por Z1010010

Na parte anterior desta série, fizemos um sobrevoo pelas tecnologias que permitem à internet ser a infraestrutura que conecta várias redes de máquinas, cada uma contendo em si várias máquinas em diálogo. Evidenciamos rapidamente como a internet depende de uma infraestrutura altamente hierarquizada e centralizada, correspondendo, pelo lado do hardware, ao tipo de centralização na prestação de serviços praticado pelos GAFAM pelo lado do software. Vamos tentar evidenciar, agora, por quais meios a mesma tecnologia capaz de criar a internet por meio de uma estrutura hierarquizada e centralizada pode, também, ser capaz de promover a descentralização.

Redes comunitárias: o básico, num exemplo

A máquina que permite correr ao lado da infraestrutura de internet está em sua casa: é o modem/roteador. Já vimos como a conexão de muitos roteadores uns aos outros pode fazer uma rede local expandir-se, em tese, até o infinito; vimos, também, que os provedores de internet em vários níveis operam como se fossem gigantescos roteadores, direcionando e redirecionando tráfego entre redes. E se resolvêssemos criar uma espécie de “internet local”? Isso seria possível?

Não somente é possível, como já é feito. São as redes comunitárias. Muitas delas adotam a tipologia em malha (mesh), já vista na parte 3 desta série, para potencializar seu funcionamento, que se entende melhor por meio de um exemplo hipotético.

Imagine que, logo no início das medidas de isolamento na pandemia de COVID-19, em março de 2020, Adriana, estudante do curso técnico em redes de computadores, precisou acompanhar sua família rumo ao interior, lá onde têm uma roça pequena, quase de subsistência. O primeiro problema enfrentado ao adaptar-se é a péssima qualidade da internet rural: apesar da bela propaganda das operadoras, só onde o agronegócio pautou a implementação de uma infraestrutura de antenas e estações rádio base (ERB) existe sinal de celular e internet adequado às necessidade da chamada “vida moderna”. As alternativas são antenas e modems rurais que entregam sinal já enfraquecido.

Como na internet tem tutorial para tudo, Adriana descobriu, depois de torrar uma grana em lan house na sede do município, que o sinal de wifi de um modem pode ser direcionado, ou mesmo amplificado, quando colocado numa antena parabólica. Num ferro-velho da cidade Adriana encontrou muitas parabólicas velhas vendidas como sucata, pelo peso do metal. Adriana comprou uma e começou a “brincar”. Mexe daqui, mexe dali, conseguiu fazer a gambiarra funcionar em duas vias, tanto para amplificar a recepção de sinal por um celular, quanto para receber e enviar o sinal de internet recebido.

Figura 1: “gambiarra” de roteador de internet rural com parabólica usada.
Figura 2: rede mesh em telhados.

Essa é a base empírica para uma rede mesh. Na sua forma mais básica, elementar, crua e simples, ela sequer precisa passar disso: o alargamento do alcance de uma rede de área local por meio da ampliação do sinal de um modem via cabo ou ondas de rádio. O alargamento da rede é a consequência lógica da ampliação do sinal do modem, pois, como se viu na parte anterior desta série, a maioria dos modems vendidos no mercado hoje é, também, um roteador, e os dois juntos criam uma rede de área local (local area network – LAN) por meio da qual máquinas podem “conversar”, trocar dados, compartilhar arquivos etc., com consequências interessantes.

Veja-se um site qualquer. De forma muito resumida e grosseira, ele só aparece bonitinho, com texto, imagens, vídeos e outras coisas bem dispostos na tela, porque os arquivos com os textos, imagens, vídeos e outras coisas estão hospedados em algum computador, em algum lugar, que só se pode acessar fora da rede onde ele está situado porque existe a internet entre ela e o computador que acessa o site. Sem a internet, o site ficaria inacessível ao público – ou, melhor dizendo, teria seu acesso restrito somente aos computadores situados na mesma rede local. Um exemplo: o “sistema” de uma grande cadeia de varejo só pode ser acessado dentro das lojas, porque a rede interna da empresa impede acessos externos. Esse “sistema” funciona quase como um site: está hospedado em servidor(es) internos à rede, a partir da qual máquinas autorizadas podem acessá-los.

Adriana gostou do que viu. Pensou: “se posso aumentar o alcance do sinal do modem, deve ter algo mais que eu possa fazer”. Pesquisando um pouco mais na internet (desta vez usando o sinal ampliado em vez da lan house), descobriu que as redes têm uma escala baseada no alcance, que vai desde as nanorredes e a comunicação por campo de proximidade (near-field communications, ou NFC) usada em cartões de débito e crédito até as muitas formas de redes de área alargada (wide area network, ou WAN), como a própria internet e outras ainda conceituais, como a rede de área da internet (internet area network, ou IAN) e a internet interplanetária. Descobriu, também, que existem meios para conectar uma rede à outra.

Usando a pesquisa e um pouco de conhecimento técnico, Adriana convenceu sua família a ratear com um vizinho da roça mais próxima, a dezoito quilômetros de distância, o equipamento necessário para estabelecer uma conexão ponto a ponto; deste modo, o sinal da internet seria rateado com o vizinho, e além disso a rede local. Na outra roça, Maria Auxiliadora, a adolescente da família, começou a aproveitar o acesso à internet para as aulas do ensino remoto e para ouvir música. O sinal de internet rural em sua casa era péssimo; agora, com as “gambiarras” de Adriana, dava até para assistir vídeos sem interrupções. Crispiniano, pai de Maria Auxiliadora, chegou a criar um site com a ajuda de Adriana para facilitar a venda de queijo, leite e iogurte, alcançando clientes em cidades vizinhas que nunca teria alcançado na feira local.

A notícia da “internet de Adriana” se espalhou rapidamente pela cidade. Em outubro de 2020 já havia outras duas famílias interessadas; achavam que era só uma questão de “puxar uns cabos”, mas Adriana, mais cautelosa e já sabendo, a essa altura, que havia outros fatores envolvidos, preferiu agendar algumas reuniões para explicar em linhas gerais o que seria feito, e para entender as necessidades das famílias antes de construir a rede. Depois, Adriana precisou de muito cálculo para estabelecer a largura de banda, potência de transmissão, ganho de antena, nível mínimo de sinal de recepção, perdas em cabos, perda em espaço aberto, atenuação, espalhamento, dispersão de sinal, anulação e outros fatores, mas conseguiu construir um orçamento do link adequado às finalidades exigidas, e deixou ainda alguma margem para expansão futura.

Já em meados de 2021, a “internet de Adriana” se transformara em algo muito maior. Outras pessoas com experiência técnica se interessavam em participar. O custo de operação, manutenção e expansão da rede, rateado por todos, tornava-se cada vez menor. Como o fluxo de dados corria “livre” por dentro de uma rede mais robusta e presente que a internet rural e o sinal de telefonia tradicionais, não demorou muito para que o Meshenger começasse a ocupar o lugar do Whatsapp nas chamadas de áudio e vídeo entre pessoas participantes da rede. Se o formato original era o de uma rede ponto-a-ponto, a essa altura os técnicos envolvidos já haviam implementado várias alternativas multiponto-a-multiponto; com isso, cada aparelho conectado poderia funcionar como uma espécie de roteador para a rede, aumentando as “vias” para o tráfego de dados e, consequentemente, aumentando a velocidade. A topologia da rede aproximava-se cada vez mais de uma rede mesh pura. Casas na sede do município com acesso a internet banda larga já integravam a rede, porque assim rateavam a conta da internet com os demais participantes. Já se pensava em construir uma associação para organizar melhor aquilo que começara de modo quase inocente.

Figura 3: antena da Red Hook Wifi, rede comunitária de telecomunicações em Nova Iorque (EUA).

No exemplo acima, que inventamos para fins didáticos com base em exemplos reais, a “internet de Adriana” é uma rede comunitária de telecomunicações, que com o tempo passou a usar tecnologias ponto-a-ponto e multiponto-a-multiponto para alargar seu alcance e multiplicar sua velocidade. A rede comunitária de telecomunicações pode conectar-se à internet, ou pode manter suas conexões internas sem ela; pode servir para computadores, mas também pode funcionar para ligações telefônicas; pode restringir-se a uns poucos nós, ou, com a infraestrutura técnica adequada, pode alcançar milhares de nós (ou mais). Se levarmos em conta o objetivo desta série (“construir nosso terreno” nos meios digitais), as redes comunitárias são, pelo lado do hardware, o mesmo que os servidores ativistas e a comunicação descentralizada e distribuída são pelo lado do software. Aliás, considerando que hardware e software integram os mesmos sistemas, não é incomum que redes comunitárias, servidores ativistas e comunicação descentralizada/distribuída sejam usados em conjunto.

Alguns exemplos reais de redes comunitárias em funcionamento

Inventamos um exemplo que serve para explicar o básico, mas não dá ideia alguma do tamanho a que uma rede comunitária pode chegar, tampouco de seus usos em práticas sociais de mobilização comunitária, ou de alternativas ao capitalismo. Para isso, o melhor é conhecer exemplos de verdade.

Na África do Sul podem se encontrar alguns exemplos mais simples de redes comunitárias, tanto em meio urbano quanto no campo. Apesar de a África do Sul ter o sistema telefônico mais desenvolvido e moderno do continente africano no início do século XXI, a largura de banda na internet era muito limitada e cara; com isso, as pequenas experiências de redes mesh locais se transformaram em serviços públicos de primeira necessidade. Os chamados Wireless User Groups (WUG – “grupos de usuários de redes sem fio”) surgiram numa brecha da legislação sul-africana sobre telecomunicações, agrupando usuários de redes mesh que, pela natureza filantrópica e sem fins lucrativos dos WUG, não podem vender serviços de internet, mas podem usar certos espectros de banda sobre cujo uso a legislação não impôs a necessidade de licenciamento. Até o início de 2022, o tamanho de cada WUG variava desde projetos-piloto universitários (Universidade de Stellenbosch, Universidade da Cidade do Cabo) até grandes redes como o WUG da Cidade do Cabo, que alcança a cidade inteira, conta com pelo menos mil e quinhentos pontos de acesso, mantém uma rede própria com configurações bastante avançadas, orienta cada participante sobre como instalar e manter seu próprio equipamento e baseia-se somente em trabalho voluntário e doações.

Em escala parecida, desta vez em Nova Iorque (EUA), a rede Red Hook Wifi exclusivamente à vizinhança de Red Hook, no Brooklin, onde a organização Red Hook Initiative descobriu, por meio de pesquisa feita em 2011, que a maioria da população local só acessava a internet pelo telefone, e cerca de 30% dos lares não tinha internet banda larga; procuraram o apoio de uma fundação e implementaram uma rede mesh comunitária que, no início só permitia 150 acessos simultâneos. Poucos meses depois da implementação inicial, a rede já se espalhara bastante; quando o furacão Sandy atingiu a área, em 2012, enquanto os sistemas de telecomunicação e internet haviam caído na maior parte da cidade, a infraestrutura simples e de baixo custo da Red Hook Wifi permaneceu praticamente intacta; com isso, a sede da Red Hook Initiative rapidamente foi transformada num ponto de coordenação de trabalho voluntário, de recepção de doações, e de acesso à internet por parte de quem ainda não estava conectado à Red Hook Wifi. A Agência Federal de Gestão de Emergências (Federal Emergency Management Agency – FEMA) providenciou a conexão direta da Red Hook Wifi a seu sistema de satélites, e a rede foi transformada numa matriz de comunicação para localizar auxílio emergencial, pontos de distribuição de alimentos e locais de abrigo provisório. Depois disso, a rede continuou a ser expandida.

Figura 4: mapa de nós da rede Freifunk, em Berlim (Alemanha).

Se formos bastante generosos com o que entendemos por “ativista”, redes comunitárias podem ser construídas por defensores de uma comunicação livre, ou por ativistas voltados a determinada causa. Um exemplo bem conhecido é a rede Freifunk, da Alemanha. Esta última foi iniciada em outubro de 2002, como resultado de uma oficina sobre redes sem fio comunitárias livres em Berlim; nesta oficina foi criado o Acordo de Picopareamento (Pico Peering Agreement), por meio do qual os signatários estabeleceram certas regras sobre como lidar com a transmissão de dados de pessoas numa rede livre, com enorme inspiração nas liberdades estabelecidas pelo software livre. A rede Freifunk foi criada pouco depois, como a materialização destas regras, e em setembro de 2003 já era fundada a Associação de Apoio às Redes Livres (Förderverein Freie Netzwerke e.V.), para agir como instrumento de luta contra a censura na internet, e de promoção do Acordo de Picopareamento, da rede Freifunk e das redes comunitárias livres em geral. No final de 2021, a rede Freifunk estava presente em quatrocentas comunidades locais, com mais de quarenta e um mil pontos de acesso; entre as maiores comunidades alcançadas estavam Münster, Aachen, Munique, Hanôver, Stuttgart e Uelzen, com mais de mil pontos de acesso presentes em cada uma. Perfil parecido, com variadas ênfases no aspecto ativista (desde o “cidadanismo” até o ativismo radical) pode ser encontrado nas redes Sarantaporo.gr (Elassona, Grécia); Altermundi e LugroMesh (Argentina); a SNET cubana (criada em paralelo à internet “oficial”); NYC Mesh (Nova Iorque, EUA); Toronto Mesh (Toronto, Canadá); People’s Open Network (Oakland, EUA); Personal Telco (Portland, EUA); wlan slovenija (Eslovênia); Pjodd (Suécia); Wirelesspt (Portugal); Ninux (Itália); FunkFeuer (Áustria); RedLibre (Espanha); Wireless Leiden (Leiden, Holanda) e Wafreenet (Austrália). A lista é exemplificativa, existem outras redes como as existentes em Jalalabad (Afeganistão) e outras espalhadas pelo interior da Colômbia (a de Bogotá é bem documentada) e do Quênia.

Figura 5: mapa de nós da rede Guifi.net em Barcelona (Espanha) e entorno.

Na Espanha, mais espantoso ainda, tanto em objetivo quanto em escala, é o projeto Guifi.net. Concebido como um “projeto social, tecnológico e econômico construído desde a base pela iniciativa de cidadãos”, pretende “criar uma rede de telecomunicações livre, aberta e neutra com base no modelo dos bens comuns”. O projeto foi iniciado em 2002 para levar sinal de internet a zonas rurais da comarca espanhola de Osona, na Catalunha; em 2016 a rede criada pelo projeto Guifi.net já tinha 32.500 nós servindo a mais de cinquenta mil pessoas, com alguns nós espalhando-se além da Catalunha (Valência, Ilhas Baleares, Madri, Andaluzia, Astúrias e País Basco). No final de 2022, os nós da rede Guifi.net prestavam desde os serviços mais comuns (mensageiros instantâneos via XMPP, hospedagem de sites, compartilhamento de arquivos par-a-par, servidores de jogos, bate-papo via IRC, servidores de e-mail, videoconferências, etc.) até outros mais complexos (acesso à internet, conectividade wifi, servidores de arquivos, serviços de telefonia VoIP, transmissão de imagens de webcams, serviço de registro DNS, estações meteorológicas, VPN, transmissão de rádio e televisão, etc.). Ao beneficiar-se da economia de escala, o projeto Guifi.net consegue manter uma infraestrutura de telecomunicações de boa qualidade a um preço muito baixo, e quanto mais nós entram na rede, mais barato tende a ficar o serviço. Desde 2008 o projeto Guifi.net criou uma fundação para lidar com os aspectos econômicos e regulatórios do projeto; a Fundação Guifi.net é hoje um operador de telecomunicações registrado, que participa da internet como um sistema autônomo (autonomous system – AS) e conecta-se diretamente ao ponto de troca de tráfego da Catalunha (CATNIX) a uma velocidade de 30Gbps.

Existem muitas redes comunitárias já em funcionamento no Brasil, como em Monteiro Lobato (RJ), São Paulo (SP), Penalva (MA), Cajari (MA), Concórdia do Pará (PA), Boa Vista do Acará (PA); boa parte delas foi implementada em comunidades rurais ou quilombolas por meio da ação de departamentos universitários ou ONGs ligadas à comunicação e à tecnologia. Sabemos também de algumas experiências com redes comunitárias no Parque Nacional do Xingu. O assunto foi regulamentado principalmente pela Resolução nº 617/2013 da Anatel, que, em comparação com outras regulamentações mundo afora, é bastante restritiva.

Figura 6: instalação de Libre Router na Colômbia.
Figura 7: Libre Router instalado em telhado doméstico em Monteiro Lobato (RJ).

Alguns pressupostos e características de uma rede comunitária

A esta altura, já se pode observar as enormes diferenças de um projeto de rede comunitária para as simples recomendações de uso de tal ou qual software a que nos referimos na parte anterior desta série.

Uma rede comunitária precisa de uma comunidade ativa de usuários para que possa ser implementada. Quando ativamente envolvida com os aspectos tecnológicos da questão, essa comunidade pode inclusive se responsabilizar pela aquisição, operação e manutenção dos equipamentos que permitem conectar-se à rede. Um projeto de telecomunicação comunitária poderá servir como meio para a apropriação de uma tecnologia e como instrumento para a mobilização comunitária.

A implementação de uma rede comunitária é um projeto técnico que exige um conhecimento razoável de elétrica, eletrônica, telecomunicações e redes de computadores. Existem bons manuais de implementação de redes comunitárias disponíveis na internet, alguns inclusive com enorme detalhamento técnico e prático, que ensinam em linguagem simples todo o passo a passo (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui). Apesar disso, algum conhecimento técnico prévio é necessário para as implementações iniciais e para a manutenção da rede depois de instalada. Qualquer um pode estudar e praticar o necessário, com certeza, mas a curva de aprendizado é muito íngreme, especialmente para quem terminou o ensino médio com deficiências em Física e Matemática; o melhor, num primeiro momento, é ter por perto camaradas com as habilidades técnicas em elétrica, eletrônica, telecomunicações e redes de computadores para colaborar com a implementação e servir como “professores”, ensinando como instalar a rede e como lidar com sua manutenção.

O equipamento necessário para a implementação de uma rede comunitária pode ser adquirido em lojas especializadas. A mais comum alternativa, o Libre Router, foi homologado em 2020 pela ANATEL para uso em redes comunitárias. Não se pode, de forma alguma, deixar de lado a chance de reaproveitar equipamentos descartados. Antenas parabólicas, antenas de TV, modems, roteadores, comutadores, computadores, concentradores, cabos de par trançado, cabos coaxiais, repetidores, transceptores, tudo, literalmente tudo, pode ser reaproveitado por quem entenda razoavelmente como funcionam tais aparelhos. Mesmo latas podem ser transformadas em antenas funcionais. Com o conhecimento adequado e alguma prática, não há nada que um ferro de solda, fita isolante, papel-alumínio, silver tape e mantas térmicas de alumínio não possam resolver.

Figura 8: cantenna, uma antena de lata (can).
Figura 9: cantenna com parabólica.

A depender da escala em que se pretenda operar, especialmente se for usada transmissão de dados por emissão de rádio, poderá ser necessário criar algum tipo de estrutura jurídica (cooperativa, associação) e seguir as regulações sobre telecomunicações. Somente um estudo mais minucioso do tipo de projeto que se pretende implementar poderá dizer se é ou não necessário seguir este caminho, mas é um alerta necessário: quem o seguir precisará se preocupar com taxas, imposto de renda, contabilidade, coisas que podem ter um custo alto se não for pensado alguma forma de custeio.

Existe uma diferença, talvez a mais importante, entre um projeto de rede comunitária e a indicação de uso de um software: um programa ou aplicativo se baixa, instala, usa e pronto; em alguns casos, basta instalar o aplicativo e “esquecê-lo”, pois roda em segundo plano nas máquinas. Uma rede comunitária não pode ser tratada da mesma forma. Nenhum projeto desse porte deslancha se não houver um esforço coletivo, organizado, persistente e disciplinado para que funcione. Não se cria algo assim por brincadeira; o processo pode ser até divertido, mas não pode ser frívolo, efêmero, funcional só enquanto o “desejo” apontar em sua direção. Imagine: estudar a parte técnica, conseguir o material para a implementação, reunir pessoas interessadas, chegar a acordos sobre o funcionamento técnico e social da rede, subir em telhados sob o sol quente, administrar tráfego de rede… pode haver prazer nisso, nunca falta de compromisso.

Que tem tudo isso a ver com “construir nosso terreno”?

Com o tema das redes comunitárias, estamos chegando à reta final da longa jornada iniciada com a primeira parte desta série.

O Passa Palavra, ao publicar a coluna Cuidados Digitais, trouxe para o debate público entre militantes e ativistas questões fundamentais de autodefesa digital. Começando pelos cuidados com senhas e chaves criptográficas (aqui), passamos por algumas técnicas de vigilância digital por meio da captura de dados e metadados (aqui), para depois falar do “fator humano” nas invasões (aqui). Tratou-se nesta coluna também sobre a relação inversamente proporcional entre segurança e conforto no uso de software (aqui), sobre grampos e interceptações telefônicas (aqui) e sobre o modo pelo qual a captura de dados e metadados permite construir um perfil digital que reflete muito de perto seu comportamento no “mundo real”, e os riscos envolvidos (aqui). A questão da privacidade, segurança e anonimato foi tratada com bastante detalhe em dois artigos (aqui e aqui), e o tema foi desenvolvido na prática por meio da análise do percurso de uma mensagem de Whatsapp desde a origem até o destino (aqui), e da discussão em três partes sobre o argumento, muito comum, de que não há “nada a esconder” e a preocupação com privacidade e segurança é paranoica (aqui, aqui e aqui). Todo o conhecimento acumulado até então foi aplicado à dissecação de um smartphone em seus elementos mais básicos, para que se saiba desde já sobre os riscos envolvidos, e também para dissipar certos mitos (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Na coluna falou-se, bem por alto, sobre o que é criptografia (aqui). Muitos dos temas tratados têm sido revisitados, sistematizados, ampliados e aprofundados num passo a passo prático, ao mesmo tempo técnico e simples, que permite até mesmo a pessoas com pouco conhecimento em informática aplicar tudo o que foi debatido na coluna Cuidados Digitais (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, com outras partes ainda por vir). O esforço dos colunistas a quem o Passa Palavra cedeu o espaço é considerável, e todos devem ser parabenizados: até o momento, a coluna tem sido uma das fontes de informação mais procurada nos meios militantes sobre os temas publicados.

Nas partes anteriores desta série, tratou-se bem por alto da necessidade de “construir nosso terreno”, ou seja, de construir no ambiente digital uma presença consciente, mais segura e capaz de afirmar, também por lá, a mesma autonomia que queremos construir no “mundo real” (aqui). O primeiro passo neste sentido foi conhecer e usar os serviços de servidores ativistas, e para isso uma lista deles foi apresentada (aqui). Em seguida, foram apresentados os modelos da comunicação centralizada, descentralizada e distribuída, com ênfase neste último (aqui), apresentação de situações práticas de seu uso (aqui) e indicação de alguns programas e aplicativos para testes e uso cotidiano (aqui).

A construção de uma rede comunitária de telecomunicações é o último e mais radical passo para a construção da independência tecnológica. Para chegar até aqui, foi preciso acumular conhecimento aos poucos, para que o assunto não causasse nenhum estranhamento. A situação pode ser ilustrada por meio de um exemplo hipotético.

Figura 10: elementos para construção de uma rede comunitária de telecomunicação num quilombo em Conceição de Salinas (BA).

Imagine um centro comunitário qualquer: associação de moradores, colônia de pesca, hackerspace, sede de cooperativa, centro de cultura social, biblioteca comunitária, cursinho pré-vestibular, casa de farinha, o que for. Importa, somente, que seja um imóvel funcionando legalmente como espaço de convergência de uma comunidade qualquer. O centro comunitário existe numa área onde a população vizinha tem grande dificuldade para acessar a internet, porque os cabos da banda larga não chegam e o sinal de celular é fraco.

A comunidade que usa o imóvel decide instalar um servidor próprio, com e-mail próprio, um Nextcloud cheio de plug-ins, WordPress para sites e blogs pessoais, e XMPP (via Prosody) para mensagens instantâneas. Aos poucos, vão instalando outros serviços e, quando a grana deixa, vão aumentando a capacidade das máquinas. Com o tempo, já têm:

  • Big Blue Button e Moodle para atividades formativas remotas;
  • Jitsi para teleconferências, e Mumble para chamadas de voz;
  • Taiga para gestão de projetos, e Gancio para agendas públicas compartilhadas;
  • Tiny Tiny RSS para receber atualizações de sites via RSS, e Wallabag para fazer clipagem de conteúdo;
  • Lufi para upload temporário de arquivos grandes;
  • Searx para pesquisas na internet;
  • Mastodon para relacionamentos sociais e microblogging;
  • Framadate para fazer enquetes e votações;
  • Etherpad e Ethercalc para edição colaborativa de documentos, e Cryptpad para servir como suíte office online;
  • Discourse para fóruns de debate;
  • Peertube para hospedagem e compartilhamento de vídeos, Pixelfed para hospedagem e compartilhamento de fotos;
  • Um pub do protocolo Scuttlebutt e uma instalação do Jami, para testes.

(Quem entende um pouco de servidores reparou que há softwares redundantes na lista. Ela serve apenas para mostrar o que pode estar no mesmo servidor, e para que serve. Lembre-se: este servidor é imaginário!)

Com tais serviços, os integrantes deste centro comunitário conseguiram independência quase completa das ferramentas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft). Enfrentam, entretanto, um grande desafio: as políticas de “redes sociais à vontade” (zero rating/navegação gratuita) que beneficiam as ferramentas GAFAM mais populares (Facebook, Instagram, Whatsapp, Youtube, etc.) fazem com que as ferramentas instaladas no servidor do centro comunitário consumam dados, enquanto as ferramentas GAFAM têm uso gratuito. O software instalado no servidor poderia muito bem servir somente aos membros do centro comunitário, mas eles já haviam entendido: sem garantirem à comunidade circunvizinha melhor acesso à internet, além de não enfrentar um bloqueio econômico ao uso de ferramentas mais seguras e respeitadoras à privacidade, terminavam colocando-se numa posição “superior” frente a seus vizinhos.

Tendo conhecido as redes de telecomunicação comunitária, os integrantes do centro comunitário fizeram uma campanha de arrecadação e muitas reuniões para preparar a construção da rede, afinal construída e instalada, não sem dificuldades. A comunidade circunvizinha contava, agora, com um sinal de internet estável; a velocidade não era a ideal, mas equiparava-se à internet 4G instável usada pela maioria, e o custo para os usuários era quase zero. Melhorias técnicas subsequentes, custeadas por meio de novas campanhas de arrecadação, aumentaram a velocidade da conexão. A cada novo passo, novas reuniões, nova pactuação de prioridades, novos desafios.

Os membros do centro comunitário descobriram algo importante no processo. Primeiro: haviam resolvido o problema do acesso à internet da comunidade, atacando um problema concreto com soluções concretas. Segundo: estavam oferecendo serviços de software cuja aceitação podia variar, mas que estavam, agora, em condições razoáveis de “enfrentar” as ferramentas GAFAM naquela comunidade. Terceiro: as reuniões para definição de prioridades da rede funcionavam, também, como oportunidade para discutir os problemas da comunidade, e “engatavam-se” em outros processos de mobilização comunitária num círculo virtuoso. Quarto: haviam demonstrado, na prática, que a comunidade tinha, sim, capacidade para resolver seus próprios problemas.

Figura 11: reunião de construção dos elementos da rede comunitária de telecomunicação em Conceição de Salinas (BA).

O mais importante: com uma rede comunitária de telecomunicação os integrantes do centro comunitário dispunham de uma ferramenta de comunicação que poderia existir em paralelo à internet. Com as configurações adequadas, uma rede com quase total controle sobre hardware e software estaria à sua disposição, e poderia, inclusive (p. ex., usando multihoming, ou uma VPN), existir em isolamento relativo ou total frente à internet. Organizações ativistas e militantes devem ter especial atenção a este aspecto, pelo potencial que abre para a proteção a dissidentes.

O exemplo da rede Red Hook Wifi demonstra outro aspecto importante: as redes comunitárias estão conectadas às redes “tradicionais”, mas não dependem delas. Num cenário em que uma catástrofe natural rompeu cabos que ligam bairros ou cidades inteiras à internet, deixando-as numa espécie de “apagão digital”, a rede comunitária seguirá funcionando se sua infrastrutura não houver sido afetada. Especialmente quando a rede comunitária é estruturada no modelo multiponto-a-multiponto, a perda de um dos pontos de acesso significa apenas que os roteadores restantes guiarão o tráfego de dados por rotas que contornem o ponto perdido; poderá haver alguma perda de velocidade, mas a rede continuará a funcionar. Nesse mesmo cenário, o acesso às ferramentas GAFAM e outros serviços mainstream seria cortado pela falta de acesso aos servidores onde estão situados, mas os serviços prestados dentro da rede em servidores próprios continuariam de pé. As mesmas características dificultam enormemente a ação de um agente externo (governos, empresas, adversários políticos, etc.) que tente “derrubar” a rede; quanto mais nós ela tiver, mais difícil e custoso será “derrubá-la” para silenciar quem dela se beneficia.

A alternativa das redes de telecomunicação comunitária é bastante radical, pega o problema pela raiz. Maior controle possível sobre hardware e software; formação coletiva continuada para maior apropriação possível das tecnologias envolvidas no hardware e software; planejamento coletivo da instalação, operação, manutenção e expansão da rede; criar os meios para obter os equipamentos necessários e lidar, eventualmente, com as burocracias e regulações. O caminho é árduo, difícil. Mas algum dia alguém disse que mudar o mundo seria fácil?

Existe outro problema a ser enfrentado, o último desta série: o chamado efeito manada. Quem não conhece esse círculo vicioso? Basta olhar para o uso do Signal. “Ninguém” usa Signal porque “todo mundo” usa Whatsapp. Como “todo mundo” usa Whatsapp, que aparentemente faz as mesmas coisas que o Signal, não há razão para migrar para o Signal, porque “ninguém” o usa. Como “ninguém” migra para o Signal, porque “ninguém” o usa, a rede de usuários do Signal continua pequena, reforçando o fato de que “ninguém” o usa. Como “ninguém” usa Signal, “ninguém” está disposto a migrar para ele e abandonar o Whatsapp, que “todo mundo” usa. O efeito manada envolve muitos aspectos psicológicos e sociológicos, e deve ser enfrentado conscientemente se se quer, realmente, construir o nosso terreno nos meios digitais. Como fazê-lo? Trataremos disso numa próxima oportunidade.

14 COMENTÁRIOS

  1. Porra, agora sim, um artigo mão na massa! Passou da hora de fazer algo assim! Quem vamos?

  2. Depois de ter sido incluída num canal anarquista brasileiro no Telegram,recebi em privado a dica de um antigo membro do grupo sugerindo que eu abrisse contas no “fediverso”, após uma longa explicação,o compa sugeriu a criação de contas no diáspora,no Mastodon,no Pleroma e também no Friendica,e disse para abrir no Pixelfeed também para subir imagens. Indaguei sobre a utilidade de tantas contas,me explicou que isso ajudaria a difundir o anarquismo com mais eficiência.
    Dias após ter entrado no Canal do Telegram,fui também adicionada em mais 11 grupos.

  3. Li o comentário da doxa e fiquei aqui pensando: como é que algumas pessoas conseguem tanto tempo, como conseguem fazer tanta coisa? Isso certamente tem um custo. De onde eu preciso tirar pra também ter esse tempo pra ação no nosso terreno?

  4. Irmão, acho que se você já tem mais de 30 anos e não se especializou em telecomunicações ou informática, o seu papel não será programar o servidor ou avaliar o tipo e a altura ideal da antena, etc. Seu papel será, se você tiver sorte de conhecer tais pessoas, o de fomentar e ajudar companheiros e companheiras formados nestas áreas do conhecimento. Um mero usuário feliz e interessado em construir nosso próprio terreno, colocar pessoas em contato, etc. Boa sorte!

  5. Os comentadores andam tão sem tempo que aparentemente nem chegaram aos últimos parágrafos. No mais, o que não falta são amigos que depois dos 30 mudaram de profissão pra trabalhar com informática… E quem dirá do site do seu Crispiniano!

  6. Para matar qualquer doxa:

    “Existe uma diferença, talvez a mais importante, entre um projeto de rede comunitária e a indicação de uso de um software: um programa ou aplicativo se baixa, instala, usa e pronto; em alguns casos, basta instalar o aplicativo e “esquecê-lo”, pois roda em segundo plano nas máquinas. Uma rede comunitária não pode ser tratada da mesma forma. Nenhum projeto desse porte deslancha se não houver um esforço coletivo, organizado, persistente e disciplinado para que funcione. Não se cria algo assim por brincadeira; o processo pode ser até divertido, mas não pode ser frívolo, efêmero, funcional só enquanto o “desejo” apontar em sua direção. Imagine: estudar a parte técnica, conseguir o material para a implementação, reunir pessoas interessadas, chegar a acordos sobre o funcionamento técnico e social da rede, subir em telhados sob o sol quente, administrar tráfego de rede… pode haver prazer nisso, nunca falta de compromisso.”

    Libertário de aplicativo tem a pau. Narcisista de rede social tá sobrando. Revolução é outra coisa: cansaço, suor, sujeira, trabalho. O Passa Palavra está de parabéns por ajudar a gente a separar o joio do trigo.

  7. ¡Saludos desde Colombia, compañeros!

    Si desean información sobre redes inalámbricas en malla, deben buscar organizaciones como Colnodo. Son excelentes en lo que hacen, sin duda sabrán cómo guiarlos.

  8. Deixamos passar, na postagem da Doxa,o fato relevante de a extrema esquerda, ativistas e “esquerda em geral” se recusar a uma abordagem seria do “Nosso Terreno”. Mais que trocentos Canais do Telegram,ou do Zap,ou das miríades de contas no fediverso,sem impacto algum no real, não seria o modo/jeito de nos comunicarmos que devia ser a canoa dessa travessia que precisamos fazer?

    Não sei se a conclusão dos compas Z1010010 “se ninguém usa” isto,ou aquilo,aponta para alguma luz neste obscuro túnel, não foi também o objetivo do texto, é justo pensar assim.

    Devíamos buscar uma abordagem capaz de convencer alguém da Teia dos Povos de que o ambiente X (encriptado de ponta a ponta, federado,auto hospedado, etcetera etcetera) é mais seguro, é melhor para o movimento,e seus ativistas, que a entrega sem pudor dos dados de todo o movimento para a Polícia é uma roubada,que existe vida fora do Gafam….

    Mais que Open Source,existe um núcleo causal que deveria nos levar a buscar formas mais simples e eficazes de uso de ambientes Pró Nosso Terreno. Se eu fosse tomar um café com a Doxa,talvez eu diria: Faz algum sentido você estar em 500 salas do Telegram, não seria melhor difundir em ambientes mais próprios pro Nosso Terreno, incluindo os encontros reais no face a face,além de boas e confiáveis alternativas?

    O comentário da Doxa me deixou mais interessado naquilo que não informou.

  9. Delito, duas das fotos ilustrativas deste artigo vêm da construção de uma rede comunitária num quilombo, que aliás integra a Teia dos Povos. No próprio texto você encontra links para contatar diretamente outras comunidades rurais e quilombolas que usam redes comunitárias — fora, é claro, do fetichismo do meio libertário relativamente à Teia dos Povos, que é a nova moda como foi, no passado, o MST. Suas dúvidas, portanto, já estão respondidas — mas talvez vocẽ não tenha sabido onde procurar as respostas. Não existe “forma simples e eficaz” para construir a autonomia em meio digital; quem o disser, ou está mentindo, ou conta só meia verdade, ou quer te conquistar para o novo aplicativo da moda. Sem autonomia de hardware, não existe autonomia de software, só negociações em torno do que se transmitirá para as mãos do inimigo. Mesmo ao construir conscientemente essas negociações, é preciso mudar hábitos, consolidar novas práticas, aprender novas coisas. Em sua busca, se ler mais atentamente o que já está escrito, você terá muito gosto em ler a parte seguinte desta série, já publicada (https://passapalavra.info/2022/02/141951/), e a última parte, ainda por vir. Se esta parte, e as duas próximas, não responderem ao que você indaga, com todo o respeito, vocẽ está sendo afetado pelo solucionismo tecnológico, e deveria aproveitar a oportunidade para repensar sua relação com a tecnologia.

  10. “O primeiro problema enfrentado ao adaptar-se é a péssima qualidade da internet rural: apesar da bela propaganda das operadoras, só onde o agronegócio pautou a implementação de uma infraestrutura de antenas e estações rádio base (ERB) existe sinal de celular e internet adequado às necessidade da chamada “vida moderna”. As alternativas são antenas e modems rurais que entregam sinal já enfraquecido”.

    A bizarrice está a olhos vistos e não é percebida…. A expansão do capital deixando de ser função dos capitalistas para ser função dos trabalhadores. É o modo de produção toyotista levado das fábricas aos mais distantes rincões de trabalhadores. É o toytismo combinado com precarização exponencialmente. A gestão do capital deixa de ser “diretamente” por capitalista e gestores, para ser feito por… trabalhadores… O controle e a fiscalização da burguesia e do estado é implantada pelas próprias mãos dos trabalhadores… Por que será que São Lula já propunha “internet para todos”? As mesmas mãos que usam um Huawei, Iphone, Sansung, Motorola, Intel, Dell, Asus, Vivo, Claro, Brasil Sat 1, 2, 3…, etc, querem emancipar a classe trabalhadora através da… Huawei, Iphone, Sansung, Motorola, Intel, Dell, Asus, Vivo, Claro, Brasil Sat 1, 2, 3…, etc, Este é o “nosso terreno”? Então… “não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida. É a parte que te cabe deste latifúndio …”

  11. Z1010010,eu estava exatamente buscando pensar fora do solucionismo tecnológico,por que se o arranjo político SOBRE o Nosso Terreno não for feito, não há magia técnica que resolva!! Por isso chamei atenção que nosso problema não são os milhões de canais ou apps,mas a soberania,a falta dela,obre os espaços que queremos pensar e desenvolver.

  12. Lord Bizarro, capitalistas são capitalistas porque produzem? Ou porque exploram quem produz? Se é pela primeira causa, a solução é o boicote até a morte — do boicotador, claro, porque de tanto boicotar morrerá de fome. Se é pela segunda causa, o recomendado é continuar suas reflexões nas partes seguintes da série.

    delito, entre o solucionismo e o que este artigo e os demais da série propõem existe enorme diferença. Todas as “soluções” apresentadas até agora, como qualquer leitura atenta evidencia, não são “soluções”, mas instrumentos para processos coletivos de mobilização social que as precedem. Esta parte da série, e a seguinte, evidenciam este caminho. Estamos chegando ao mesmo lugar por caminhos diferentes.

  13. Estou fascinado com a ideia e com a tecnologia escolhida, tudo que está escrito é perfeito, sim um sonho que pode se tornar realidade e pode ser feito e trazer benefícios para muitas pessoas. A descrição técnica teórica e acadêmica está perfeita, faltam algumas definições práticas, organizacionais , origem do investimento para implementar e manter a rede, frente aos atuais custos dos serviços de dados, análise de custo benefício para decidir pela viabilidade do projeto.
    Outra questão é capacitação e mão de obra especializada para implementar e manter uma rede de telecomunicações. Importante deixar claro deixar claro qual a finalidade e o custo total para implementar e manter esses equipamentos, qual vai ser a fonte de recursos dessas redes mesh ? Aonde será implementado ?
    Em países desenvolvidos onde a renda percapta é 10 vezes maior que a do Brasil esse custo se dilui facilmente entre a população. Em países como o Brasil onde as pessoas vão para a fila do açougue disputar um pedaço de osso para o almoço fica difícil pensar em grandes projetos sem ter uma fonte de recursos bem clara, de onde vem o dinheiro ?.

  14. Gustavo G Carlo, você está coberto de razão. Dois dos principais problemas da implementação de redes mesh no Brasil são exatamente esses: financiamento e suporte técnico. Não é impossível conseguir recursos em fundos específicos para a implementação (p. ex., Tactical Tech, Swedish International Development Cooperation Agency (SIDA), Open Society Foundation, União Europeia, etc.), mas estamos falando de alternativas do próprio sistema, não de alternativas anticapitalistas. Mobilizar os recursos para instalar e manter uma rede mesh pode ser muito difícil se não se pensar, junto, em uma infraestrutura capaz de garantir a sustentação (p. ex., uma coooperativa de trabalhadores da tecnologia). Essa infraestrutura coletiva/comunitária pode ser a base para a sustentação financeira (p. ex., usando financiamento colaborativos e vaquinhas), mas é preciso ter recursos o tempo inteiro: cabos se partem, aparelhos queimam, antenas enferrujam… O suporte técnico também é um grande problema. Conhecemos de perto comunidades brasileiras onde ONGs implementaram redes mesh fantásticas, que funcionaram nos primeiros meses para interligar comunidades muito isoladas, mas que deixaram de funcionar no primeiro defeito porque as ONGs só pensaram na instalação e esqueceram a manutenção. Melhor dizendo: acreditaram que algumas oficinas de capacitação substituiriam cursos técnicos de manutenção de redes, e que as pessoas envolvidas estariam “100% engajadas no projeto”, ou seja, que não fariam mais nada da vida além de cuidar da rede mesh. Experiências que conhecemos na África do Sul e na Colômbia, por sua vez, apostaram na formação de longo prazo, em capacitação técnica de gente interessada vinda da própria comunidade, em formação de cooperativas técnicas. São as que melhor funcionam: cobram pelo acesso num preço extremamente mais barato que as provedoras comerciais, mas há fatores específicos da conjuntura das telecomunicações nesses países que faz das redes comunitárias uma alternativa real. Os usuários nesses países não são assim tão diferentes daqueles que, no Brasil, vivem com renda mensal de um a dois salários mínimos (quem disputa osso para o almoço não tem internet nem aqui, nem na África do Sul, nem na Colômbia, nem em lugar algum, sejamos realistas com nossas expectativas quanto ao público).

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