Por Vermelho

(Publicado originalmente como uma thread no Twitter)

Já fui um entusiasta não do “chavismo”, mas das muitas potencialidades abertas para o avanço das lutas dos trabalhadores da Venezuela (que desde o levante popular do Caracazo em 1989 não se expressavam), com destaque para o controle operário de fábricas e os conselhos populares.

Mas a lição mais dura foi entender, pouco a pouco, que a via mais comum para os regimes fascistas é a que disputa os trabalhadores no seu próprio campo, misturando socialismo e nacionalismo (nos discursos, afinal a esquerda venezuelana mostra o caráter entreguista do chavomadurismo).

Caracazo, 27 de fevereiro de 1989
Caracazo, 27 de fevereiro de 1989

Fizeram os trabalhadores sonharem com o socialismo, lhes assegurando melhores condições de vida (mas não autonomia política e poder sobre o seu trabalho), ao tempo em que cultivavam uma boliburguesia, uma casta militar, uma oligarquia estatal e um partido capilarizado nas massas.

As medidas em tese mais avançadas ou foram efêmeras, como a entrega de fábricas falidas aos seus trabalhadores (depois de recuperadas eram transferidas a burocratas civis ou militares), ou foram o seu avesso, como os conselhos comunais, que foram sendo controlados pelo Estado.

O que não foi efêmero nesse processo foram a militarização e a forte repressão e constrangimento aos partidos e movimentos à esquerda (p.ex., em 2008 Chávez disse que esmagaria e faria o PCV desaparecer da face da Terra, só porque eles não apoiaram eleitoralmente o PSUV em todos os estados).

O que não foi efêmero, consequentemente, foram as lições dadas ao Chávez ao longo dos seus primeiros 5 anos como presidente pelo sociólogo e guru argentino Norberto Ceresole, ideólogo fascista de mão cheia. Não por acaso se elegeu em 1998 como “terceira via peronista”.

Tive a oportunidade de ouro de ter uma longa conversa com uma figura histórica do PCV, ninguém menos que o Jerónimo Carrera (presidente do PCV até sua morte em 2013), e todos os limites e riscos do nacionalismo de esquerda e do terceiro-mundismo eram (ao menos por ele) bem conhecidos.

Outras pessoas, não vinculadas aos partidos, mas com a experiência do grande levante que foi o Caracazo e com atuação destacada nos conselhos comunais, também pareciam céticas em relação ao chavismo, suas demagogias, mas avaliavam que aquela era uma oportunidade histórica ímpar.

Até que os militares foram crescendo dentro do aparato de gestão, na mesma proporção em que a repressão às lutas dos trabalhadores e a crise econômica. As misiones e todas as políticas focalizadas no atendimento aos segmentos mais empobrecidos foram acompanhadas de muita violência.

Enquanto no Brasil da era petista os militares foram treinar e desenvolver no exterior (Haiti) técnicas de combate em favelas mais sofisticadas que as dos milicianos de Bolsonaro, na Venezuela o terror estatal ocupa outro patamar desde 2015 (ver aqui).

Há anos a esquerda mundial tinha a faca e o queijo em mãos para analisar as tendências fascistizantes em meio ao processo bolivariano, mas o ódio aos EUA (maior financiador do Estado venezuelano…) sempre é maior que o apoio aos trabalhadores.

Hugo Chávez e Norberto Ceresole
Hugo Chávez e Norberto Ceresole

Alberto Garrido, que morreu em 2007, foi um dos maiores pesquisadores do chavismo e não escondia o lugar ocupado pela extrema-direita no caldo político e ideológico da revolução bolivariana (ver aqui).

O pesquisador português João Valente Aguiar chamou a atenção em 2013, quando Chávez morreu, para o caráter irracional e religioso em torno dele (ver aqui) e para a sua relação com Norberto Ceresole e a extrema-direita (ver aqui).

Pra finalizar, deixo como referência a obra magna do também português João Bernardo, Labirintos do Fascismo, que mostra a importância dos cruzamentos à esquerda e à direita no fenômeno do fascismo e também um estudo publicado originalmente no LibCom em 3 partes (no original em inglês e em sua tradução ao português) (Uma Investigação sobre alianças entre a Esquerda Autoritária e a Extrema-Direita).

3 COMENTÁRIOS

  1. “Enquanto no Brasil da era petista os militares foram treinar e desenvolver no exterior (Haiti) técnicas de combate em favelas mais sofisticadas que as dos milicianos de Bolsonaro” – há alguma referência onde possa ler sobre isso?

  2. Puxa, nenhum comentário a isso? Então a resposta é Guaidò?
    Vou catar meus cacos e me enfiar numa caverna.

  3. Sobre o Haiti servir como campo de experimentação e treinamento para ações do Exército brasileiro em favelas brasileiras, temos essa entrevista do Franck Seguy, pesquisador haitiano (e ex-orientando de doutorado do Ricardo Antunes), publicada na Carta Maior em 2014: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Dez-anos-da-ocupacao-militar-no-Haiti-o-povo-quer-que-as-tropas-saiam-ja-/6/30985

    Tem também esse texto mais recente do Fernando Pardal, publicado no Esquerda Diário, onde ele explica a atuação do DOPAZ (Destacamento de Operações de Paz) no Haiti e sua relação com o BOPE e as operações em favelas brasileiras: https://esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=18161

    E em 2012 o embaixador brasileiro no Haiti “ressaltou que a experiência adquirida já está sendo levada para o Brasil. ‘Nossos militares atuam na pacificação de favelas brasileiras. O conhecimento foi levado daqui, o que demonstra a boa atuação do contingente brasileiro’.” – https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/RELACOES-EXTERIORES/431971-DEPUTADOS-ESTAO-NO-HAITI-PARA-AVALIAR-O-TRABALHO-DAS-TROPAS-BRASILEIRAS.html

    A resposta à marinildac é um pouco mais difícil, mas qualquer coisa que se afaste da defesa do bem-estar, da liberdade e autonomia dos trabalhadores venezuelanos não devia merecer o apoio da esquerda mundial. Por isso acredito na luta que vem sendo feita pela oposição de esquerda ao governo Maduro. O site Aporrea é um bom espaço para acompanhar de longe os debates entre chavistas e não chavistas que criticam total ou parcialmente as medidas de fome, arbítrio e repressão contra o povo venezuelano.

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