Por Passa Palavra

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No dia 16 de outubro de 2020, em Conflans-Sainte-Honorine (a 30km de Paris), um professor de História e Geografia chamado Samuel Paty, de 47 anos, apertava o passo. No começo do mês, quando o julgamento dos acusados do ataque contra a sede da revista Charlie Hebdo trouxe o caso novamente à atenção do público, Paty tratou do assunto em classe para debater a liberdade de expressão, como fazia todos os anos desde 2015, repetindo inclusive as mesmas precauções: pediu aos alunos muçulmanos que porventura se sentissem ofendidos que saíssem da sala se quisessem, e apresentou charges da revista durante a aula para explicar melhor o caso. Uma estudante muçulmana foi reclamar com o pai, Brahim Chnina, que publicou um vídeo no YouTube alegando que Paty, a quem chamou de “marginal”, havia mostrado a “foto de um homem nu” que seria o “profeta Maomé”. No vídeo, Chnina deu o nome completo de Paty e o endereço da escola onde ele trabalhava. Outros pais e parentes de estudantes entraram na história, e juntos exigiram a demissão de Paty. A questão foi rapidamente incorporada por grupos fundamentalistas muçulmanos radicados na França, e cedo instaurou-se neste meio um clima de fatwa, de anátema e perseguição, contra Samuel Paty. A escola passou a receber ameaças por telefone e a questão foi parar na polícia. Assustado, Paty, que por morar perto da escola costumava ir caminhando para o trabalho, vivia mudando de rota, temendo represálias.

Neste dia 16 de outubro, entretanto, os cuidados não se mostraram suficientes. Aproximadamente às 17h, Paty foi abordado por Abdoullakh Abouyedovich Anzorov, um jovem muçulmano tchetcheno de 18 anos. Pouco tempo antes, Anzorov havia perguntado a estudantes da escola sobre o professor, inclusive oferecendo-lhes dinheiro para que o identificassem: um deles aceitou a oferta e identificou o professor. Paty foi atacado diversas vezes por Anzorov, com uma faca, aos gritos de Allahu Akhbar, e foi morto; em seguida, o jovem decapitou o professor, fotografou a cabeça em suas mãos e publicou a imagem no Twitter. Poucos minutos depois, Anzorov foi localizado pela polícia, recebeu voz de prisão, reagiu atirando com uma pistola de pressão, recebeu vários tiros e foi morto. Em seu celular, posteriormente, a polícia encontrou a foto do corpo decapitado de Samuel Paty e um texto assumindo a autoria do assassinato.

O assassinato de Samuel Paty, um trabalhador, professor que cometeu o crime de tentar ensinar a seus alunos sobre a liberdade de expressão, trouxe de novo à tona uma discussão já familiar sobre as violências simbólicas a que estão sujeitos os povos e grupos oprimidos, e com ela outra discussão também já conhecida, sobre o respeito à diversidade cultural e, acima de tudo, às identidades e tradições dos oprimidos (por exemplo, aqui). Essa discussão chega ao ponto de violências simbólicas atribuídas à sociedade como um todo constituírem uma razão para a execução extrajudicial de um indivíduo. É o efeito de tentar racionalizar uma política irracionalista: quem ganha é o irracionalismo.

Muitos na esquerda hoje esqueceram-se, ou nunca souberam, que a crítica às tradições, a crítica cultural, constituía um enfrentamento fundamental para a esquerda num passado não muito distante. A luta não era apenas contra a exploração econômica e a opressão política. Era também contra o conservadorismo e o obscurantismo, viessem eles das classes exploradoras ou das exploradas; não só num país, mas em todos; e dentro de cada país, em todas as suas regiões. Lutar contra a opressão estatal, a exploração capitalista, o conservadorismo e o obscurantismo, tudo isso fazia parte de um mesmo projeto político, e constituía mesmo uma necessidade: se esses três problemas — o político, o econômico e o cultural — não fossem enfrentados nem, por fim, resolvidos, condenariam o ser humano e a própria História a um ciclo ininterrupto de atrocidades, do qual os explorados e os oprimidos necessitavam urgentemente de se libertar. A esquerda sentia, portanto, a necessidade de forjar um homem novo e construir uma sociedade de novo tipo, livre do conservadorismo, do obscurantismo, de hierarquias, da exploração e de distinções sociais quaisquer fossem, capaz de levar a um novo patamar o progresso material prefigurado pelo capitalismo, em que cada pessoa, e todas colaborando juntas, em meio a uma revolução social ultrapassando todos os tipos de fronteiras, tivessem à sua disposição os meios materiais para desenvolver todas as suas potencialidades.

Tudo isso aparentemente se perdeu, ou corre grande risco de se perder. Muitos na esquerda acabam, hoje, justificando a selvageria de pessoas que se situam na ponta mais extrema da direita, e que se esforçam mesmo para fazer parecer a extrema-direita de ontem um exemplo de moderação quando comparada à atual. Pessoas, enfim, que nada têm a oferecer à humanidade senão aquele ciclo ininterrupto de atrocidades, em defesa de identidades e tradições supostamente sagradas, mas frequentemente inventadas com a mesma facilidade com que se inventam deuses ou com que se adapta a natureza dos deuses às necessidades das lutas sociais. É interessante, pois, como estes setores da esquerda — convém nomeá-los: os identitários — são não apenas os paladinos das tradições do passado, como também das invenções mais recentes; afirmam-se ou pretendem passar-se por defensores de tradições intocáveis, tornadas imunes a qualquer crítica, apesar de serem tradições tanto ou mais opressivas (em ato ou em potência) quanto aquelas que conseguiram sobreviver à passagem dos séculos.

Contudo, é interessante investigar em que campo político situam-se essas “identidades” e esses valores “tradicionais” e “sagrados” que devem ser respeitados, cuja crítica constitui grave ofensa. A fração jihadista do islamismo é parte de um campo mais amplo do fundamentalismo islâmico que se espalha pelo mundo e aproveita a classes sociais cujos interesses vão muito além das questões religiosa e cultural. O caso do assassinato de Samuel Paty é um bom exemplo, pois na Tchetchênia, de onde vêm tanto Abdoullakh Abouyedovich Anzorov quanto sua família, o fundamentalismo islâmico serve à classe social que se beneficia da acelerada acumulação capitalista que lá ocorre. Não nos importa a nacionalidade dos criminosos, mas a sua filiação a um campo político-ideológico específico no interior daquele país, e também quais as raízes socioeconômicas e os efeitos concretos deste campo naquela formação social. Na Tchetchênia, este campo, proveniente dos mais altos círculos políticos, projeta-se para muito além das fronteiras tchetchenas e tem também uma base econômica concreta, como se verá adiante.

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Antes de assassinar Paty, Anzorov teve uma trajetória influenciada por distintas — e contraditórias — vertentes do fundamentalismo islâmico e do jihadismo. Por um lado, sua meia-irmã teria se juntado ao Estado Islâmico na Síria. Por outro lado, Anzorov, pouco antes do assassinato, teria estabelecido contato com membros da Hay’at Tahrir al-Sham, organização sucessora da Jabhat al-Nusra e que vinha combatendo células do Estado Islâmico na Síria. A atração exercida pelo fundamentalismo islâmico e pelo jihadismo sobre membros da família de Anzorov está ligada, porém, a outro fator: o próprio Estado tchetcheno, de onde vem a família de Anzorov, é governado por um ditador, Ramzan Kadyrov, que “tem trabalhado duro para fazer da polêmica francesa [em torno das publicações da Chalie Hebdo] uma cause célèbre”. Kadyrov, em 2015, poucos dias depois dos ataques terroristas contra a Charlie Hebdo, reuniu centenas de milhares de tchetchenos num comício anti-Charlie Hebdo, o maior já feito na região, convocando os muçulmanos para se levantarem contra aqueles que “deliberadamente acendem a chama da hostilidade religiosa”; e novamente em setembro deste ano, quando a Charlie Hebdo republicou as charges, o governo tchetcheno foi às redes sociais pedir que “o Todo-Poderoso puna-os pelos seus crimes o mais rápido possível”, dando início a uma onda de discursos de ódio nas redes sociais e motivando, inclusive, a denúncia, por parte de um jurista islâmico tchetcheno, de um “um ataque bem planejado do Ocidente ao islã” (ver aqui e, mais recentemente, aqui).

A Tchetchênia integrou-se à federação russa durante a Segunda Guerra da Tchetchênia, o que constituiu uma dupla derrota para o movimento separatista secular tchetcheno, que fracassou na luta pela independência e não foi capaz de neutralizar a insurgência jihadista, concentrada na região montanhosa do país, cujo objetivo é criar um Estado islâmico abrangendo toda a Ciscaucásia, ou Cáucaso do Norte. Depois de invadir o país em 2000, durante a guerra, as tropas russas sob as ordens de Vladimir Putin colocaram no poder um ex-separatista, Akhmad Kadyrov. Com o assassinato de Kadyrov por jihadistas em 2004, foi alçado temporariamente a chefe de Estado e de governo Alu Alkhanov, ministro do Interior e chefe de polícia de Khadyrov, rapidamente sucedido por Ramzan, filho de Akhmad Kadyrov. A região sempre foi de grande importância econômica e estratégica para a Rússia, pois é nela que se localiza o Mar Cáspio, cuja riqueza é proveniente do comércio e da pesca; é por ali também, e acima de tudo, que passa o oleoduto que de Baku, capital do Azerbaijão, cruza o Daguestão e a Tchetchênia rumo ao Mar Negro, já em território russo. Aos interesses econômicos soma-se a necessidade de a Rússia manter o controle estratégico da região; uma demonstração de fraqueza levaria a uma reorientação da política externa nesses países, seja em benefício do Ocidente, seja em benefício do Irã ou da Turquia, ficando reduzida assim a influência russa na região.

Ramzan era o comandante da força de segurança privada do pai, composta de ex-separatistas agraciados com sucessivas anistias. Depois da morte de Kadyrov pai num atentado a bomba em circunstâncias ainda não completamente esclarecidas, Kadyrov filho deu início, com as bênçãos de Putin, à sua ascensão meteórica, sendo hoje uma das personalidades mais poderosas da federação russa — é considerado o líder não oficial dos 20 milhões de muçulmanos do país — e certamente a mais temida. Enquanto esteve à frente do Estado tchetcheno, Alkhanov deteve um poder meramente nominal, enquanto as forças de segurança de Kadyrov faziam de tudo para sabotá-lo e o próprio Kadyrov coordenava um grande programa de reconstrução da infraestrutura do país, com recursos financeiros vindos do governo federal russo — parte deles desviados para seu uso pessoal, sob as vistas grossas das autoridades russas — ou extorquidos da população. Ao completar 30 anos, em 2007, foi nomeado presidente da Tchetchênia por Putin, destronando Alkhanov.

A aliança entre Putin e Kadyrov baseia-se num conjunto de fatores. Em primeiro lugar, Putin deu-lhe carta branca para eliminar a insurgência tchetchena e subjugar a população do país por quaisquer meios, e sobre estes “meios” uma expressão usada para qualificar os métodos de Kadyrov na imprensa antiputinista dá uma ideia: “trate de resolver isto para ontem, ou Deus ajude você, sua esposa e seus filhos”. Os subordinados que entregam resultados, e que não constituem ou não são percebidos como uma ameaça, desfrutam da lealdade de Kadyrov; caso contrário recebem o mesmo tratamento dos opositores e são forçados ao exílio — o que nem sempre garante a sua sobrevivência, como veremos —, ou vão direto para o túmulo. Para manter a insurgência jihadista sob controle, mas incapaz de fazê-la desaparecer, ou talvez não tendo a intenção de fazê-la desaparecer realmente, Kadyrov tem criado um regime fundamentalista bastante repressivo, que, de acordo com a imprensa antiputinista, promove uma “síntese bizarra” no plano ideológico entre o islã sunita e determinados elementos do sufismo tchetcheno. Apesar disso, a insurgência jihadista, que diminuiu sua atividade entre 2005 e 2006, lançou grandes ataques em 2008 e 2010, sem que porém as relações com a Rússia fossem abaladas, já que Kadyrov foi reconduzido ao posto de presidente em 2011, desta vez por Medvedev, porque Kadyrov tem outras “utilidades”.

Ele demonstrou a sua serventia, por exemplo, durante a invasão russa da Crimeia, quando enviou tropas tchetchenas para o sudeste da Ucrânia (declarando depois não ter envolvimento, alegando que se tratava de voluntários), contribuindo para a estratégia de Putin de desmembrar a Ucrânia. Outra serventia é a de dar cobertura ao assassinato de dissidentes russos no exterior: Kadyrov é conhecido pelas ameaças contra os tchetchenos da diáspora que não têm “cuidado com a língua”, prometendo fazer “algo de bom” para os “bons tchetchenos” que vivem no exterior e fazer “o que for necessário” contra os “maus tchetchenos”. Kadyrov construiu uma rede de agentes no exterior e se vale dela para eliminar vários dissidentes tchetchenos, com a cumplicidade de Putin, que pretende assim ter alguém a quem culpar quando for ele próprio o mandante dos crimes. Além de eliminar os seus, Kadyrov estimula, por outro lado, a violência contra os nossos, contra a esquerda, por exemplo quando em diversas ocasiões demonizou a revista Charlie Hebdo e justificou os atos terroristas contra ela, como vimos acima.

O poder de Kadyrov chega ao ponto de pessoas acusadas de qualquer crítica ao governo tchetcheno terem de pedir perdão a ele e ao povo tchetcheno, não apenas na Tchetchênia, mas inclusive fora dela — como nas velhas punições por “lesa-majestade”. Recentemente foi noticiado o uso de humilhações públicas transmitidas pela televisão para manter os tchetchenos na linha, como quando uma senhora se queixou, numa postagem em rede social, da omissão do governo na ajuda às vítimas de um incêndio: poucas horas depois ela teve de retratar-se publicamente na TV enquanto um âncora destruía a sua reputação. Um novo instrumento repressivo foi, assim, desenvolvido: vigilância das redes sociais articulada à transmissão ao vivo de assassinatos de reputação. Pessoas acusadas de ligações com rebeldes, denunciando a violência policial, os muitos sequestros que ocorrem no país, a pobreza que contrasta com o estilo de vida opulento de Kadyrov — ele ganhou mais de 147 milhões de rublos em 2019 —, assédios sexuais, ou fazendo qualquer outra queixa ou denúncia nas redes sociais, são identificadas por um departamento do governo que monitora reclamações veiculadas pelas redes sociais ou denunciadas por uma vasta rede de informantes, muitos deles jovens sem perspectiva de futuro, e imediatamente conduzidas para uma retratação pública, às vezes perante o próprio Kadyrov.

Aliás, a respeito do monitoramento das redes sociais, é interessante notar que várias das vítimas de Kadyrov no exterior foram dissidentes que, pensando estar em segurança vivendo na Europa, passaram a veicular suas críticas através das redes sociais ou em blogs. Levando em conta a tendência crescente no Brasil de superexposição de figuras de esquerda nas redes sociais, o surgimento dos blogueiros ou influencers de esquerda e a fascistização em curso no país, o exemplo tchetcheno deve servir logicamente de alerta e ser um motivo de preocupação, reforçando entre nós a preocupação com os cuidados digitais e a segurança em geral. Para os identitários, contudo, a luta política é, em grande medida, uma luta por visibilidade, gerando grande vulnerabilidade.

Enfim, é nesse contexto político-ideológico que deve ser situado o assassinato de Samuel Paty. A influência de Kadyrov se estende para muito além das fronteiras da Tchetchênia, difundindo a intolerância e o ódio contra o pensamento crítico; a convergência entre o “kadyrovismo” e o jihadismo islâmico é evidente, e se não é possível afirmar diretamente que Abdullakh Abouyedovich Anzorov agiu sob ordens do Estado tchetcheno, pode dizer-se que seu jihadismo militante converge com o “kadyrovismo”, e que há muitos “kadyrovistas” dispostos a seguir o exemplo de Anzorov. Muitos tchetchenos vivendo no exterior, como é de se esperar, estão chocados e envergonhados com o assassinato de Samuel Paty e condenaram reservadamente o crime — esta condenação reservada, entretanto, é mais um sintoma dos tempos atuais, em que os fascistas dominam os espaços públicos, enquanto os seus opositores ficam confinados ao âmbito privado, silenciados.

A influência externa do “kadyrovismo” pode aumentar, pois o líder tchetcheno possui uma agenda própria, distinta da do governo russo. Em primeiro lugar, ele busca aumentar a sua influência internacional às expensas da Rússia; em segundo lugar, ele tem buscado o reconhecimento internacional da independência tchetchena, em detrimento de uma integração plena à federação russa. Por um lado, Kadyrov sugere que Putin seja eternizado no poder; por outro lado, faz declarações antirrussas (aqui e aqui). Tudo indica que Kadyrov quer manter várias alternativas sobre a mesa.

Talvez Putin evite contrariá-lo para evitar uma terceira guerra contra a Tchetchênia, ou tema fortalecer a insurgência jihadista, ou então perder um aliado importante, sobretudo agora, quando vê seu poder ameaçado por diversos conflitos em sua área de influência (aqui e aqui). O problema é que, assim, Putin acaba fortalecendo um fundamentalismo não apenas antidemocrático — não que com isso se importe — mas também antirrusso, para o que duas guerras recentes e um histórico de massacres e deportações da população tchetchena por parte da Rússia, remetendo aos tempos do czarismo, certamente contribui. Muitos tchetchenos veem a Rússia como o verdadeiro inimigo. Por outro lado, enquanto houver uma oposição armada na própria Tchetchênia — a força militar da Rússia não deve ser desprezada, ainda que os russos tenham de se preocupar com os seus próprios dissidentes — há motivos para crer que Kadyrov tenderá a agir com cautela, da mesma forma que Putin.

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O campo político-ideológico a que nos referimos acima não tem a ver apenas com um regime autoritário que serve e se serve do imperialismo russo, mas também com um processo de acumulação capitalista extremamente agressivo e desigual. Não é à toa, portanto, que os ex-separatistas tchetchenos tornaram-se, num período muito breve, aliados mais ou menos leais de Putin. De separatistas, converteram-se em governantes; como governantes, implementaram um regime de “capitalismo cleptocrático” do qual se beneficiam.

A economia da Tchetchênia caracteriza-se por um longo processo de acumulação originária, proletarização da população e exploração da mais-valia absoluta nos processos de trabalho. 65% da população vivem no campo e a taxa de desemprego é alta, caindo entretanto de 32,6% em 2011 para 12,1% em 2015. O salário está entre os mais baixos da federação russa: 21.452,3 rublos (aproximadamente EUR 237,65 / R$ 1.583,84) na Tchetchênia, contra 22.597,1 (aprox. EUR 250,33 / R$ 1.668,37) em Stavropol, 28.293,6 (aprox. EUR 313,44 / R$ 2.088,94) no Tartaristão e 38,598,2 (aprox. EUR 427,59 / R$ 2.849,74) em Moscou. Além disso, o país mais importa do que exporta: as exportações em 2015, principalmente de matérias-primas usadas na construção civil, somaram US$ 1,5 milhão, enquanto as importações somaram US$ 14,8 milhões (aqui).

A maior parte dos investimentos depende do Estado, sobretudo de repasses financeiros do governo russo empregados na reconstrução do país, mas também de recursos extorquidos da população do país, como veremos adiante. Esses repasses tiveram, segundo um economista ouvido pelo Financial Times, efeitos “impressionantes”: a capital do país foi reerguida de um amontoado de escombros, e o investimento em ativos fixos no país cresceu de 0 em 2000, época da Segunda Guerra da Tchetchênia, para 60 bilhões de rublos em 2014 (aprox. EUR 665 milhões / R$ 4,43 bilhões). No entanto, por pressão da própria Rússia, que passou a enfrentar uma recessão em 2015, o país busca alcançar algum desenvolvimento regional, sobretudo atraindo investimentos estrangeiros; o governo tchetcheno não tem tido grande sucesso na empreitada, pois, de um lado, o Estado tchetcheno espolia a sua própria burguesia, e portanto não transmite confiança, e de outro sofre com sanções estrangeiras. Como resultado, embora o governo tchetcheno faça propaganda dos indicadores macroeconômicos do país, grande parte da população, num país com alta taxa de desemprego e crescimento demográfico acelerado, vai sendo empurrada para o wahabbismo ou para a criminalidade (assassinatos e sequestros tornaram-se um meio de vida). Nada disso impediu, porém, que investidores dos Emirados Árabes Unidos, da China e da Coreia do Sul fizessem grandes investimentos na economia tchetchena para atender sobretudo às necessidades dos super-ricos do país (os ex-separatistas promovidos a capitalistas de Estado) e dos super-ricos que frequentam o país e suas atrações turísticas, incluindo celebridades internacionais. Esses investimentos dotaram a Tchetchênia da maior mesquita da Europa e de cinco hotéis de cinco estrelas, no geral desocupados, além de arranha-céus ao estilo de Dubai (aqui e aqui).

Outro braço do “capitalismo cleptocrático” tchetcheno é a extorsão da população pelos novos capitalistas de Estado, que afeta tanto os trabalhadores (já explorados pela extorsão da mais-valia) quanto os capitalistas privados (da pequena à alta burguesia). Kadyrov tem convocado os tchetchenos da diáspora, especialmente os grandes empresários, a participar dos esforços de reconstrução do país. Ocorre que o regime “kadyrovista” possui um modus operandi que coíbe novos investimentos: assim que o investimento começa a se tornar lucrativo, o regime tchetcheno literalmente se apropria do empreendimento. Isso já aconteceu com mais de um capitalista tchetcheno, que pouco depois de serem saudados pelo líder tchetcheno desapareceram da cena pública. Por outro lado, para reunir capitais para diversos fundos do governo, usados para assegurar e financiar investimentos estrangeiros no país, o regime criou uma espécie de tributação paralela fazendo descontos, por exemplo, nos salários dos funcionários públicos. Noutro exemplo do “capitalismo cleptocrático” tchetcheno, o regime “kadyrovista” restringiu paulatinamente o acesso dos desempregados à pensão paga pelo governo, obrigando-os a registrar-se como empresários: eles recebem um crédito do governo para iniciar um negócio e, em seguida, são fortemente tributados para financiar o sistema de pensões do qual acabaram de ser excluídos. E assim parte dos desempregados do país é obrigada a endividar-se para financiar as políticas sociais do regime.

Nessas condições, o regime tchetcheno tenta atrair investimentos estrangeiros apresentando “vantagens competitivas” presentes na Tchetchênia: matérias-primas abundantes, potencial para desenvolvimento do turismo, uma boa e bem integrada infraestrutura de transportes e uma população jovem e em crescimento, além de baixos custos de produção, com especial ênfase para os baixos salários. Trata-se, portanto, de uma acumulação capitalista agressiva, baseada na extorsão tanto da burguesia tchetchena quanto do proletariado e, por outro lado, na criação de um ambiente de investimentos favorável à entrada de capitais estrangeiros, investidos em empreendimentos voltados para os super-ricos. Esse desenvolvimento capitalista tende a produzir choques entre o proletariado e os capitalistas (privados e de Estado), bem como pressões, por parte do empresariado tchetcheno, no sentido da “democratização” do país, isto é, da derrubada do regime “kadyrovista”. Entretanto, em condições de militarização e repressão política generalizada dentro e fora do país, e de uma guerra civil latente contra uma insurgência jihadista tão fascista quanto o regime tchetcheno, será muito difícil para os trabalhadores desenvolver formas autônomas de luta, apesar de que a integração e o desenvolvimento econômico da Tchetchênia, caso avancem, certamente contribuirão para estabelecer um novo cenário.

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E assim voltamos ao ponto de partida deste artigo.

Só se pode vincular o assassinato de Samuel Paty exclusivamente à opressão a que estão submetidos os muçulmanos no Ocidente, ou às violências simbólicas do cotidiano, se ele for completamente retirado deste contexto mais amplo.

O assassinato de Samuel Paty decerto contém estes elementos, mas se o fato for tratado apenas no quadro de uma disputa entre “secularismo eurocêntrico” e “islamismo oprimido” será impossível entender como ele resulta também das condições ideológicas e materiais criadas por um campo político-ideológico fascista que constrói um “Estado totalitário em miniatura” baseado no culto à personalidade do líder de uma classe de capitalistas de Estado que, com violência, ameaças, humilhações públicas e diversos outros instrumentos repressivos, condena mais de 1 milhão de muçulmanos tchetchenos a uma vida de pobreza, superexploração e opressão política absoluta — condições ideais para o florescimento do fundamentalismo islâmico e do messianismo jihadista, expressões tchetchenas do conservadorismo e do obscurantismo que num passado não muito distante a esquerda se propunha combater. Sem esta base prévia, as condições para que a família de Abdullakh Abouyedovich Anzorov emigrasse da Tchetchênia, e para que o próprio se aproximasse do jihadismo e assassinasse Samuel Paty proclamando-se um “mártir”, certamente não estariam dadas.

Seria bom se, ao tratar das “identidades”, das “tradições” e das opressões a elas associadas, certos setores da esquerda fizessem o mesmo exercício que tentamos fazer neste artigo, isto é, investigar a origem das presumidas “identidades” e “tradições”, o contexto em que surgem, seu uso pelas classes capitalistas e seu impacto sobre os trabalhadores, em qualquer lugar em que estejam. Sem este exercício, sem uma caracterização precisa da articulação entre as opressões cotidianas e a exploração capitalista, o combate às opressões torna-se uma armadilha por meio da qual a esquerda converge com os capitalistas que se beneficiam dessas “identidades” e dessas “tradições”, e com a extrema-direita que pretende falar em nome dos oprimidos para alçar-se ao poder na primeira oportunidade. O nome dessa convergência entre esquerda e direita nós sabemos: fascismo.

Ilustram este artigo obras de Anselm Kiefer (1945-)

 

Errámos: a aluna que reclamou ao pai sobre a exibição das charges pelo professor não estava presente na sala de aula no momento. A informação foi corrigida. Passa Palavra

8 COMENTÁRIOS

  1. Acho que a questão já foi bem pontuada pela argelina Marieme Hélie-Lucas aqui: “Os ataques machistas coordenados em Colônia e os erros eurocêntricos de uma esquerda europeia pós-laica” https://passapalavra.info/2016/01/107395/

    “A cega defesa que a esquerda radical faz dos reacionários “muçulmanos” abraça implicitamente a crença de que, para não europeus, uma resposta de extrema-direita é uma resposta normal a uma situação de opressão.”

    A esquerda que sente alguma simpatia por essas ações fascistas é a que é verdadeiramente eurocêntrica.

    Esses fundamentalistas que atacam na Europa são os mesmos que nos países africanos e asiáticos impedem qualquer progresso no sentido da igualdade de gênero e classe e das liberdades individuais e coletivas.

  2. É de estarrecer a declaração acima do Latuff, ele mesmo um cartunista que vira e mexe é ameaçado por causa de seus cartuns, por vezes chamado de antissemita.
    É uma canalhice tremenda apontar discurso de ódio nas charges do Charlie, quando se trata exatamente do oposto, satirizar os intolerantes. Essas declarações do Latuff mostram bem a confusão total em que se encontra a esquerda, defendendo fundamentalistas neofascistas e condenando aqueles que se colocam contra essas práticas de ódio. Bem, algo que já ficou claro desde o assassinato dos cartunistas do Charlie.

  3. Latuff abjeto. Está no mesmo nível de quem diz que estupros ocorrem pela forma como as mulheres se vestem.

  4. O preocupante é que não se trata só de Latuff, e as suas declarações reproduzem posições divulgadas entre os esquerdistas franceses. No dia 19 de Outubro, pouco depois do assassinato do professor Samuel Paty, um amigo francês escrevia-me, e traduzo aqui a mensagem:

    «A situação está péssima.
    «Existe uma certa esquerda da esquerda (não comunistas, incluindo anarquistas) que apoia associações próximas das correntes mais radicais do Islão. Apoia, por exemplo, uma associação ameaçada agora de dissolução, o CCIF, que é uma agência com ligações explícitas à Irmandade Muçulmana.
    «Mélenchon apresentou-se com uma posição “pró-russa”, declarando que o problema residia igualmente na comunidade tchetchena, ou seja, uma afirmação essencializante [identitária], ao mesmo tempo que condenava o assassinato do professor e reafirmava posições republicanas e laicas.
    «De modo geral, existe uma esquerda favorável ao Charlie Hebdo e outra que fala de “islamofobia” e apoia a “religião dos oprimidos”.
    «Convém saber que o Charlie Hebdo se aproximou de posições bastante neoconservadoras (ainda que de esquerda), ao mesmo tempo que mantém a sua faceta anti-religiosa.
    «Uma certa esquerda considera que Charlie é responsável pela islamofobia. E começa a admitir que já não se deve “blasfemar” contra a religião… quer dizer, contra o Islão».

    É contra tudo isto que devemos combater. Não é simples nem fácil.

  5. [Ver abaixo a tradução.]

    Un autre exemple d’absurdité de l’extrême-gauche française, sur le site Paris-Luttes Info :

    « Conflans : horreur, tristesse et révolte
    Réflexion d’une enseignante à propos des évènements de Conflans et des réactions qui s’en suivent.
    La décapitation… je suis tout de suite sidérée par ce mot et j’essaie de me représenter ce qu’il recouvre. Il reste étranger à ma vie. C’est ce mode opératoire qui m’alerte sur la distance qui me sépare de cet homme qui a décapité un prof.
    Tout de suite, j’apprends que le prof a montré les caricatures de Mahomet qui ont valu la vie de la rédaction de Charlie Hebdo. Tout de suite je perçois l’acte de mon collègue comme une provocation ou une inconscience. Les mots tuent. La psychanalyse nous l’a appris. Nous sommes des êtres de langage et l’école fait mine de ne pas voir les rapports de domination qu’elle instaure à travers les mots, le langage, sur les corps des jeunes enfants, des élèves. Un rapport de domination violent, qui s’inscrit pour la vie. Pierre Bourdieu, Jean Foucambert disent cette peine qui s’abat pour longtemps sur nos vies. L’Ecole contre les populations laborieuses, dangereuses.
    Méconnaître cette violence institutionnelle, rien d’étonnant à cela car on ne peut connaître ce que l’on ignore et qui s’apprend. L’Education nationale cache cette violence pourtant fondatrice, revendiquée par Jules Ferry pour ses hussards noirs de la République : il faut en finir avec le siècle des révolutions.
    L’abîme de haine et de violence qui s’ouvre sous nos pieds avec cette décapitation, c’est le fascisme qui s’avance. La pauvreté, la misère organisée par les dirigeants jettent les bases de cette marée noire. Les fanatismes fleurissent et provoquent des chaos que la répression et les lois liberticides font mine de vouloir juguler.
    Nos dirigeants sont des pompiers pyromanes. Nous leur devons les injustices de classe, les pillages planétaires, les guerres coloniales qui continuent – meurtres, tortures, viols, pillages, massacres légalisés. Pour que les riches se gavent.
    Une plaie ouverte que je garde au cœur. C’est à hurler.
    Samuel P. et Abdoullakh A. n’arrêteront jamais de s’entretuer tant que cette violence de classe et de race ne sera pas reconnue. Une violence que la police a rétablie dans l’instant en abattant l’assaillant. Ce qui est important c’est de rétablir immédiatement le monopole de l’État sur nos vies.
    Devant tant d’horreur, nous ne nous tairons pas. Nous ne tairons pas les crimes coloniaux, les violences policières, la relégation des quartiers populaires, les réfugié.e.s mort.e.s dans la Méditerranée , les camps de rétention, la prostitution des enfants, les tortures en prison, les vies de labeur sous le joug capitaliste.
    Nous ne renoncerons jamais à nous-mêmes, au combat et à l’amour pour que puissent dialoguer à jamais Samuel et Abdoullakh.

    Une enseignante »

    Tradução do Passa Palavra:

    Outro exemplo de absurdo da extrema-esquerda francesa, no site Paris-Luttes Info:

    «Conflans: horror, tristeza e revolta.
    «Reflexões de uma professora a propósito dos acontecimentos de Conflans e das reacções que se seguiram.
    «A decapitação… fico imediatamente siderada por esta palavra e tento imaginar o que ela designa. Ela é exterior à minha vida. É essa maneira de proceder que me chama a atenção para a distância que me separa daquele homem que decapitou um professor.
    «Fico imediatamente a saber que o professor mostrou as caricaturas de Maomé que custaram a vida à redacção de Charlie Hebdo. Considero imediatamente a acção do meu colega como uma provocação ou uma inconsciência. As palavras matam. Foi o que a psicanálise nos ensinou. Somos seres que usam a linguagem, e a escola finge não se aperceber das relações de dominação que instaura através das palavras, da linguagem, no corpo dos jovens, dos alunos. Uma relação de dominação violenta, que marca a vida inteira. Pierre Bourdieu ou Jean Foucambert mostram essa cicatriz que estigmatiza ao longo da vida. A Escola contra a população trabalhadora, perigosa.
    «Não há nada de extraordinário no desconhecimento dessa violência institucional, porque não se pode conhecer aquilo que se ignora e que tem de ser aprendido. A Educação Nacional esconde essa violência, que, no entanto, constitui o seu fundamento, reivindicado por Jules Ferry para os seus hussardos negros da República: tem de se pôr fim ao século das revoluções.
    «O abismo de ódio e violência que essa decapitação rasga a nossos pés é o fascismo a avançar. A pobreza, a miséria organizada pelos governantes lançam as bases dessa maré negra. Florescem os fanatismos e provocam um caos que a repressão e as leis liberticidas fingem querer debelar.
    «Os nossos governantes são bombeiros pirómanos. Devemos-lhes as injustiças de classe, as pilhagens planetárias, as guerras coloniais que continuam — assassinatos, torturas, violações, pilhagens, massacres legalizados. Tudo para que os ricos engordem.
    «Uma ferida aberta que não me abandona. Um horror.
    «Samuel P. e Abdoullakh A. nunca deixarão de se matar um ao outro enquanto essa violência de classe e de raça não for reconhecida. Uma violência que a polícia restabeleceu no a partir do momento em que abateu o atacante. O importante é que o monopólio do Estado sobre as nossas vidas seja imediatamente restabelecido.
    «Não nos calaremos perante todos estes horrores. Não nos calaremos perante os crimes coloniais, as violências policiais, a marginalização dos bairros populares, o(a)s refugiado(a)s morto(a)s no Mediterrâneo, os campos de detenção, a prostituição das crianças, as torturas nas prisões, as vidas de trabalho sob o jugo capitalista.
    «Nunca renunciaremos a nós próprios, ao combate e ao amor para que Samuel e Abdoullakh possam sempre dialogar.
    «Uma professora».

  6. ALGARAVIA DA EPIFENOMENOLOGIA ou SOPA DE TAMANCO
    O mais preocupante é que:
    a) um amigo francês escreveu;
    b) a esquerda da esquerda apoia a direita da direita;
    c) o Charlie Hebdo se aproxima “de posições bastante neoconservadoras (ainda que de esquerda)”;
    d) «Uma certa esquerda considera que Charlie é responsável pela islamofobia”;
    e) É contra tudo isto [moinhos de vento futebol clube] que devemos combater.

  7. Um grande e lindo artigo, mas tenho um adendo importantíssimo a se fazer. Em certo momento, o autor deste texto linkou um artigo de opinião do blog ‘Jornalistas Livres’ sobre o caso do professor Samuel Paty e lá naquele texto há informações bastante distorcidas, infelizmente isto é a cara da “mídia alternativa” brasileira, vejam só o que DCM anda fazendo com Green Gleenwald, por exemplo.
    O artigo de ‘Jornalista Livres’ afirma e também dá a entender que mulheres muçulmanas não podem assumir cargos públicos na França e que em vários ambientes não podem professar sua fé por serem proibidas pelo Estado francês, o que é uma calúnia sem dimensões. Mulheres muçulmanas, cristãs, judias, ateias, budistas ou de qualquer credo podem assumir cargos públicos na França, o que não podem, na verdade, é usar dentro de repartições públicas, seja trabalhando ou utilizando seus serviços, trajar artigos religiosos que sejam bastante expostos.
    Professores judeus, por exemplo, não podem dar aulas em escolas francesas usando quipá. Padres não podem dar aulas em universidades francesas vestindo batinas. Funcionários públicos católicos não podem usar crucifixos em seus trabalhos. O mesmo se aplica a mulheres muçulmanas ou homem muçulmanos que queiram trabalhar no setor público ou usar seus serviços. Alunos judeus na França, por exemplo, não podem usar o quipá. O veu ainda é uma exceção, mas burca ou outras vestimentas também são proibidas.
    Esta proibição de burca, quipá, crucifixo ou outros artigos religiosos serem usados em repartições públicas não são de hoje, mas sim de quase um século, afinal, a França moderna e laica só existe porque lá atrás, no contexto iluminista, brigou-se ferozmente por uma separação da Igreja e do Estado e buscou-se mecanismos de garantir que isto fosse realmente praticado. Portanto, as mulheres muçulmanas não são proibidas a nada no que diz respeito a trabalhar na França, elas só não podem, como qualquer outro grupo religioso, usar adereços ou materiais religiosos que sejam bastante expostos.
    É necessário elencar isto porque a matéria de Jornalistas Livres aparenta querer de fato que vejamos o Estado francês como um perseguidor da fé islâmica, o que não é verdade, até porque o Islã já é parte da França há pelo menos três ou quatro décadas.

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