Por Marcelo Tavares de Santana [*]

Anos atrás um amigo percebeu que duas casas ao lado de sua moradia estava ocorrendo receptação de bicicletas roubadas e ligou para a polícia denunciando o delito. Poucos minutos depois apareceu uma viatura na sua porta, perguntando qual era a casa com as bicicletas roubadas, quando então explicou que não poderia apontar, pois saberiam que foi ele que denunciou. Ele ligou de seu telefone fixo e deu mais informações de si durante a denúncia, confiando que não seria exposto, e mesmo que não tivesse dado a viatura poderia chegar até ele pela coleta de metadados de comunicação. Infelizmente, mesmo existindo hoje toda discussão sobre segurança digital e proteção de dados pessoais, não podemos confiar que o Estado esteja investindo adequadamente no treinamento dos agentes de segurança pública a ponto de não ocorrerem mais situações como a vivida nessa história; basta ver como o orçamento público é distribuído pela classe política para entendermos o quanto precisamos tomar nossos próprios cuidados.

“Metadados são informações estruturadas que descrevem, explicam, localizam, ou facilitam recuperação, uso e gerenciamento de um recurso de informação” (NISO, 2004 [1], tradução nossa). Metadados são de fundamental importância na gestão de conhecimento, tão bem feita pelos nossos especialistas em Ciência da Informação, como arquivologistas e biblioteconomistas. O uso deles é muito importante para a Ciência, mas também podem ser usados para um Estado vigilantista como tratado no artigo anterior [2]; o artigo “Captura de dados pessoais” [3] traz exemplos importantes sobre como metadados são capturados e usados.

No entanto há situações em que é preciso que metadados sejam anonimizados para a lisura de alguns processos, como os apresentados no artigo “Privacidade, segurança, anonimato (1): o que são” [4] na seção ‘Anonimato’. Outro exemplo se dá quando em um concurso público é preciso que revisores de redações não conheçam os autores dos textos num processo complemente eletrônico. Alguns aplicativos colocam nossos nomes automaticamente quando salvamos documentos e mesmo não escrevendo o nome no conteúdo, um avaliador pode acidentalmente clicar teclas de atalho que abrem a janela de metadados e assim ver quem é o autor, portanto, não há má-fé de qualquer parte, mas houve uma falha grave que pode comprometer a avaliação, ou todo concurso público. Dando continuidade ao artigo anterior, não adianta tomar cuidado utilizando VPN e o Navegador Tor para fazer denúncias de corrupção se os arquivos que enviarmos incluírem nossas informações nos metadados e assim trouxerem riscos à nossa integridade física e de nossos familiares e amigos; como exemplificado no início deste texto, temos que considerar a má administração do Estado no cuidado de nossos dados e metadados.

Nesse contexto, o melhor é utilizar programas que não inserem metadados como editores de texto simples, porém é praticamente impossível fazer fotografias, filmagens e áudios sem metadados, pois por padrão os formatos de arquivos e os programas guardam esse tipo de informação; às vezes também o nome do programa e do equipamento que foram usados. O formato de metadados Exif [5] é muito usado em imagens digitais e carrega muitas informações úteis para profissionais de fotografia, tais como exposição, marca e modelo do equipamento, ISO, geolocalização etc., mas potencialmente compromete a privacidade de quem tirou ou editou a foto. Por isso antes do envio final de alguns arquivos é preciso usar programas quem limpam metadados.

Usuários Linux podem contar com o aplicativo Metadata Cleaner [6] que faz a limpeza de metadados de diversos formatos de arquivo de modo simplificado, mas para outras plataformas encontramos mais opções para limpeza de metadados Exif [7]. No caso de outros formatos de arquivos é sempre importante optar por usar programas livres e formatos livres, pois existem comunidades auditando essas tecnologias para que não introduzam metadados em lugares desconhecidos nos arquivos. Ainda há a possibilidade de limpar metadados manualmente. No caso do programa de edição de imagens GIMP a edição de metadados fica no menu ‘Imagem → Metadados → Edit metadata’. A Figura 1 mostra como exemplo a página de metadados da redação deste artigo encontrada no menu ‘Arquivo → Propriedades’, onde notamos que o arquivo foi criado em 2021; isso ocorre porque uso sempre o mesmo arquivo como modelo base para escrever desde aquela data. Para limpar os metadados nesse caso é preciso desmarcar a caixa ‘Apply user data’, clicar em ‘Reset Properties’ e depois em ‘OK’.

Figura 1: Metadados em arquivo do LibreOffice Writer

Cada aplicação de edição terá um lugar para limpar os metadados que deverá ser procurado, no entanto, para pessoas inexperientes com limpeza de metadados é melhor escrever um texto simples e juntar imagens com os metadados Exif limpos por algum programa. No caso de tentar deixar um pendrive na porta de um veículo de imprensa, é preciso mais outro cuidado. Quando apagamos arquivos o conteúdo não é apagado de fato, o que ocorre é a deleção do nome do arquivo num índice que fica no dispositivo de armazenamento, liberando o espaço do arquivo para serem gravados outros dados, mas enquanto isso não ocorrer a informação é recuperável e pode nos identificar. Nesse caso, de preparar um pendrive para entregar a um jornalista, é preciso usar um programa limpador de mídia como o ‘nwipe’ ou alternativas [8]. Para quem usa a aplicação ‘Discos’ no Linux é possível usar a formatação lenta que preenche todo o dispositivo com zeros.

Para quem for se aprofundar em anonimizar metadados em arquivos, segue sugestão de estudo:

  • Semana 1: leia os artigos citados nessa matéria;
  • Semana 2: selecione e copie para uma pasta de testes arquivos de diversos formatos;
  • Semana 3: utilize aplicativos ou métodos para limpar metadados, e limpar pendrive;
  • Semana 4: em outro computador tente ler os metadados dos arquivos de teste.

Esse artigo deve ser encarado como complemento do artigo anterior e vice-versa, para atingirmos um grau satisfatório na nossa segurança e a de nossos entes queridos na transmissão de conteúdos sensíveis, e até mesmo na lisura de procedimentos de nosso dia a dia.

Notas

[*] Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo.

[1] https://www.lter.uaf.edu/metadata_files/UnderstandingMetadata.pdf

[2] https://passapalavra.info/2023/03/147800/

[3] https://passapalavra.info/2020/02/129753/

[4] https://passapalavra.info/2020/04/130691/

[5] https://pt.wikipedia.org/wiki/Exchangeable_image_file_format

[6] https://metadatacleaner.romainvigier.fr/

[7] https://alternativeto.net/software/metadata-cleaner/?license=opensource

[8] https://alternativeto.net/software/nwipe/?license=opensource

1 COMENTÁRIO

  1. Boa dica,no Android na loja fdroid.org é possível achar vários apps que realizam a tarefa descrita pelo Marcelo, até mesmo o Simple Galery já vem esse recurso,além dos ótimos Scrambled Exif,Imagepipe,Exif Thumbnail Adder dentre outros.

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