Por Legume Lucas

Após 11 anos de dedicação ininterrupta ao Movimento Passe Livre afirmo que o MPL chegou ao seu fim. Parece-me evidente que isso se deu após a maior mobilização da classe trabalhadora no Brasil dos últimos 30 anos. A participação do MPL nas mobilizações ocorridas em junho de 2013 foi fundamental e fruto de anos de trabalho regular na luta por transporte. Entendo que esse processo já foi analisado e está documentado em diferentes textos e entrevistas, por isso não o retomarei nesse texto.

Considero que após realizar sua maior potencialidade ao iniciar o processo que barrou o aumento em mais de 100 cidades no Brasil, o movimento não conseguiu caminhar para a reorganização – nacional e local – necessária para superar seus limites anteriores e, ao sermos incapazes de fazer isso, nos fechamos entre nós mesmos. Analisar o MPL é, necessariamente, olhar para os limites do movimento autônomo, pois ele foi o que de mais avançado existiu na tentativa de organizar um movimento social que se pautasse pela horizontalidade, autonomia e independência. O fim do MPL implica uma revisão de quais práticas pretendemos adotar para continuarmos em luta.

O MPL sempre teve como uma de suas características centrais a crítica à “velha esquerda”, o surgimento do movimento foi fruto de uma heterodoxia na qual ex-militantes leninistas se aproximaram de práticas dos grupos autônomos. Não era uma revisão doutrinária ou de princípios abstratos, mas uma reflexão vinda da experiência concreta de luta. Os agrupamentos partidários viam as demandas por transporte de maneira instrumental, por isso as aparelhavam ou as boicotavam de acordo com as análises de seus comitês centrais. Foi para romper com essas práticas que estabelecemos como princípios a autonomia, a independência, o apartidarismo e a horizontalidade. Princípios esses que foram fundamentais para nosso desenvolvimento, tanto para ser uma referência prática para aqueles que recusavam a organização política por meio de doutrinas, quanto para permitir o aprofundamento da discussão sobre transporte e sua relação com estruturação da cidade.

Contudo, os princípios foram transformados em nossa própria doutrina. Considerávamos essa a única perspectiva correta de atuação e, portanto, seríamos superiores aos demais agrupamentos da esquerda; assim as articulações eram feitas preferencialmente com aqueles que tinham acordo com esses princípios, ou por vontades individuais de algum militante, mas não a partir de lutas concretas. Passamos a procurar desenvolver práticas a partir desses princípios, produzindo uma série de contradições. A horizontalidade, expressa na divisão e na rotatividade de tarefas – que seria fundamental para consolidar uma democratização de saberes e não consolidar posições hierárquicas – resultou em uma ojeriza à especialização, como se fosse um grande pecado alguém ser mais capacitado que o outro para uma tarefa, ou como se fôssemos igualmente bons em todas as atividades. A discussão democrática – fundamental para a oxigenação das mobilizações – abriu espaço para a rediscussão eterna das decisões, feita a partir da vontade individual de cada militante, como se um processo assim fosse democrático. Ao procurarmos criar um movimento novo, com novas práticas, negando as práticas anteriores, nos aproximamos de um a-historicismo, no qual não recorríamos às experiências de lutas acumuladas para pensar os atuais dilemas. Isso não se restringia às lutas feitas pelos trabalhadores e trabalhadoras em outros países e tempos históricos; englobava a própria atuação anterior do movimento. A ausência de registros fazia com que as práticas e reflexões feitas pelo próprio movimento só fossem passadas adiante em espaços informais.

Todas essas tensões e contradições internas tentavam ser equacionadas pela via do consenso. Em tese, o consenso serviria para a construção coletiva, para permitir a escuta de posições diferentes e para tentar, a partir dessas divergências, construir uma posição melhor; ao mesmo tempo tinha o objetivo de impedir que os princípios do movimento fossem alterados por meio de manobras de organizações partidárias. Passamos a querer alcançar o consenso em todas questões, nas estratégias do movimento, nas táticas de luta, nas formações a serem feitas, uma dinâmica que produzia reuniões muito longas e exaustivas. Os problemas desenvolvidos foram vários: algumas decisões eram barradas por um grupo pequeno de militantes irredutíveis em algum ponto, militantes eram pressionados a concordar com uma posição para não inviabilizar o consenso, construía-se uma posição que tentava contemplar duas vias completamente contraditórias para contemplar a todos. Como consequência dessa concepção peculiar de consenso, a discussão pública tornou-se um tabu. Todas as discussões deveriam ser feitas internamente para que respeitássemos a construção coletiva e assim desenvolvíamos – sem perceber – práticas muito semelhantes às das organizações que criticávamos, enxergando como traição qualquer divergência aberta.

A organização do MPL enquanto movimento social sempre teve dificuldade de definir quem fazia – e quem deveria fazer – parte do movimento. Ao longo do tempo tentamos desenvolver algumas definições de que movimento éramos, porém a ausência de registro regular e de sistematização não permitiu a generalização e a perpetuação desses saberes. Entre essas concepções, existia a ideia de que se tratava de um movimento de espectro amplo. A base social mais difusa que a dos movimentos tradicionais se deve a uma organização baseada não por um local de trabalho ou de moradia, mas por uma demanda que afetava diferentes pessoas ao mesmo tempo. Essa caracterização relacionava-se com a possibilidade de uma atuação ampla não sujeita a restrições territoriais ou por ocupação; ao mesmo tempo em que se evidenciavam os limites, já que não existia um espaço direto de organização e reunião das pessoas que utilizavam o transporte. Tal concepção parecia-nos adequada naquele momento, com um baixo número de militantes e a dificuldade de chegar nas diferentes regiões da cidade.

funeral06Tanto era essa a base social de um movimento de transportes em uma cidade como São Paulo que foi justamente esse espectro amplo que foi mobilizado em junho. Foram esses setores da classe trabalhadora, antes fragmentários, que se uniram em torno de uma pauta objetiva da redução das tarifas de ônibus e metrô. Essas pessoas passaram a ter o MPL como referência e grande parte daqueles que se mobilizaram queriam atuar conosco. Isso implicaria uma mudança radical da organização. Não seria mais possível que se conhecesse a todos, também seria necessária a criação de espaços em que as pessoas pudessem discutir abertamente os rumos políticos do movimento, sem ter que participar de longas reuniões todos os fins de semana.

Prevaleceu – se não formalmente, ao menos na prática – a manutenção da lógica dos grupos de afinidade autônomos em detrimento da formação de um movimento amplo e horizontal. Essa lógica, que deveria potencializar a militância a partir da construção de laços fortes de confiança entre as pessoas, mascarou a formação de grupos de afinidades pessoais que funcionavam como um filtro para selecionar os interessados em atuar no movimento. A mistura entre afinidades pessoais e políticas levou a uma fusão entre os círculos de amizade com os de militância. Não se trata de algo novo dentro da esquerda e do meio autônomo, mas esse problema se agravou a partir do momento em que vencemos uma importante luta e nos tornamos uma referência para milhares de pessoas. O sucesso das mobilizações de 2013 teve como uma de suas consequências o efeito de nos apaixonarmos por nós mesmos: as relações de amizade, amorosas e sexuais voltaram-se para dentro do próprio movimento. O efeito disso foi intenso, porque participar do movimento incluía ser amigo das pessoas. Para ter acesso às decisões e disputas do movimento era necessário frequentar as festas, os bares após as reuniões, participar dos grupos de amigos, o que deixou o caminho aberto ao nosso fechamento em relação à sociedade.

Nesse cenário, a criação de grupos exclusivos de mulheres – em diversas unidades da federação – resultou na cristalização de espaços de poder dentro do movimento, aos quais nem todas as pessoas têm acesso às informações, servindo como espaço de formulação política e desqualificação de posições. Uma vez que este espaço está fora de qualquer esfera de controle democrático no movimento, foi possível que pessoas que já haviam saído das instâncias regulares de militância continuassem a frequentá-lo, participando das disputas dos rumos do MPL. A crítica a esse espaço é vista como machismo e aqueles que a fazem são marginalizados e detonados nos fóruns informais do movimento. Assim, aqueles e aquelas que não se identificassem com esse tipo de feminismo não teriam lugar no MPL.

Os caminhos que o movimento deveria seguir após junho foram objeto de disputa interna. Embora os diferentes posicionamentos e projetos não estivessem plenamente claros, pode-se dizer – de maneira simplificada – que um lado defendia manter o trabalho em escolas e os atos centrais que o MPL estava acostumado a fazer; outro lado defendia a organização de um trabalho exclusivo nas periferias, focando uma organização por bairros. Nesse sentido aconteceu a tentativa de criar comissões de bairro como espaços que deveriam facilitar a entrada de militantes dos diferentes locais da cidade no movimento. Contudo, a dinâmica de funcionamento dessas comissões nunca foi realmente plena. Na tentativa de se manter o consenso interno, tentou-se criar estruturas híbridas que impediam ambos os projetos de serem levados adiante. Não se apostava em um modelo centralizado e tampouco se criavam estruturas para substituir a reunião semanal. Hoje podemos considerar essa disputa encerrada com o desligamento da Luta de Transporte no Extremo Sul e a saída de mais uma dezena de militantes do MPL. Cabe ressaltar que a resistência em organizar esses setores mobilizados em junho esteve presente também entre aqueles que, dentro do movimento, consideravam necessário ir para a periferia. A ideia era que, ao nos organizarmos nas regiões afastadas do centro, não estaríamos sujeitos ao conservadorismo que apareceu nas últimas manifestações de junho; como se esse conservadorismo fosse presente apenas nos “coxinhas” e a massificação do movimento nas quebradas levasse necessariamente à derrota de práticas conservadoras.

Considero que o MPL, ao não se pensar como um movimento inserido nas dinâmicas de lutas mais amplas dos trabalhadores e trabalhadoras, foi incapaz de superar seus próprios limites. Pensávamos que estaríamos imunes aos processos de burocratização que ocorrem em mobilizações vitoriosas. Entendo que a potencialidade transformadora de um movimento não é medida pela radicalidade de sua pauta, mas sim pela maneira como a mobilização em torno dela é capaz de produzir novas dinâmicas e experiências de luta. Por isso entendo que ao olhar para o próprio movimento e não para o transporte inserido na dinâmica da luta de classes, o MPL deixou de ser capaz de criar novas estruturas políticas e sociais, chegando ao seu fim.

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As imagens que ilustram o artigo retratam funerais na cidade de New Orleans

 

64 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pelo poderoso texto de autocrítica. Um verdadeiro ato de coragem. Para “comemorar” essa morte, seria interessante um memorial on-line com os vestígios e relatos do que ocorreu. Acredito que ainda tenha alguma coisa do breve tempo de atuação equivocada em Curitiba. Posso disponibilizar o que tiver via link digital.

    A propósito, parei hoje de manhã aleatoriamente aqui. Puro karma.

  2. Excelentes reflexões em vários âmbitos, mas o que me pareceu mais curioso é o fato de praticamente todas elas terem de alguma forma aparecido em 2006 por aqui no MPL-DF, também após um momento de derrota antecedido por uma vitória. Talvez por isso, não acredite que se trate da morte do MPL, visto que por aqui vivemos naqueles tempos a mesma crise e buscamos formas e caminhos para ultrapassa-la naquela época, o que de forma alguma significa que as questões estão simplesmente superadas.Sem dúvida, sair da paixão por si mesmo em direção a luta pelo transporte inserido na dinâmica capitalista da cidade é um dos desafios que o movimento enfrenta, e não acho coincidência que ele apareça exatamente depois de um ciclo de vitória e derrota. Só acho que declarar a morte do movimento baseado em um processo vivido essencialmente por um coletivo da federação – mesmo que com uma ou outra informação do contexto nacional – é ignorar as reinvenções e elaborações feitas por outros mpl´s, que inclusive já aventaram essa crise e pensaram novos caminhos. Acaba que o próprio texto cai na paixão por si mesmo que ele critica.

  3. Salve, Legume,
    parabéns pelo texto e por botar a cara num momento tão difícil e tenso.
    Quando fala em fim vc está se referindo ao MPL-SP ou ao MPL em geral? Não ficou mto claro…
    Fico em dúvida tbm se ser “incapaz de superar seus próprios limites” significa o FIM de um movimento. Sei lá, eu atuo num coletivo que certamente é incapaz de superar boa parte de seus limites objetivos mas tamo aí tbm fazendo o que dá/conseguimos/queremos/temos tempo e força, imagino que caso não se dissolva o MPL-SP outras pessoas continuarão fazendo a parada existir, pode-se questionar, sair, criticar, mas acho que só acaba mesmo quando desistirem de vez não? Gostei muito do debate e da forma como foi expressado, sem treta mas expondo politicamente o que é visto como divergência inconciliável. Mas, achei a conclusão/provocação pesada – imagino que bem pensada, compensada em anos e anos de praticoteoria, mas ainda pesada, afinal se continuar existindo um MPL só os que atuarem nele (e talvez nem eles) vão poder saber se ele chegará ao fim ou não…
    De minha parte desejo força e tranquilidade pros que saem e pros que ficam, e que debates como esse sejam multiplicados na medida do possível – se já aprendemos tanto com os acertos do MPL, temos que saber fazer isso tbm com o que para alguns é erro.
    E pro Legume aquele abraço!

  4. Me remeteu ao texto “A tirania das organizações sem estrutura”, da Joe Freeman, militante femisnista dos EUA.

  5. Poderoso o texto mesmo.
    Os pontos levantados são desafios inescapáveis de qq movimento nos últimos séculos. Vejo como importante assumir as limitações encontradas, contudo, a decepção aparece muito forte no txt e acredito estar num tom exagerado (vendo de fora do MPL).
    Digo isso não pq quero salvar algo de ~bom~ da minha leitura da atuação do MPL, mas ao contrário, por valorizar exatamente estas experiências que são mais fugazes, que se criam para estar em atrito e não tratam exatamente de propostas e estruturas de longo prazo (daí aparece a questão da não valorização da própria história).

    Uma coisa que passou sem ser dito no txt, mas que aparece como “sujeito oculto”, é a questão da formação, das experiências e limitações dos próprios militantes, sua realidade educacional, de trabalhador, de brasileiro, que reflete nestas limitações mais amplas que não são exatamente do Movimento mas que se misturam na análise.

    Vendo de fora eu aposto que o que se quebrou mesmo foi uma certa indecisão ou tentativa, ou falta de comunicação, ou erro estratégico, ou etc.. de ~segurar~ a pauta focada no transporte. As pessoas saíram de junho querendo discutir “como MPL” em tudo quanto for área e de maneira conjunta e integrada, faltou dar o salto e explodir estas leituras. Isto é, na realidade o MPL/Junho provocou uma abertura de discussão de outro nível e nem sei se o papel dele era dar conta deste plano (que é de uma ordem diferente). O que se abriu foi um outro horizonte de lutas.

    Faz parte a decepção, mas a situação nao é de dar dois passos pra trás… é continuar caminhando.

  6. Não sou do MPL, portanto as análises das dinâmicas internas eu me abstenho de opinar, apesar de olhar de perto o movimento. Mas o que me entristece é ver um militante tratando a organização de mulheres da mesma forma que o Reinaldo Azevedo (dando inclusive munição a jornalistas como estes para atacar – ainda mais – o espaço das minas) e considerando relação sexual e pessoal como uma questão que de alguma forma fere a “assexuada” e “impessoal” organização política ou condena seus pressupostos, estes sim, políticos. Discurso antigo, caduco, que entristece ao ver reberberado em situações como estas.

  7. Deixe eu fazer uma análise rápida aqui deste texto: ele tem boas críticas de problemas internos de coletivos autonomos; é restrito porque localizado somente na experiencia historica de são paulo; não prova que o mpl acabou porque, ao elencar uma conjuntura dificil pela qual o movimento passa em uma cidade ele não elenca os motivos da impossibilidade de superar este cenário – ou seja, não prova que o movimento “morreu”. Ao fim e ao passo, não fala muioto sobre a possibilidade de conquista da pauta (tarifa zero) nem muito menos aborda seriamente o conteúdo de nossa luta, o transporte coletivo.

    O que é claro e evidente, por outro lado, é que o movimento está passando por uma crise ideológica interna, que tem resultado no afatsamento contínuo de militantes de coletivos de diferentes cidades – isso não se pode ignorar. Todavia qualquer pessoa que acompanhou a história do movimento nestes dez anos de construções sabe que as rupturas internas foram características de todos os coletivos em todos os momentos políticos da organização. É efetivamente algo bem contundente os afastamentos atuais de militantes tão valorosos pra construção do movimento e de suas concepções políticas basilares.

    Porém, repito, gostaria sinceramente de seguir este debate e compreender o que justifica a tese de que o movimento acabou. Porque eu não vejo motivos suficientes nesta conjuntura dificil pela qual passamos agora. Não vejo hoje mais problemas do que tinhamos em 2006, 2010.

    Saudações

  8. Bom texto Legume, deve ser duro romper depois uma década de militância, mas acho zuado demais a forma como aconteceu e discordo do principal de sua avaliação.

    Boa parte do que se criticou no MPL (e creio se falar sobretudo do MPL-SP) é oportuno, é um movimento auto-centrado, que se relaciona precariamente com a sociedade, tem grandes problemas organizacionais e de divisão de poder, formado por boys fechados em grupelhos o que dificulta e mesmo impede a expansão e a relação com outras classes sociais, etc, etc etc, mas chamar de ‘fim’ um processo de desorientação – que aliás me parece, pelo que sei, ter sido o estado normal histórico do MPL nos momentos entre as lutas contra o aumento – acho algo muito exagerado, passional, e na realidade, um grande erro da análise.

    Veja que a saída dos militantes que “provaria” esse enfraquecimento/burocratização definitivo, no caso principal, que é a do extremo sul, é antes um afastamentos das horríveis reuniões centrais mas não é um abandono da luta cotidiana, das pautas e de certos princípios semelhantes aos defendidos pelo MPL (inclusive, se mantendo vários militantes em comum, relações de amizade e esboço de futuras ações comuns), de forma que me parece um erro sequer afirmar que houve um real enfraquecimento do MPL nesse rompimento, pois ao meu ver apenas ambas as partes ficaram mais livres para melhor desenvolver suas linhas de atuação e ao mesmo tempo se mantiveram totalmente aptas a uma união futura em momentos de necessidade. O MPL já afirmou em seus comunicados que seria uma espécie de rede de coletivos, hoje em SP isso se figura como potencial realidade.

    E não sei se olho com ingenuidade ou tomo algumas partes que conheço pelo todo, mas me parece que tanto o MPL-SP, como o extremo sul, como outras comissões de caráter híbrido, mantém uma rota ascensional constante e ininterrupta em vários sentidos, tanto na formação de seus quadros internos, quanto na criação de novas práticas e novos militantes.

    Também é problemática a forma como é colocada o feminismo no texto, a meu ver é uma visão politicamente incorreta e visivelmente ressentida, primeiro, pois o feminismo estar se posicionando como esta é sintoma e não causa dos processos descritos, segundo, pois olhar com um viés puramente negativo para esse processo me parece que é ignorar a própria força de mobilização da pauta feminista na classe trabalhadora e a forma como essa pauta se desenvolve especificamente no transporte, é interessante notar que no extremo sul as lutas que viemos a ser chamado para tocar com os moradores foram lutas a que fomos chamados por mulheres que foram as primeiras a tentar a luta na região, e não por acaso, a uma especificidade profunda da relação da mulher com o transporte na quebrada. Enfim, me parece claro que os próprios desenvolvimentos futuros da questão feminista no movimento do transporte vão provar o erro dessa análise. Espero que meu otimismo não se prove ingenuidade, mas vivo um momento de luta no transporte muito melhor do que esperava viver nesses tempos de terra arrasada para o anti-capitalismo e me vejo cercado de motivos reais para ser otimista.

  9. Achei bastante curioso que diversos argumentos praticamente repetem criticas que eu e alguns compas (hoje agrupados na Aliança Anarquista) já havíamos fazendo aos grupos autonomistas, mas também ao MPL-SP em especial.

    Convido-os a ler tanto o texto que escrevemos durante a ultima jornada de luta contra o aumento (começo do ano), mas também o Manifesto de lançamento da Aliança Anarquista – especialmente a crítica ao autonomismo.

    Caso gostem, entre em contato conosco.

    debate sobre a estratégia na jornada deste ano:
    AS CATRACAS DA LUTA CONTRA O AUMENTO
    https://debatelutacontraoaumento2015.wordpress.com/2015/02/13/as-catracas-da-luta-contra-o-aumento-balanco-da-luta-contra-o-aumento-de-2015-na-cidade-de-sao-paulo/

    Manifesto Aliança Anarquista:
    https://aliancaanarquista.milharal.org/manifesto-alianca/

    Viva a luta da classe trabalhadora!

  10. 1. Muito sintomatico a estrategia de ex-militantes, de provocar o movimento por fora, quando não consegue/ou não quis mais fazer por dentro.
    2. Os problemas de SP são problemas de um estado, não do Brasil. Existem mais frutas e verduras nesta feira, que apenas um Legume.
    3. Embora, com acumulos interessantes, é importante sabermos que outros processos e outras tempos de luta se constroem para além do eixo Sudeste/SP. Sejamos menos colonialistas em nossas analises. O que acontece em SP, não é reflexo do Brasil.
    4. Se quer decretar o fim de algo, localize de onde e de quem fala, pra que sua ideia não aparente ser tão oportuna. O titulo no minimo deveria ser “o movimento passe livre SÂO PAULO acabou?”
    5. Mesmo entendendo como um texto provocativo e bem reflexivo, tem um tom de arrogancia e pedantismo, pois não falar que o que acabou foi sua militancia neste movimento, parece que quem fala é um super-mega-hiper militante que carregava o movimento nas costas, sem ele e sua compreensão, o movimento acabou?!. Independente da verdura, o MPL segue, queriamos ou não.
    6. Falar que esta provocação chega a ser um tipo de trashing, é exagero?! Acho que não, o texto é bem ruim e pouco reflexivo, existe muito mais denuncias visiveis e outras veladas, condenando ao fim, algo que não acabou em Sp, muito menos nos resto do BRasil.

  11. Bela reflexão, compa. Concordo com os demais sobre a necessidade de levar em conta as particularidades do processo em SP, muito embora dinâmicas muito semelhantes venham ocorrendo há tempos nos outros MPLs, TZ etc. Inspirado na análise do João Bernardo você ressalta a forma organizativa e não a pauta de reivindicação como o indice de radicalidade de uma luta, e acho que é por isso que ao apontar a crise da forma organizativa do MPL vc acaba apontando provocativamente o fim do MPL, o fim do movimento enquanto movimento com potencialidade de se tornar movimento social de massas. Não seria então o fim da luta pelo transporte, mas a decadência de uma das organizações que se pautava nessa bandeira sob tais e tais formas organizativas. Acho que a reprodução em escala nacional dos limites do MPL-SP não decorre apenas de limites da estrutura organizativa do MPL, mas antes mostra que os limites que o movimento enfrentou não eram de cunho individual ou grupal e sim limites históricos da classe, ou seja, não resultam de falhas subjetivas e de direção política dos grupos de militantes, são consequência de um limite objetivo enfrentado pela esquerda anticapitalista em frangalhos pós-assimilação petista (apassivamento) dos órgãos de luta mais combativos. O MPL tentou ser a alternativa à falta de organizações combativas autônomas, num cenário de integração de sindicatos, partidos e movimentos sociais à esfera governista, e conseguiu que sua luta “particular” canalizasse em 2013 a insatisfação geral dos trabalhadores e descambasse em revolta popular, mas como isso se deu em meio a uma conjuntura de perda do lastro histórico e de acúmulo organizativo da extrema esquerda o movimento acabou sendo incapaz de dar os passos seguintes na auto-organização da classe, o quê é limite da forma organizativa do movimento mas antes de mais nada é um limite da classe, está nos ombros de toda a classe e não só dos militantes do MPL. Ora, a classe está submersa na lógica individualista e mercadológica do empreendedorismo de si mesmo, o que reforça as dificuldades organizativas de luta anticapitalista e mais ou menos anula os esforços de mobilização feitos pela militância do MPL que foi às periferias em busca dos sujeitos da prática crítica. Pra mim o aspecto dos limites organizativos do MPL é importante, mas é esse elemento objetivo do patamar da luta de classes no Brasil o quê dá a vitória aos estratos identitários e mais voltados para si mesmos, dentro do movimento, e não as trapalhadas táticas de uns ou outros (até culpar o Passa Palavra há quem culpe, numa espécie de trotskismo tosco que coloca o acento nos erros e acertos de uma direção vanguardista). Se a classe trabalhadora tivesse respondido de outro modo, levando adiante as experiências de luta mais ou menos espontâneas e autônomas ensaiadas em 2013 estes extratos umbiguistas que disputaram o MPL a partir de dentro teriam sido varridos pela história, ao invés de assumirem o controle do movimento e inviabilizarem o prosseguimento do trabalho daqueles militantes que foram saindo aos poucos e mais especialmente agora. Aliás, basta pensar o processo na Rede Extremo Sul, que ruiu mesmo sem feminismo radical tomando as rédeas e sem a estrutura organizativa do MPL, e a meu ver ruiu porque teve que enfrentar esses mesmos desafios objetivos de se levar adiante uma luta autônoma quando capital e Estado vêm com todas as armas buscando direcionar a luta para os fins de sua preferência, ou seja, aqueles apassivadores e se possível lucrativos. Enfim, a derrota do MPL é a derrota de toda a classe, mas a história não acaba, o MPL pode seguir como outro MPL, talvez se qualificando como órgão de luta feminista (oxalá de tom classista) e de mobilização de atos de massa nos centros das cidades. Por fim, a experiência de SP, onde houve uma preparação e direção de Junho pelo MPL acaba levando os militantes paulistas a exagerarem seu papel no Junho nacionalmente visto, o que nas entrelinhas acaba por diminuir o papel das lutas espontâneas e de outros coletivos. O caso do RJ mostra bem como a rebeldia das favelas sob a paz armada das UPPs tinha potencialidade crítica, a começar pelos alvos das depredações e o grau de radicalidade e coragem da moçada nos enfrentamentos de rua, num processo que começou e “terminou” sem nem passar perto dos caminhos trilhados pela luta dirigida pelo MPL em SP (tinha seus próprios limites e desafios, mas eram de teor diferente desse cenário de SP). Nesse sentido, talvez o otimismo de Gabriel se justifique mais à frente, num novo ascenso de lutas onde trabalhadores Estado e empresas partirão para a luta já a partir de outro patamar, e tomara que ele esteja certo quando diz que a crise do MPL resultou em algo positivo: que “as partes ficaram mais livres para melhor desenvolver suas linhas de atuação e ao mesmo tempo se mantiveram totalmente aptas a uma união futura em momentos de necessidade”.

  12. Resta perguntar o que ficou para o povo das periferias de SP, depois do “fim” do MPL. O que será que as pessoas dos extremos Norte, Sul, Leste e Oeste da cidade devem estar pensando?
    Não é difícil imaginar as questões: eles continuarão por aqui? Voltarão? As mesmas pessoas, só que sob outras bandeiras?
    Uma coisa sei que eles estão sentindo, desolados: PUXA VIDA, OUTRA VEZ!

  13. que bom que acabou.

    Militar pelo transporte público parece ser uma estratégia boa num período de aniquilação do anticapitalismo.
    Terminada a fase de hegemonia ideológica neoliberal, continuar lutando pelo transporte público parece responder apenas a duas possíveis hipótesis: 1) ou se trata de um reformismo de base, 2) ou uma vontade tão grande de se diferenciar do leninismo, mas tão grande, ao ponto de entregar aos partidos a exclusividade do debate socialista.

    Na dialética entre processo e conteúdo, rigidez e limitação de conteúdo sempre se transformarão em rigidez e limitação do processo. A prova disso é ver gente analisando como “progressista” fenômenos como “pautas feministas no tema do transporte público”. Logo será a vez das “pautas negras no tema tributário”, “pautas ambientalistas no tema da saúde pública”, “pautas periféricas no tema da matriz energética”. Me pergunto por que é que alguns ainda insistem em se referir a uma “esquerda revolucionária”, quando isso a que se dá o nome de autonomismo mal fala em socialismo. Aliás, em cada país da América Latina existe um autonomismo que não tem nada a ver com o dos demais. No Chile eles tem parlamentares, na Argentina eles organizam hortas, mecânicos de bicicletas e feiras de livros, no México são uma guerrilha camponesa.
    Tomara que o autonomismo também acabe logo. Será uma superação.

  14. não sou leninista, mas sinceramente, recorrer ao reductio ad “velha esquerda” pra justificar degradação de movimento é o cúmulo. na própria “velha esquerda” esse apontamento de dedos entre troskos e stalinos já deu o que tinha que dar. além do mais, não tem discursinho mais velho (mais velho até do que a “velha esquerda”) e mais pequeno burguÊs do que esse “adoutrinário” “apartidario”. e acabaram por chafurdar nesse discursinho pequeno burguês, atualizando-o para a pós-modernidade, através do enfoque nas pautas liberais como a de gênero, que são importantes, mas nunca devem vir a frente da questão de classe.
    a “velha esquerda”, pelo menos, e apesar de alguns tipos nacionalistas, ainda mantém a questão de classe.
    talvez vocês devam aprender algo com a “velha esquerda”.

    natimorto.

  15. Quando militantes tem suas vozes vetadas por um grupo identitário dentro de um coletivo que se pretende horizontal, quando há tentativa de fazer a mesma norma valer em um encontro nacional, quando no contexto mais favorável a massificação das lutas (neste mesmo encontro nacional) não se constrói uma única proposta de luta respondendo ao contexto, quando qualquer proposta que divirja da cristalização de uma direção não escolhida por toda coletividade é tida como conspiração, quando em vários coletivos da federação se instaura a hegemonia do coleguismo em detrimento da solidariedade entre os companheiros que lutam (e que lutam há bastante tempo, como o camarada), é hora sim de sair.
    E por este caminho (que tende a se reproduzir) é muito difícil não concluir que o que se chama hoje de movimento em breve não passará de uma marca para cacifar percursos políticos individuais ou mesmo carreiras acadêmicas (o que, aliás, não é novidade alguma na história das organizações de esquerda). Apesar de tudo, como ex-militante do mpl, não acho que tenha sido tempo perdido algum. Acho que a experiência foi e será importante, desde que saibamos tirar os frutos em forma de reflexões que tanto precisamos. Por tudo isso saúdo a carta do Companheiro Legume. É e certamente será útil por muito tempo.

  16. Puxando a proposta do Frederico Neto no primeiro comentário, de fazer um “memorial”, levantei alguns textos que saíram por aqui que tratam ou expressam a crise e a crítica vivida no MPL após junho de 2013. Talvez também ajude a situar que o texto do Legume diz respeito a um processo maior, que ao contrário do que outros comentadores tentaram colocar não está acontecendo do nada, nem só localizado.

    Quem lembrar de outros mais, complemente:

    “O povo nos acordou? A perplexidade da esquerda frente às revoltas”, por Caio Martins (São Paulo, 2013)
    http://passapalavra.info/2013/06/79837

    “Uma ‘carta aberta’ para quê?”, por Simone (São Paulo, 2013)
    http://passapalavra.info/2013/09/84768

    “Buro-ácrata”, por Grouxo e Legume Lucas (Goiânia e São Paulo, 2014)
    http://passapalavra.info/2014/04/94231

    “Revolta popular: o limite da tática”, por Caio Martins e Leo Cordeiro (São Paulo, 2014)
    http://passapalavra.info/2014/05/95701

    “Agora só faltam 3 reais… E um imenso desafio”, por Coletivo Passa Palavra (São Paulo, 2014)
    http://passapalavra.info/2014/06/97065

    “Democracia de base sem trabalho de base?”, por Caio Martins e Simone (São Paulo, 2015)
    http://passapalavra.info/2015/02/102335

    “Carta de desligamento do Tarifa Zero Salvador e do MPL”, por Ana Carla, Caribé e Luamorena (Salvador, 2015)
    http://passapalavra.info/2015/05/104551

    “‘Revolta popular: o limite da tática’, um documento pós-leninista?”, por Aldo Sauda do PSTU (São Paulo, 2015)
    http://passapalavra.info/2015/06/104988

    “Carta de desligamento do MPL-SP”, por Cristina Daniels e Rafa Bevari (São Paulo, 2015)
    http://passapalavra.info/2015/07/105177

    “MPL, a ritualização da autonomia”, por Fagner Enrique (Goiânia, 2015)
    http://passapalavra.info/2015/06/105129

  17. Compas, não estou em condições de “fiar fininho” no tema. Mas deixem eu contribuir com um curto traço grosso.

    Tenho verificado, em ciclos mais prolongados da luta de classes, que em períodos longos de desarticulação as coisas começam nos espaços de reprodução. Nos bairros, nas resistências e lutas na esfera da reprodução. Nesses ambientes, como o bairro, por exemplo, há maior liberdade para a organização. Em momentos de ascenso das lutas, de ampliação, massificação e nacionalização das lutas, o centro de gravidade passa para a esfera da produção.

    Não quero tirar daqui uma “lei geral”. É, por enquanto, uma observação, que talvez nos dê um indício dos tempos, os ritmos e as sincronias necessárias para a dinâmica da luta de classes.

    Talvez seja mais fecundo procurar nessas observações de fundo as razões do relativo esvaziamento de movimentos como o MPL.

    Valeu, compas. A luta do MPL, assim como a dos movimentos por moradia, permitiu manter uma relativa articulação dos quadros da classe enraizados em lutas reais, necessárias e práticas. Com continuidade da organização como tal ou sem ela, cumpriu nesse período um papel de grande valor. Mesmo que tenha continuidade, não terá o mesmo papel, eu acredito. Justamente por esse deslocamento que está se operando.

  18. Gente!

    Não é um tanto quanto feio você decretar o fim de um movimento SÓ porque você decidiu sair dele?

    Outra coisa; os dissidentes do MPL saíram porque eles estão se propondo a fazer o papel de organizar a classe trabalhadora, e gente, a classe trabalhadora precisa de autonomia e não de movimento (leia-se partido) x ou y dizendo pra eles pelo o que se deve lutar. Vcs criticam tanto a lógica do partido e na prática esse projeto revolucionário de vcs segue a mesma lógica de um partido – se não pior.

    E a sua tentativa de justificar a saída do extremo sul dos espaços gerais do MPL está equivocada (que não vou me dar ao trabalho de colocar aqui, porque você sabe; você leu a carta e deveria parar de misturar as coisas) e o Gabriel pontuou resumidamente o porquê.

    Enfim, vcs produzem muitos textos de análises de conjuntura e academicistas e de vivência do que é morar na periferia e ter de travar lutas cotidianas pra sobreviver vcs nunca terão e como se já não fosse suficiente ainda querem cumprir o papel de ser políticos das pessoas dos bairros (risos).

    Tem exemplos ai de ~~movimentos~~ que tentaram se prestar ao papel de
    ‘gerir’ a vida das pessoas, e hoje, chegaram no seu fim.

    Portanto, pra quem pretende de alguma forma controlar a vida das pessoas, o MPL definitivamente não é lugar pra você nem de seus compas dissidentes militarem.

  19. O texto levanta várias questões e críticas de extrema relevância e pertinência, mas como já dito nos comentários anteriores, se limita ao generalizar o MPL a partir da experiência de SP e de não desenvolver o porquê da incapacidade de renovação do movimento. Deixando brechas para tal afirmação soar mais como uma aposta ou até mesmo um ressentimento.

    As críticas e questões levantadas poderiam ser feitas a qualquer movimento autônomo e que nos trazem mais perguntas do que qualquer outra coisa e acho que a valor do texto reside justamente nisso. Como trabalhar com os limites do consenso? Como evitar que tal mecanismo que m tese serve para garantir o debate passe a atrapalhar os encaminhamentos? Como aprofundar no debate sem ter inúmeros e longas reuniões? Como garantir os princípios de horizontalidade, autonomia, consenso, etc em um movimento de massas? Como fazer funcionar uma federação que garante a autonomia dos coletivos locais? É possível de fato tal federação ou seria apenas possível tirar atividades comuns vez ou outra? Como lidar com casos de machismo dentro dos movimentos? É problemático em si a criação de amizades e relações amorosas nos movimentos? Em que medida é possível separar tal esfera? Com a participação de um coletivo paralelo com membros de vários MPL’s do país qual acabaria sendo a influência deste coletivo dentro do MPL? Como espalhar o movimento e dividi-lo em pequenas comissões que atuam em locais distintos e ao mesmo garantir que exista um movimento, ao invés, de grupos autônomos e independentes? Como não apaixonar por si e ao mesmo tempo construir a si? E por ai vai… São mais dúvidas que certezas e que só a luta irá sanar, ainda mais em um momento que toda a esquerda, sobretudo, a autônoma vem enfrentando um refluxo e uma certa crise, no sentido de dificuldade de se reinventar e sobre o que fazer.

    Uma vez o movimento existindo concretamente no cotidiano e na luta e o mesmo não se burocratizando é possível tal reinvenção e o texto ao apontar somente os problemas sem afirmar o porquê da sua suposta incapacidade de renovação tem uma infeliz conclusão, ainda que a reflexão persista.

  20. Bom texto! Realmente é algo um tanto difícil e delicado escolher entre uma pauta objetiva, ou uma maior abrangência de reinvindicações, o que pode acabar implicando numa luta inócua. Ainda mais quando existe um clamor popular nesse sentido…Em todo caso, sempre senti falta de um viés ecológico no MPL. Como exemplo, nunca ouvi algum militante (exceção feita ao Lucio Gregori) citar o possível uso de tecnologias limpas na frota de ônibus da cidade…

  21. ROMPER
    com o autonomismo
    AVANÇAR
    na luta de classes

    Em 2mil e crise além das crises economicas e políticas, uma terceira – certamente bem menos importante – também tem aflorado: a crise no nicho autonomista. Crise que se expressa, obviamente, não só no texto dontem, mas também nos diversos outros rachas e falecimentos de coletivos.

    Não vou me alongar sobre o tema – to com muito sono, e já tem texto o suficiente sobre o assunto, por exemplo no Manifesto da Aliança Anarquista ou o debate sobre a jornada contra o aumento de 2015: As Catracas da Luta contra o Aumento (escrito por mim em conjunto com alguns compas que hoje estão na Aliança, linque abaixo) – mas, entre outros aspectos, dois me parecem básicos pra compreender a sofrência do autonomismo neste ano.

    1) O descolamento do autonomismo da classe trabalhadora, expresso inequivocadamente na sua negação arrogante e pueril tanto das organizações desta (sindicatos, correntes, partidos, entidades estudantis etc), quanto dos métodos de organização e luta desta (assembleias de base, comando de delegados, greves, piquetes etc) torna-se explicito com o acirramento da luta de classes, mas não só, torna-se um problema cada vez mais sério e cronico. Com o ascenso das lutas, das greves, as fragilidades e limitações dum projeto que pretende tirar da cartola “novas” práticas, ignorando todo o acumulo histórico da classe trabalhadora, “novos” sujeitos políticos (no caso do MPL, o amorfo conjunto de “usuários de transporte”), fica demasiadamente evidente para ser ignorado.

    2) O autonomismo brasileiro contemporâneo é, muitas vezes, uma especie de linha auxiliar do petismo. Ambos pautam suas práticas políticas numa série de reformas socias desarticuladas, sem um programa coerente. Ambos tem como horizonte o Estado de bem-estar social, não mais um revolução violenta que leve a classe trabalhadora a tomada dos meios de produção e ao poder, em outras palavras, não mais o socialismo. A diferença entre autonomismo e petismo é basicamente que enquanto o segundo luta (ou lutava) pra conquistar estas reformas sociais nas ruas e nas urnas, o primeiro luta mais ou menos pelas mesmas reformas, todavia, negando – ao menos no nível do discurso – a luta nas urnas. Não por acaso a pauta máxima do MPL é um projeto de lei de uma gestão petista. Não por acaso em épocas de disputas eleitorais acirradas, os autonomistas em peso partem para campanha eleitoral…

    Com a polarização da luta de classes, posições reformistas e conciliatórias inevitavelmente acabam por perder espaço. A polarização acaba recolocando o foco nas relações sociais que garantem a manutenção e reprodução da vida em sociedade, nas relações entre grande capital e trabalhadores. Diante de milhares de demissões, arrocho salarial, encarecimento geral da vida, PPE, PL 4330, privatização etc etc etc etc – obviamente não faz sentido algum manter o foco na luta por transporte e na reivindicação do projeto de lei Tarifa Zero.

    O autonomismo, por estar inserido, ainda que marginalmente, no projeto reformista socialdemocrata, projeto que tem o PT como principal representante, obviamente será brutalmente afetado pela crise política deste. Com o naufragar do navio da socialdemocracia e os sonhos reformistas de um estado de bem-estar social, tanto os seus tripulantes ilustres, quanto os tripulantes “undergrounds”, acabarão afogados – isso se não pularem fora a tempo.

  22. um critica o autonomismo em nome do socialismo- planificação estatal? planos quinquenais? transição ao comunismo via ditadura do proletariado, é isso que ce quer, lucas? – o outro quer fundar um partido anarquista de vanguarda e tá todo feliz com a desgraça alheia (como é partido, já aproveita e faz um chamado ne, bem a la pstu), a outra se dá ao trabalho de defender “a velha esquerda” quando nem eles mesmo fazem isso… só falta colar um petista pra xingar o mpl e fechar a amplitude da fauna. pare o mundo que eu quero descer.

  23. Lucas, se qdo vc fala do México vc se refere aos zapatistas acho q ce precisa dar uma olhada melhor antes de criticar, irmão. Pode ter as críticas que tiver, mas eles não são nem uma guerrilha nem camponesa, sua definição é 100% equivocada. O EZLN, como o próprio nome diz, não precisa pesquisar mto, é um Exército, e por isso tem bases de apoio, por isso usa uniforme, etc. Um exército de autodefesa que se relaciona com suas bases de forma mto distinta do que seria uma guerrilha, sem falar na questão do poder local, das juntas de bom governo, etc. Quanto ao camponês, o correto seria indígena.

    Abras!

  24. Julio, aceito tuas retificações, (embora no México haja mais autonomismo armado que apenas o EZLN, eu me equivoco?) estou certo de que elas reforçam o que eu quis dizer: “autonomismo” é um nome que quer dizer muitas coisas diferentes (e olha que eu nem comentei nada sobre o autonomismo de direita na Europa). Não estou criticando os Zapatistas, estou fazendo uma crítica do “autonomismo” como conceito, já que o vazio teórico dele abriu espaço para um saco de gatos tremendo que em grande medida toma esse vazio como garantia de que qualquer coisa “é autonomismo”, incluindo aí práticas parlamentares, reformistas, militares, grupos de afinidades (muito finas…).

    E parece que essa novidade vazia trás efeitos tão deletérios na militância ao ponto de ter gente que acha que socialismo se resume a economia planificada. Retomo questões do Hugo: o primeiro passo para a derrota é esquecer toda a tradição de lutas anteriores à nossas datas de nascimento, como se a queda do muro de Berlin fosse realmente o surgimento de uma nova era ontológica na qual a revolução será um ato de fé individual, ou algo no estilo lido em algum livro de auto-ajuda.
    Acho que ainda falta um maior esforço para que podamos sintetizar e somar os avanços das lutas dos últimos 20 anos dentro de uma perspectiva maior, ao invés de contrapor o antes com o depois.
    O pior que podemos ter atualmente são militantes que se sintam mal em lugares estranhos. Temos que habitá-los, ao invés de buscar sempre o conforto dos nossos próprios lugares autônomos.

  25. É realmente engraçado, como o anônimo das 11:15 disse, como cada pessoa dá uma olhada no texto e tira suas próprias conclusões. Esse que pretende ser a vanguarda anarquista, participa de uma organização que quase implodiu um trabalho de organização pelo transporte com moradores da Zona Oeste, que quer forçar estrategias ao redor de lutas que não se propõe a organizar ou correr atrás. Fiz um comentário questionando alguns dos equívocos de seu texto (o mesmo postado aqui no último comentário) no Facebook que prontamente foi excluído. Será mesmo essa a vanguarda que irá rearticular a esquerda nos próximos anos?
    A outra parte, ressentida com o texto, se atém apenas a criticar a primeira frase e quanto ao resto tampam os ouvidos e repetem “lalalalala” ou dizem coisas como “a classe trabalhadora precisa de autonomia e não de movimento”, pois bem, autonomia significa agora não se organizar, porque se organizar significa que há alguém mandando em você.
    O momento é de reflexão, é agonizante não ter respostas prontas sobre como prosseguir, mas é melhor do que fingir que temos certezas e deixar para pensar depois sobre nossas experiências.
    Fé no futuro, quem viver verá! :)

  26. Debate com o texto do Legume publicado no Passa Palavra:

    “O MPL precisa acabar”

    Publicado há poucos dias, o texto intitulado “O Movimento Passe Livre acabou?” traz elementos importantes para o debate no autonomismo, mas falha em não colocar em xeque questões chave. São muitos os debates que se abrem com este texto, mas vou me dirigir especificamente para os debates internos ao autonomismo, porque não me parece relevante para o conjunto de toda a esquerda (ou de toda a classe trabalhadora) ficar debatendo questões tão pontualmente ineficazes, mas também porquê foi neste espaço que forjei meus primeiros passos de militância e acredito que há diversas pessoas muito incríveis e que cumprirão um papel importantíssimo na luta de classes quando decidirem abandonar a totalmente ineficaz prática autonomista.

    Estamos em um momento delicado para a reorganização da esquerda e é urgente que o ciclo do autonomismo seja encerrado. Se o MPL ainda quer cumprir uma função positiva dentro do movimento deve de fato anunciar o seu fim, para que a esquerda não perca mais nenhum minuto nesse projeto falido, que – não por acaso – está ruindo ao mesmo tempo que o petismo dá seus últimos suspiros. O que mais me preocupa é que o apego e a incapacidade de autocrítica por parte dos militantes autonomistas faça com que suas forças sejam direcionadas para tentar salvar um projeto político que é um atraso para a luta e a revolução socialista libertária. O autonomismo cumpriu algum papel em um momento histórico de descrença generalizada na luta de classes, mas com o acirramento das contradições do capitalismo reaparecendo a passos largos no mundo todo a esquerda não pode se dar ao luxo de errar o caminhar em projetos tão frágeis. Precisamos parar de perguntar se o MPL acabou e sim assumir, ao mesmo tempo que combatemos o petismo, que o autonomismo é um retrocesso e que precisa – urgentemente – acabar.

    * Organização e princípios *

    A dificuldade, apresentada pelo Legume, sobre a reorganização nacional e local do MPL pós junho de 2013 é reflexo de dois problemas inerentes ao autonomismo. Ao sustentar toda a sua militância pela crítica “ao que os partidos fazem” estes movimentos são incapazes de perceber que diversas questões partidárias não surgem por pura “maldade” das pessoas que organizam estes partidos, mas surgem por necessidades reais do enfrentamento na luta de classes. Como crianças que negam as recomendações dos mais velhos por pura birra, o autonomismo ignora a experiência de décadas da classe trabalhadora e acredita que só ele é capaz de criar algo novo e efetivo. É de uma arrogância sem fim a forma como os movimentos autônomos se relacionam com os principais partidos da esquerda, sendo totalmente incapazes de fazer as críticas necessárias e também ignorando que enquanto o autonomismo fica gerindo casas alternativas, são estes partidos que estão correndo riscos com militância clandestina em fábricas, para citar apenas um exemplo. Não é por preciosismo que as organizações partidárias articulam-se através de congressos, que levam faixas com o nome da organização para atos e manifestações, ou que estabelecem uma disciplina para todos os militantes. O autonomismo nega-se, de forma arrogante e birrenta, a dar saltos organizativos apenas para não se aproximar dos mal-falados “partidos”. Confunde a forma com o conteúdo e nega-se a assumir a responsabilidade na luta contentando-se em continuar um grupo reduzido de mesmas pessoas que se conhecem há anos.

    Um ponto positivo do texto do Legume é o balanço crítico acerca do consenso e demais princípios. Espero que junto com o fim do MPL acabe também essa crença no consenso, porquê simplesmente não dá mais pra nenhum grupo perder tempo discutindo se o consenso é ou não a melhor forma de deliberação. Este é um debate tão óbvio quando aplicado na realidade que não vou me alongar nesse texto. Outro princípio apontado pelo Legume que acredito ser importante avançarmos é acerca da horizontalidade. Não existe horizontalidade. Não existe, simples assim. Esse é mais um dos pilares do autonomismo totalmente baseado no mundo das ideias, descolado da realidade concreta e que precisa ser superado. A reivindicação de horizontalidade leva aos pontos problemáticos, como apontados, no que diz respeito às habilidades pessoais. Os indivíduos não são iguais e só a democracia burguesa ainda usa este pilar de sustentação completamente artificial. A inexistência de ferramentas de organização que garantam a democracia operária faz com que o autonomismo seja um movimento confuso internamente. Se os espaços de deliberação são democráticos e garantem a existência do necessário conflito de opiniões, então não há problema algum que as tarefas do movimento sejam divididas de acordo com preferências e habilidades pessoais. Evidente que isso não impede que o domínio técnico seja compartilhado e isso deve ser incentivado, como é feito exatamente nas tão temidas “organizações partidárias”. É fundamental que as organizações tenham pessoas que consigam realizar falas públicas, mas não são estas necessariamente que conseguem traçar as melhores avaliações de conjuntura e estratégias para o movimento. Estas ultimas por sua vez podem ser péssimas articuladoras políticas e de aproximação de novos militantes, enquanto todas estas podem ter uma dificuldade extrema para produzir os materiais escritos e visuais da organização. As tarefas que cada pessoa assume não ditam os caminhos da organização quando esta é bem estruturada internamente. Então companheiros, espero que paremos de perder tempo discutindo sobre coisas que não existem, ao invés de localizar os problemas reais e traçar planos para solucioná-los. O problema da consolidação de dirigentes informais nas organizações não está na divisão de tarefas, mas na desorganização interna resultado muitas vezes do rechaço imaturo às experiências da classe trabalhadora.

    Outro ponto que expressa a dificuldade das organizações autonomistas e que culmina com a pretensa superioridade destas organizações frente à toda esquerda é a rígida estrutura de “militantes perfeitos”. O autonomismo, ao abandonar o materialismo, acredita ser possível que as pessoas sejam “perfeitas”, que todas – para estarem no movimento autônomo – nunca cometam erros. Em pequenos grupos de amigos isso pode até ter alguma sensação de verdade, mas quando organizações começam a crescer e mais militantes passam a se engajar nestes projetos, maiores são as dificuldades, e o autonomismo prefere continuar insignificantemente restrito ao invés de lidar de forma madura com as contradições postas na sociedade. A busca pela impossível perfeição militante leva o movimento autônomo a tentar recriar comunidades alternativas, completamente deslocadas da realidade.

    * Frente de mulheres *

    É completamente equivocada a análise que o Legume faz sobre os espaços auto-organizados de mulheres. A incapacidade de criar e consolidar decentemente os fóruns de deliberação do movimento vem de antes da própria organização só de mulheres do MPL. A experiência que tenho com a “Frente de Mulheres” do Rizoma, organização estudantil na qual milito há três anos, tem mostrado que a tática do núcleo de mulheres em coletivos mistos é muito acertada. Este espaço tem servido para que as mulheres, historicamente apartadas dos cenários políticos e violentadas cotidianamente, possam avançar em sua própria formação política e traçar estratégias para o movimento bem como possam garantir que o espaço de militância interna da organização seja um aprendizado coletivo na luta contra o machismo. As mulheres do Rizoma conseguem traçar estratégias para a organização não porquê deliberam em um espaço à parte, mas porquê conseguem levar para toda a organização propostas que são acatadas por serem realmente boas. Este ponto do texto também não consegue identificar o problema de fundo: se o movimento tivesse espaços deliberativos que fossem algo mais do que as estéreis reuniões – como apresentadas pelo próprio texto – não haveria problema algum que mulheres, reunidas ou não anteriormente, apresentasse suas propostas de formulação política.

    * Estratégia do MPL *

    Muito já foi debatido sobre o quanto o autonomismo é um movimento de total descrença na necessidade da revolução. Para estes, o fim do capitalismo é lindo e todas as noites sonham com esse dia, fazem conversas e mais conversas sobre como seria esta utopia, mas afundam-se na miséria do possível levando sua crença para o falido Estado de Bem Estar Social. Sobre as aproximações do autonomismo, e particularmente do MPL, com o petismo não vou me alongar, pois a contribuição de outro companheiro dá conta desse ponto (veja em: http://passapalavra.info/2015/08/105592/comment-page-1#comment-296393), mas não me espanta que o Legume em sua reflexão não tenha percebido problemas estruturais da militância do MPL.

    Fundado no contexto dos primeiros anos do governo do PT o Movimento Passe Livre é incapaz de traçar uma análise de conjuntura mais ampla e perceber que se nestes primeiros anos do governo petista havia alguma possibilidade, ainda que remota, no avanço de políticas públicas, atualmente é completamente descolado da realidade seguir uma militância focada no projeto Tarifa Zero ou tendo como “público alvo” os “usuários do transporte”. Não existe, como diz o autor, “o transporte na dinâmica da luta de classes” e este erro ainda será cobrado caro pela história, pois o movimento autônomo – tendo no MPL a sua expressão mais avançada – ao não reivindicar o socialismo torna-se uma espécie de ONG com discurso radicalizado. Queimar pneus na rodovia, até o Levante Popular da Juventude faz, agora o desafio é quem se atreve a perceber que sob o capital não há possibilidade alguma de avanço nas pautas como a de transporte, a não ser que os companheiros acreditem que é possível humanizar o capitalismo e torná-lo mais suportável com um acúmulo de reformas. Ignoram que sob este modo de produção, a pauta de transporte – em uma conjuntura favorável – pode até avançar, mas às custas de ataques à classe trabalhadora por outros lados.

    O ex-militante do MPL também não consegue superar a análise equivocada de que junho de 2013 foi um levante pelo transporte público. Se o fosse poderia ter sido recriado em mesmo contexto por pautas como a superlotação dos transportes O que mobilizou junho de 2013 foi a pauta concreta e palpável para toda a classe trabalhadora e sua juventude sobre o quão pesado é no seu bolso o valor das tarifas. Foi a pauta diretamente ligada ao poder de compra que mobilizou. E o problema dos coletivos temáticos, presentes no autonomismo, é não conseguir ter uma estratégia que fuja da sua micro-pauta, e por isso não conseguem tanto se reorganizar, como reorganizar suas táticas quando a conjuntura muda. Em um contexto de crise econômica é quase risível o MPL continuar reivindicando “acesso à cidade”.

    * Conclusão *

    Desde a publicação do texto do Legume, diversas pessoas tem comentado que o MPL conseguirá se reinventar como o fez outras vezes. Eu espero, sinceramente, que não. Os problemas do autonomismo são estruturais demais para ser possível uma reforma aos modos que estes mesmos querem fazer com o capitalismo. Existem coisas que precisam ser extinguidas e ficarem apenas no museu da história e o autonomismo é uma delas.

    Para superarmos essa etapa é preciso lembrar que “o movimento autônomo” não é uma entidade que paira no ar. E por isso acredito que deva se abrir um intenso debate entre as pessoas que ainda compõem estes coletivos autônomos para que abandonem este projeto, para que assumam uma responsabilidade histórica de encerrar com esta, se podemos chamar assim, linha política que tem servido apenas para confundir diversas pessoas que se aproximam dos anseios de militância. Todos nós podemos assistir filmes, fazermos jantares coletivos e até mesmo ter uma banda, mas é preciso dar um passo importante e reconhecer que tudo isso pode ser nosso “hobby”, pode até ser um instrumento de socialização de militantes, descontração e tudo mais, mas não pode ser – jamais – o fim em si mesmo da militância.
    O MPL não conseguiu se consolidar como a alternativa para a juventude, assim como acredito que o PSOL também não conseguirá. Há uma lacuna imensa neste cenário de acirramento dos conflitos de classe neste país, e a dúvida que está colocada é: onde essa juventude combativa vai se aglutinar? Em torno de qual projeto? Vamos deixar que a direita (que não surgiu agora e nem em junho) capitalize o descontentamento com o petismo? Essa juventude e esses trabalhadores vão direcionar para onde o ódio de classe e o anseio de destruição do capitalismo? Já que não teve a coragem de traçar um programa revolucionário anarquista para a luta de classes, o mínimo que o movimento autônomo pode fazer é parar de fazer uma ação distracionista para os setores mais combativos.
    Coragem para encerrar este ciclo, espero que seja isso que marque as próximas semanas neste minúsculo mundinho na esquerda autônoma. Espero que este descontentamento não transforme alguns em Reinaldos Azevedos. Os demais, nos vemos nas trincheiras.

    Com carinho e com debate,
    Amanda
    [email protected]

  27. Em abril de 2014, eu afirmei, num texto publicado neste site (aqui: http://passapalavra.info/2014/04/94699), que «o dogmatismo – quer ele se vista de vermelho ou de preto ou, sabe-se lá, de ambos – se caracteriza, essencialmente, pela concepção de que a condição da revolução é a direção de todo e qualquer movimento pelos “verdadeiros” revolucionários e não a demolição do Estado e o controle dos meios de produção pelos trabalhadores. E o reverso desta concepção é a de que a ausência de direção revolucionária conduz a erros e derrotas»; e que «falar em “esquerdas dogmáticas”, de certa forma, acaba sendo o mesmo que falar em “esquerdas autoritárias”, já que é costumeiro, nos grupos de esquerda dogmáticos, pensar as lutas sociais fraturando-as em dois estratos: o estrato dos militantes e o estrato dos teóricos/dirigentes, ou seja, o estrato das autoridades que apontam o caminho, continuamente renovado pela seleção, entre os militantes, daqueles que têm “aptidão” para a direção»; e que «não é a ausência de ações conduzidas pela “verdadeira” doutrina revolucionária ou pelo “verdadeiro” programa revolucionário que leva à derrota: é quando as lutas autônomas são entravadas pelas próprias esquerdas dogmáticas, de um lado, e pelas ofensivas dos capitalistas e do Estado capitalista, de outro; ou, inversamente, quando, no processo de luta autônoma, os trabalhadores não são capazes de responder aos ataques das esquerdas dogmáticas, dos capitalistas e do Estado capitalista». Pois bem: em primeiro lugar, o MPL praticamente acabou porque não conseguiu resistir às ofensivas dos capitalistas, do Estado capitalista e das esquerdas dogmáticas, mais particularmente à ofensiva do feminismo excludente, que é a esquerda dogmática que se apoderou da maior parte do MPL (analisei esse processo, mais detalhadamente, em junho deste ano, aqui: http://passapalavra.info/2015/06/105129). É claro que há outros elementos, mas, de fato, foi a tendência autonomista e classista do MPL que foi derrotada, ao passo que o autonomismo dos grupos de afinidade e da política de identidade, que impediu o crescimento do movimento através da ampliação da sua base social, mantém-se vitorioso. Em segundo lugar, essas pessoas, acima, como Amanda, que fazem parte de outro tipo de esquerda dogmática, a esquerda burocrática, e que aparecem agora, como abutres ávidos por um fatia da carcaça, defendem uma atuação sectária que quase sempre contribui para o afastamento dos trabalhadores e para a derrota das lutas sociais. No fundo, tal como as feministas que pretendem ascender, enquanto nova burocracia, a partir do MPL, instrumentalizando a opressão de gênero, existem os defensores da burocracia, que pretendem fazer crescer as organizações hierárquicas que controlam, que reproduzem a cisão entre dirigentes e dirigidos característica do capitalismo e que servem de obstáculo à autogestão dos meios de produção, visto que impedem a autogestão da luta. Nem a carcaça e nem os abutres nos servem mais. E os trabalhadores, «entre a passividade intelectual e organizacional na luta, que é o que estão a oferecer as esquerdas dogmáticas que prezam pela direção revolucionária, e o conformismo, que é o que estão a oferecer a direita e a “esquerda” capitalista no poder, preferem o conformismo. […] entre a autogestão da luta, a submissão a elites revolucionárias autoritárias e o conformismo, os trabalhadores optam ou pela primeira ou pela terceira opção. Não mais pela segunda». Os trabalhadores e os militantes autonomistas e classistas devem construir a autonomia da classe na luta, desvencilhando-se de ambos, carcaça e abutres.

  28. Amanda C. entendeu o que queria entender do texto… ok, mas não dá pra entender que o texto do Legume é uma esperança para as verdades de movimentos ou coletivos verticalizados. É uma autocrítica de dentro do movimento autônomo que não pretende em momento algum dizer que o movimento autônomo é um fracasso. Mas vamos lá, né…

  29. Os buro-ácratas, ao que parece, ganharam essa. Uma pena. Mas aprendemos a nos precaver contra as novas formas inventadas por eles para fazer do movimento sua propriedade exclusiva: a detonação, as relações afinitárias, o controle da informação através da ausência de registros, o controle da participação através dos mecanismos da “confiança política” e, ao final, a inquisição contra a divergência pública. Após a publicação desse texto não faltaram declarações ou comentários comentando o quanto era terrível e errado publicar textos para “pressionar o movimento internamente”, ainda mais sendo uma “figura pública do movimento”, mesmo após ter saído dele! No começo do século XX, na “velha esquerda”, isso era conhecido simplesmente como polêmica política e era parte essencial de qualquer esforço de luta sério, em que as coisas não estavam pré definidas. Não deixa de ser surpreendente a reprodução de práticas organizativas leninistas (as degeneradas, da época stalinista) em organizações auto-proclamadas libertárias: a pretensão da rigída subsunção da opinião dos militantes ao coletivo, a proibição das tendências de opinião, a perseguição aos dissidentes… até a utilização de “dissidente” como xingamento. Só falta dar advertências ou colocar militantes em observação para avaliar se de fato são leais à direção do movimento. Ou começarem a pipocar cartas de auto-crítica renegando crenças profundas e se atribuindo crimes diversos. Triste fim para um movimento, mas é difícil dizer que a coisa veio do nada, já que outras figuras históricas todas falaram aqui ou em redes sociais que “os problemas são conhecidos, periódicos, vem tentando ser superados” (por que não foram, é um mistério, talvez por que a opressão seja como o musgo dos lagos, natural e inevitável)… pra não falar das críticas explícitas internas e externas nos últimos dois anos.

    O silêncio é a medida do poder burocrático dentro de movimentos na e a medida da sua conversão no modo de ação das seitas (no mais inofensivo dos casos) ou empresas (no das piores). Ao menos, se o MPL morreu como propositor de novas práticas sociais, a luta dos trabalhadores do transporte nunca se reduziu a essa organização e abandonar o “mítico” coletivo-marca de maneira quer dizer abandonar a luta. Os únicos que tem a opção de abandonar a luta anticapitalista são, afinal, os próprios capitalistas e gestores em ascensão. Quem pode abandonar a luta classista em torno do transporte é quem tem o controle da cidade. O que temos (e podemos e talvez devemos) a abandonar, com muita tranquilidade, são os instrumentos que nos foram tomados pelo inimigo ou tornados inúteis. É aí que entram os sindicatos, partidos políticos e também (penso eu) a forma-coletivo municipal que viabilizou o MPL em seus estágios iniciais. Agora, penso que um movimento de trabalhadores que paute o transporte e a cidade tem que se construir a partir dos próprios bairros, das lutas concretas dos trabalhadores em suas localidades e a partir daí ir se articulando. Se existem militantes no MPL que buscam construir isso seriamente, que bom, mas o que percebo é que a coisa simplesmente não anda combinando. Ou cria entraves desnecessários à luta, como me parece ter sido o caso do Transporte Extremo Sul em um determinado momento.

    Lembro que algum tempo atrás, angustiado com uma situação diante da qual não parecíamos conseguir sair, me perguntei o que poderíamos fazer quando o interesse popular pelo movimento desaparecia, mas o interesse do gestor público não. Agora percebo que talvez o que alguns queriam era isso mesmo: a população aparece quando convocada a se manifestar (mas não interfere nos processos decisivos), a mídia dá um toque, os gestores te ouvem, a marca se fortalece e as posições de poder idem. Primeiro é uma coisa provisória, por questões operacionais ou ainda de segurança, por algum motivo se torna permanente, cômodo. Algo se constrói com isso, com certeza o movimento não morre (ao menos or um tempo) e com o tempo acontece como rolou com essxs camaradxs desse novo partido anarquista: que disputem sindicatos, partidos, entidades estudantis, é pra isso que elas existem mesmo, pra ser objeto de disputa por poder, “programas” etc. À imensa maioria dos trabalhadores que rejeita os sindicatos e partidos pela sua gangsterização e burocratização, resta o nada,a extrema direita, as igrejas evangélicas e alguns poucos (muito poucos) que buscam utilizar as experiências de luta e organização em prol de algo mais que seu currículo acadêmico ou de experiências de vida.

    Parabéns ao autor pela lucidez da crítica, auto-crítica e por não se deixar silenciar pelas chantagens que sempre permeiam os meios políticos e os autônomos mais do que muita gente pensa. Gostaria de ter feito uma carta desse tipo quando saí do movimento, pra gerar uma discussão tal qual aconteceu agora e estarmos talvez se aproximando mais de uma solução dos velhos problemas raramente problematizados. O preço que se está pagando pelo silêncio, pelas saídas individuais “querendo evitar desgaste”, pelas cartas internas para “preservar o movimento” vem sendo alto demais… e injustificável para pessoas e grupos que se propunham romper com as velhas práticas burocráticas.

  30. Grouxo e Fagner, como é que um militante classista-autonomista deve participar dos processos de organização popular? Escondendo o fato de que tem uma formação política por trás de seu discurso? Fingindo que suas intervenções são ingênuas e guiadas por um espírito puro de “trabalhador genérico”?

    A auto-gestão da sociedade também é uma ideologia, não é a natureza espontânea dos seres humanos livres anterior ao pacto social. Não se trata de um Comitê Central que ilumina os trabalhadores, mas construir organização popular sem apresentar suas verdadeiras intenções, i.e. poder popular e o fim do capitalismo, é no mínimo desonesto.
    A forma como vocês argumentam contra as organizações programáticas faz parecer que a auto-organização dos trabalhadores ocorre de forma mágica, como se boa parte das auto-organizações dos trabalhadores (e estudantes e bairros e etc.) também não fosse feita por militantes de partidos e organizações.
    Será que esse autonomismo classista é contrário à democracia proletária, à existência de partidos e tendências internos à classe? Pensará que a auto-gestão (das lutas e da sociedade) se dá sempre com consenso e identidade ideológica? Qualquer coisa que se afaste de uma natureza imaculada da auto-organização segundo os conceitos autonomistas será taxada de dogmatismo?

    Fagner, no teu texto, ressalto essa passagem do penúltimo parágrafo: “Ter alguém que aponta o caminho, na realidade, não é o verdadeiro problema. […] O único problema é quando esse alguém se dispõe a apontar o caminho sem conhecê-lo de fato; e quando, ainda por cima, esse alguém pretende apresentar o seu caminho como o único caminho.”
    O resto do parágrafo poderia ser idêntico ao de uma organização marxista-leninista descrevendo a necessidade de proletarização de seu partido, preocupação séria de muitas delas. É o próprio Lenin que fala que dentro do partido a divisão entre “intelectual” e “trabalhador” deve ser desfeita (no teu texto você substitui “partido” por “âmbito de militância”).
    Não deixa de surpreender que o parágrafo seguinte comece com “O projeto político da autonomia é, por isso, o único projeto verdadeiramente radical e verdadeiramente revolucionário”.
    A direção autonomista é também uma direção, um dos caminhos possíveis para o desenvolvimento de um processo organizativo ou de mobilização. E para que essa seja a direção tomada, na maioria das vezes faz-se necessária a intervenção de militantes autonomistas para evitar que a direção termine sendo outra [isso quando essa intervenção não termina também sendo derrotada, como no caso do MPL].
    O que me parece difícil de entender é se vocês concebem a auto-organização dos trabalhadores como um espaço livre de disputa ideológica e de programa. Isso pode até ser o caso em um contexto de baixíssima mobilização e consciência, mas e o dia em que o próprio contexto social mais amplo colocar estas questões de forma externa, como durante todo o período em que existia o bloco soviético? Como em outros países da América Latina onde o conflito de classes chegou a níveis muito mais altos que no Brasil?
    Ou seja: Quando os próprios trabalhadores tomam partido, quando os próprios trabalhadores passam a ter opiniões próprias (e conflitantes) sobre os caminhos para a revolução, será o fim do projeto autonomista?

  31. Os abutres não vêm apenas fazer propaganda da própria organização tentando cooptar algum incauto desanimado. Eles procuram também deslegitimar a história de luta do movimento negando o caráter fundamentalmente econômico das lutas do transporte.

    Escrevi há mais de um ano um artigo (http://passapalavra.info/2014/05/95372) em que relacionei as diferentes modalidades de luta do transporte com os efeitos econômicos que essas lutas provocam. Fi-lo num panorama geral, incluindo o transporte no tecido urbano das condições gerais de produção, posicionando-o como elemento chave da economia das cidades. Ora, quando afirmei que “as lutas deflagradas em torno da questão do transporte obedecem ao mesmo modelo econômico daquelas realizadas no processo de trabalho”, integrando essas lutas ao quadro geral de conflito social, estava justamente reivindicando essas lutas enquanto modalidades da luta de classe dos nossos dias.

    Mas os abutres têm somente atração pela carcaça de um movimento moribundo. A eles pouco importa entender a dinâmica e a plasticidade dos conflitos sociais do nosso tempo ou compreender as possibilidades e limitações de cada conflito em particular. Vivem somente de dogmas e carniça.

  32. Ainda que este artigo venha provocando bastante debate, muitas das discussões que tenho acompanhado parecem evitar as importantes reflexões estratégicas e os problemas organizativos que o companheiro propõe. A principal preocupação, na maioria dos casos, parece ser sobre “o fim do MPL” – o autor estaria querendo decretar que o movimento acabou agora? Entendo que essa questão está sendo mal colocada, então vou tentar tratar dela neste comentário.

    A ideia de que o MPL acabou não é nova. Acho que ouvi pela primeira vez ainda em 2013, vinda de um companheiro que até hoje atua como apoiador do movimento em São Paulo. Ele sugeria inclusive uma data certa para o fim: segunda-feira, dia 17 de junho. Naquele dia, vivemos a possível maior mobilização de rua da história do país. Vendo mais de um milhão de pessoas saindo da Av. Faria Lima, com as mais diversas pautas, o companheiro constatou: o pequeno grupo inicial do MPL foi ultrapassado pelo movimento de massas.

    Não se trata então de uma morte literal, mas de uma morte histórica. O “fim do MPL” é o esgotamento do potencial do movimento em construir relações sociais de novo tipo. E se for possível precisar o momento do fim, não é agora: foi no próprio junho de 2013. Não no dia 17, eu acho, mas no dia 19. O MPL se foi junto com os R$3,20.

    Ao construir a escalada de luta de rua contra o aumento da tarifa em 2013, o MPL lançou uma mobilização que superou seus limites. Colado em sua pauta, o MPL se viu realizado e não pôde ir além no momento da massificação do movimento. Vitória e derrota, as duas coisas, uma só. Junto a toda esquerda, assistimos perplexos ao ascenso de lutas da classe. Em seguida, nos encerramos entre nós mesmos.

    Escrevi exatamente sobre isso há mais de um ano, junto com o Leo, num texto chamado “Revolta popular: o limite da tática” (http://passapalavra.info/2014/05/95701). O problema ali já era o fim do MPL – víamos que, passado Junho, “o grupo que ocupou o papel de direção perde o sentido”.

    Retomo um pouco mais: “(…) Quando cai a tarifa em São Paulo e outras centenas de cidades, a forma organizativa da direção das revoltas contra o aumento completa sua empreitada, que se desenhava a cada ano: abrir uma fissura no consenso. Orientado por e para as revoltas, o formato assumido pelo MPL perde seu lugar.”

    Mesmo avaliando que aquele movimento que existiu até 2013 havia chegado ao fim, continuávamos militando no MPL. A organização continuava existindo e a gente fazia coisas, apesar do movimento histórico que a fez surgir ter sido superado. Mas, já que continuava a prática militante, não seria possível que, no processo social, surgisse um sentido novo dentro do velho MPL? A morte do MPL, porém, a todo momento se fazia presente. Ela se manifestou mais fortemente pelo processo de burocratização – que Legume apresenta aqui como um “fechamento em relação à sociedade”.

    Militantes de outras cidades (vi Distrito Federal, Salvador e Goiânia) escreveram aqui que esse texto refletiria só uma crise interna de São Paulo. Antes fosse. Estamos falando de junho de 2013, uma experiência de massas a nível nacional.

    Também não se trata, como escreveu o Gabriel Silva. de “chamar de ‘fim’ um processo de desorientação – que aliás me parece, pelo que sei, ter sido o estado normal histórico do MPL nos momentos entre as lutas contra o aumento”. Antes, mesmo fora de ascensos, o MPL sempre apontou para uma certa orientação (chamei anteriormente de “sentido”): a próxima luta contra o aumento. Depois de junho de 2013, passamos a apontar para trás?

    Aliás, um parênteses: diferente do que colocaram o Gabriel e a TL, não encontrei onde do texto o Legume usaria nossa saída – do Extremo Sul e de vários militantes – para respaldar a tese do “fim do MPL”. Essas saídas são mencionadas como fim de um momento de uma disputa interna específica, na qual o Legume criticou inclusive os dois lados. Mas, seguindo a análise, nesse último momento o fim do movimento já estava dado.

    Ainda existem coletivos do MPL, que imagino que vão seguir em atividades, mas enquanto experiência histórica de movimento da classe, houve um MPL que se realizou em 2013. (É possível que venham a surgir novos.) Aí entra a importância de textos como este, que é a de refletir abertamente sobre tais processos.

    Foi por não ver mais possibilidade de construção de um novo sentido para o movimento dentro dele, que há uns dois meses, junto a outros camaradas, saí do MPL. Mas se saímos, foi porque passamos a criticar principalmente nossas próprias posições, questionando o próprio tipo de atuação que defendíamos até então no movimento. Saí com problemas, e não com respostas.

    Acredito que as respostas são necessárias, e que é preciso sim ter em vista a importância de um processo de reorganização da classe, mas que tais respostas só poderão surgir dos processos de luta – e, principalmente, dos problemas que eles nos colocarem.

  33. Ótima auto-critica. Mas o Fim, se realmente o foi, nunca é o fim mas a abertura para multiplos caminhos. O próprio MPL é fruto, se não me engano, de experiências autônomas como o AGP e etc. Não sei se um movimento deva se cristalizar, prefiro apostar nas Zonas Autonomas Temporárias e na multiplicidade. A questão é como conectar-federalizar esta multiplicidade de movimentos. Aqui creio que o texto colocou pontos criticos bem relevantes…

  34. Caio, é sempre razoável tentar esclarecer os mal-entendidos que certas interpretações podem causar. Mas não sejamos ingênuos: quando esses mal-entendidos são difundidos justamente por aqueles que permanecem na organização criticada, não é de mal-entendido que se trata mais.

    Eles sabem exatamente o que se está criticando. Dizer que se trata de um caso isolado, que o movimento continua como sempre esteve, que é arrogância, personalismo ou megalomania do Legume, isso é puro oportunismo. Serve muito bem a certas pessoas, ajuda-as a se cristalizarem nas posições que ocupam em cada coletivo da federação. São os futuros burocratas da marca-MPL.

  35. O MPL achou que podia fazer um up-grade, deixar de ser uma franja do PT e virar partido politico de extrema esquerda. Pelo jeito não deu certo. Acabou, do mesmo jeito que as outras franjas vão acabar, junto com o PT.

  36. Caio, vocês e tod@s @s militantes do MPL (de são paulo e nacional) merecem muito respeito. Porque o MPL foi a única organização que não se rendeu ao pacto de classes imposto pelo PT. Queria apresentar algumas divergências que, mesmo de longe (ou seja, sem fazer parte do MPL), temos observado e na falta de espaço compartilho com vocês por aqui.

    Como você e o Léo mesmo apontam no texto, junho de 2013 não aconteceu por acaso. Foi fruto de um trabalho organizativo que sistematizou as experiências históricas da ação do mpl (salvador, floripa 2004 e 2005, espírito santo, porto alegre, DF etc) e colocou em ação em são paulo a prática do movimento construída em outras localidades. Agora não entendo como esta ação que resultou no congelamento da tarifa na maior cidade do país, e em centenas de cidades no brasil, pode ter chegado no seu limite? Se o fim das táticas de ação do mpl se esgotasse com cada revolta que congelasse a tarifa, o MPL teria acabado em 2004 com a revolta da catraca em florianópolis, mas não acabou como teve sucesso na revolta de 2005 na mesma cidade.

    Me parece que foi justamente o contrário da análise do limite da tática: a partir de 2013 o MPL se constitui como uma luta nacional (ou seja, houveram avanços no direito ao transporte nacionalmente, como o caso de centenas de cidades que instituíram o passe livre pra estudantes e o congelamento da tarifa). A revolta de junho impôs uma alteração no discurso do Estado, que não fala mais que a taria é uma questão técnica, junho mostrou que a questão é (e sempre foi) política… ao invés do movimento avançar sobre isso, avançar na organização nacional e fortalecer o federalismo interno pra dar continuidade a construção de ma estratégia de luta pro território brasileiro, houve o recuo e hoje estão querendo acabar com o movimento.

    Queria lembrar que o MPL não está mais “sozinho”, a população se apropriou das estratégias de luta do mpl. Pular a catraca é a forma de fazer a tarifa zero na prática, como mostrou o mpl e como vem sendo praticado pela população (http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/desintegracao-da-tarifa-gera-efeito-pula-catraca-em-araucaria-9feuktu4acwgpklg1lzifc53n).

    Agora a quem interessa decretar o fim do movimento? Claro que por meio de um recurso teórico é possível que se entenda o FIM do movimento de duas formas: 1) como finalidade ou objetivo do movimento; 2) a palavra fim é entendida enquanto término de algo, realização de uma ideia. Se o objetivo ou a finalidade (ou o fim) do mpl fosse apenas fazer uma revolta e congelar uma vez a tarifa, então realmente ele está morto. Agora se o sentido da luta do MPL são as catracas, e por isso o sentido do movimento é “rumo a tarifa zero”, então o movimento está bem vivo! Se para os teóricos universitários as catracas não tem sentido, porque foram treinados a vida inteira para passarem nos diversos vestibulares (ou catraca para os pobres), nós, os de baixo, sentimos as catracas diariamente, lembramos delas todos os dias em que temos que SENTIR na carne o que é pegar um buzão lotado, com a tarifa que é um roubo, chegar cansado em casa e ter que economizar na cebola pra conseguir fazer o mesmo sentido de ida e de volta do dia anterior.

    Sinceramente, gostaria que pensasse a quem serve (ou pra quem faz sentido) o fim (enquanto término) do MPL? Olhe para o lado e veja o caso do MST e veja se não é o mesmo discurso..QUANDO (ou pra quem) A LUTA POR TERRA NÃO FAZ MAIS SENTIDO? a quem interessa uma nova forma de “reforma agrária” que seja compatível com o agronegócio? De um lado é interessante ao MST, por ser um colaborador no pacto de classes encabeçado pelo PT, pois segura (freia) a luta no campo pro capital agrário (conhecido como agronegócio) se valorizar, ao passo que a valorização das terras resulta na expulsão dos trabalhadores rurais (uns falam em êxodo) que, sem terra, migram pras grandes cidades pra serem engolidos nas engrenagens da grande fábrica chamada cidade; do outro lado, “a luta no campo não faz mais sentido” pra outros grupos políticos, que ventilaram por todos os cantos o conto de que “a luta pela terra já era! que agora é o momento da luta nas fábricas”. Ok, cada um sabe o que faz com suas estratégias e onde deve colocar suas forças. Agora dizer que não faz mais sentido a luta pela terra, no contexto brasileiro, em que o “crescimento econômico” da era Lula teve como um dos pilares o dinheiro vindo do capital agrário? A desistência da luta pela terra esconde uma opção de girar a militância pra luta nas fábricas, como também contribui, ao seu modo, com o mesmo pacto de conciliação. Qual fábrica foi parada em junho? Porque agora cabe ao MPL “organizar os trabalhadores no seu local de trabalho”, não haveria aqui uma importação de uma tarefa que é externa ao movimento? Não se trata de negar a necessidade de organizar os trabalhadores do transporte (e afins), mas o objetivo do MPL não é este, por isso também não é sua responsabilidade fazer isso sozinho. Olha que louco, em Junho de 2013 o MPL foi vitorioso porque bancou sua tarefa com convicção, ou seja, a luta era pela redução do aumento e isso impôs outra lógica à negociação. Agora os textos publicados (coroado pelo texto do Legume) querem fazer a gente acreditar que a finalidade (o objetivo, o fim) do movimento é outro (reorganizar a classe, tarefa difícil ou impossível para um único movimento).

    Ao menos fico contente em saber que ainda há comp@s que compartem dessa visão, que ainda vêm sentido na luta contra as catracas. Hoje mais do que nunca as palavras de ordem do MPL fazem sentido, “Por uma vida sem catracas”, pois enquanto houver catracas, tenho certeza que haverá lutas!

  37. Só gostaria de pontuar que acho um enorme equívoco considerar que o sentido do MPL seja, ou tenha sido, a luta reativa a aumentos de tarifa. Talvez em SP isso tenha se tornado um certo fetiche em algum momento, mas seguramente nunca foi disso que se tratou o horizonte. O significante mais forte introduzido pelo movimento no léxico político, a tarifa zero, e suas variações ao redor da crítica ao modelo de cidade capitalista, sempre apontaram para caminhos muito mais da ordem estratégica do que meramente tática. Independente do debate sobre o sujeito destas transformações, me parece que o objeto ainda está inteiro por ser alcançado. Estamos bastante longe de um transporte que esteja a serviço da classe e não da mercadoria. Aliás, estamos ainda mais longe de sequer entender qual é a subjetividade popular brasileira contemporânea, seus interesses e contradições, o que nos afasta de forma considerável de um possível projeto político científico que tenha a pretensão de colocar este sujeito da transformação em ação. Projeto ilusório, diga-se, que é mais efetivo em alimentar narcisismos. De qualquer forma, tanto o MPL como outras organizações presentes e, espero, futuras, que se voltem para este objeto, seguem bastante necessários. O fim da história ainda não chegou. Como ponta solta, deixo a questão de as organizações levarem em consideração o cuidado de primeira importância com os aspectos subjetivos que movem os debates e os projetos divergentes de sua militância. Aspectos afetivos e pré-políticos ainda estão sob o controle direto e impessoal dos rumos da nossa luta, tanto quanto a impessoalidade poderosa do capital e da ideologia.

  38. “Ainda que este artigo venha provocando bastante debate, muitas das discussões que tenho acompanhado parecem evitar as importantes reflexões estratégicas e os problemas organizativos que o companheiro propõe. A principal preocupação, na maioria dos casos, parece ser sobre “o fim do MPL” – o autor estaria querendo decretar que o movimento acabou agora? Entendo que essa questão está sendo mal colocada (…)”

  39. Em primeiro lugar obrigado a todos que comentaram, mto rico o debate. Chupa facebook!

    Mas ae, Lucas, eu não sei de movimentos autônomos armados no México, falei pq achei q ce tava mencionando diretamente o EZLN e pq me pareceu um exemplo de um lance que vejo rolar mto e ha mtos anos, que é criticar (ou atacar ou desqualificar) os zapatistas sem informações básicas sobre o rolê. Existem guerrilhas no México hj, mas as que eu manjo como em Guerrero são maoístas, foquistas, esses lances mais roots. Tem os casos das autodefesas, das polícias comunitárias e também de autogoverno político mas também em alguma medida armado como em Cherán, mas aí a discussão sobre autonomia iria longe e de preferencia teria q ser feito com eles – de todo modo nenhum deles é uma guerrilha, e em senão me engano tão mais pra indígena que pra camponeses tb…

    Mas enfim, o que pra mim fica do seu comentário último é que ser “saco de gatos” não é privilégio do autonomismo, certo? Vc mesmo fala em socialismo – o PSB e o PPS também!, outros extraem vanguarda do termo anarquismo, outros são comunistas e tão no governo. Não acho que isso por si mesmo deslegitime qualquer um desses termos, nem eu nem certamente todo o resto do “saco de gatos” que os utiliza. O texto do Fagner claramente é isso, tenta fazer um corte dentro do autonomismo e dizer qual parte dele ele prefere, assim como o Legume, o Caio.

    Acho essa postura mais frutífera e também mais condizente com a realidade, como o debate demonstra cada um entende a busca pela autonomia de um jeito, então vc desqualificar o autonomismo como se fosse unitário é de cara um erro de análise pq se desloca mto do dna do próprio objeto na minha opinião, que é marcado pela diversidade e fragmentação, aí fica ao critério de cada analista entender se ou quando é pro bem e pro mal, mas ja rotular o rolê como unitário como base de crítica e análise não me parece um bom ponto de partida. Melhor seria vc se dirigir especificamente que tipo de postura entendida como autônoma vc diverge e por que, do meu ponto de vista de autonomia por exemplo, e pelo que vejo de outros comentaristas aqui, a horizontalidade e a quebra de hierarquias no aqui e agora da luta é ponto bastante importante, algo que vc parece não levar tão em conta, ou da nossa maneira ou na nossa prioridade, em seus comentários.

    Abraas!

  40. O texto de Amanda C é tão arrogante e cheio de imperativos que fiquei muito curioso pra saber a ação prática política dela, deve ser uma Angela Davis 2.0 envolvida em um coletivo super revolucionário que sabe exatamente pra onde todo mundo deve ir, tal o peso inquestionável e mundialmente conhecido de sua prática catalizadora de multidões e revolucionária. Será que você poderia fazer o favor de explicar da onde está falando e com base em que experiência de sucesso você está falando Amanda, pra gente entender por que as nossas são tão fracassadas e merecem acabar? Afinal, “Queimar pneus na rodovia, até o Levante Popular da Juventude faz” quero muito saber o que seu grupo ou partido ou o que seja está fazendo a partir do legado da classe trabalhadora, além de chamados arrogantes que rotulam anos de atuação e debate dos outros como imaturidade, como se eles também não tivessem base em anos de história e em condições materiais e fossem só uma etapa de ativismo adolescente antes da idade adulta que ela agora chegou e que nos mostrar o caminho. Bom, não existe horizontalidade: desça aí de cima óh Amanda e mostre-nos o caminho da sua prática!

  41. Amanda C. e o Hugo Scabello – o outro companheiro que colocou nada menos que o manifesto de sua organização em seu comentário feito acima – participam da “Aliança Anarquista”, anarco-organização que atua apenas na Universidade de São Paulo.
    Não é preciso explicar mais nada.
    Ops, me engano. A Aliança Anarquista está em processo de ingresso (se é que não entrou) na Conlutas. Uma central sindical onde os imperativos da Amanda e Hugo e seu manifesto-em-qualuqer-espaço-político serão muito bem vindos.

  42. Saudações Legume, mais pela coragem, sinceridade e transparência do que pelo texto. Há palavras demais em circulação, sua “carta” é uma brisa de ar fresco em meio a tanta catimba verborrágica e “sutilezas conceituais”.Sobre a morte do MPL e de outras organizações…que venham outras vidas, sem lamentações ou luto.

    abraço fraterno

    CA

  43. Caio, o modo como colocou a morte não literal do MPL, talvez por uma má interpretação minha, me soou como uma impossibilidade dada de um movimento autônomo ao se massificar continuar a existindo, como se o autonomismo estivesse fadado a existência de grupelhos? É mais ou menos isso que você colocou ou é mais no sentido de ter havido uma massificação do MPL, levando a condição ou ao menos a potencialidade de se firmar enquanto movimento social e este ter se sujeitado ainda a condição de coletivo?

    O que eu já acompanhei de alguns militantes de perspectiva autonomista é um certo desprezo pelo grupo/organização, em que quando aparece os problemas estes se afastam e/ou saem, muitas vezes sem fazer qualquer crítica interna, fazendo-a de modo externo em tom personalista e quase heróico, de que “eu já sabia”, “o problema são os outros eu não tenho nada a ver com isto”, etc. Ainda que eu ache que você não tenha dito isso sobre a incapacidade de massificação do movimento autônomo, na prática acho que muitos militantes autônomos de forma consciente ou não atuam desta forma. Não to insinuando que seja o caso do Legume ou seu ou de outros que saíram. Só acho que essa incapacidade de lidar com a movimentação e massificação dos grupos que inevitavelmente levam a novos problemas é uma questão relevante a se pensar,pois constitui-se a um entrave a massificação do movimento, pois tais militantes numa incapacidade de lidar com as contradições acabam caindo em um purismo e levando necessariamente o movimento a ficar em si mesmo, limitando sempre a uma dezena de pessoas.

    Concordo que foi um processo nacional no sentido de focar-se em 2013 e de ainda estarmos – não só enquanto MPL, mas enquanto esquerda autônoma ou não – estarmos vivendo as consequências destes, tanto por um refluxo vivenciado quanto pela renovação das táticas dos inimigos, mas o caso vivenciado por SP, na massificação do movimento, na legitimidade que conquistaram, na divisão por bairros é bem específico, e nesse sentido, um prognóstico geral, a partir de SP é equivocado, ainda que vários elementos convirjam. Aliás, mesmo um prognóstico de SP me soa um equivoco, pois os problemas vivenciados não se limitam ao MPL e junho foi um elemento novo para todo mundo e dimensões absurda é comum que os problemas e as soluções se mantenham por um bom tempo até conseguirmos de fato nos reinventar.

  44. Pessoas,

    O título do artigo é uma pergunta, no decorrer do texto apresento minha resposta para justificar o que considero o fim do Movimento Passe Livre. Isso não significa que eu tenha deixado de considerar a luta por transporte como um elemento fundamental para a transformação da sociedade de classes. Para mim é justamente a inserção dessa luta na criação de novas formas de atuação e transformação o que dá sentido à existência de um movimento, portanto, o que justificaria sua continuidade e isso não acontece atualmente com o MPL. Não acho que o MPL acabou porque eu saí, pelo contrário, eu saí porque acabou o sentido do movimento. As pessoas podem procurar produzir outras respostas, justificar a existência do movimento e rebater as críticas; não cabe a mim esse papel.

    Para mim as saídas, seja a minha, sejam as de dezenas de outros militantes pelo Brasil, seja a da Extremo-Sul, não são uma prova da burocratização, mas demonstram que as disputas internas feitas no movimento acabaram, agora não há mais disputa. No artigo, inclusive, critico essa disputa, não acho que ela chegou a apontar para a superação dos limites do MPL. Tanto que o Movimento manteve suas características de grupo de afinidade autônomo.

    As mobilizações de junho de 2013 não foram massivas apenas em uma cidade, mas no país inteiro, tornando o MPL uma referência nacional para aquelas pessoas que pretendiam mobilizar-se por transporte e inspirando lutas diversas. A incapacidade de superar esses limites não se limitou a um, ou outro, coletivo, mas ao movimento como um todo.

    Essa importância que o MPL desempenhou em uma mobilização dos trabalhadores explica o porquê tantos oportunistas – sejam de direita ou de esquerda – estejam agora a comemorar este artigo e a tentar torcer o que escrevo para encaixar em sua interpretação da realidade. Todo texto está sujeito a isso, mas isso não deve servir de pretexto para não discutirmos publicamente nossas análises. No mais, considero que a discussão neste espaço, e em alguns outros, tem se mostrado bastante frutífera e espero que nos ajude a pensar nos novos caminhos para avançar.

  45. Lucas,

    Em qualquer luta, o que mais importa é a forma de organização adotada pelos lutadores, que acaba presidindo a todas as suas atividades e expressões ideológicas, bem como a capacidade de difusão dessa forma de organização em conflitos com grupos distintos e, portanto, contraditórios.

    O que precisamos é de pessoas que percebam, em cada luta, a possibilidade de inaugurar formas de organização que sejam formas de aplicação da autonomia proletária, não num futuro incerto mas desde já. E precisamos, também, de pessoas que sejam capazes de analisar as relações políticas e econômicas do tempo presente. Essas pessoas é que podem apontar caminhos.

    No entanto, cristalizar divisões entre aqueles que são responsáveis pela formulação teórica e aqueles que são responsáveis pela aplicação prática da teoria é fortalecer uma prática indispensável ao capitalismo, que é a da cisão entre trabalho intelectual e trabalho manual. Isso leva ao reforço das relações capitalistas, ao invés do reforço de relações de novo tipo.

    A questão é: todo indivíduo pode e deve poder desempenhar, em cada momento, a função de vanguarda; e todo indivíduo pode e deve se preocupar com a busca de formas de realização do princípio da autonomia proletária, bem como se preocupar com a busca de soluções para os problemas políticos e econômicos que defrontamos.

    Você diz que “a auto-gestão da sociedade também é uma ideologia, não é a natureza espontânea dos seres humanos livres anterior ao pacto social”. Eu digo que, não, a autogestão é uma prática, que surge no processo de luta dos trabalhadores contra o capital, sempre que eles superam formas cooptadas de luta e instauram formas verdadeiramente radicais de luta. É claro que também temos ideologias que expressam essa prática, mas o fundamental é a prática e não as ideologias.

    O problema das esquerdas dogmáticas é a crença de que o seu programa, de que a sua estratégia, de que a sua tática, de que a sua ideologia etc. é indispensável para que haja uma prática revolucionária. O que eu digo é que a prática revolucionária surge independentemente do programa, contanto que a forma de organização dos lutadores esteja em completa contradição com as formas de organização consentidas e estimuladas pelo capitalismo.

    A meu ver, temos, hoje, os seguintes tipos de esquerda dogmática: os governistas e os para-governistas, que vão desde PT/movimentos aliados até partidos eleitorais/movimentos aliados constituintes da oposição parlamentar/eleitoral de esquerda ao PT, para quem a única alternativa à disposição é o apoio e/ou a criação de um governo de esquerda; os anti-governistas autoritários, que vão desde certos grupos leninistas, stalinistas, maoistas etc. até certos grupos bakuninistas etc., para quem a condição indispensável para o triunfo dos trabalhadores é a hegemonia das suas respectivas organizações burocráticas; os que se consideram Black Blocs, para quem não há revolução sem barricadas, pneus em chamas, molotovs e enfrentamentos diretos com os órgãos de repressão do Estado; e os grupos identitários, que vão desde as feministas radicais até certa tendência do movimento negro etc., para quem a revolução começa pela supressão dos privilégios dos grupos sociais historicamente privilegiados, o que passa pela criação de espaços de privilégio para os grupos sociais historicamente desprivilegiados.

    Enfim, voltando à questão da construção da autonomia: não se trata de mágica alguma; trata-se da dinâmica da luta de classes, que, em muitos casos, faz com que, em movimentos de inspiração leninista ou afins, surjam práticas que vão de encontro às concepções leninistas, por exemplo. Foi o caso da primeira geração de trotskistas brasileiros, por exemplo, que fizeram críticas importantíssimas ao stalinismo e defenderam práticas que se aproximavam do que, hoje, concebemos como autonomia proletária.

    E engana-se você, Lucas, quando diz que “é o próprio Lenin que fala que dentro do partido a divisão entre “intelectual” e “trabalhador” deve ser desfeita”, pois o que Lenin defendia é que a burocracia bolchevique deveria ser renovada constantemente, com elementos vindos da base do partido; mas Lenin jamais abriu mão da direção da base pela burocracia partidária, bem como imposição da disciplina e da obediência da base perante a direção. Da mesma forma, é do interesse das Forças Armadas de qualquer país que o quadro de oficiais seja continuamente renovado.

    O que eu defendo é que todos se empenhem em estudar a sociedade contra a qual lutamos, que todos busquem formas de realizar a autonomia proletária, que todos se empenhem em apontar caminhos, o que é muito diferente de querer cristalizar a divisão entre formulação teórica e aplicação da teoria.

    E é claro que deve haver espaço para a pluralidade de projetos, inseridos dentro de um projeto mais amplo, o projeto da autonomia proletária. E, por sinal, o que falta, hoje, no MPL e no meio autonomista, é justamente o respeito à divergência, sobretudo em matéria de concepções da luta feminista. Enfim, o meu texto, que eu citei, não deve ser lido na perspectiva que você o apresenta: ao invés de autoproclamadas vanguardas, que todos possam e busquem ser vanguardas de fato, a apontar caminhos, o que, na verdade, tornaria o conjunto de projetos políticos, na esquerda, muito mais plural.

  46. Minha dor é perceber
    Que apesar de termos
    Feito tudo, tudo
    Tudo o que fizemos
    Nós ainda somos
    Os mesmos e vivemos
    Ainda somos
    Os mesmos e vivemos
    Ainda somos
    Os mesmos e vivemos
    Como os nossos pais…

  47. Abaixo, algumas reflexões que embora não tratem diretamente do MPL, aborda questões diretamente ligadas a alguns dos problemas apontados no ótimo texto do Legume.

    http://humanaesfera.blogspot.com.br/2015/05/acao-direta-contra-trabalho-de-base.html

    “Ação direta VERSUS trabalho de base

    ´A consciência não é senão o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo real de vida. […] Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. No primeiro modo de consideração, parte-se da consciência como indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos vivos reais e considera-se a consciência apenas como a sua consciência.´ (K. Marx)

    Um sinônimo para heteronomia do proletariado? Eis: trabalho de base. Pseudo-práxis tão oca, tautológica e vazia que não passa da repetição incessante da exortação a um dolorido, árduo, interminável, confrangente… trabalho de base. *

    O ativista, o militante, quer ação. Ao contrário dos não-militantes, ele se vangloria por ele, ele sim, agir. O erro começa aí: imaginar que existe ou possa existir alguém que “não faz nada”. Se existimos, agimos. Não é preciso esperar uma panelinha de militantes com seus “trabalhos de base” e “inserções sociais” para agir e se solidarizar com os demais.

    A ideia de trabalho de base é indefensável, porque é intrinsecamente heteronômica. Mas o militante autonomista pretende lutar pela autonomia do proletariado. Como alguém que alega agir – isto é, alega que os outros não agem – pode agir se não supor agir sobre os outros (trabalho sobre a base)? Então, o militante autonomista entra em parafuso, e, para se recompor, apresenta-se como meio, instrumento, e não como fim – ele renuncia aos próprios desejos (objetivos, ideias, finalidades, que menoscaba como meras utopias), porque acha que assim respeita os desejos da “base”, a autonomia dela. Ora, não é óbvio que o “trabalho de base” implica aceitar acriticamente uma posição heterônima, hierárquica? E não é óbvio que essa renúncia a objetivos e desejos (para imaginariamente respeitar a autonomia da base) significa se omitir frente às tendências suicidas (reacionárias) do proletariado, como se elas fossem autônomas?

    No melhor dos casos, a militância é simples fantasia, mera imaginação e delírio. Coisa talvez digna de riso. Já nos outros casos, a medida que a organização militante se perpetua e o trabalho de base tem êxito, vai se consolidando inevitavelmente (independente do formalismo “igualitário”, “democrático” ou das “intenções”) como gangue, bando, máfia, sacerdócio, quando não numa nova classe dominante (burocracia).

    O que devemos fazer então? Nada. Se existimos, agimos. Basta ser o que se é, isto é, agir como igual (um proletário), sem recuos nem renúncias – apresentando opiniões, objetivos e propostas assim como os outros iguais apresentam as opiniões, objetivos e propostas deles. Simplesmente de igual para igual, nos ônibus, no trabalho, no trem, na internet, na rua, se há oportunidade. Abertamente, como tendência comunista libertária do proletariado contra outras tendências dele (tendências essas que em nossa opinião são suicidas para o proletariado, pois o levam a sustentar sua própria sujeição e exploração. Por exemplo: religião, patriotismo, defesa de “seus” empregos contra “intrusos”, xenofobia, machismo, primitivismo, racismo, bairrismo, corporativismo, conspiracionismo, o servilismo de brigar pelo reconhecimento de “méritos”…).

    As práticas do proletariado (solidariedades, greves, manifestações, trabalhar o mínimo, cagar para a “meritocracia” e, o que propomos, que é superar a greve pela produção livre [http://humanaesfera.blogspot.com.br/2014/11/greve-e-producao-livre.html], rastilho do comunismo universal [http://humanaesfera.blogspot.com.br/2014/09/breve-critica-ideia-de-economia.html]) são por si mesmas nossa prática. E as práticas da classe, só podemos influenciá-las debatendo-as e apresentando claramente nossas críticas, ideias, e finalidades, que podem ser mais ou menos adotadas ou não, ser difundidas pelos outros ou não, em determinando momentos sim e em outros não, aprimoradas ou não… Não existe nenhum outro tipo de práxis além dessa, se buscamos favorecer a autonomia do proletariado. Trabalho de base é mistificação proto-burocrática ou proto-sacerdotal.

    [Obs.: aos que acham que superestimamos as “ideias”, respondemos que as ideias não são entes imateriais (só seriam imateriais se elas existissem num plano sobrenatural, em que seriam eternas e inalteráveis), mas, pelo contrário, são produções, indispensáveis para compor (em pé de igualdade ) com outras produções a transformação das circunstâncias (praxis revolucionária). Os proletários não são bestas que fazem coisas cegamente ou por instinto. Não há ações sem objetivos, finalidades, desejos… isto é, as ações pressupõem e implicam teorias, que os proletários criam e aprimoram (ou degradam e dogmatizam) conforme percebem que sua capacidade de agir é objetivamente aumentada (ou diminuída). A capacidade de agir dos proletários é aumentada quando confiam em si mesmos (internacionalisticamente), não reconhecem “bodes expiatórios”, e impõem suas necessidades (que são comunistas: não trabalhar e que tudo seja livre, “free”), opondo-se radicalmente, por este simples ato, à classe dominante (para a qual, obviamente, isto é “opressivo”, verdadeira ditadura do proletariado). Ataca o poder dissolvendo o que o sustenta: as divisões do proletariado em empresas, pátrias, raça, gênero, etc. mediante uma livre associação universal que garanta o livre acesso a qualquer um aos meios de produção e de vida. E é diminuída quando os proletários desconfiam de si mesmos, clamam ao poder contra “bodes expiatórios” (estrangeiros, “judeus”, imigrantes, “vagabundos”), e reprimem seus desejos em nome da ficção de um “bem maior” (pátria, empresa, religião…), isto é, quando se unem à classe dominante (seja ela burocrática ou particular, de esquerda ou de direita) contra si mesmos. No primeiro caso (aumento da capacidade de agir), a teoria necessariamente se desenvolve e se aprimora, enquanto que no segundo caso (redução da capacidade de agir), a teoria só pode se degradar e se dogmatizar.]

    humanaesfera, maio de 2015

    * É bem provável que o “trabalho de base” tenha base no dolorismo missionário católico (caridade, culpa…). Maldito legado das comunidades eclesiais de base…

    Bibliografia:

    Ação direta (Kaos)
    [http://www.oocities.org/autonomiabvr/acdir.html]

    O «renegado» Kautsky e seu discípulo Lênin (Jean Barrot)
    [http://www.oocities.org/autonomiabvr/renegk.html]

    A Impotência do Grupo Revolucionário (Sam Moss)
    [http://www.oocities.org/autonomiabvr/moss.html]

    A Democracia Direta é Realmente Possível? (Echanges et Mouvement)
    [http://www.oocities.org/autonomiabvr/direta.html]

    Sobre Organização: As Gangues (dentro e fora do Estado) e o Estado como Gangue (Jacques Camatte & Gianni Collu)
    [http://www.oocities.org/autonomiabvr/organi.html]

    Eclipse e Reemergência do Movimento Comunista (Jean Barrot e François Martin)”
    [http://www.oocities.org/autonomiabvr/eclieree.html]

  48. O MPL surgiu de um processo real de lutas da classe, e não da cabeça de algum doido. Sua constituição como movimento social de âmbito nacional em 2005 aponta para uma tentativa de dar corpo e sentido à sequência de mobilizações de rua autônomas e massivas que se desenvolviam nos centros urbanos desde 2003: as revoltas populares contra o aumento. Entendo que nesses processos estava o sentido mais forte do movimento – a potência de se generalizar país afora, de construir um horizonte comum à militância e de alterar a situação da luta de classes.

    Essa percepção está já na gênese do MPL. Pelo menos é isso que lemos no Manifesto redigido durante o I Encontro Nacional pelo Passe Livre, evento pré-fundacional ocorrido em julho de 2004 em Florianópolis: “Todos demos o sangue pela vitória dessa atividade, pois ela vai desencadear um processo de revoltas simultâneas jamais visto no Brasil” (https://saravea.net/file/download/8009).

    Em junho de 2013, esse objetivo – que agora soa quase premonitório – se realizou. Aí a ideia de um “fim”. Contudo, é fato que os problemas que Legume levantou no texto não são totalmente novos. Se o MPL surgiu das revoltas contra o aumento vitoriosas, então os coletivos que derrubaram tarifas em suas cidades já haviam se defrontado com os limites desse tipo de luta, e buscado novos caminhos de atuação. Vai ser depois da Revolta da Catraca que o MPL Florianópolis conhecerá o projeto da Tarifa Zero. Mas mesmo significando um direcionamento novo e mais avançado, ele foi capaz de superar os limites das revoltas contra o aumento? Não à toa, na federação, aqueles coletivos aqui que víamos como “os mais burocratizados” eram justamente esses que haviam alcançado vitórias anos antes. Como observou Leiloca em um comentário sobre as reflexões do Legume, “curioso o fato de praticamente todas elas terem de alguma forma aparecido em 2006 por aqui no MPL-DF, também após um momento de derrota antecedido por uma vitória”.

    Ainda que vividas localmente, tais crises não significavam um fim: o horizonte das revoltas contra o aumento seguia em aberto, avançando ano a ano com novas experiências em mais e mais cidades. Junho de 2013 levou esse tipo de luta às últimas consequências. Ao se realizar, aquilo que antes era horizonte se tornou agora o novo patamar do conflito de classes.

    Assim como não se trata de decretar o fim literal de uma organização, falar no encerramento de seu sentido histórico não é uma verdade científica, é uma análise política. Sua validade é a prática. Esse tipo de reflexão interessa porque só de celebrações, sem se debruçar criticamente sobre as experiências de luta, não há avanço possível.

    Manoo, tentei aqui dialogar com seu comentário, mas teve colocações que eu acho que você acabou fazendo confusões. Encarar os limites da experiência do MPL não é a descartar a centralidade do transporte nos conflitos das cidades capitalistas – tanto que, no meu caso, continuo militando em um movimento de luta do transporte. E também não se trata de atribuir ao movimento uma tarefa que lhe seria externa: a tarefa do MPL era justamente aquela que ele cumpriu. Já a reorganização da classe deveria ser uma tarefa dos anticapitalistas em geral. Uma das críticas centrais aqui é que, no MPL, não conseguimos ir além de nós mesmos.

    Karina, penso que os desafios apresentados pelo movimento de massas pesam para os anticapitalistas em geral, não só para a esquerda autônoma. (Isso vale para a experiência de junho: os limites enfrentados pelo MPL ali eram, na verdade, um limite colocado à toda esquerda revolucionária). Que o campo autônomo se apresente como uma coleção de grupelhos baseados em vínculos de afinidade, ao mesmo tempo que é expressão de um cenário mais geral de fragmentação da esquerda, indica também de que forma se desenvolve a burocracia nesse meio político.

    O avanço de uma luta faz com que as formas de organização iniciais sejam ultrapassadas; estas, ao perderem seu sentido, devem ser destruídas e dar lugar a novas formas, que correspondam à ampliação do movimento. Com o aprofundamento do conflito, as novas formas se tornarão também obsoletas, e assim o desafio dos lutadores é superar sucessivamente os limites de suas criações – nas últimas consequências, é a classe que deve se unificar definitivamente para abolir a si própria. Em qualquer luta, a burocratização é uma tendência sempre presente, que corresponde ao refluxo do movimento, e representa justamente a incapacidade de ir além de seus próprios limites, de se encerrar em um certo estágio organizativo ultrapassado.

    Em 2013 o MPL impulsionou um processo de luta direta e massiva, que extrapolou os próprios limites da organização. Após a queda da tarifa, não menos perplexos que o resto da esquerda frente ao movimento de massas na rua, ao invés de abrir o MPL e aprofundar o processo, nos fechamos em nós mesmos – em busca de preservar uma velha forma que já não tinha mais lugar. Penso que, sim, o MPL teve ali um potencial de se massificar. Porém um processo desses teria também, muito possivelmente, destruído o MPL tal como conhecemos. O que não víamos era que nossa própria luta já havia feito isso.

  49. Eram lutas pelo passe livre estudantil, Caio… A Campanha em Florianópolis, mãe do MPL, começa em 2000, continuando lutas já bastante enraizadas pelo passe livre Brasil afora. 2003 coloca novas questões, em especial a distância perigosa entre a luta e seu poder político. As descontuinadas revoltas contra aumentos de tarifa, que terão seu lugar em momentos específicos na década de 20, 30, 60 etc., não forjaram este movimento diretamente, reencontramos esta tática de forma circunstancial. Das 29 delegações presentes na fundação nacional, todas tinham o passe livre estudantil como sentido. Por favor, companheiro, essa história eu não li. Eu estive lá, esta parte de tua análise não é correta e distorce consideravelmente a realidade coletiva – a despeito da realidade da tua experiência no movimento, que aí sim, talvez seja a que descreves. Mas não passa perto de ser a verdade dos esforços definitivos que construíram este frágil movimento. Não é preciso passar por aí para construir teu argumento sobre a tática que encontra um limite.

  50. Caio,

    A ideia por trás da criação (articulação) de um movimento nacional pelo passe livre estudantil em 2005 era de articular as campanhas pelo passe livre que já existiam. Criar um movimento de âmbito nacional a partir das iniciativas que existiam. Não era criar ‘revoltas populares’, embora essas estivessem no repertório de luta, pelas experiências recentes em algumas cidades.

    Não acho que adoção da ideia de tarifa zero no lugar do passe livre estudantil tenha algo a ver com limites postos pela ‘tática da revolta popular’. Trata-se de um caminho de expansão de horizontes do movimento sobre o tema que ele pauta. Tem mais a ver, na minha leitura, com o fato da juventude querer ter acesso ao transporte (e não ao transporte apenas para a escola). Novamente, isso tem a ver com a pauta do MPL, sua bandeira, o transporte, e não com as táticas de luta. Ele não surgiu para fazer revoltas e nem a bandeira da tarifa zero veio como consequencia do limite de revoltas. O MPL surgiu para conquistar o passe livre.
    Concordo que a ‘tática da revolta’ bateu no teto em 2013. Já estava batendo… Discordo que o MPL tenha se realizado em 2013 por ter havido uma revolta supostamente generalizada pelo Brasil. Ele não surgiu para produzir revoltas, como já disse, mas como instrumento para, então, mobilizar a juventude e conquistar o passe livre. E nisso eu discordo do texto. Mesmo que se diga, com razão, que alguns ou vários apontamentos sejam generalizáveis ao Brasil, o texto é centrado na experiência de São Paulo (embora não seja dito isso em nenhum momento). Dizer que tem algo de generalizável só esconde o que existe de particular nele. E digo isso pelo seguinte, sempre que tive oportunidade de discutir o junho de 2013, ao contrário de companheiros e companheiras de esquerda, não vi no tal junho nada muito além do que uma revolta da catraca que dessa vez aconteceu na maior cidade do país, com toda repercussão e amplificação que isso implica (e simultaneamente acabou ocorrendo na segunda maior do país). Não houve um antes e depois na história do país, da esquerda etc. Ao que interessa à esquerda, foi uma revolta da catraca como outras, só que pela difusão midiática nacional, pela importância da cidade, atores de peso entraram em campo.

    Termino por enquanto com uma citação do Baudrillard que já escrevi por este site, sobre o maio de 68, que pode servir para o junho de 2013:

    “A [greve geral] de Maio de 68, para a qual os media contribuíram grandemente, exportando a greve para todos os cantos da França, foi aparentemente o ponto culminante da crise; na realidade, foi o momento da sua descompressão, da sua asfixia por extensão, da sua derrota. É certo que milhões de operários entraram em greve, mas não souberam o que fazer desta greve mediatizada transmitida e recebida como modelo de ação (quer pela mídia quer pelos sindicatos). Abstrata em certo sentido, ela neutralizou as formas de ação local, transversais, espontâneas (nem todas). Os acordos de Grenelle não a traíram. Sancionaram essa passagem à generalidade da ação política, que põe fim à singularidade da ação revolucionária”.

  51. Humanaesfera,

    É preciso ter em mente que a classe trabalhadora encontra-se, hoje, diante de uma situação em que os seus instrumentos de luta foram largamente convertidos em instrumentos de contenção da própria luta. Nesse sentido, sempre resta a um maior ou menor grupo de pessoas, venham elas de onde vierem, a tarefa de prosseguir a luta, tentando, ainda, trazer mais pessoas para a luta. Se essas pessoas pretendem trazer mais pessoas para a luta mas enquadrando-as em relações burocráticas, nas quais os novos militantes têm de obedecer e aplicar as formulações teóricas do grupo inicial, afirma-se e consolida-se a burocratização. Por outro lado, se o grupo inicial pretende trazer mais pessoas para a luta mas incluindo-as em todas as atividades do movimento, praticando a horizontalidade, a rotatividade, a transparência de informações e rompendo com a cisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, abre-se espaço para a massificação do movimento, em termos autônomos. Assim, a meu ver, nem todo trabalho de base se desdobra em heteronomia e hierarquia; da mesma forma, nem toda militância se desdobra em “gangue, bando, máfia, sacerdócio, quando não numa nova classe dominante (burocracia)”. Além do mais, é preciso ter em mente, também, que a burocracia só se afirma, em certa medida, pela iniciativa da base: se as pessoas trazidas para a luta não se interessam por todas as atividades antes prosseguidas pelo grupo inicial, se preferem deixar essas atividades para aquele grupo, se preferem apenas agir e obter resultados, ao invés de participar dos longos e importantíssimos debates a respeito da condução da luta, essas pessoas criam condições favoráveis para a burocratização (e o curioso é que muitos comentadores dizem que o problema do MPL foi trazer as pessoas da periferia para reuniões onde se discutia por muito tempo: pior seria se o MPL tivesse feito tais discussões à revelia dessas pessoas, pois, aí sim, o movimento teria demonstrado uma vocação para a burocracia, desde o início). E isso acontece, com maior força, quando nos deparamos com os instrumentos de luta dos trabalhadores convertidos em instrumentos de contenção da luta, pois os trabalhadores estão acostumados a ter alguém que os “represente” ou que se sente com as autoridades para negociar etc. Jogar toda a responsabilidade pela burocratização nos militantes (e, sobretudo, nos militantes que fazem trabalho de base) é pretender que, com a linha política correta, a burocratização seja impossível: e a linha política que você parece propor é a de “agir como igual (um proletário), sem recuos nem renúncias – apresentando opiniões, objetivos e propostas assim como os outros iguais apresentam as opiniões, objetivos e propostas deles. Simplesmente de igual para igual, nos ônibus, no trabalho, no trem, na internet, na rua, se há oportunidade”. Ora, em primeiro lugar, isso só se pode fazer esporadicamente, mas a luta anticapitalista deve ter um caráter permanente, na medida do possível; e deve ter um caráter organizado também. Trata-se não de negar a organização mas de afirmar a auto-organização, em detrimento da hetero-organização. Para que possamos nos apresentar como “tendência comunista libertária do proletariado contra outras tendências dele”, é preciso agir de modo organizado, pois os capitalistas são organizados e, em qualquer situação, o grupo mais organizado tem maiores condições de predominar sobre o grupo menos organizado (por exemplo, as deficiências de organização do MPL, de elaboração estratégica e tática, de práticas de segurança, a meu ver, o colocaram numa situação vulnerável, frente à repressão). Para generalizar a autonomia, é preciso mostrar para as pessoas como se pode organizar as lutas sociais e a vida social de outro modo, e de um modo que dê certo. Além do mais, o que as pessoas sempre questionam é: qual é o plano de ação? As pessoas não vão arriscar as suas vidas, nem colocar em risco os seus empregos e a sua liberdade etc., se a luta proposta não tiver uma estratégia mínima. Conversar com as pessoas e apresentar opiniões, objetivos e propostas é já um tipo de trabalho de base, se você participa de uma organização e o faz com o objetivo de massificar essa organização ou de promover a formação de novas organizações. Por fim, o mesmo trabalho de base, que pode levar à burocratização, também pode levar à massificação da luta: é uma aposta. Pode dar numa coisa ou noutra. Querendo ou não, só se pode trazer mais pessoas para a luta desenvolvendo algum trabalho de base, pelo qual são construídos (em geral, lentamente) laços de solidariedade. Vamos abrir mão do trabalho de base, porque isso é, supostamente, favorecer a heteronomia e a hierarquia?

  52. Fagner Henrique, entendo e respeito tua posição. E agradeço por compartilhar tuas ideias.

    A questão é a ideia de “trazer as pessoas para a luta”, que consideramos equivocada.
    A existência de todos nós enquanto tal já é luta, e já estamos (todos nós) auto-organizados tanto quanto está sob nosso poder neste momento combater a classe dominante (composta por burguesia e burocracia, e seus órgãos de poder, Estado, empresas, sindicatos, ongs e partidos). Estamos em luta mesmo que não tenhamos a menor consciência disso.

    A todo momento, conforme o grau da capacidade de agir do proletariado, ele, por si só, se vale de órgãos auxiliares (órgãos que ele cria ou, se a capacidade de agir é reduzida, órgãos pré-existentes, que são o da classe dominante – sindicatos, partidos, direito – que ele tenta utilizar a seu favor contra a própria classe dominante, que, por medo de uma explosão, pode conceder, como válvulas de alívio). Órgãos auxiliares porque são meios de aumentar sua capacidade prática. Orgãos com tarefas específicas e explícitas (por exemplo, os conselhos de trabalhadores e soldados, os sovietes, tem a tarefa de coordenar a execução de tarefas entre bairros, cidades, países, continentes contra os órgãos da classe dominante que também coordenam sua ação contra nós nesses âmbitos) e que devem ser dissolvidos quando a tarefa é finalizada (mas que geralmente são mantidos como múmias e a carniça é avidamente disputada por uruburocratas).

    No entanto, os proletários, por maior que seja sua autonomia, são contraditórios. Neles se encontram duas tendências em tensão: uma delas é sua afirmação como capital variável, ou seja, vendedores/compradores tanto quanto a classe dominante é vendedora/compradora (daí a aparência de existir apenas “classe média”, infinitamente subdivisível desde alta alta alta até baixa baixa baixa). Mas como na realidade os proletarios não possuem nenhuma mercadoria para vender a não ser a si mesmos (no mercado de trabalho), há a outra tendência, que é a sua afirmação como classe autônoma, como proletariado, a classe daqueles que não possuem mercadorias (que não tem nada a perder a não ser suas correntes) e cuja praxis é o comunismo (auto-abolição do proletariado, pela supressão da sociedade de classes e o Estado).

    Então, a capacidade de agir dos proletários, sua autonomia, que eles sempre possuem em algum grau (o que faz a ideia de “trazê-lo para a luta” um tanto quanto inadequada), é uma tensão, e toma contraditoriamente partido de duas direções: uma é reacionária e a outra é comunista. A única tendência cujos órgãos podem se tornar “duradouros” e de “longa duração” dentro da sociedade atual é a reacionária (daí a recuperação dos órgãos, como os sovietes, pela classe dominante, e a burocratização), pois sua permanência supõe a adequação à continuidade do proletariado como sustentáculo da sociedade de classes e do Estado (os proletários podem até afirmar radicalmente sua autonomia como capital variável, autogerindo sua própria exploração e repressão). A outra tendência, a comunista, só pode ter êxito quando numa dinâmica de rápida e crescente expansão, ultrapassando subitamente as fronteiras nacionais e divisões identitárias, estabelecendo desde o princípio o modo de produção comunista, o livre acesso aos meios de produção e de vida. E isto só pode ter êxito se toma os fluxos e estoques do circuito produtivo mundial, abolindo a economia (“ordem emergente” do mercado, que atende não as necessidades humanas mas o poder de compra e o lucro), para submetê-los às necessidades humanas, ao poder dos indivíduos livremente associados que abolem as classes e o Estado.

    Portanto, quando afirmamos a teoria comunista, não é que queremos trazer seja quem for para a luta, mas sim afirmar a tendência comunista das lutas que todos os proletários do mundo já estão fazendo pelo simples fato de existirem. A expressão da teoria é espontânea, porque não parte de outro ponto de vista senão da condição problemática, contraditória, que constitui o proletariado em todo o mundo, sendo que nós mesmos, que nos dedicamos à essa teoria, sofremos a contradição como todos os demais proletários em nossa prática cotidiana. Quando a expressamos, sabemos que não somos “mais” do que ninguém, até porque somos plenamente conscientes de que ela jamais vai encontrar ressonância e ampla difusão, e permanecerá parecendo um delicioso delírio megalomaníaco (delícia que é uma das razões pela qual nos dedicamos a ela), enquanto os proletários, em sua prática, continuarem sendo forçados predominantemente ao lado reacionário (o de serem capital variável) de sua luta. Se o lado comunista predominar, a difusão vai se fazer sem a necessidade de nenhum “trabalho de formiguinha” (“trabalho de base”), porque ela será apropriada espontaneamente, grandemente desenvolvida e difundida por cada proletário empenhado em abolir a venda de si mesmo e que busca entender sua situação para poder agir de forma mais poderosa.

  53. Humanaesfera,

    Sim, a luta, num sentido muito amplo, como você coloca, é cotidiana, mas a luta organizada não é: ela não faz parte do cotidiano da maior parte dos trabalhadores; se fizesse, viveríamos tempos muito mais felizes. O que me parece indispensável é que haja uma organização (ou, melhor, várias, o máximo de organizações possível, com o máximo de pluralidade possível), para que se articulem as resistências, por assim dizer, “espontâneas”, para que elas se tornem organizadas, e organizadas num sentido anticapitalista. É claro que não deve haver qualquer fetiche por esta ou aquela organização. Eu concordo que, dentro do proletariado, existem duas tendências, como você aponta. Mas uma classe sempre se desdobra em grupos sociais que, relacionando-se com estes ou aqueles grupos sociais de outras classes, e também com estes ou aqueles grupos sociais da mesma classe, acabam reforçando esta ou aquela tendência: de ruptura com o capitalismo ou de conservação do capitalismo. O que interessa é fazer tais resistências “espontâneas” se desdobrarem, cada vez mais, em organizações que reforcem o todo, a classe, no sentido da ruptura. Conforme o proletariado, o todo, é reforçado, progressivamente, nesse sentido, a sua relação com as demais classes tende a ser, no todo, reforçada no mesmo sentido. Mas existe, como você reconhece, uma luta interna ao proletariado, uma disputa entre grupos internos ao proletariado, para definir qual será a sua forma de realização dominante. Existem muitos grupos sociais, gerados pelo proletariado, que, sendo a única referência de luta cotidiana, reforçam a definição da forma de realização dominante da classe num sentido conservador. Diminuir a frequência com que cada proletário participa desses grupos, e aumentar a frequência com que eles participam de grupos que reforçam a definição da forma de realização dominante do proletariado num sentido revolucionário, não é possível sem que as pessoas sejam “trazidas” para a luta organizada (isto é, “retiradas”, por exemplo, das igrejas neopentecostais, das torcidas organizadas, dos cursos de gestão disto e daquilo, do crime organizado, da polícia etc.). E, aí, me parece indispensável algum tipo de “trabalho de base” ou de “organização de base”; a coisa pode ser nomeada de qualquer jeito, pois o que importa não é o nome. O “trabalho de formiguinha” vai, então, reforçando a tendência da ruptura aqui e ali. É claro que as coisas podem dar errado, em cada “trabalho de base”, reforçando-se a tendência contrária, a da burocratização. Mas me parece um risco necessário. Enfim, é preciso diferenciar luta de luta política, organizada.

  54. Fagner, não sei se podemos ser tão taxativas ao afirmar que os trabalhadores não se organizam cotidianamente nos locais de trabalho, moradia e transporte. Basta refletir sobre o que Castoriadis chama de “grupos informais” constituídos nos locais de trabalho. Ele chega a afirmar que sem eles os planos de produção das empresas jamais seriam cumpridos, pois seriam os próprios trabalhadores que teriam os conhecimentos necessários para os implementar, ajustando-os às condições reais do processo de produção. É possível que esses mesmos “grupos informais” fossem inclusive embriões de comitês e conselhos de fábrica surgidos nos momentos de luta anticapitalista, devido às relações de solidariedade criadas e que passaram a gerir autonomamente a produção quando das chamadas greves selvagens. Seria por meio desses grupos que se criaria uma nova unidade na luta dos trabalhadores a partir do local de trabalho.

    Podemos trazer essa reflexão para a luta do transporte em Goiânia, quando entre 2013 e 2014 uma quantidade imensa de manifestações paralisaram vários terminais de ônibus da cidade. Como alguns militantes que estavam nessas manifestações relataram, os trabalhadores-usuários se organizaram nas plataformas para reivindicar mais viagens nas linhas para diminuir a espera. Sem necessariamente haver uma organização prévia, apenas o convívio cotidiano na angustiante espera da chegada do ônibus. E a constância das manifestações demonstrou que boa parte dos que estavam na linha de frente das manifestações nos terminais eram pessoas que haviam participado de manifestações anteriores. Não sei se podemos dizer que são lutas anticapitalistas, mas que houve uma atuação coletiva e ativa dessas pessoas podemos dizer.

    Mas por que não se desenvolveu ainda mais esse tipo de luta? Uma resposta pode ser encontrada na repressão da Secretaria de Segurança Pública de Goiás, que inibiu a continuidade dessas manifestações (nas palavras do delegado que instaurou o inquérito, “buscar diminuir o volume de manifestações na cidade”). Outra pode ser encontrada também na incapacidade dos grupos de luta pelo transporte da capital goiana em dinamizar o desenvolvimento dessas manifestações. Não no sentido de comandá-las, mas no sentido de integrá-las. Penso que seria essa a função dos coletivos, e uma boa oportunidade para deixarem de ser coletivos e se transformarem em movimento social na cidade.

    Para os coletivos locais a oportunidade foi perdida. Como foi perdida a oportunidade também em âmbito nacional, quando da realização do encontro nacional no rescaldo do Junho de 2013. E aqui aproveito para dialogar com o texto do Legume. Ao invés da Federação (Rede?) Nacional do MPL debater um projeto de dinamização das lutas pelo transporte, criando e fortalecendo um movimento social nesse setor estratégico da economia urbana, preferiu-se focar os debates e as principais polêmicas em questões de organização interna.

    Debater o caráter econômico do sistema de transporte urbano e o papel da classe trabalhadora nele, já não tinha o lugar principal, já que o assunto fora sempre tratado, como militantes disseram, apesar da mudança de configuração do cenário nacional. Era momento de tratar outras pautas, principalmente as identitárias, em como constituir grupos indentitários paralelos (os chamados grupos auto-organizados) aos coletivos locais e à própria federação. Não se pensou ou propôs nada no sentido de integrar as demandas dos grupos identitários em um projeto maior de luta no transporte, configurando uma unidade na luta. Preferiu-se a tensão para a fragmentação, princípio político de algumas dessas tendências identitárias.

    Na perspectiva de Castoriadis os grupos informais seriam catalizadores da participação ampla dos trabalhadores na gestão do processo de produção, praticando uma transformação das relações sociais. Na perspectiva de grupos identitários, estes seriam os catalizadores da fragmentação dos trabalhadores e da inviabilidade de um projeto político mais amplo.

    Não foi o único motivo para o possível fim do MPL como projeto de constituição de um movimento social nacional, mas contribuiu para inviabilizar um novo dinamismo da federação frente à nova situação impulsionada pelos coletivos do MPL.

  55. Tales,

    Eu concordo com você: os trabalhadores precisam organizar, em certa medida, o processo de trabalho; nesse sentido, eles precisam colaborar entre si; e essa colaboração pode constituir um primeiro momento da luta anticapitalista. Mas, dentro de cada empresa, geralmente nos deparamos com a seguinte situação: uma parcela majoritária dos trabalhadores, senão todos, organiza o processo de trabalho de acordo com as determinações da empresa; outra parte, geralmente uma minoria, organiza-o – no geral, esporadicamente – segundo outras determinações, as da resistência dos trabalhadores à soberania empresarial (que pode ser individual, coletiva, passiva e ativa).

    O objetivo da empresa, no geral, é eliminar todo tipo de resistência, mesmo as individuais e passivas, ou seja, é eliminar, por exemplo, o absenteísmo (que, resumindo-se a um trabalhador, configura-se como uma resistência individual e passiva), a sabotagem (que, resumindo-se a um trabalhador, configura-se como uma resistência individual e ativa), a greve (que, resumindo-se à paralisação da produção, configura-se como uma resistência coletiva mas passiva), a sabotagem coletiva (que é uma forma de resistência ativa e coletiva), a ocupação e autogestão da empresa (que é outra forma de resistência ativa e coletiva), e assim por diante.

    Na verdade, algumas resistências nem precisam ser eliminadas, podendo ser cooptadas: nas empresas de call center, por exemplo, acontece de os supervisores oferecerem pausas de descanso maiores, mas somente para os trabalhadores que cumprem as metas da empresa (menciono as empresas de call center porque já trabalhei numa delas). O trabalhador não precisa tirar o seu descanso fora do horário, ou exceder o tempo de descanso concedido pela empresa (que, onde eu trabalhei, era de 10 minutos), pois, se ele cumprir as metas da empresa, ele vai ter um tempo de descanso maior (na verdade, eram duas pausas de descanso de 10 minutos e uma pausa maior, de 20 minutos, para o trabalhador fazer um lanche). Esse tipo de concessão foi feito porque muitos trabalhadores descansavam fora do horário e excediam o tempo de descanso.

    Enfim, para que os vários tipos de resistência se unifiquem e evoluam para formas de resistência ativas e coletivas, e num sentido anticapitalista e revolucionário, é preciso que os trabalhadores, não individual mas coletivamente, comportem-se como uma entidade política em luta contra o capital. As suas ações devem ser, portanto, planejadas, devem seguir estratégias, análises de conjuntura, sendo preciso, assim, estudar o terreno em que se luta, que é a sociedade capitalista, em busca de fissuras onde golpear. E isso tudo não é algo que vem simplesmente da inserção no processo de trabalho, pois os trabalhadores convivem com as lutas proletárias derrotadas, com os lutadores derrotados, e se relacionam com as instituições proletárias derrotadas e com as ideologias que expressam tais lutas. Há mediações aí.

    Todas essas formas de resistência, e as que você citou, são organizadas, é claro, nem que seja ao nível da organização individual do processo de trabalho. Por exemplo, retomando o caso do call center, o trabalhador organiza individualmente uma parte do seu processo de trabalho: ele tem que cumprir, na medida do possível, a escala de trabalho que lhe é imposta; mas ele pode pausar a máquina e descansar fora do horário determinado pela empresa, ou exceder o tempo de descanso concedido pela empresa: ninguém vai impedir, nem a empresa e nem os outros trabalhadores, mas ele pode ser punido depois. Se o trabalhador descansa fora do horário ou ultrapassa o tempo de descanso permitido, o que eu já fiz muitas vezes, quando trabalhava numa empresa desse tipo, trata-se de um tipo de resistência que parte de uma organização individual do processo de trabalho. O próprio toyotismo promove, em grande medida, essa organização individual.

    Mas essas resistências têm de ser organizadas politicamente e permanentemente, e o que eu quero dizer com organização política passa pela integração das várias pequenas resistências, das várias pequenas e importantes lutas cotidianas, como você aponta. Mas eu acho que não é só uma questão de auxiliar na integração das lutas: é também uma questão de fornecer modelos de comportamento.

    Me parece meio superficial deduzir a luta anticapitalista diretamente da colaboração dos trabalhadores no processo produtivo, ou da organização coletiva do processo de trabalho, mesmo porque os capitalistas se esforçam para – e muitas vezes conseguem – estabelecer a concorrência entre os trabalhadores no processo de produção. Tem de haver uma mediação, ou várias. Caso contrário, corremos o risco de escorregar para um pensamento de tipo mecanicista. Mas a mediação não é, também, a ideologia: a mediação é proporcionar que os trabalhadores participem, com maior intensidade, das práticas de resistência (e de organização da resistência) ao capital. Por isso, eu considero que a existência de coletivos, movimentos etc., combinada a algum tipo de “trabalho de base”, de certa forma, contribui: porque os trabalhadores são atraídos, com maior intensidade, para outros espaços, que seguem outras dinâmicas, que têm outra lógica. Isso é que é a mediação. A mediação são os grupos sociais, as instituições, que lutam contra o capital, e é quando o trabalhador participa desses grupos que ele toma contato com as ideologias, que não são mais do que a expressão das práticas possíveis no interior desses grupos e na relação desses grupos com outros grupos. Nesse sentido, o que interessa não é a ideologia, nem os discursos, mas as práticas que o trabalho de base aproxima de vários trabalhadores. Acho que o MPL falhou em difundir a prática da horizontalidade por vários motivos, que já expus várias vezes.

  56. Fagner,

    Um dos objetivos era debater sua afirmação de que a luta organizada dos trabalhadores não é cotidiana, mostrando um exemplo de que isso pode ocorrer. Não limitei a deduzir a luta anticapitalista à colaboração dos trabalhadores no processo produtivo. Se ler atentamente o início do comentário remeto à organização nos locais de trabalho, mas também aos de moradia e transporte. Tanto que no exemplo dado a organização se deu em terminais do transporte coletivo, e foram lutas coletivas e ativas, sendo as mesmas características as dos chamados “grupos informais”.

    Não há superficialidade em pensar que a colaboração dos trabalhadores se dá a partir do processo produtivo, ou mesmo da colaboração nos locais de moradia. É justamente nesses espaços que surgiram historicamente as mediações apontados por você. Tais instituições da luta anticapitalista não surgiram externamente às relações sociais de produção desenvolvidas pelos trabalhadores e aos locais em que elas se desenvolvem. Foram frutos da criatividade da luta dos trabalhadores, enquando formas de se oporem aos capitalistas.

    Também por isso discordo do fonercecimento de modelos de comportamento aos trabalhadores. Eles castram essa criatividade de luta que historicamente caracterizou a classe trabalhadora.

  57. E, voltando ao debate suscitado pelo texto, o que interessa é que os trabalhadores estabeleçam um contato, cada vez mais intenso, com organizações que favoreçam a luta interna ao proletariado no sentido da luta contra o capital e da luta contra as organizações burocráticas de esquerda.

    E é exatamente porque isso aconteceu no interior do MPL, e na relação do MPL com outras organizações, que muitos comentadores vêm atacar o autor do texto.

    Nesse sentido, os oportunistas de direita estão aproveitando o momento para desmerecer toda a trajetória de luta do MPL, já que o MPL lutou contra o capital.

    E os oportunistas da velha esquerda burocrática também estão aproveitando o momento para desmerecer toda a trajetória de luta do MPL, já que o MPL não só lutou contra o capital mas também contra a velha esquerda burocrática (tanto a pelega quanto a combativa).

    E a tendência hegemônica dentro do MPL está aproveitando a situação para desmerecer as posições dos dissidentes, já que eles lutaram e lutam não apenas contra o capital e contra a velha esquerda burocrática mas também contra a nova esquerda burocrática, a esquerda da política de identidade no campo autônomo.

    Enfim, o texto do Legume está sendo utilizado, por uns, para desmerecer o MPL e, por outros, para desmerecer a tendência dentro do MPL que lutou contra a burocratização.

    Essa luta interna à classe trabalhadora, de que fala Humanaesfera, infelizmente está sendo vencida pelas esquerdas burocráticas (a velha e a nova) e pela direita. Mas não podemos cruzar os braços e precisamos enfrentar a todos abertamente.

  58. d. e Leo Vinícius, como disse, foi política a análise que eu e o outro Leo fizemos naquele artigo (http://passapalavra.info/2014/05/95701). E apesar de convergir bastante com a do Legume, nem sei dizer se é exatamente a mesma. Aqui estamos em uma discussão militante e também historiográfica, tendo vocês vivido diretamente uma situação, e nós um momento posterior do mesmo processo. Mas não queremos compreender os acontecimentos isoladamente, e sim de buscar, à luz de seus desdobramentos históricos, um sentido – mais precisamente, o sentido da atividade da classe. Só assim tiramos consequências práticas, e só a prática pode ser o critério de validade dessas hipóteses.

    Por “revolta popular” não nos referimos a todos os levantes contra aumentos de tarifa da história do Brasil em geral, mas a um ciclo histórico específico, das mobilizações de um certo tipo que se desenvolvem a partir de 2003-2004 nas grandes cidades do país. Essas lutas se diferenciaram por seus agentes e formas de ação, pelo momento histórico em que ocorreram e pela elaboração política que construíram.

    Eu sei, por leituras e por conversas com os camaradas, que a fundação do MPL em 2005 tinha como objetivo expresso e imediato articular nacionalmente os comitês de campanhas pelo passe-livre estudantil que já existiam em várias cidades. Mas nossa análise é que a força pulsante que deu uma vida tão potente a essa nova organização estava justamente nas revoltas contra o aumento. O MPL se ligou a essas experiências, nutriu-se delas e deu condições políticas e organizativas para que avançassem. Não é exatamente a “pauta” (contra o aumento, passe-livre ou tarifa zero) nem a “tática” que está em questão aqui, e sim a atividade – forma e conteúdo – da classe. Tanto as reivindicações como as elaborações sobre a forma de luta devem ser vistas como desenvolvimentos dessa atividade concreta, que constituiu a base real do movimento.

    Lendo hoje os documentos da época – relatorias, panfletos, artigos –, são trechos como o que citei que saltam aos olhos. Trechos que sempre estiveram ali, e por várias vezes devem ter parecido não muito importantes. Mas tendo vivido os desdobramentos desse processo, especialmente junho de 2013, alguns deles passam a soar quase proféticos. Por um lado, junho foi sim só mais uma revolta da catraca – eu mesmo falei isso várias vezes à imprensa na época. Por outro lado, não é indiferente que tenha ocorrido na maior capital do país e, consequentemente, se espalhado efetivamente para o Brasil inteiro (observação: em Goiânia, Rio e Natal a jornada começou inclusive um pouco antes). Nesse sentido, junho não foi uma revolta da catraca como outra qualquer: foi a que atingiu dimensões máxima, e por isso a definitiva. Citando o livro da Guerra da Tarifa 2005, aquele “novo ciclo de lutas sociais urbanas, capaz, quem sabe, de mudar o panorama das lutas sociais no Brasil” se realizou: o panorama das lutas mudou. A revolta de junho fez “abrir e produzir histórias inesperadas até poucos anos atrás, em que essas guerras da tarifa de Florianópolis sejam [foram] apenas um prelúdio”.

    Com junho, o que era um horizonte avançado parece ter se tornado o novo patamar dos conflitos – daí que entendo que aquela movimentação chegou no teto. Nossa hipótese de um “fim” é relativa a esse processo. O MPL, enquanto organização, continua existindo e ativo sem ele. Também não é o fim da luta do transporte, visto que as pautas continuam centrais na vida urbana. Não é nem mesmo o fim das lutas contra o aumento, como mostrou a forte jornada do início deste ano em São Paulo e os eventos de ontem em Belo Horizonte. A questão que nossa análise levanta é: na nova conjuntura, essas jornadas guardam ainda o mesmo potencial de antes – podem ir mais longe? Então, onde está hoje uma atividade que aponta para um avanço das lutas tal qual apontaram essas revoltas populares entre 2003-2013? Só saberemos na prática, e por isso é a prática que pode ou não comprovar essa tese política que estamos defendendo.

    Camaradas, por fim, nessa discussão de História, lembrei de um trecho do João Bernardo na introdução dos Labirintos do Fascismo e copio ele aqui: “O objectivo da história não se refere fundamentalmente ao passado. É o presente que nos deve interessar, porque é só dele que a nossa prática se ocupa. O inquietante é que apenas o futuro iluminará o sentido do que fazemos hoje, e imploramos à história que disperse o nevoeiro, pois no presente em que vivemos nós somos o indubitável futuro do passado que estudamos. Para um animal racional não podia haver ironia mais pesada, a de estarmos condenados a construir às cegas o nosso mundo, porque só os desenvolvimentos posteriores nos esclarecerão as contradições actuais.”

  59. Não posso achar engraçado que a mesma crítica que vi ocorrer no movimento em 2006 e 2007, e pelas quais sai em 2008 (e desde então pude ver em tantas outras oportunidades e coletivos), são as mesma ou muito parecidas com as que hoje coloca o Legume.

    A discordância com o artigo do Legume é este supor:

    1) que o movimento se desviou de suas pretensões iniciais;
    2) e que por isso, agora, o movimento chegou a seu fim.

    Nesta experiência de construir, participar e romper com o MPL – e analisa-lo após a ruptura, pude perceber:

    1) que o movimento não se desviava de suas pretensões iniciais. Ele era o que se propunha, embora as falas pra fora fossem mais “floridas” que a realidade de dentro – e quem estava dentro sabia a real. A prática da horizontalidade, do consenso, do apartidarismo etc. como se pretendia só poderia resultar, não num movimento social, mas num coletivo de afinidade; não na democracia, mas na autoridade das “lideranças invisíveis” ou no embarreiramento por minorias; e não na independência, mas no independentismo.

    2) e não é por razão destas práticas (teorias?) que agora o movimento vai acabar. É bem provável que se mantenha, ou ao menos se mantenha como se manteve: como um movimento que possui dificuldade de fazer trabalho de base (agitação, propaganda e ORGANIZAÇÃO, sobretudo) e que “surfa” nas conjunturas geralmente de aumento de tarifas.

    O MPL é, infelizmente, refém de sua própria minimização política. Suas ideias inspiram e inspiraram muita gente, mas tirar-nos dos erros da burocracia de esquerda-tradicional para colocar-nos nos erros da burocracia da esquerda-autonoma não resolve as perguntas da luta de classes.

    O MPL cumpre um papel fundamental no Brasil: juntamente a experiência do fracasso da social-democracia petista que, se não a maioria, uma boa parte do povo e militantes tem acordo; o MPL tem permitido a experiência dos limites do autonomismo. São dezenas ou centenas espalhados pelo Brasil que, ao passar pelo Movimento, hoje o agradecem por aprender o que não fazer na luta de classes.

    Não digo isto com orgulho. Infelizmente é minha constatação. Aos que saíram e os que ficaram, nunca é tarde para avançar!

    Construir o sindicalismo revolucionário!
    Construir o duplo poder por local de estudo, trabalho e moradia!
    Avante!

  60. Frederico Neto de Curitiba nunca atuou em movimento social nenhum e vem fazer críticas a “atuação equivocada de Curitiba”, me poupe. Nós ocupamos a Câmara de Vereadores e conseguimos colocar um projeto de passe livre para estudantes e desempregados lá dentro, hoje em tramitação além de termos barrado o aumento junto com as outras cidades em 2013. Ano passado mesmo levamos a luta contra o aumento á região metropolitana e tivemos grandes atos na região de Pinhas e Colombo.
    Pedro – Faculdade de Artes do Paraná.

  61. A verdade é que esse método de horizontalidade e não sei o que mais foi um fiasco por isso fracassou, e foi facilmente tomada pela direita, precisamos rever o que fizemos certo na história e parar com esses invencionismos bestas.

  62. Não me parece que o método da verticalidade tenha sido melhor sucedido, mas enfim…

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