produção, afinal, assim seria impossível fazer a autogestão da miséria que resta. É sintomática a crítica ao “autocuidado” porque de um lado menospreza a capacidade dos trabalhadores driblarem o contágio do novo coronavírus, e no outro caso é um menosprezo a formas de organização que ameaçam o paternalismo dos patrões, que pensam serem os únicos a prover riqueza para a sociedade. Essa é a tese bem conhecida de que a classe trabalhadora só adquire consciência política com fome, porque é acrítica com relação ao Estado.

  5. “Todas las fuerzas ideológicas de las que se dota la burguesía para combatir a su
    único enemigo común, el proletariado, comparten la virtud de ser capaces de
    mostrarnos, siempre y en cualquier situación, la obra de cualesquiera facciones
    burguesas para ocultarnos lo único que, desde un punto de vista de clase, importa. Y lo
    único que desde un punto de vista de clase importa es la acción del proletariado, lo que
    este hace, su reacción –por muy instintiva, insuficiente, débil o mistificada que esta
    pueda ser –ante los ataques del capital.”
    CIENCIA Y ARTE DEL ZOQUETE

    *** *** ***

    “Las fuerzas ideológicas que, especialmente diseñadas para enredar y embaucar al
    proletariado presentándose como obreras y revolucionarias, conocemos como extrema
    izquierda realizan esta labor con particular eficacia. Son capaces de hablarnos de las
    ‘fuerzas populares’, de las ‘luchas de los campesinos’, para no hablar jamás de la lucha
    del proletariado; son capaces de los más ensortijados análisis acerca de la crisis del
    capital, de las rivalidades de las facciones burguesas más variadas, de sus más
    variopintos intereses, para no hablar nunca de lo fundamental: la guerra de clases.
    La extrema izquierda capitalista, lo que otros llaman sencillamente ala radical de
    la socialdemocracia, es un entramado de grupúsculos e ideologías aparentemente
    diferentes e incluso contrapuestas, pero a las que las une lo fundamental: la
    profundización en la debilidad política, teórica y organizativa de la clase explotada.”
    CIENCIA Y ARTE DEL ZOQUETE

  6. Ao sujeito que encontrou a fórmula mágica dos conflitos de classe,
    Não retiro o que disse, pois esse tipo de opinião tem sido difundida sem qualquer ressalva ou consideração sobre o trecho mencionado. Como disse, vai de encontro à outras formulações que se difundem nesses meios, como a de que “a necessidade de crescimento permanente da economia é uma contradição insuperável entre as necessidades do capital e as da vida”. Ao que será que levaria a posição em defesa da estagnação ou da recessão econômica num país em que a agroindústria corresponde a um terço do PIB? Uma possibilidade é justamente a do retorno ao campo e na tentativa de transformar a agricultura de subsistência em forma predominante de produção de alimentos. Não se trata de avaliar o que se passa na cabeça de quem está a difundir essas ideias, pouco importam suas consciências ou intenções, mas sobre o tipo de terreno que a difusão dessas ideologias aliada com suas práticas, que exaltam qualquer aglomeração destrutiva, proporciona.
    E caso realmente quisesse entender a posição e os debates que o coletivo tem desenvolvido em torno das formas atualizadas dos conflitos de classe, poderia ao menos se dar o trabalho de ler os artigos autorais publicados (como este: https://passapalavra.info/2021/04/137656/). Mas talvez prefira aguardar o “raio em céu azul” que as divindades nos enviarão para resolver tudo numa “reviravolta violenta”.

  7. Acho que não existe essa proximidade entre a recampenização e a centralidade do conflito na luta dos entregadores e trabalhadores de aplicativo. É uma aproximação que nem pode ser realmente formalizada e tanto não pode que não foi, foi apenas especulada de forma fragmentada. Concordo com o Emerson que a questão central ainda parece ser ver para além das formas destrutivas e para formas positivas de sociabilidade, mas não me parece que o coletivo realmente esteja vislumbrando isso nos movimentos realmente existentes também. Me parece um pouco difícil de vislumbrar isso quando o foco é nos trabalhadores da mais valia relativa clássicos: não é entre esses trabalhadores que atualmente vem se desenvolvendo lutas de solidariedade por subsistência no momento da pandemia. Eles vem se processando atravessando as fronteiras tradicionais entre mais valia relativa e absoluta, geralmente.

    Vejo que há um grande potencial de auto-organização das mobilizações entre cientistas e universitários e algumas comunidades pela difusão do hábito de usar máscaras de boa qualidade PFF2 para profissionais de saúde e para toda a população. Cumpre o requisito de constituir autocuidado e ao mesmo tempo uma solidariedade para além de uma categoria só.

  8. O que de fundo é dito pela posição desse texto é que a classe trabalhadora está derrotada, pelo menos momentaneamente, e o que resta é a construção de bolhas de autocuidado. Ou seja, aceitem o mundo como ele é, não há condições conjunturais (ou talvez até históricas) para a derrubada do reino da mercadoria. Sendo honesto, a posição da construção de bolhas de autocuidado é muito mais próxima da recampenização do mundo. A centralidade do conflito, ou melhor dizendo, o conflito nos proporciona as condições para pelo menos imaginar um mundo novo, já a auto-gestão da pandemia é admissão explícita de que a classe trabalhadora está condenada a sobreviver no inferno.

  9. Colegas da Tabela Periódica, vocês estão usando um marxismo para derivar a luta social quando a luta social é que determinou o marxismo (e o socialismo em geral).

    A aposta no ‘lumpem’ não se trata de neomaoismo. Mais correto seria dizer que segue a tendência de Bakunin. E Bakunin explicava por que não apostava tanto nos operários. Para ele grande parte já estava aburguesada, integrada culturalmente e ideologicamente, para simplificar ao máximo.

    Só que a ideia de lumpem me parece equivocada na tendência que nos encontramos. Estamos não numa tendência histórica de industrialização, mas de desindustrialização. Colocar os entregadores de aplicativo como lumpem, por exemplo, me soa um tanto anacrônico. Em categorias como essa é que os capitalistas estão experimentando novas formas de organização e gestão da força de trabalho. Eles apontam o futuro, não o passado. E isso justificaria também a classe média militante olhar para eles. Não que seja o motivo que olham para eles e para a massa da população que está na viração. Ora, a tendência diante dos nossos olhos é da própria classe média cair na viração (na verdade já está caindo), o que ocorre mais aceleradamente nos últimos anos no Brasil.

    Para relembrar um artigo da Economist de anos atrás e de outros veículos de imprensa, a tendência global é que a classe trabalhadora se divida em alguns poucos com bons empregos e bons salários e uma massa ganhando muito menos em ‘empregos’ ruins.

    As pessoas vao militar onde veem maior potencial de revolta. Ou pelo menos onde ela começa a se mexer.

    Mas como ressalta Callum Cant, para pegar o exemplo dos entregadores, a questão é unir os entregadores com os programadores empregados das empresas de aplicativo.

    Acho estranho ficar tentando enxergar onde tem mais “mais-valia relativa” para determinar o ‘sujeito revolucionário’. Uai, a mais-valia relativa não é em grande parte consequência das lutas? Ela é que é determinada pelas lutas e não o contrário.

    Ontem vi o Marcio Pochmann falar mais uma vez que a classe média assalariada e os operários no Brasil é quase residual e vai diminuindo no tempo. Em termos de tendência ocupacional no país, o que se deve escolher, as categorias que tendem a aumentar ou as que tendem a diminuir?

    No Brasil especificamente, que a passos largos está virando um grande fazendão, a revolução virá dos trabalhadores do Google na Faria Lima?

  10. Dois comentários rápidos:
    Por um lado, interessante ver que os comentários críticos ao debate também compartilham o aspecto fragmentário e contraditório do texto. Que bom.
    Por outro, me impressiona a forma como algumas pessoas colocam conflito e auto-cuidado como coisas antagônicas. Me faz duvidar se estas pessoas alguma vez estiveram em algum conflito. Me faz duvidar também se elas continuaram presentes quando a parte épica do conflito termina, que é quando é mais fácil perseguir e eliminar lutadores.

  11. Parece-me que escapou algo à maior parte dos comentadores. É que o artigo, resultante de um diálogo a várias vozes, deveu-se a um conjunto de dúvidas; e a discussão, à medida que elucidava alguns aspectos, acrescentava novas dúvidas. Não vi ninguém ali, muito menos eu, defender a linha justa para todos os casos, a táctica correcta para todas as situações e a resposta certa para todas as perguntas. Partiu-se da complexidade orgânica da classe trabalhadora, que requer análises e formas de luta não menos complexas. Quais? E como se articulam umas com as outras? Quais as lutas que fazem barulho e dão nas vistas e as subterrâneas e que ninguém vê? E como formam, ou não formam, um conjunto?

  12. “A centralidade do conflito, ou melhor dizendo, o conflito nos proporciona as condições para pelo menos imaginar um mundo novo, já a auto-gestão da pandemia é admissão explícita de que a classe trabalhadora está condenada a sobreviver no inferno”.[

    Acho interessante que para esse comentador haja contradição entre estar vivo e fazer lutas. Pra mim é condição de poder fazer lutas consequentes você estar vivo para a próxima. Quando você contrapõe auto-cuidado e conflito, é você que está dizendo ser impossível uma luta genuinamente revolucionária e séria e que aponte para algum futuro, que leve em conta que as pessoas tem uma vida pra se preocupar em manter, vida essa que a revolução tem o dever de transformar. Não se muda a vida de gente morta, doente, destruída.

  13. O artigo “Notas em defesa da centralidade do conflito” baseia-se na noção, a meu ver equivocadíssima, de que é impossível para a classe trabalhadora, passadas as explosões mais ou menos duradouras de revolta, obter um saldo positivo em termos organizativos; a saída do estado de revolta, nas palavras dos autores, constitui o “negativo absoluto da insurreição”. Essa noção deriva da concepção de que a classe trabalhadora atual está sujeita a um tal estado de permanente desagregação social que ela só pode, das duas uma, submeter-se permanentemente à desagregação social no trabalho ou direcioná-la para explosões destrutivas de revolta. A noção de solidariedade é então dissolvida, pois que a solidariedade estaria também sujeita à mesma desagregação absoluta, só podendo manifestar-se, a cada explosão de revolta, num “lampejo no interior do conflito aberto”; com isso, só pode haver solidariedade se houver conflito e, portanto, caberia à esquerda estimular o conflito, no sentido de estimular a revolta, mesmo que isso implique em promover o contágio num contexto de pandemia. Quando Bolsonaro diz coisas como “Fazer o quê? Enfrenta!”, os defensores da centralidade do conflito, do outro lado do espectro político, pensam o mesmo.

    Mas, voltando ao tal artigo, os autores mencionam bastante os entregadores, tomando-os como um dos exemplos da nova suposta subjetividade da classe trabalhadora, supostamente associada àquele estado de permanente desagregação social. Seria interessante conferir, então, iniciativas como as do entregador Mengzhu (https://passapalavra.info/2021/04/137418/), que se esforçou para construir justamente, dentro das novas condições estabelecidas pelo trabalho por aplicativos, um daqueles modelos de associação que para os autores do artigo “Notas em defesa da centralidade do conflito” “parecem perder relevância, sem que nada os substitua, dando lugar a formas avançadas de dessocialização, combinadas e combatidas com táticas silenciosas e fragmentadas de resistência, que, aqui e acolá, engolfam de modo selvagem”. O caso de Mengzhu vai na contramão daquelas mobilizações a que o comentador acima, que usa o pseudônimo de Defensor da centralidade do conflito, faz referências, definindo-os como a “forma” que os conflitos sociais têm assumido na atualidade. Será mesmo que os conflitos têm assumido unicamente tais formas? E será que o Passa Palavra, como afirma Victor Hugo acima, não está realmente vislumbrando formas positivas de sociabilidade no contexto atual? O Passa Palavra tem realmente focado unicamente nos trabalhadores da mais-valia relativa “clássicos”, seja lá o que isso signifique? Pelo contrário, parece-me que o coletivo tem se preocupado em conceber a classe trabalhadora em sua totalidade, internamente múltipla e contraditória.

    Mais importante do que definir onde está e onde não está o conflito é analisar de que maneira o conflito se processa em situações distintas, pois o capitalismo só será colocado em xeque quando convergirem resistências ocorrendo nos mais variados contextos. Os processos revolucionários trazem sempre grandes surpresas, pois onde parecia não haver resistência, eis que surge o conflito.

  14. Como eu disse na minha intervenção no texto, a vocação para o combate, o aspecto “combativo” de uma personalidade, de uma organização, de um setor social, em si é algo potente. Mas se esse aspecto não se combina com outros, são diversos os problemas que podem aparecer, desde o “salto ao nada” da luta armada de vanguarda até essa estranha repulsa à solidariedade que tanto defendem. Reforço a questão do Fagner Enrique: se o objetivo não é apoiar e incentivar o aumento de organização, então qual é o propósito do conflito? É dessa falta de imaginação que eu falava.

    E aproveito o gancho para insistir no exercício de aproximar estas duas vertentes, a centralidade do conflito e o neo-ruralismo — que certamente têm muitas diferenças –, pois acho que outro ponto de encontro é certo milenarismo. Se não se trata apenas de niilismo, a ideia de que o conflito deflagrado em graus máximos nos levará a um outro tipo de sociedade igualitária certamente se baseia em algum tipo de redenção coletiva. Afinal, quais são os aspectos concretos do mundo atual que nos levam a vislumbrar um possível futuro socialista? Oras, se tais aspectos não existem, então sobra apenas misticismo. Já o neo-ruralismo está pensando em readaptar-nos a condições de vida arcaicas. A promessa da dignidade por meio do trabalho e da natureza, ou mesmo de supostas “guerras camponesas do futuro”, me levam imediatamente a pensar no componente religioso que se esconde detrás destas iniciativas. E digo milenaristas pois realmente têm este aspecto de seita, que para afirmar-se tem que negar todas as outras possibilidades e criar este “centro” de onde tudo emana.

  15. Era apenas mais uma daquelas tardes tediosas na Tabela Periódica. Como de hábito, os elementos não sabiam como espantar seu enfado.

    Então um deles se lembrou de visitas recentes que haviam recebido. E como velhos senhores, soberbos e empertigados, a conversar começaram sobre aqueles “meninos e meninas”.

    Como se juventude fosse só uma questão de idade… Como se alguns daqueles “meninos e meninas” não pudessem ser tão ou mais velhos do que eles…

    Por que morremos? Talvez por não sonhar o bastante.

    O que é a velhice, senão aquela fase da vida na qual todas os nossos caprichos se fecharam em torno de nós, formando um carapaça dentro da qual vamos fenecendo até a morte.

    Em sua tertúlia se referiam a palavras que não haviam sido escritas, a fatos e realidades que pouco pareciam conhecer.

    Há no Brasil uma óbvia necessidade de inverter a brutal urbanização forçada, que levou a um salto da população nas cidades de 31% em 1940 a 74% em 1990.

    Em nome do “desenvolvimento nacional” esta migração compulsória ocorre através da expropriação das pequenas propriedade rurais.

    Sendo formada majoritariamente por indígenas e pretos, desterritorializados e despossuídos para serem proletarizados a serviço do Capital e do Imperialismo .

    Os biomas foram devastados, a exportação de commodities prosperou.

    Quanto mais a população se tornou urbana, tanto mais a economia se reprimarizou, com a participação da indústria de transformação no PIB chegando a meros 11% em 2019.

    As grandes cidades brasileiras se tornaram áreas de conflagração, com a maior parte da população vivendo em condições de todo tipo de insalubridade e violência.

    Frente a este atual cenário de puro horror, agravado pelo genocídio em curso, com mais de 400 mil mortes, os camaradas conduzem seu debate evocando os crimes passados do Khmer Vermelho.

    Não se trata, pois, de re-ruralização forçada, e sim combater os efeitos de seu contrário. Muito menos de um retorno a um arcaico Brasil agrário, pois nunca fomos tão agrários e arcaicos.

    Terra é o meio de produção primordial, do qual podem derivar todos os demais.

    É disto que se trata. Não de Reforma Agrária, e sim de retomada de terra. Não como propriedade privada, e sim meio de produção coletivizado.

    A partir desta compreensão, o debate entre os camaradas pode prosseguir. Caso contrário, permanecerá uma fastiosa conversa entre elementos da Tabela Periódica.

  16. O último comentário do menino agrário é muito interessante. Notem que, para ele, reflectir seria uma ocupação de ociosos. É certo que esta é uma noção bastante divulgada entre os que se consideram «militantes». Estabelecem uma oposição entre agir e pensar e, portanto, agem sem pensar — com as consequências previsíveis. Mas é raro que o digam tão explicitamente. Por isso o Passa Palavra, desde a sua fundação em Fevereiro de 2009, anuncia como lema «Noticiar as lutas, apoiá-las, pensar sobre elas», numa diagramação que dá tanto peso ao último elemento da frase como aos outros dois.

  17. Sim, o Brasil está no mundo. Mas isso não significa que não tenha suas especificidades, que essas especificidades são sejam compartilhadas com outros países periféricos, subdesenvolvidos, do Sul Global ou de desenvolvimento tardio (há classificações para todos os gostos). Sei que há europas no Brasil e que há brasis na Europa, mas o que é ainda marginal por lá, apesar de cada vez maior, aqui nunca deixou de ser a regra. Somos um país formado pelo trabalho escravo e depois semiescravo, e foram esses a promoveram lutas, de forma quase exclusiva, por muitos e muitos anos.

    Portanto, as desigualdades e as formas de trabalho brutalizadas nos caracterizam mais do que caracterizam os países de economias centrais, a ponto de o fosso entre os trabalhadores qualificados e os trabalhadores pouco qualificados praticamente criar um antagonismo intraclasse trabalhadora. E se não há muitas dúvidas acerca do caráter proletário dos trabalhadores da mais-valia absoluta, a posição de classe dos trabalhadores da mais-valia relativa é um tanto quanto confusa. Vejamos o que se passa no Brasil (mas não só):

    1. O tamanho reduzido dos trabalhadores da mais-valia relativa por aqui em relação ao enorme contingente de trabalhadores da mais-valia absoluta. E cada dia mais os trabalhadores da mais-valia relativa são globais, migram para os centros mais dinâmicos do capitalismo, enquanto as barreiras para os deslocamentos dos trabalhadores da mais-valia absoluta sem levantam. Então a tendência é nos tornarmos cada vez mais um país da mais-valia absoluta, pelo menos é o que desejam as elites que chegaram ao poder;

    2. Não há lutas significativas acontecendo no âmbito da mais-valia relativa. Pelo menos não lutas de caráter coletivo. Mesmo no serviço público, setor onde as lutas dos trabalhadores qualificados aconteciam com muita frequência, já não as vemos mais. Todos os demais setores da mais-valia relativa estão fragmentados, conforme bem pontuou o recente artigo do próprio Passa Palavra, o “Espaços virtuais, espaços de luta” (https://passapalavra.info/2021/04/137656/). Uma parte está sendo ameaçada de conversão em trabalhadores da mais-valia absoluta enquanto a minoria ainda nutre a esperança de ascender socialmente ou de migrar para um espaço onde será mais valorizada, seja lá o que isso signifique;

    3. A enorme concentração de renda, a ausência de serviços e espaços públicos desfrutáveis por esses trabalhadores da mais-valia relativa, o que leva a modos de vida completamente apartados. A falta de identificação enquanto classe entre as duas frações, por conta desse fosso que as separam, dificulta práticas de solidariedade e lutas generalizadas. Aliás, boa parte desses trabalhadores qualificados se identifica com os exploradores, e talvez o ponto seguinte nos dê mais pistas dos motivos;

    4. Esses trabalhadores da mais-valia relativa vivem de explorar os trabalhadores da mais-valia absoluta, o que cria uma situação curiosa. Talvez não tenhamos no Brasil e em países como o nosso uma fração “puro sangue” da mais-valia relativa: trabalhadores que vivem dos seus salários sem pagar salários a outros trabalhadores. Eles são trabalhadores e patrões ao mesmo tempo. Não nos esqueçamos do exército de serviçais que os trabalhadores qualificados têm a sua disposição (porteiros, zeladores, babás, empregadas domésticas etc.). Isso não impactaria na “consciência de classe”?

    Assim, não me parece ser bem uma escolha das organizações formadas por trabalhadores qualificados e/ou por filhos das classes dominantes aderirem às lutas dos trabalhadores da mais-valia absoluta. Não vejo motivos para alguém preferir simular a luta dos outros ao invés de lutar entre os seus semelhantes. Infelizmente é o que tem para hoje, pelo menos até os trabalhadores da mais-valia relativa superarem as ilusões de migração ou ascensão social, ou deixarem de ser também exploradores e passarem a compartilhar espaços e práticas com os trabalhadores da mais-valia absoluta.

  18. Qual a forma da Revolução no séc. XXI?

    Quais as formas de organização capazes tanto de romper com o Capitalismo, como impedir formação de outras burocracias?

    Quais as formas de luta que em si já se constituem num mundo onde caibam muitos mundos?

    Dito de outra forma: a Estética e, portanto, tb a linguagem estão no âmago da questão política.

    Estamos diante de novas questões, para elas dispomos apenas de um vocabulário obsoleto, herdado de um mundo morto.

    Vivemos em um novo abominável mundo, caracterizado pela plena mercantilização e uberização, fazendo de cada momento de vida também tempo de trabalho.

    O trabalho se tornou incessante, mas a remuneração intermitente.

    O ciclo do Capitalismo se inicia com o confisco, na acumulação primitiva, e atinge seu estado mais avançado também retornando a ele, numa forma de acumulação sintomática de sua senilidade.

    Com a pandemia suas contradições intrínsecas e insuperáveis ficam obscenamente expostas: 《O Capital é um vírus incapaz de se reproduzir sozinho, precisa hospedar-se num corpo que trabalha.》

    No Brasil a devastação é completa, aos mais de 400 mil mortos se acrescentam 30 milhões em condição de miséria e fome.

    Ao longo da História, tanto lá na Europa quanto aqui nas Américas, temos sido derrotados muitas vezes e de muitas maneiras.

    Ainda assim, o peso de certos vencidos ainda agora mantém sufocados os que se julgam vitoriosos.

    Não poderia ser senão a COVID a doença de nosso tempo: já não se consegue respirar.

    Como poderemos reconstruir agora o anticapitalismo com trabalhadores dispersos pela uberização, fragmentados pelos identitarismos, mobilizados pelos novos mecanismos capitalistas que sustentam a base de cada identidade, enleados pelas novas censuras do politicamente correcto?

    São a estas perguntas que se apresenta uma resposta, não como certeza mas apenas contorno de um outro modo de vida: o caminho da Revolução dos Povos se fará por Terra e Território.

  19. Nióbio,
    Ao meu ver seu comentário comete um erro fundamental: confundir o consumo de serviços com exploração. Dessa mesma linha de pensamento chegamos à ideia de que classe social é definida pelo poder de consumo, mas a realidade é diferente. Mesmo aqueles que são trabalhadores da mais-valia absoluta têm de consumir os serviços de terceiros eventualmente. Decerto que existem sim casos de abuso e exploração nos serviços domésticos, mas tirar daí que alguém que consome esse tipo de serviços é um explorador já é um passo além. Não à toa seu comentário chega à mesma conclusão dos identitários, de que esses trabalhadores deveriam “abrir mão de seus privilégios”, de poder usufruir dos serviços contratados de terceiros.
    Sobre a identificação com os exploradores, isto de modo algum se limita aos trabalhadores da mais-valia relativa, basta ver quais foram os funks mais tocados nas periferias na última década para entender esse ponto. Além disso, o excesso de mão de obra pouco qualificada obriga cada vez mais esse setor de trabalhadores a virar empreendedores, e nos últimos anos só crescem os pequenos negócios nas periferias [1], o que também gera um obstáculo para a construção de uma consciência de classe.

    [1] https://economia.uol.com.br/colunas/nina-silva/2020/10/07/empreendedorismo-cresce-e-bate-recorde-em-meio-a-pandemia.htm

  20. Davi,

    Há uma diferença entre consumir um serviço ou comprar um produto, de um lado, e, do outro, o ato de explorar um trabalhador, sem dúvida. Mas o trabalhador doméstico e todas as suas variações não têm nenhuma autonomia. Ele não vende algo que produz a priori, como por exemplo um eletricista que vai a sua casa consertar uma tomada. Ele vende toda a sua energia que fica a disposição dos patrões, com limites colocados aqui e acolá a depender do momento histórico. O fato de o produto desse trabalho doméstico não ser mercadorias ou serviços vendidos a outros mas sim se inserirem na reprodução de outros trabalhadores (os seus patrões) não tira deles o fato de serem explorados. Colocar isso como uma simples relação de consumo me parece uma elaboração primária. Mas podemos considerar também que todos os trabalhadores são consumidos pelos seus patrões. Aliás, é essa complexidade que faz do trabalho uma mercadoria especial.

    Em nenhum momento falei em “privilégios”. Mas a vontade de encerrar o debate é tamanha que o fez querer me jogar para esse campo. E o fato de os identitários apontarem para soluções equivocadas não significa que não tenham conseguido identificar um problema real. Aliás, eles estão certíssimos em todos os problemas identificados (racismo, machismo, sexismo etc.). A questão é o que eles querem fazer com esses problemas. Voltando… Não cabe aos trabalhadores qualificados abrirem mão do direito de explorar os demais, e sim elevar a qualidade de vida dos trabalhadores não-qualificados a ponto de não ser mais possível aos trabalhadores qualificados contratá-los ou apenas contratá-los como prestadores de serviços esporadicamente. Enfim, trata-se de quebrar a dialética entre a mais-valia relativa e a mais-valia absoluta, não só no plano sociológico, mas também no econômico. Ou seja, trata-se de diminuir as desigualdades, mas nunca tirando dos “privilegiados” trabalhadores da mais-valia relativa, e sim dando mais aos que têm pouco. Esse processo só pode acontecer com a promoção de lutas generalizadas nas quais os trabalhadores da mais-valia relativa se entendem pertencentes aos trabalhadores no geral, lutando junto com os trabalhadores da mais-valia absoluta. De outra forma será apenas uma socialização da miséria ao invés de uma socialização da abundância, porque a luta intracasse tomará o lugar da luta entre classes.

  21. Nióbio,
    Veja o que você mesmo escreveu, acerca do foco exclusivo nas lutas dos trabalhadores mais pobres: “Infelizmente é o que tem para hoje, pelo menos até os trabalhadores da mais-valia relativa superarem as ilusões de migração ou ascensão social, ou deixarem de ser também exploradores…” Daí se vê o paralelo entre o “deixar de explorar” (considerando o que você entende por explorar) e “abrir mão dos privilégios” (considerando o que os identitários identificam como privilégios). Não fiz tal comparação para encerrar o debate, se não nem teria perdido tempo te respondendo.
    Sobre o consumo de serviços domésticos, apenas posso reafirmar o que disse: consumir um serviço que outro trabalhador se põe a prestar não te torna um explorador. Sim, a condição das trabalhadoras domésticas no Brasil é muito precária e existe um fator cultural que naturaliza injustiças nesse tipo de serviço, mas não se pode generalizar daí que todo serviço doméstico envolva a sujeição a qualquer capricho dos contratantes. Pode-se combinar de antemão, e em comum acordo, o tempo de trabalho, o que será feito e qual será a remuneração pelo serviço prestado, como em qualquer outro serviço. É um serviço que pode ser importante não só para trabalhadores de certas profissões, que requerem jornadas extenuantes de trabalho, como aos trabalhadores que por algum motivo (idade, doença…) encontram-se impossibilitados de realizar suas tarefas domésticas. Portanto não há por que invocar moralismos para jogar os trabalhadores que usufruam desses serviços no campo dos exploradores, caso contrário a mesma regra se aplicaria para diversos outros casos de serviços prestados entre trabalhadores.
    O que coloca a trabalhadora doméstica e o trabalhador qualificado numa mesma classe é o fato de ambos dependerem de sua força de trabalho para poderem viver, tendo pouco controle sobre as condições em que o seu trabalho se realiza. Alguns problemas relacionados aos serviços domésticos no Brasil são a precariedade do ensino básico e as insalubres condições de vida dos bairros e das famílias pobres, que fazem com que esse tipo de profissional exista em abundância, tornando o Brasil o país com mais trabalhadoras domésticas do mundo[1]. Se existe uma oferta excedente desse tipo de profissional, os salários caem. Para efeito de comparação, a remuneração para esse serviço é muito diferente nos países em que há escassez dessa mão de obra, como na Austrália e na França, que segundo estimativas de 2016 chegavam a um mínimo de 2.230 e 1.866 dólares mensais, respectivamente, num cálculo baseado numa jornada de 40 horas semanais[2]. Não por acaso são imigrantes a ocupar uma grande proporção dessas vagas nos países ricos. Dessa forma podemos visualizar que são questões mais profundas que determinam as condições em que os serviços de baixa qualificação serão prestados, para além da relação imediata entre o trabalhador que contrata e aquele que presta o serviço.
    Apesar da discordância, concordo com a sua conclusão: precisamos encontrar formas de unificar as lutas que esses trabalhadores desenvolvem, sem deixar de refletir sobre os conflitos de classe que atravessam cada situação, e tentando formular perspectivas num aspecto global.

    [1] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43120953
    [2] https://www.arabnews.com/node/994521/world

  22. Segundo Davi, os empregados domésticos não têm patrão, o que eles têm são contratadores dos seus serviços, de forma genérica, assim como os eletricistas, os carpinteiros os pintores autônomos. Porque, claro, quando um eletricista, um carpinteiro ou um pintor trabalham para uma empresa, ninguém têm dúvida de que eles são trabalhadores explorados pelo dono da empresa que os empregou. Porém, diferentemente dos eletricistas, carpinteiros e pintores, o fato de os empregados domésticos terem apenas um contratador dos seus serviços em nada muda. Deve ser um monopsônio! Então acabamos de descobrir o primeiro caso de patrões que não são patrões, pois não exploram aquele trabalhador que os vê e os identifica como patrões, que controlam o seu trabalho, que pagam o seu salário, muito deles com carteira assinada e tudo. Ou talvez eles não sejam trabalhadores de fato, né? Já que não têm patrões, não há ninguém se beneficiando do trabalho deles, não podem ser explorados. Sei lá, talvez seja uma relação pré-capitalista aí. E tudo isso porque do outro lado tem também um trabalhador, só que mais qualificado. Logo, um trabalhador não pode explorar outro trabalhador, isso não tem sentido, dá bug no sistema, gera um erro na matrix. Deve ser outra coisa mesmo. É melhor mesmo se apegar a simplificações do que a realidades complexas.

  23. Nióbio,
    Como te faltam argumentos, só restam as palhaçadas. Apenas te desejo muita saúde, para nunca necessitar dos serviços desses trabalhadores e acabar se tornando um explorador capitalista.
    Abraço e boa noite.

  24. Nióbio,

    Tenho seguido com muito interesse a remodelação que você opera nas noções de mais-valia e de exploração. Ora, eu receio ser uma dessas pessoas vítimas de «bug no sistema», para quem «é melhor mesmo se apegar a simplificações do que a realidades complexas» — usando as suas palavras, tão eloquentes que não poderia recorrer a outras. Assim, para entender melhor o novo quadro teórico que você propõe, gostaria de saber como devo interpretar o que sucede quando vou a uma cervejaria e faço o empregado correr de um lado para o outro para me trazer de cinco em cinco minutos aquela enorme quantidade de copos de cervejas que eu sempre ingurgito. Será uma relação de exploração, estarei eu explorando o empregado?

    Quanto às empregadas e aos empregados domésticos, que você tomou como exemplo para a sua remodelação teórica das relações económicas — infelizmente exemplo único, mas não duvido de que você disponha de muitíssimos mais para nos esclarecer, pois sem isso decerto não ousaria proceder a uma tão completa reconstrução da teoria — fiquei ligeiramente perplexo pelo facto de você se ter implicitamente circunscrito a um país, o Brasil, em que o modelo pré-capitalista do escravismo doméstico prevalece nas relações de criadagem. Com efeito, só nesse tipo de países é que, para empregar as suas palavras, «o trabalhador doméstico e todas as suas variações não têm nenhuma autonomia. Ele não vende algo que produz a priori, como por exemplo um eletricista que vai a sua casa consertar uma tomada. Ele vende toda a sua energia que fica a [sic; certamente à] disposição dos patrões, com limites colocados aqui e acolá a depender do momento histórico». Esta descrição, em que se fundamenta a sua nova análise das relações económicas no capitalismo, é, porém, a descrição de uma situação pré-capitalista. Noutras regiões do mundo, em que as relações pré-capitalistas não deixaram traços nesse âmbito das formas de trabalho, a empregada ou o empregado doméstico são contratados para realizar serviços específicos, tal como, novamente recorrendo às suas palavras, «um eletricista que vai a sua casa consertar uma tomada». Frequentemente, nos países onde não restam traços de escravismo, os empregados de limpeza são assalariados de empresas de prestação de serviços domésticos, e toda a relação é estabelecida entre a empresa e o proprietário do espaço a limpar. Ora, como é nestes países que a mais-valia relativa assume as formas mais-desenvolvidas, imploro-lhe que desvende aí as «realidades complexas» da relação entre os trabalhadores sujeitos à mais-valia relativa e os sujeitos à mais-valia absoluta.

  25. Interessante esse ponto sobre precisar de muita saúde, porque a categoria dos cuidadores de idosos é bem representativa desse problema de contradição entre trabalhadores da mais valia relativa e absoluta. Trata-se de uma categoria cuja regulamentação foi impedida de acontecer por um forte lobby dos profissionais da enfermagem[1], que atuam como seus gerentes e pequenos patrões. A desregulamentação também favorece as situações de sobrecarga e múltipla função não remunerada de muitos desses profissionais – que nem foram priorizados na imunização, nem são considerados trabalhadores da saúde, novamente em função de um lobby corporativo dos profissionais da enfermagem.

    [1] http://www.cofen.gov.br/projeto-de-lei-do-cuidador-e-vetado_72314.html

  26. Estrôncio,

    O caso que você relata do garçom me parece uma relação de exploração, sim. Nomeemos ‘mais-valia’ o excedente de cervejas em uma bandeja. Nomeemos mais-valia relativa a capacidade do trabalhador em comportar na mesma bandeja petiscos e taças diversos, na medida em que na mesma viagem o trabalhador supre o pedido de duas mesas. E nomeemos luta de classes quando o garçom tira o avental e sai da cozinha para atender telefonemas. Nomeio, ainda por cima, os 10% de gorjeta para o garçom a forma pela qual se desencoraja greves. Sem esses dados não é possível compreender a composição de classe a que Nióbio se propõe.

  27. Não há nada de novo no exemplo citado por Estrôncio, pois numa cervejaria quem faz o garçom correr pra cima e pra baixo não é o cliente, mas o dono da cervejaria (ou o gerente, que também está a serviço do dono da cervejaria). É o dono da cervejaria quem ganhará mais ou menos se o garçom correr mais ou menos para atender os clientes. Porém o que me espanta é que a questão colocada pela conversa inicial, a lembrar: “Que motivo leva as pessoas centrarem a sua militância exclusivamente nas camadas mais pobres e menos qualificadas da classe trabalhadora?”, já não interessa mais, por mais que tenha sido esse o foco do meu comentário inicial.

  28. Para o Nióbio os trabalhadores de mais valia relativa vivem da exploração dos trabalhadores de mais valia absoluta, esses malvados trabalhadores de mais valia relativa já não vivem mais dos salários de seus trabalhos com alto grau de intensidade, mais complexo e com maior exploração, pois a quantidade de mais valia extraído do trabalhador de mais valia relativa é maior que a quantidade de mais valia do trabalhador de mais valia absoluta( isso, claro, em um vacabulario que se encontra já morto, arkxianamente falando). Ou seja, os trabalhadores de mais valia relativa não vivem mais de seu trabalho intenso ao qual o capitalista tira os seus lucros cada vez maiores mas vivem do trabalho alheio dos trabalhadores pouco qualificados como as empregadas domésticas. Qual será a massa de lucro que os relativos tiram dos absolutos, quanto de mais valia se extraí. Se os relativos contratarem dois absolutos para prestarem serviços será mais lucrativo o seu empreendimento? Será um bom negócio ou mal negócio? Terá os relativos lucros maiores ou despesas maiores? Afinal de contas da onde sai o lucro nessa nova relação de exploração trazida por Nióbio? Da tediosa tabela periódica a uma divertidíssima alquimia conceitual. Será que os alquimistas estão chegando para animar essa festa cafona dos iluministas?

  29. A afirmação de que um trabalhador, ao contratar serviços domésticos, torna-se um explorador não se sustenta por uma simples razão: ele, o contratante, não extrai mais-valia nem acumula capital. Pelo contrário, para poder contratar um empregado doméstico em vez de encarregar-se ele mesmo das tarefas domésticas, o trabalhador precisa ter condições de gastar parte do seu salário com tais serviços. De certa forma, a argumentação de Nióbio corresponde, pelo menos à primeira vista, à definição de “empregado” da legislação trabalhista brasileira, mais particularmente ao art. 3º da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), que traz a seguinte redação: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Essa definição, porém, é complementada, no que diz respeito aos empregados domésticos, pela da Lei Complementar 150/2015: “Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei”. E o próprio direito capitalista cuida de distinguir a prestação de serviços domésticos à pessoa e à família, de um lado, da prestação de serviços de um trabalhador a uma empresa capitalista, de outro. Em primeiro lugar, veja-se a definição de “empregador” da CLT: “Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados”. O Código Civil brasileiro, por outro lado, traz a seguinte definição de “empresário”: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Ficarei por aqui, mas outras leis apresentam definições semelhantes. Para Nióbio, se o trabalhador contrata um empregado doméstico, ele não pode ser senão um patrão e, portanto, um explorador, algo que nem a legislação capitalista reconhece, pois fica claro, na referida lei complementar, que o trabalho doméstico é de natureza não lucrativa, a menos, é claro, que Nióbio esteja equiparando o trabalhador que contrata um empregado doméstico, por exemplo, a um profissional liberal (digamos, um advogado que contrata uma secretária) ou a uma instituição sem fins lucrativos; no entanto, que eu saiba, as famílias trabalhadoras, mesmo as de renda mais alta, não converteram-se ainda num equivalente das Fundações ou das ONGs, etc., para as quais são transferidos recursos, do Estado ou da iniciativa privada, para que se encarreguem de atividades de interesse público, no âmbito social, ambiental, etc. Além disso, o próprio Código Civil ressalta, para a caracterização de uma empresa, a produção e circulação de bens e serviços: o trabalhador que contrata um empregado doméstico, logicamente, não o faz para, por meio do trabalho deste, produzir e fazer circular bens e serviços. De certa maneira, a legislação capitalista é, portanto, mais objetiva do que Nióbio, mais exata na definição de quem é quem e de que posição cada pessoa ocupa na divisão social do trabalho. O que há em comum, entretanto, na argumentação de Nióbio e no direito capitalista, é o fato de que ambos ignoram a extração de mais-valia e a acumulação de capital, que dão forma, econômica e sociologicamente, às classes exploradoras. Quando a esquerda é menos objetiva e menos exata na definição dos problemas, em comparação com os próprios capitalistas, que são quem ordena e regula todo o processo de exploração, há um grande problema.

  30. Vocês acreditam que trabalhadores serem patrões de outros trabalhadores não tem consequências políticas nenhuma na construção de solidariedades possíveis? Por que a questão do Nióbio era essa, não se gera lucro ou não. O problema continua sendo esse, a resposta a isso não foi dada. Se tecnicamente corresponde ao conceito de mais valia, não corresponde mesmo. Mas o problema continua lá. As enfermeiras continuam fazendo lobby pros cuidadores abaixo delas na hierarquia não terem direitos, mesmo elas sendo trabalhadoras também. Infelizmente isso não vai se resolver com uma leitura abstrata de como o capitalismo idealmente deveria funcionar.

  31. O primeiro comentário do Victor Silva traz elementos interessantes, mas em sua conclusão e no comentário seguinte reproduzem as mesmas confusões geradas até então pelos comentários de Nióbio. A interpretação de que os consumidores de serviços domésticos são exploradores merece ser compreendida com pertinência sob o risco de entendermos que a solução é promover lutas contra o vínculo que existe entre o trabalhador da mais-valia absoluta e o da relativa. A luta contra o empregador individualmente que é também um trabalhador aponta para uma resolução dos problemas envolvendo a precariedade nas condições deste tipo de trabalhadores? Acredito (e espero) que a resposta dos camaradas seja que não. Nesse caso é nesses termos que o debate deva ser entendido. No meio desse raciocínio nos veremos entendendo se esse tipo de trabalho é produtivo (no aspecto capitalista) ou não, como o Laurêncio fez muito bem. Os elementos que o Victor Silva traz sobre esse contraste entre os trabalhadores e a capacidade em desenvolverem lutas conjuntamente é demasiado importante para caber em reducionismos de sua própria parte. Por isso eu peço que releia os primeiros comentários de Davi porque lá há pistas de como pensar em lutas conjuntamente, ao invés de focar tanto no moralismo do consumidor.

  32. Concordo plenamente com Nióbio. Esses traidores de classe, debilitados e muitas vezes já velhos e caducos, pelo egoísmo de quererem viver mais e sobrecarregar nosso sistema de saúde acabam por encontrar a fuga de seus problemas ao se tornarem patrões de gente que irá ter que cuidar da bagunça que eles mesmos já não têm capacidade de arrumar. Agora todo mundo quer ser patrão no Brasil? Quer conseguir ser patrão ganhando R$2500 de aposentadoria? Por isso já estou encaminhando um projeto que regulamenta a eutanásia compulsória para esses individualistas. E que a façam depois de cavar a própria cova, para não explorarem os coveiros…

  33. O serviço doméstico, mesmo na sociedade capitalista, nem sempre é comprado como serviço, mas como trabalho assalariado para ser consumido na produção do serviço. Isto acontece quando o consumidor do serviço contrata como trabalhador assalariado o produtor do trabalho produtor do serviço. Tanto faz a qualidade do comprador desse trabalho, seja capitalista, seja outro trabalhador. E, sim, neste caso, o trabalhador assalariado, sendo pago pelos salários correntes, é alvo de exploração, de uma troca desigual de valor, devido à diferença entre o maior valor do trabalho que vende face ao menor valor que recebe como salário. O conceito marxista de mais-valia como mais valor criado na produção mostra também aqui a sua invalidade, porque a apropriação de valor ocorre na esfera da circulação, pela diferença entre o maior valor do trabalho comprado e o menor valor do trabalho com que é pago.
    É claro, a troca desigual não é originalidade atribuível ao capitalismo, é uma ocorrência comum na troca de produtos, desde que a troca é troca. Aí, o que importava não era o valor do custo dos produtos, mas o seu valor de uso, a sua utilidade e pertinência para os intervenientes. E tampouco se pode dizer que a transformação do valor apropriado em lucro do capital seja também sua originalidade, porque ocorre desde que a troca foi transformada em troca mercantil, a troca de mercadorias, tudo o que se merca ou compra e vende no mercado. Aqui, o que importava também não era o valor do custo de produção das mercadorias (desconhecido para o comprador), mas os preços de venda poderem ser superiores aos preços de compra, sendo a diferença o lucro mercantil, no caso, comercial.
    A originalidade do capitalismo é a generalização da troca da mercadoria trabalho assalariado para ser usada na produção de mercadorias, transformando o valor apropriado como trabalho em valor apropriado como lucro do capital. Aqui, mais uma vez, o que interessa é vender por preço superior ao preço de compra. A diferença, neste caso, é que o capitalista industrial para que evoluíram o capitalista mercantil e o mestre da oficina corporativa conhece o valor do custo de produção da mercadoria trabalho, que é o valor das mercadorias produzidas com o seu consumo, ou o seu preço, e trata de efectuar com o produtor do trabalho uma troca desigual, revendendo-lhe o seu próprio trabalho, através das mercadorias com ele produzidas, a um preço superior ao preço de compra.
    Apesar da troca desigual e da exploração que ocorre na compra de trabalho assalariado para a produção de serviços para consumo dos compradores daquele trabalho, não se pode falar em exploração capitalista, visto o objectivo do capitalista ser a apropriação de valor sob a forma de lucro do seu capital e não sob a forma de trabalho. Mas que é exploração, lá isso é. É claro, quem não quiser ser lobo não lhe vista a pele.

    Há mais de cinquenta anos, muitos marxistas ficaram escandalizados quando Arghiri Emmanuel lançou o conceito de troca desigual nas trocas internacionais e afirmou que os trabalhadores dos países mais desenvolvidos beneficiavam dessa troca desigual e dos lucros que proporcionava, o que possibilitava a sua falta de solidariedade para com os trabalhadores dos países menos desenvolvidos. Não era novidade, pois Lenine e outros marxistas, também mais de cinquenta anos dele, já tinham afirmado que a aristocracia operária (os trabalhadores mais qualificados que auferiam salários superiores a outros trabalhadores qualificados e aos trabalhadores indiferenciados) dos países coloniais beneficiava dos lucros provenientes da exploração dos trabalhadores das colónias, daí as suas posições políticas reaccionárias.
    Surpreende-me, por isto, que alguns comentadores afirmem que os “trabalhadores da mais-valia relativa”, seja lá isto o que for, são mais explorados do que outros trabalhadores que auferem salários mais baixos e que trabalham durante jornadas maiores. Esses comentadores poderiam ter razão se considerassem tais trabalhadores os que prestam trabalho mais intenso e não os que prestam trabalho mais complexo (no sentido de trabalho mais intelectual do que manual). Mas, nesse caso, eles não seriam “trabalhadores da mais-valia relativa”, mas “trabalhadores da mais-valia absoluta”, porque a maior intensidade, a par da extensão da jornada de trabalho, aumenta o valor do trabalho produzido e a taxa de exploração ou de valor apropriado. Mas parece-me um mito, oriundo das muitas contradições e concepções erradas de Marx, isso de considerar o trabalho complexo como sendo trabalho “criador” de maior “mais-valia”.
    Trabalhos complexos, trabalhos qualificados e trabalhos indiferenciados têm utilidade para os trabalhos em que serão consumidos, doutro modo não seriam comprados; e se prestados com intensidade e ritmo e em jornadas similares terão todos eles valores similares. A maior utilidade de trabalhos do mesmo tipo e qualificação poderá reflectir-se em maior produtividade dos processos produtivos, pela redução da quantidade de trabalho necessária, mas a utilidade não é factor do custo de produção, a utilidade produz utilidade, não produz custo de produção.
    Por fim, parece-me outro mito, desta vez criado por neo-marxistas e por marxistas “heterodoxos” (Estrôncio incluído), a identificação dos “trabalhadores da mais-valia relativa” como sendo os trabalhadores mais explorados, e outro mito ainda como sendo a vanguarda dos trabalhadores, nos quais residiria a capacidade de luta contra o capitalismo. Quem pensa que sejam, esqueceu-se de onde provém parte dos seus salários mais elevados, agora que não há colónias.
    Acabei por alongar-me, não intencionalmente, porque estes assuntos são interessantes, e remeto os eventuais interessados para os meus textos “Troca desigual, fundamento da exploração” (https://aparenciasdoreal.blogspot.com/2012/08/troca-desigual-fundamento-da-exploracao_6858.html ) e “Acerca do marxismo “heterodoxo” de João Bernardo (II) ( https://aparenciasdoreal.blogspot.com/2020/12/acerca-do-marxismo-heterodoxo-de-joao.html ).

  34. Pergunto aos camaradas acima: Vocês são trabalhadores em homeoffice, o computador de vocês para de funcionar, vocês teriam coragem de explorar a força de trabalho de técnicos de informática sob o risco de serem demitidos de onde trabalham? Poderão dizer; “ah, mas a questão não é o tempo de trabalho estimado, mas o vínculo”. Então pensem que vocês são de um coletivo de esquerda que depende em certa medida de servidores ativos, para comunicarem-se internamente ou para disseminarem conteúdo via internet, e não há dentre vocês camarada algum com conhecimento para isso, vocês “explorariam” algum profissional da área para manter o servidor ativo? Poderão dizer: “Ah, mas esse tipo de vínculo não é responsável pela burocratização do coletivo?” Se assentirem sobre essa afirmação estarão condicionando esses trabalhadores a um trabalho mais precário ainda, o não-pago. Retomo a questão anterior. Por que a insistência em compreender como problemático o vínculo empírico e não o trabalho precário como condição geral de produção? Acho que é muito mais produtivo do que condenar o trabalhador mais suscetível à mais-valia relativa.

  35. A discussão está a ficar demasiado confusa.

    1) Alguns comentadores confundem desigualdade com exploração. A complexidade orgânica da classe trabalhadora significa precisamente que os trabalhadores ocupam posições diferentes no mercado de trabalho. O mercado de trabalho não se limita a opor dois conjuntos, os patrões por um lado e os trabalhadores por outro, que formulados deste modo são abstracções úteis para certos níveis da análise económica, mas improcedentes para outros tipos de análise. Ora, um dos aspectos do mercado de trabalho é a concorrência dos trabalhadores entre eles. Os sindicatos surgiram precisamente para evitar essa concorrência entre os trabalhadores, de modo a que eles se opusessem em bloco aos patrões, mas depressa se converteram em instrumentos corporativos que pretendem proteger certas camadas da força de trabalho da concorrência exercida por camadas menos qualificadas ou mais recentes. Um dos comentadores deu um exemplo que ilustra este tipo de concorrência, entre o pessoal de enfermagem e os auxiliares. Outro exemplo é o que em muitos países opõe os taxistas, que são sindicalizados, aos motoristas da Uber, que não o são. Há uma infinidade de exemplos, mas trata-se sempre de desigualdade no mercado de trabalho e não de exploração, a não ser que se dê ao conceito de exploração uma acepção tão lata que o torna inútil para qualquer análise séria.

    2) Outros comentadores assumem que os trabalhadores mais mal pagos são, só por isso, mais explorados, ou seja, que os trabalhadores sujeitos a formas desenvolvidas de mais-valia relativa seriam menos explorados do que os sujeitos a formas extremas de mais-valia absoluta. Esta é uma noção muito divulgada, que toma as aparências por realidades, impedindo-se de compreender o mecanismo fundamental do capitalismo e que, se fosse exacta, inverteria a dinâmica deste modo de produção. O capitalismo evolui sempre no sentido da mais-valia relativa e sofre crises, gerais ou sectoriais, quando não consegue desenvolver a mais-valia relativa no ritmo necessário. É precisamente a distinção entre bens de uso, incluindo serviços, no seu sentido material ou individual, e o valor enquanto tempo de trabalho despendido ou incorporado que fundamenta os mecanismos internos do capital. A noção de que os trabalhadores sujeitos à mais-valia relativa seriam menos explorados impede a compreensão desses mecanismos internos.

    3) Transcrevo um trecho de um artigo de João Bernardo que me parece esclarecedor: «[…] comparemos dois países com populações equivalentes, o Haiti, com pouco mais de 11 milhões de habitantes, e a Suécia, com quase 10,5 milhões de habitantes. Ora, o capitalismo está interessado na Suécia, não no Haiti, como mostra a orientação seguida pelos investimentos externos directos. Medidos em milhões de dólares, os fluxos de investimentos externos directos para o Haiti tiveram um pico de 375 em 2017, em 2018 desceram para 105 e em 2019 para 75. Em comparação, para a Suécia os fluxos de investimentos externos directos, medidos igualmente em milhões de dólares, atingiram um pico em 2019, quando chegaram a 20.568, foram de 3.857 em 2018 e de 14.249 em 2017. Se os avaliarmos em stocks, medidos em milhões de dólares, os investimentos externos directos no Haiti foram de 95 em 2000, subindo para 625 em 2010 e para 1.925 em 2019. Na Suécia, nas mesmas datas, foram de 93.791, 352.646 e 339.543. Porquê, então, existe o Haiti, ou antes, por que motivo o Haiti, se não é rentável, não se transformou numa Suécia?»

    4) O erro que consiste em confundir diferenças de rendimentos com exploração agrava-se quando se mistura com a questão do imperialismo. O imperialismo consiste numa dinâmica de expansão do capitalismo das metrópoles, propiciada pelo grau superior de exploração que exerce sobre os seus próprios trabalhadores. Por outras palavras, e contrariamente à versão corrente, é a sobre-exploração resultante da mais-valia relativa, e de patamares cada vez mais elevados de mais-valia relativa, que permite ao capitalismo das metrópoles expandir-se sobre as regiões menos desenvolvidas. Se se estudar a história dos processos de expansão imperialista propriamente capitalistas (não da época do mercantilismo pré-capitalista, mas do capitalismo) no século XIX em África, na Índia e na China, verifica-se como durante décadas esse colonialismo não foi rentável. O mecanismo motor desse colonialismo foi a mais-valia relativa extorquida aos trabalhadores das metrópoles e não a mais-valia absoluta a que desejava submeter os trabalhadores das colónias. Mais tarde, pode verificar-se que quando as companhias multinacionais, depois as transnacionais, estabelecem ramos e filiais nos países menos desenvolvidos, os salários aí praticados são invariavelmente superiores aos salários médios desses países. Este é um facto estatístico facilmente verificável para quem se dê ao esforço de analisar a realidade, em vez de repetir lugares-comuns.

    5) Essa errada noção de imperialismo tem como único objectivo arrastar a classe trabalhadora dos países considerados periféricos numa aliança de tipo nacionalista com os capitalistas desses países periféricos. O imperialismo diz exclusivamente respeito à desigual distribuição da mais-valia entre os vários grupos componentes das classes capitalistas mundiais. A desigualdade do imperialismo é uma desigualdade entre capitalistas e não uma exploração praticada por qualquer fictício conjunto de capitalistas e trabalhadores das metrópoles sobre outro fictício conjunto formado por capitalistas e trabalhadores dos países periféricos.

    6) Assim, este debate pouco tem contribuído — contribuiu alguma coisa, mas pouco — para esclarecer o que me parecia ser a questão fundamental, a da complexidade orgânica da classe trabalhadora, relacionada com a complexidade das lutas sociais.

  36. Temo ser um dos contribuidores (como comentador) para que o debate tenha sido improfícuo. Hesitei em voltar a comentar, tanto mais que me debruçaria apenas sobre o último comentário de Estrôncio. Mas os erros contidos no seu comentário são de tal ordem que resolvi correr o risco de tornar o debate ainda mais descentrado do tema principal e assim eventualmente ainda mais improfícuo. Correndo o risco, vejamos então.

    1) Confusão entre desigualdade e exploração. Então o que é a exploração se não o resultado de um troca desigual de valor, de apropriação de valor do trabalho alheio? A exploração não foi, nem é, exclusivo do capitalismo. Por isso na sociedade capitalista (porque não há outra) não existe apenas exploração capitalista, mas existe exploração quando o trabalho com um determinado valor é comprado e pago com um valor menor (representado pelo valor comprado pelo salário). Não é o tipo de produto em cuja produção o trabalho comprado é consumido que determina a existência de exploração. É a desigualdade da relação de troca que permite ao comprador apropriar-se de trabalho alheio, praticando a exploração do vendedor desse trabalho. O que caracteriza a exploração capitalista, contudo, não é apenas a apropriação de valor sob a forma de trabalho, mas a transformação do valor apropriado como trabalho em valor apropriado como lucro do capital, e isso só é possível quando o trabalho comprado é consumido na produção de mercadorias e, assim, volta a ser vendido.
    Os exemplos apresentados por Estrôncio de que a desigualdade de rendimentos dos trabalhadores provém da concorrência não têm qualquer fundamento sólido, porque os vendedores de mercadorias, sejam trabalhadores assalariados, sejam capitalistas, concorrem entre si e uns contra os outros. Mas o exemplo da concorrência entre taxistas e motoristas da Uber não tem qualquer cabimento. Nem todos os taxistas são trabalhadores assalariados, mas a esmagadora maioria é, mas todos os trabalhadores da Uber e congéneres não são certamente trabalhadores assalariados, mas trabalhadores independentes que vendem um serviço (o de transporte, ou trabalho+instrumento de trabalho+outros meios de produção), em exclusividade, à Uber ou a outra congénere, que o revende ao comprador e consumidor do serviço.
    2) Trabalhadores sujeitos à mais-valia relativa. Fico novamente a saber que há trabalhadores assalariados sujeitos à mais-valia relativa e outros que não o são. Sempre julguei, acompanhando de lado Marx nesta questão, que a “mais-valia” relativa consistia no aumento do valor apropriado por redução do valor retribuído (por redução do preço das mercadorias compradas pelo salário inferior à redução do seu valor, de modo que o salário compra maior quantidade de mercadorias, mas menos valor) e, neste sentido, era comum aos trabalhadores de uma dada formação social (porque não há supermercados distintos para uns e outros se abastecerem de meios de subsistência) e beneficiava os capitalistas dessa formação social. Designar como trabalhadores sujeitos à “mais-valia” relativa os que trabalham nas empresas mais produtivas foi inovação introduzida pelos discursos dos auto designados marxistas “heterodoxos”, entre eles o seu guru João Bernardo, aqui representados por Estrôncio. A confusão dos marxistas “heterodoxos” é grande e vem de há muitos anos. Eles identificam, erradamente, a chamada “mais-valia” relativa, e o aumento da exploração da generalidade dos trabalhadores que ela proporciona, com um outro efeito do aumento da produtividade dos processos produtivos, induzido pela concorrência inter capitalista, e que faz com que uns capitalistas adquiram vantagens competitivas em relação aos seus concorrentes e ainda lhes permita obter lucros extra ou sobrelucros pela apropriação como seus lucros de parte do valor apropriado pelos capitalistas de empresas menos produtivas compradores das suas mercadorias ou vendedores de mercadorias por si compradas. Lucros extra que lhes permitem ainda pagar salários mais elevados aos seus trabalhadores. A confusão nas cabeças dos chamados marxistas “heterodoxos” é tal que nesta questão eles nem marxistas são.
    3) Porquê os investimentos directos estrangeiros vão para a Suécia e não para o Haiti. O destino do investimento directo estrangeiro é talvez o caso em que as condições gerais de produção têm grande relevância (ainda que não a exclusiva), mas contrapor o Haiti à Suécia até parece caricatura. Pergunto eu: porquê o investimento directo estrangeiro, nos últimos trinta anos, procurou em maior quantidade a China e não a Suécia? Terá alguma coisa a ver produtividade possibilitada pela elevada composição técnica do capital dos processos produtivos por si introduzida conjugada com os baixos salários, os elevados períodos e ritmos de trabalho, a menor restrição às agressões ambientais, a falta de liberdades, incluindo a de organização sindical, e as benesses fiscais na China? E, em geral, porquê a produção, através do investimento directo, é deslocalizada dos países mais desenvolvidos para os países menos desenvolvidos? Eu ainda estou escrevendo e comunicando através de um desktop produzido por uma empresa americana na Checa, depois do abandono do comunismo, mas muitos dos comentadores utilizarão equipamentos mais modernos e sofisticados já produzidos na China por empresas (muitas delas não chinesas ou de capitais mistos) subcontratadas por empresas de outros países. Se o exemplo da China não é o de um pequeno paraíso para o capital, o que é?
    4) Diferenças de rendimentos e exploração. A diferença de salários é apresentada como diferença de rendimentos. Deixemos a lapalissada e fixemo-nos no essencial, que é essa diferença de rendimentos favorável aos trabalhadores das empresas mais produtivas ser apresentada como proveniente da maior exploração a que eles estariam sujeitos em relação aos trabalhadores das empresas menos produtivas. Se aqueles trabalhadores, que até poderão trabalhar por períodos menores e auferirem salários maiores, isto é, venderem trabalho com menor valor e receberem salários que lhes permitem comprar mercadorias com maior valor, são mais explorados do que os trabalhadores das empresas menos produtivas, que trabalham mais horas e recebem salários menores, então vou ali e já volto. Mas isto sou eu, que eventualmente estarei confundindo a realidade com a sua aparência (logo eu, que como passatempo me dediquei a desvendar estes mistérios das aparências sob que que se apresenta a realidade social e em 2006 criei um blog chamado aparências do real!). E quanto ao imperialismo se caracterizar por os capitalistas de empresas mais produtivas das metrópoles expandirem as suas mercadorias pelas suas colónias ou, mais modernamente, por países menos desenvolvidos, e a exploração colonial ter sido em muitos casos deficitária, são histórias da carochinha. O imperialismo, e não o colonialismo, há mais de um século foi pelos marxistas (não vale a pena nomear outros, bastando dos mais categorizados a Rosa, Lenine, Hilferding) caracterizado pela exportação de capitais, não pela exportação de outras mercadorias. Mas mesmo o caso da exploração colonial ter sido deficitária isso ficou a dever-se em grande medida (para além de outras causas) ao fraco investimento directo noutras produções que não a extracção ou o cultivo de matérias-primas para exportação para as metrópoles, chegando inclusive à proibição de produções locais (mesmo artesanais) que pudessem vir a concorrer com as mercadorias industriais produzidas nas metrópoles ou a limitar-lhes o mercado. Bastaria lembrarmo-nos de uma das causas da revolução americana, mas o caso da Índia sob a colonização britânica é paradigmático a este respeito.
    O facto de as empresas multinacionais e transnacionais pagarem nos países menos desenvolvidos salários mais elevados do que os praticados pelos capitalistas locais é apenas risível. Porque não haveriam de fazê-lo se o podem; e poderiam até pagar salários mais elevados, se os governos locais o permitissem, devido aos impactos no incentivo da luta reivindicativa por melhores salários dos trabalhadores das empresas locais (como aconteceu aqui em Portugal entre os finais dos anos sessenta e os meados dos anos setenta, situação que constatei ao vivo). A comparação fundamental é entre os salários praticados pelas multinacionais nos países de origem onde faziam a produção das suas mercadorias e os salários que passaram a praticar nos países menos desenvolvidos para onde deslocaram parte ou a totalidade dessa produção. Foram essas e outras diferenças, que apontei a propósito da China, que conduziram à constituição das multinacionais primeiro e depois das transnacionais. Os gestores do capital são parvos ou quê?
    5) O imperialismo diz exclusivamente respeito à desigual distribuição da mais-valia. Mas é claro, o imperialismo moderno, não colonial, respeita à desigual distribuição do valor apropriado a nível internacional por entre as diferentes fracções nacionais da burguesia mundial. Que haveria de ser? E cada vez mais, com a globalização capitalista, a livre circulação dos capitais e de estabelecimento da produção, o imperialismo se caracteriza pela exportação de capitais para investimento directo em países menos desenvolvidos, aproveitando as condições mais propícias para a redução dos seus custos e preços de produção, adquirindo as vantagens competitivas daí resultantes, exportando as suas mercadorias para todo o mundo e obtendo maiores taxas de lucro. Com a deslocalização da produção para países menos desenvolvidos, os efeitos nos países mais desenvolvidos têm sido o aumento do desemprego, a redução dos salários, a precarização da prestação do trabalho e a informalização dos contratos, e, a nível global, o crescimento do emprego sem aumento dos salários ou até a regressão da parte dos salários no valor da produção mundial. E os sobrelucros obtidos pelas empresas mais produtivas até lhes permitem aumentar os salários dos trabalhadores altamente qualificados empregados na investigação, criação e desenvolvimento de novos produtos, assim como de outros não necessariamente tão qualificados dos departamentos de marketing e de vendas, da gestão da produção e dos capitais, para além de elevarem as retribuições que os gestores se atribuem, contribuindo para que os seus rendimentos ultrapassem os dos capitalistas individuais integrantes dos grupos de proprietários da maioria do capital.
    Mas, para falar verdade, não sei mesmo a que propósito Estrôncio lançou a atoarda de que “essa errada noção de imperialismo tem como único objectivo arrastar a classe trabalhadora dos países considerados periféricos numa aliança de tipo nacionalista com os capitalistas desses países periféricos”. Enfim, uma velha táctica quando faltam os argumentos…
    Termino dizendo que me surpreendeu a participação de poucos comentadores na discussão de questões tão importantes, que poderão contribuir para dar alguma consistência às práticas das lutas reivindicativas dos trabalhadores assalariados, porque se não lutarem estarão bem lixados, assim como os erros e as confusões manifestadas por Estrôncio nos seus comentários.
    Apesar deste comentário ser longo, julgo que poderá ser aprovado para publicação.

  37. Caiu a obturação. Dente da frente. O sorriso que já era muito pouco apresentável, até mesmo pelo uso da máscara, se inviabilizou.
    Foi ao dentista, que lhe vendeu seu trabalho prestando um serviço.

    Houve produção de mercadoria incorporando trabalho não-pago, a ser realizado como lucro na comercialização?

    Chega em casa. Dia de faxina. Ao pagar pelo serviço, constatou a diferença de remuneração entre a faxineira e o dentista.
    Ainda assim, alguma mercadoria fora produzida?

    Liga o notebook. Estava concluindo um trabalho intelectual.
    O aparelho deu defeito. Chama o técnico, empregado da empresa de assistência.
    O notebook volta a funcionar. Termina o trabalho.

    Ao receber seu pagamento não sabe como considerar o serviço do técnico. Sem dúvida contabilmente era um custo, mas teria havido extração de mais-valia?
    E o seu próprio serviço?

    A campanhia toca. O moto-boy chegara prá pegar a encomenda da confecção.
    Sua mulher desenha roupas sob medida, corte e costura ficam por conta de costureiras terceirizadas.
    Mesmo sem o vínculo empregatício lhe parecia clara a mais-valia. Mas restava um dúvida: absoluta ou relativa?

    Consulta o celular. Trabalha em regime de home-office.
    Verifica várias demandas vindas pelo aplicativo de mensagens instantâneas, cobrando tarefas pendentes.
    Seria mais um dia de jornada de trabalho noite adentro. Uma combinação de mais-valia aboluta e relativa?

    Diante de tantas dúvidas e frente as muitas tarefas a cumprir, volta ao trabalho com a certeza que aquele jogo de espelhos, refletindo infinitamente exploração, precisava ser quebrado.

    Como fazê-lo?

  38. A respeito dos novos grupos que promovem retomada de terras para plantio agroecológico.

    Observando à distância parece que tentam emular o que o MST faz há alguma dúzia de anos, inclusive os argumentos são semelhantes: desinchar as cidades, produção de alimentos para a população mais empobrecida por meio da agricultura familiar agroecológica etc. etc. Aparentemente, um dos pontos de distinção reside na composição da direção dos novos grupos: professores universitários e servidores públicos anarquistas e ligados à ecologia.

    Bem.. toda a experiência acumulada pelo MST em décadas de luta está aí para ser analisada.

    Quando arkx fala, por exemplo: “É disto que se trata. (…) de retomada de terra. Não como propriedade privada, e sim meio de produção coletivizado.” é possível evocar a experiência do MST desde as cooperativas agroindustriais dos anos 80/90 até a propriedade individual focada na agricultura familiar agroecológica dos últimos 10 ou 15 anos do movimento.

    Isso foi narrado aqui mesmo neste site: https://passapalavra.info/2012/03/53997/

    Enfim…

  39. Zé da Silva
    Esclarecendo:
    • essa articulação atua a partir de 2012, composta também por integrantes do MST, desde a origem deste, que ocuparam ou ainda ocupam, funções em sua direção nacional ou estadual.
    • uma das diferenças é a prática de se ir além do ponto no qual o MST se deixou paralisar.
    • não se trata de nenhum racha do MST.
    • a coordenação da articulação é formada inteiramente por lideranças históricas de base, tanto da luta pela terra, quanto dos povos indígenas, dos povos quilombolas, do movimento dos trabalhadores urbanos sem teto.
    abraços
    .

  40. Pronto. O JMC colocou as pantufas nos pés do Sr. Estrôncio e a conversa dos meninos e meninas segue muda aninhada à beira da lareira. Silêncio, pantufas, bocejos e a “mais-valia” ardendo nas brasas mansas daquelas poucas cavacas que um desgraçado qualquer, prestando serviços domésticos à casa, lá deixou no finalzinho da manhã de ontem…

  41. O diálogo presente no artigo e continuado por parte dos comentaristas me parece relevante, embora nas discussões, por vezes, se desdobrem questões menores e isso ganhe mais volume que o debate original em si.
    Me parece que as divisões internas entre os trabalhadores seja por estratos de rendimento, seja por padrões de consumo, ou pela localidade que moram é algo que em geral os capitalistas se apoiam para fragmentar as lutas.
    Quando olhamos para 2013 podemos ver que existiu ali uma mobilização particular da classe trabalhadora. A pauta era essencialmente proletária, os 40 centavos diários impactavam mormente a parcela mais pobre dos trabalhadores – por mais que se tente apagar o que foi aquele momento as pesquisas indicam que a maioria dos que lá estava se mobilizava pelo transporte. Entretanto, as mesmas pesquisas indicam que um número significativo dos participantes eram pessoas cursando o Ensino Superior, o que nos leva a pensar que existia ali uma dissolução temporária dessas distinções dentro das classes. Pena que após aquele momento o MPL tenha optado por abrir mão disso ao se focar na “luta periférica”.
    Sobre as perspectivas de união entre diferentes setores explorados poderia se retornar até a Conjura dos Alfaiates, quando os setores mais qualificados dos escravos se mobilizaram para que a escravidão fosse abolida.
    Porém, acho melhor nos atermos a exemplos mais recentes. Ao longo da discussão se citou os entregadores, comumente a esquerda os qualifica como os mais precarizados dos serviços, será que isso é exato? Se o trabalhador de aplicativo tinha uma inserção como metalúrgico e passa a ser entregador certamente, já se fazia bicos para a loja da esquina e agora passa a trabalhar para uma rede maior de restaurantes, parece se inserir em um mecanismo mais sofisticado de exploração. Agora se formos olhar para a luta que esses fizeram iremos notar que o apoio externo à categoria, por parte dos usuários de aplicativos foi essencial para que as empresas dessem respostas, ao mesmo tempo, para se produzir maiores transformações seria necessária uma articulação mais orgânica entre os entregadores. Como ela pode se dar em um trabalho que é tão rotativo e disperso? Essa parece ser uma questão que precisaremos ainda enfrentar.
    O comentarista que aqui se colocou como defensor da centralidade do conflito falou muito em revoltas. Sempre que a discussão sobre estas aparecem me lembro desse texto e da proposta da a ação do revolucionário ser a negação da revolta em favor da revolução. Em um outro debate com camaradas disse que achava que as vezes se reduz o escopo do que é conflito, por exemplo uma ação de organização solidária entre trabalhadores para conseguir alimentos, ou roupas, está inserida para mim em atividades de conflito de classe, afinal são iniciativas de organizar pelos próprios trabalhadores sua vida. Isso me parece longe de algo que “não deva ser levado a sério”.
    Só tem sentido não levar a sério essas iniciativas dos trabalhadores se achamos que a aposta deve ser apenas na destruição do capitalismo e não na construção da sociedade autogerida.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here